Escreve
José Temudo
Eu não disse? Puxa-se por uma
cereja e logo vem um punhado delas!
Tal como nos casos anteriores, a
figura de que vou falar era conhecida e referida em Chaves pela alcunha que lhe
tinham colado. Conheci o “FANHONHAS” uns dias depois de termos chegado à
cidade. Estávamos a dispor a mobília, os utensílios e os objectos decorativos,
que tinham acabado de chegar pelos caminhos de ferro, nos compartimentos e
lugares adequados, quando demos conta de que a iluminação de um dos quartos não
funcionava. Saí à rua para saber de um electricista. E bem depressa encontrei
quem me indicasse um.
“Está a ver aquela loja ali? É a
do Fanhonhas. Ele é electricista.”
Entrei na loja e dirigi-me à
única pessoa que lá se encontrava, um homem de estatura média, dos seus
cinquenta anos de idade. Estava de costas para a entrada, arrumando caixas numa
prateleira. Deu pela minha entrada na loja, e, sem se voltar, perguntou?
“O que deseja?”
“Boa tarde! O senhor é o snr.
Fanhonhas?”
O homem virou-se para mim,
lentamente, mirou-me de alto a baixo, e respondeu-me secamente, com algum
azedume:
“Não, não sou o snr. FANHONHAS!”
Depois dele falar e do modo como
o fez, dei imediatamente conta de que tinha metido o pé na argola. O homem era
acentuadamente fanhoso e, embora eu desconhecesse o termo fanhonhas, logo me
pareceu que fanhoso e fanhonhas eram uma e a mesma coisa. E desculpei-me,
contando a verdade. Que éramos de fora, que estávamos a montar a casa, que um
interruptor não funcionava, que saí à rua para procurar um electricista e que,
na rua, alguém me disse para procurar nesta loja pelo sr. Fanhonhas.
“Bem. Disse ele, mais brando, eu
sou mesmo electricista, mas o meu nome é José Dias.”
“E o snr. Dias poder fazer o
favor de ir lá a casa arranjar o interruptor logo que possa?”, perguntei-lhe
ainda receoso de lhe ouvir um não rotundo, mal humorado.
“E onde é que vocês moram?”
“É logo aqui, na Rua da Alfândega
Velha”, respondi-lhe, já mais tranquilo.
“Na casa da viúva... ....?”,
indagou ele, com o ar de quem estava relacionando dois factos.
“É nessa mesma.”
“Então você é filho do novo chefe
das finanças?”
“Sou, sim, snr. Dias.”
“Está bem......está bem!” Pode ir
indo, que eu lá irei, logo que o meu filho chegue. Pode ir indo.”
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Jardim de Chaves |
E foi assim que conheci o snr.
José Dias, o Fanhonhas, como era conhecido na cidade. Era um bom homem, um
profissional competente e honesto, educado, talvez um pouco rabugento, cujo
defeito maior era falar pelo nariz. Mas, não era por isto que ele era popular
entre os seus conterrâneos. A razão era outra.... e boa. Em meados do século
passado, nos meses quentes de verão, os flavienses tinham o saudável costume de
ir para o Jardim Público gozar o ar fresco da noite, proporcionado pela
proximidade do rio, pela acção de inúmeras árvores de grande porte, frondosas,
e pela rega que o jardineiro fazia ao pôr do sol. As pessoas passeavam-se de cá
para lá, sentavam-se nos bancos, conversavam........ e ouviam música, emitida a
partir de uma cabina situada mais ou menos no centro do Jardim. A música que se
ouvia era, duma maneira geral, a que estava em voga: tangos, valsas, sambas,
rumbas, boleros, canções, e fados. A troco de 2$50, quem queria podia escolher
uma música e dedicá-la à moça ou ao moço de quem gostava ou a alguém que queria
homenagear!
Pois bem, o “disc-joquey”, o dono
da aparelhagem sonora e dos discos e da voz inconfundível que lia as simpáticas
dedicatórias, era nem mais, nem menos, o snr, José Dias, o conhecido Fanhonhas!
E era desta sua actividade que
lhe advinha a popularidade, a boa popularidade de que desfrutava entre as
pessoas da cidade.
Pequena nota
Este texto do nosso Amigo e Colaborador fez-nos recordar um facto
passado e muito contado na nossa cidade de origem.
Havia um comerciante local no ramo fotográfico, então com grande
movimento que tinha o seu estabelecimento, que ainda existe, numa das
principais artérias da cidade.
O estabelecimento era muito procurado para aquisição de rolos, máquinas
e revelação das fotografias, além de se tirarem fotos tipo passe e artísticas.
O proprietário tinha o mesmo problema do Sr. José Dias e havia por
vezes alguma dificuldade em o compreender.
Um dia, uma senhora fez qualquer pergunta ao senhor que naturalmente
lhe respondeu dentro da dicção que lhe era própria.
A senhora voltou-se para ele e disse-lhe: “Sr. Fulano, desculpe mas não
percebi.”
O homem, já não muito satisfeito, voltou a responder como da primeira
vez e a senhora voltou a dizer que não tinha percebido.
Então, aborrecido com o facto largou grande asneira.
Reacção da senhora, voltando as costas:
"O sr. Fulano é muito malcriado!”
“Vê, como já percebeu”, respondeu o comerciante.
Eu não assisti ao diálogo mas dizem ser verdadeiro. Já se passaram pelo
menos 60 anos!
JV