domingo, 18 de outubro de 2009

Tacões, "monte" da Freguesia do Pereiro, concelho de Alcoutim (apontamentos monográficos)

(PUBLICADO NO JORNAL DO BAIXO GUADIANA Nº76 DE JUNHO DE 2006, P. 16)


[Tacões, vista parcial, 1992. Foto J.V.]

No decorrer dos meus escritos sobre Alcoutim que se têm vindo a estender ao longo de mais de três décadas, já abordámos de carácter concreto, alguns montes do concelho de Alcoutim, principalmente da sua freguesia, ainda que já tivéssemos feito incursões nas de Vaqueiros e Giões.

Para que isso aconteça são considerados vários factores que vão desde a proximidade, o que por vezes nos proporciona um melhor conhecimento, do interesse que a povoação nos suscita, pela sua pequenez ou grandeza, por algum facto que consideramos importante que lá tivesse ocorrido, pela residência ou naturalidade de algum familiar ou amigo, etc. etc.

Conheci o “monte” de Tacões em 1974, quando não era fácil ao automóvel lá chegar e quando minha mulher tinha lá o seu posto de trabalho. Apesar de na altura a desertificação já se fazer sentir, ainda possuía umas dezenas de habitantes o que originava o número suficiente de crianças para a existência de uma escola.

[Professora e alunos na escola em 1974. Foto J.V.]
Muito recentemente consegui saber que no “monte” onde meu filho fez a primeira classe (como então se dizia), nasceu em 1804 um dos seus tetravós, de nome Manuel João Dias!

Para além destas duas curiosidades, a que se junta o seu intrigante nome, o monte foi sempre dos principais da sua freguesia.

Nas nossas leituras e pesquisas fomos coleccionando dados que hoje nos possibilitam apresentar um puzzle ainda que com muitas falhas.

Quem estiver na vila e pretender encontrar esta pequena povoação, tomará a estrada nacional 122-1, encontrará o Cruzamento ou Quatro Estradas e seguirá pela nº 124.

Cerca de dez quilómetros percorridos e agora em terrenos mais ou menos planos, encontrará à direita uma placa que nos indica um desvio que nos levará a este monte pertencente à freguesia do Pereiro de que dista cerca de quatro quilómetros.

Este troço de estrada, numa extensão de cerca de mil e quinhentos metros, foi executado por administração directa da Câmara Municipal e consistia na pavimentação do troço com uma camada betuminosa, montando o seu custo a cerca de seis mil contos. (1)

O monte, que ainda hoje apresenta uma área considerável, é de tipo concentrado e em 1839, segundo Silva Lopes, era na freguesia o que possuía maior número de fogos, vinte e nove. (2)


[Antiga escola hoje transformada em Capela]
Numa zona de terrenos muito pobres, toda a actividade das suas gentes se baseava numa agricultura de subsistência, representada pela cerealicultura, nomeadamente o trigo, base da alimentação. A isto se acrescentava a pastorícia, principalmente de gado miúdo que possibilitava a obtenção de uns escudos para fazer face às despesas mais prementes.

A lã e o linho originaram uma tecelagem artesanal, de grande qualidade que ainda existia em finais da década de sessenta do século passado. Havia pelo menos um tear de onde saíam interessantes colchas de carapulo.

Temos conhecimento que em 1771, Afonso Vilão, dos Tacoenz, isto para indicar a ortografia de então, procedia na Câmara ao manifesto dos seus gados e em 1767/68, tinha exercido o lugar de fabriqueiro (tesoureiro) da Igreja do Pereiro. Por essas alturas, Gaspar Lourenço, deste monte, pagava de foro à mesma Igreja, dois alqueires de trigo.

Outros habitantes de Tacões exerceram as funções de fabriqueiro como aconteceu a Francisco Dias (3) (1785/86), Tomé Vilão (1787/88) e Marcos Rodrigues (1797/98) (4)

Em 1840 os moradores deste monte pedem à Câmara para serem considerados coimeiros para o gado miúdo, até 15 de Agosto, os restolhos situados entre o sítio da Eira d`Anna Dias (5) e a Fonte do Serro Gordo, o que foi deferido. (6)

O monte tinha um rossio em 1850 e Manuel Cavaco pediu terreno dele para fazer um curral, o que lhe foi concedido. (7)

É curioso o facto passado em 1880, em que José Bárbara (ou Barbosa) possui um boi que investe com todas as pessoas que se lhe aproximam, como sucedeu há pouco com duas mulheres que ficaram muito maltratadas. Neste sentido, o Regedor da freguesia é mandado intimar o possuidor do animal para que num prazo curto o faça retirar do concelho. (8)

Em 1883 havia no monte doze crianças do sexo masculino em idade escolar (9) e possivelmente outras tantas ou mais do sexo feminino que para o efeito, na altura, não eram contabilizadas.

Na sessão da Câmara de 2 de Dezembro de 1939 foi deliberado pedir a imediata criação de um posto de ensino escolar, o que veio a acontecer.

Segundo informação verbal que me forneceu o pároco da freguesia, nessa altura, o povo acabou por construir um edifício que serviu de escola até à sua extinção que deve ter ocorrido na década de oitenta do século passado. Em 1996 foi adaptado a capela e casa mortuária. (10)

Foi dos poucos montes da freguesia que possuiu um estabelecimento comercial misto que segundo o Anuário Comercial de 1947 pertencia a António Marques Romeira e que eu conheci ainda funcionando por volta de 1975 e propriedade de Eusébio Romeira Marques, certamente familiar do anterior proprietário.

Após o 25 de Abril recebeu o fornecimento de energia eléctrica que motivou a criação de sete fontanários para distribuição do precioso líquido e nove particulares, na altura, aproveitaram para mandar abrir outros tantos furos artesianos.

Os arruamentos foram cimentados em 1994 por proposta aprovada em reunião de Junta da Freguesia e as caixas de recepção do correio instaladas em 1997.

O Censo populacional de 1991 ainda lhe atribui sessenta e dois habitantes, devendo ter hoje pouco mais de uma dezena.

Ficou para o fim aquilo com que muitas vezes iniciamos trabalhos deste tipo – o topónimo.

Tendo merecido sempre a nossa atenção, acaba por não ser inédito visto haver outro lugar com o mesmo nome na freguesia de S. João dos Caldeireiros, do vizinho concelho de Mértola.



Localmente nada encontrámos, nem as tão tradicionais lendas que mais ou menos bem arquitectadas tentam explicar os nomes.

O estudioso José Pedro Machado, algarvio recentemente falecido, interroga se não alude a pessoas de família local com o apelido Tacão. (11) É nome de família que não existe na freguesia e que nunca encontrámos em documentação do século passado e do anterior. O singular também existe. Quererá significar uma alcunha proveniente do substantivo masculino tacão e que deu origem a um antropónimo? Ou terá a ver com o adjectivo tacanho?

Não encontrámos mais nada escrito sobre o assunto.

Aqui fica o que consegui reunir sobre este típico monte da freguesia do Pereiro, concelho de Alcoutim.

NOTAS
(1) – Boletim Municipal, nº 10 de Abril de 1992.
(2) – Corografia do Reino do Algarve, Lisboa, 1841
(3) – Nasceu nas Furnazinhas, freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim, sendo 6º avô de meu filho.
(4) -Livro de Contas da Fabrica da Parochial Igreja do lugar de Pereiro, nº 2, com termo de abertura e encerramento de 19 de Junho de 1767
(5) – A título de curiosidade dizemos que uma Ana Dias, nascida na primeira metade do séc. XVIII em Tacões, era 5ª avó de meu filho.
(6) – Alcoutim visto através das Posturas Municipais (1834-1858), José Varzeano, Peniche, 1989, pág. 6
(7) – Acta da Sessão da Câmara Municipal de 26 de Agosto daquele ano.
(8) – Of. Nº 108 de 4 de Setembro de 1880 do Administrador do Concelho ao Regedor da Freguesia.
(9) – Livro do Recenseamento Escolar da Freguesia de Pereiro - Sexo Masculino, termo de abertura de 26 de Janeiro de 1882.
(10) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 3 de Junho de 1996, pág. 9.
(11) – Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, III Vol., Horizonte/Confluência, 1993.