
Escreve
Luís Cunha
Muitos dos nossos avós de Alcoutim eram analfabetos, porque só existiam escolas nas sedes das freguesias. O único processo de não esquecer e perpetuar o repositório de lendas e tradições, bem como as próprias experiências, era a transmissão por via oral. Daí o grande desenvolvimento da memória e riqueza de pormenores de seus curiosos relatos.
Vamos reavivar um deles, interessante narrativa que nos é sugerida pela notícia de um novo desporto em voga nos Estados Unidos e que com ela tem alguns pontos de relação. Por meio de pequeno detector portátil, os americanos entretêm-se a buscar tesouros ocultos; a prática é de sempre mas a novidade e fazerem dela um desporto.
Vejamos o que a velhice de Alcoutim tem a dizer-nos, relacionado com isto: O Remechido deambulou cerca de 10 anos pelas serras do Algarve que martirizou de uma ponta a outra. Quando em 1838 foi preso pelas forças fiéis a D. Maria II, a maior parte dos que o acompanhavam não o fazia por motivos políticos; eram camponeses de vários bandos de salteadores que de há muito infestavam as serras, desde Monchique às margens do Guadiana, e se lhe haviam agregado.
Aos políticos foram perdoados os delitos, pelo que regressaram às suas terras, mas os outros, com crimes e pilhagens imperdoáveis às costas, viram-se em sérios apuros porque a batida em forma lhes não deixava em toda a serra buraco ou esconderijo seguro. Um dos seus últimos e até aí invioláveis redutos, era a região quase inacessível de Vaqueiros a Odeleite, onde se acoitaram, por fim; mas nem aí acharam a desejada segurança, porque algumas designações locais a eles referidas despertaram a atenção dos batedores.
Acossados nessa guerra sem quartel e na ânsia de libertar-se de estorvos e compromissos, os vários bandos do grupo, que se espiavam mutuamente, trataram de esconder nos lugares ínvios da serrania onde o ferro do arado não meteu dente até hoje, o fruto das pilhagens de muitos anos, Com a pressa, esqueceram ou menosprezaram o montanheiro que de perto se espreitava e, lesto, se apossou de quanto viu esconder.
Muitos foram mortos e outros presos, pelo que, diz-se, há ainda tesouros por encontrar. São em grande parte conhecidas as rixas e desavenças a que deram lugar as partilhas entre os que dos primeiros se apossaram. Houve famílias que carregando com tudo o que o monte lhe propunha dividir, desapareceram sem deixar rasto. Outras vezes criaram-se desentendimentos de tal ordem que ainda se mantêm.
A um amigo, digno de todo o crédito, ouvimos há pouco que assistira em garoto a uma dessas partilhas de libras que se mediam aos sacos e, por entre muitas outras peripécias, os velhos apontavam o caso de um saco cheio, desenterrado à noite por um grupo e guardado na casa de um deles, ter sido encontrado na manhã seguinte com metade das libras e a outra metamorfoseada em pedras.
Mais recentemente, o ferro da charrua esbarra de quando em vez com cestos e panelas de barro velho cujo conteúdo os achadores não publicam. Curiosamente, um dos montes do concelho ostenta o nome de Tesouro, desconhecendo-se se o que lhe deu tal nome foi ou não algum achado.
Mencionámos outras vezes como o Guadiana e suas margens se propõem complementar o turismo balnear fornecendo-lhe elementos em falta: a panorâmica contrastante e sempre vária do rio, desportos náuticos praticáveis todo o ano, pesca desportiva do barbo e outros, em represas a construir para isso, pousadas de descanso ou recuperação em locais apropriados e caça das espécies para o turismo de Inverno. Onde tudo o mais falta. Isto seria uma achega, talvez insuficiente para contentar por muito tempo o espírito aventureiro dos moços de hoje, os “mangas de camisa” que, estuantes de vida e ávidos de correr seus riscos, enjeitam todo o paternalismo e caminhos traçados, preferindo meter pelas veredas e atalhos do desconhecido. Há, por isso, que dar-lhes outras oportunidades, e era oferecendo a essa juventude irrequieta o aliciante do novo0 “desporto” que Alcoutim ajudaria a rebater a enervante arguição de que o Sotavento algarvio, além da amenidade climática e benignidade dos espaçosos areais, nada mais tem para dar ao turista.
Comum aos dois sexos – escusado é dizê-lo – o referido “desporto” abre-se ao cultivo das energias físicas e virtudes da alma, como um ilimitado campo de experiências.
Do alto das serranias, olhai a vastidão da Natureza, virgem de poluição. E enquanto o fizerdes, achareis outro, o maior dos tesouros: a cura repousante do espírito pela distracção de preocupações activas e das agruras do dia a dia.