Ao longo de mais de trinta anos de escrevinhar sobre Alcoutim e o seu concelho, além de referirmos as sedes de freguesia, já abordámos individualmente alguns “montes”.
Hoje, ao procurarmos escrever algo sobre uma pequena povoação, veio-nos à memória um escrito que tínhamos organizado há longos anos e não tinha sido publicado.
Foi fácil encontrá-lo, tinha o título que indicamos e foi escrito em Março de 1974, por isso há mais de trinta e quatro anos!
Porque não foi então enviado para o jornal, não posso precisar mas é muito provável que tenha a ver com as prioridades que o 25 de Abril nos trouxe.
Se a grande parte do texto estaria em condições de agora vir a lume, outro foi ultrapassado com o decorrer dos anos. Contudo, iremos transcrever, quando se justificar, algo do que então escrevemos.
A designação de Montes do Rio, e que muitas vezes temos referido nos nossos escritos, aprendê-mo-la quando chegámos a Alcoutim, sendo-nos explicado que era hábito ancestral assim se designar o conjunto de pequenas povoações (montes) a sul da vila e situados na margem do Guadiana, designados individualmente, por ordem de proximidade, Montinho das Laranjeiras, Laranjeiras, Guerreiros do Rio, Álamo e mesmo Foz de Odeleite, um pouco mais distante e pertencente ao concelho de Castro Marim, mas fazendo parte da então Secção da Guarda Fiscal de Alcoutim.
De Alcoutim ao primeiro “monte”, pelo rio ou pelo caminho velho (pouco mais de pé posto), eram oito quilómetros; por estrada e desde 1967, contavam-se vinte. Foi este o caminho que utilizamos na primeira visita e que deu origem ao escrito de então, que ficou na gaveta.
Dizíamos assim:
Estrada Nacional nº 122 – placa indicativa de Guerreiros do Rio – 8 km.
Seguimos a indicação.
Algumas centenas de metros adiante, depara-se-nos, de surpresa, um excelente panorama de terras de Andaluzia. Distante, aqui e ali, aglomerados populacionais do país vizinho. Continuamos. Surge-nos o primeiro monte, a Corte das Donas, cujo segundo termo prende-nos a atenção, já que o primeiro é vulgaríssimo por estas paragens e que pode estar relacionado, entre outras coisas, com a pastorícia, actividade outrora muito da afeição desta gente.
A estrada continua, contornando os cerros e de onde em onde aparecem amendoais, de árvores de fraco porte e de produção deficiente, já que os terrenos são pobres e as plantações não obedeceram aos requisitos técnicos por falta de conhecimentos e dificuldades monetárias.
Começa a notar-se tendência para descer, sinal de que se aproxima o Guadiana.
Chegámos. Paralelamente ao rio, a estrada continua (...)
O beco sem saída que os montes do rio eram então, deixou do o ser com a construção do troço da estrada municipal 507, conhecido pela estrada marginal, que acompanha o rio desde Alcoutim até à foz da ribeira de Odeleite.
Este recanto que durante séculos só teve como via de comunicação a então auto-estrada que o Guadiana constituía, tinha tido em tempos recuados, mais propriamente no período romano, uma via que, vindo de Beasuris (Castro Marim) por aqui passava a caminho de Alcoutim, inflectindo para o interior, para evitar a foz do Vascão, passando por Cortes Pereiras e Sedas em direcção a Mértola e daqui para Beja (Pax Yúlia). (1) Isto é confirmado por sondagem feita num velho caminho, quase junto ao rio.
Escrevíamos há trinta e quatro anos:- Os “montes do rio”, tal como a sede do concelho são um beco. Com uma única via terrestre de acesso, só de propósito se lá vai. Vivem o problema do isolamento que os atrofia e só ocasionalmente são descobertos. A tão falada estrada marginal iria-os beneficiar imenso e talvez torná-los um centro de repouso e veraneio.
A então falada estrada marginal, em 1989 já se encontrava activa e os “montes do rio”, tal como a vila de Alcoutim, tinham deixado de ser beco sem saída, o que provocou, a par de outros benefícios, um movimento desusado.
Quem passa pela marginal, a caminho do litoral algarvio e se tiver acabado de vencer o plano, monótono e escaldante Alentejo (referimo-nos ao período de Verão) ao acompanhar pela estrada o rio que com a grande amplitude de um dos maiores rios da península, calmamente desliza, só a proximidade da água o refresca. As margens deixam de ser abruptas e rochosas, passam a ser planas e de terrenos de aluvião, que cheias milenárias têm fabricado, tornando-os produtivos. Em nossa opinião, estamos na presença da zona de maior riqueza agrícola do concelho, ou pelo menos, das mais ricas.
Estas condições naturais possibilitaram, no decorrer dos séculos, a fixação do ser humano, tendo os romanos deixado vestígios importantes, sempre referidos nos trabalhos da especialidade.
Estácio da Veiga, talvez o primeiro arqueólogo português, que percorreu as margens do Guadiana após a grande cheia de 1876/77, que tudo revolveu, indica o Álamo como sede de “povoação romana extinta ou arrasada”. (2)
Na mesma povoação o “muro velho”, como o povo do monte lhe chama, constituiu uma represa ou barragem que os romanos construíram no barranco da Fornalha. Foi o arqueólogo tavirense que o identificou, mandando levantar uma planta.
O muro deveria ter tido inicialmente um comprimento de cerca de 50 metros, possuindo actualmente a altura máxima de 3 e a espessura da mesma medida e com contrafortes. O topo do muro tem cerca de 2,3 m e os sete contrafortes estão afastados uns dos outros, igualmente 2,3 m. A espessura é de metro e meio e o comprimento de 1,6 m. (3)
Presume-se que a barragem tivesse tido uma capacidade de 2.100 m3.
É uma obra hidráulica de alguma envergadura, possivelmente para servir a povoação que deverá ter existido nas redondezas e de que Estácio da Veiga fornece mais alguns dados.
A muralha, devido à técnica de construção, tem-se mostrado de uma solidez impressionante e o povo considera-a eterna. (4)
Este monumento foi classificado como imóvel de interesse público pelo Decreto nº 26-A/92, de 1 de Junho e nove anos passados continua completamente abandonado.
Ao sul das ruínas de um edifício romano denominado a “Igreja”, foram encontradas três estátuas incompletas, sendo uma de Apolo, em mármore, com 1,69 m de altura. Apresenta-se nu, apoiado a um tronco de árvore onde repousa a correia e a aljava. Faltam-lhe a cabeça e os braços, encontrando-se no Museu Nacional de Arqueologia.
Também nas proximidades do Montinho das Laranjeiras e na mesma altura, Estácio da Veiga identifica uma “villa” que mostra grande construção com vários compartimentos e piscina num pavimento de mosaicos. Vários objectos cerâmicos foram recolhidos.
Esta ocupação romana é atribuída aos começos do século I.
O local volta a ser alvo de escavações a partir de 1991.
A zona dos “montes do rio”, além da riqueza agrícola que encerra devido às margens do rio, onde tudo é possível cultivar, desde os produtos hortícolas (batata, couves, tomate, abóbora, cebolas, alhos, favas, griséus, melões, melancias, etc.) aos pomares de citrinos e de outros frutos, não esquecendo grande número de oliveiras centenárias e algumas milenares, ainda em franca produção, e considerada como a zona do concelho onde se faz mais vinho. Em anos de boa produção, vendem uva às arrobas. Com a raiz a beijar a água, mantêm a secular tradição de plantar romãzeiras e marmeleiros, além de canaviais que tudo estabiliza fixando as margens do rio.
Nos últimos anos a realidade é outra. O armazenamento das águas nas barragens, cada vez em maior número, começou a provocar o aumento da salinidade, hoje bastante notória, evitando assim que se possa regar do rio. Por esse motivo, os agricultores abriram furos artesianos mas mesmo assim, grande parte deles, segundo nos informam, dão água imprópria para rega.
O casario, onde sobressai aqui e ali uma construção mais recente que contrasta com a típica da região, de xisto e grauvaque, desenvolve-se pela encosta dos cerros sobranceiros ao rio, primeiro como meio de defesa, depois porque há que aproveitar a margem onde os agricultores tiravam grande parte do seu sustento
Isto que escrevemos então, mantém a fundamentação que utilizámos, apesar de hoje o número de novas construções, dentro das técnicas e tipos actuais se espalharem e serem idênticos em todo o país, do norte ao sul. Constituem, na maior parte dos casos, casas de férias mandadas construir muitas vezes por filhos da terra que fizeram a sua vida por outras paragens, pelo litoral, na cintura industrial de Lisboa, quando não emigraram para a França e Alemanha ou outros países da Europa. Com o andar dos anos, as portas vão-se fechando, a zona e as pessoas pouco ou nada dizem aos herdeiros, filhos ou netos que têm motivações e vivências diferentes.
Contudo, e ao mesmo tempo é possível encontrar velhas e típicas construções devidamente recuperadas, por vezes por gente de fora, mantendo as platibandas e fachadas trabalhadas em argamassa e policromos. É um gosto olhar para elas, valha-nos isso!
O arranjo floral de outrora, dado pelos cactos, malvas rosas, gerânios e loendros, tudo necessitando de pouca água, passou a prescindir destas espécies e a receber entre outras, as buganvílias de várias cores atraentes. Existe no cais de vila, talvez desde a sua fundação, uma brava, como o povo considera as que dão flor pequena e de cor roxa, a única que era então conhecida. Deitaram-lhe ao pé, montes de sal mas não a conseguiram matar!
Ainda que junto à estrada marginal se note um maior número de construções, igualmente existem na encosta do cerro, onde o acesso é mais difícil e por vezes impossível mas de onde se desfrutam bons panoramas sobre o rio, plenos de quietude e não fáceis de esquecer.
Tudo o que se pode usufruir nos montes do rio, tem por base estrutural o rio Guadiana, começando logo pela designação pela qual a zona é conhecida.
Foi o rio que proporcionou a comunicação fácil e rápida, foi o rio que proporcionou bons terrenos agrícolas, foi e é o rio que possibilita a actividade piscatória que aqui teve um dos principais centros ao longo do Guadiana e de que restam alguns resquícios.
A pesca ao candeio e à colher, principalmente esta, são actividades de características ímpares. A primeira, já indicada por Silva Lopes na Corografia do Algarve, tem a sua época propícia a partir de S. João até Outubro e destina-se ao muge.
Efectuada à noite, com o auxílio da lancha, um dos pescadores vai remando e o outro, colocado à proa, mune-se do candeio (utilizava-se um gasómetro) e de fisga, espécie de arpão normalmente de dez dentes. Devido à luz, o peixe aproxima-se e o pescador ferra-o com um golpe ágil e firme.
A pesca à colher, penso que já desaparecida, é referida por Baldaque da Silva, afirmando, já nessa altura (1891) que é pouco usada pelo insignificante lucro que dá.
Covo, nassa e palangre, são outras artes utilizadas pelo pescador que tem hoje na enguia o seu principal meio de vida, estando muito em voga em pratos confeccionados localmente e que só se obtêm por encomenda suficientemente antecipada.
Enquanto por todos os montes foram fechando os pequenos estabelecimentos comerciais, pela diminuição drástica da população e pela concorrência do comércio ambulante, que tudo leva aos mais pequenos lugarejos, aqui vão-se mantendo com o auxílio da restauração.
Em relação aos Guerreiros do Rio, escrevemos então: Passando por uma ruela escabrosa, chamou-nos a atenção um forno de cozer pão, muito cuidado. Quando o observávamos, chegou-se um habitante que solícito nos disse tratar-se do “forno do monte”. Não tinha dono. Era de todos, sempre foi assim, ninguém se recorda de quem e como tinha sido construído, sabiam sim que era de todos. Quando necessitava de qualquer reparação, o assunto tornava-se simples:- uma volta pelo monte e todos contribuíam com o seu óbolo, mesmo aqueles que tinham forno próprio, pois não queriam perder o direito de utilizá-lo, quando entendessem.
Interessante também, a maneira da utilização. Quando se pretendia fazer a amassadura, ia-se ao forno e pegando num raminho de mato, colocava-se sobre o pial, perto da porta e seguro com uma pedra. Se já lá encontrasse um, ficava sabendo que no dia seguinte ocupava o segundo lugar na utilização. A primeira pessoa a cozer, era designada por a “aquentadeira“.
Diziam-nos que a tradição era mantida e respeitada, mesmo pela garotada. Até quando?
Estes fornos, de importância primordial e que ilustram como base a economia medieval, além de na sua maioria se encontrarem sob o controle senhorial, outros contudo estavam isentos de encargos, constituindo propriedade comunal, ou seja, os fornos dos concelhos, fornos públicos que nalguns pontos do país, principalmente nos mais isolados, chegaram aos nossos dias, como é este o caso e de outros existentes no concelho.
Houve mesmo, de 1980 a 1992 o apoio incondicional do município no sentido de apoiar no restauro estes meios de produção que funcionaram pelo menos até meados do século passado. Hoje, dificilmente algum laborará.
Continuando nos Guerreiros do Rio (até na toponímia o rio aparece), referimos a existência do “novo” edifício escolar, em posição central, hoje devoluto por falta de alunos e que concentrava as crianças dos “montes do rio” com o apêndice de Corte das Donas, situado a alguma distância.
Antes deste entrar em funcionamento, já em 1917 funcionava uma escola móvel, sistema então criado pela República.
Na escola velha e logo após o 25 de Abril, fundou-se o Centro Cultural Povo-M FA, sigla então muito em voga.
A reparação do edifício, que se encontrava abandonado, foi efectuada pelo povo com o auxílio das Forças Armadas.
Além da criação de um posto clínico cujo apetrechamento foi possível pelo abate ao efectivo de um vaso de guerra, pois parte do material existente foi para aqui enviado, era assistido por médicos, duas vezes por semana.
Tinha um salão de festas.
Tudo isto pertence ao passado e faz parte da história local, sendo representativo de uma época ainda não muito distante.
Em 1980 anuncia-se que aqui será instalado o Museu do Rio que recolherá apetrechos de pesca e outros objectos e documentos ligados à vida do rio, não esquecendo o comércio ilegal entre as duas margens do Guadiana.
Com ele pretende-se testemunhar toda a vida ribeirinha nos aspectos histórico, cultural e etnográfico.
O museu só vem a ser inaugurado em 1995. O hoje chamado núcleo museológico abundava em textos, desenhos e fotografias, notando-se falta de objectos visto deverem ser eles a razão da sua existência.
A povoação teve posto da Guarda-fiscal, sendo um dos últimos a ser extinto. É por demais evidente que o povo das regiões fronteiriças tivera sempre propensão para as duas actividades antagónicas: - o contrabando e o controlo fronteiriço de pessoas e bens. Em ambos os campos, os montes do rio tiveram os seus representantes.
As Lutuosas eram associações destinadas a dar aos herdeiros dos sócios, após o falecimento destes, um subsídio correspondente na maior parte das vezes à quota mensal que esses sócios pagavam. O valor nem sempre foi ou é assim determinado, tendo variado de época para época, de associação para associação.
Numa época de salários baixos e de desemprego, quando falecia alguém e não havendo qualquer apoio estatal, as dificuldades eram grandes para fazer face às despesas mínimas indispensáveis, em que se incluía as quatro tábuas do caixão, já que a sepultura de corpo à terra tinha caído em desuso ou era proibida. A acção da Santa Casa da Misericórdia e neste campo, tinha-se desvanecido. Para combater tal situação, as pessoas sentiram necessidade de se associarem, criando as Lutuosas.
A dos Guerreiros do Rio foi criada em 1934, a primeira nesta zona, funcionando ainda em 1976, com quota mensal de cinco escudos.
A Cheia Grande (1876), como não podia deixar de ser, fez-se sentir de uma maneira profunda e os estragos causados nas fazendas marginais das Laranjeiras, Guerreiros e Álamo calculados em 9.500$000 réis.
No Montinho das Laranjeiras caíram sete prédios, entre os quais os de Manuel Braz, António Afonso, Manuel do Ó, José Botelho e Antónia Luísa e nos Guerreiros desabaram seis, sendo um de Manuel Henriques.
Entre o Montinho e as Laranjeiras, segundo é tradição e me foi transmitido oralmente (5) apareceu um cadáver boiando, o qual, ao ser avistado por uma mulher, foi motivo de pavor entre a população.
A mesa da estação telegráfica do Pomarão foi recolhida nos Guerreiros por Manuel da Palma Gato que com Manuel Henriques, Maria Custódia, viúva de Ildefonso Gonçalves, Domingos de Melo e António Mestre foram das pessoas que neste “monte” sofreram maiores prejuízos.
Também o Álamo foi afectado mas não há registo de nenhum desabamento mas sim de grandes estragos nas várzeas do rio propriedades de António José, José Madeira, Manuel Vicente, Manuel Gonçalves Palma, João Gonçalves e outros de menores montantes.
Em 1845, quando se preparou a divisão oficial, por este lado, entre os concelhos de Castro Marim e Alcoutim, João Martins, morador e proprietário nos Guerreiros do Rio, foi um dos dois informadores por parte de Alcoutim.
Um requerimento dos moradores, em 1887, solicita à Câmara a concessão de um subsídio de nove mil réis que se destina a aprofundar e reconstruir o poço público.
Dois poços abasteciam o “monte” o que hoje acontece por intermédio de oito fontanários, através de furo artesiano.
Em 1991, e continuamo-nos a reportar aos Guerreiros do Rio, tinha cinquenta moradores e cinquenta e nove edifícios.
O topónimo tem por base, segundo pensamos, a existência de indivíduos que em épocas recuadas defenderiam a zona fronteiriça, já que em tempos distantes, os mancebos da região estavam isentos de cumprimento do serviço militar mas eram obrigados a defender a fronteira em caso de guerra.
O Álamo, e aqui é evidente a origem do topónimo, álamos ou choupos são vulgares nesta zona, estende-se pela encosta com algumas construções, como já referimos, a chamar a atenção.
Também aqui existiu forno comunitário de cozer pão e era conhecida a arte de fazer cadeiras e cestos.
Havia dois poços públicos sendo hoje a água distribuída por nove fontanários e em 1991 foi concluída a pavimentação dos arruamentos.
Tal como na maioria dos “montes” da freguesia, existia uma Lutuosa.
Em 1839 tinha vinte e um fogos e no recenseamento de 1991 era dos montes do rio o mais populoso, com sessenta e quatro moradores e cinquenta e sete fogos.
Em 1939 a Câmara pediu a criação de um posto de ensino escolar para este monte.
Em frente, no outro lado do rio, a propriedade rústica conhecida por Fonte Santa.
Laranjeiras, monte que igualmente teve forno comunitário e Lutuosa. Aqui o secretário e o tesoureiro eram eleitos anualmente até 15 de Janeiro. Pagavam-se as despesas do funeral excepto a parte religiosa.
O topónimo é de fácil explicação.
Em 1865 junto ao poço público que servia as Laranjeiras, Casa Velha e Montinho, Manuel Pereira Roxo, proprietário de uma fazenda que lhe fica junto, resolve avaladá-la de pedra solta, o que estreitou o caminho que conduz ao poço, de tal maneira que é quase impossível passarem bestas com cargas.
Resolve o povo reclamar junto da Câmara, alegando que desde tempos imemoriais existe este poço, com o seu competente tanque, de onde o povo tira água para o seu serviço e dá água a seus gados.
A Câmara, com o presidente, Paulo José Lopes e os vereadores, Dionísio Guerreiro, de Giões e José Joaquim Madeira, da vila, foi ao local a pedido do povo, avaliar a situação. Acabou por certificar que o poço em questão é antiquíssimo e foi feito em terreno livre e desembaraçado de paredes em redor; que é um poço público e não há muitos anos foi reparado à custa dos habitantes. Considerou que deve ser deixado um espaço de 3,12 m entre a parede e o poço. (6)
Hoje a água é distribuída por quatro fontanários, existindo alguns furos artesianos privados.
Em 1883 havia um rossio no monte onde Paulo Pereira pede terreno para fazer uma casa (7) e em que actualmente existe um campo de futebol.
Neste monte e em casa de Manuel Cavaco, deu-se no dia 10 de Setembro de 1877 um acidente de que resultou a morte de um homem.
Entre outras pessoas encontrava-se um guarda da Alfândega de Faro e um marítimo de Mértola, conhecido pelo Caxata que, desejando conhecer bem o revolver do guarda o esteve carregando, mas inadvertidamente deixou uma bala na câmara e ao fazer rodar o tambor fê-lo com tanta infelicidade que a bala atravessou-lhe o peito, morrendo de imediato. O guarda foi preso e remetido ao Tribunal de Tavira com o competente auto. (12)
Em 1987 a Câmara consegue ver colocada uma antena no cerro da Grandaça (a que tinha estado no cerro da Castanha) que possibilitou ver então os dois canais de televisão, nos montes do rio. A. R.T.P. no dia 30 de Abril pede que se informe das condições em que está a ser recebida a emissão.
Tal como os outros montes do rio, Laranjeiras viu os seus arruamentos pavimentados em 1993.
Existe um pequeno cais acostável, de alvenaria, feito em 1986 a expensas da Câmara Municipal e da Região de Turismo do Algarve, ficando-lhe perto um modesto parque de merendas, hoje penso que desactivado e que fazia falta no local.
No censo de 1991 apresentava cinquenta e sete moradores e trinta e nove fogos.
Sabe-se que, desde Outubro de 1804, fazendo patrulhas e rondas, um destacamento do Regimento de Infantaria 14, comandado pelo tenente de caçadores, Francisco Paula de Brito Cabreira, permanecia vigilante na região compreendida entre o Montinho das Laranjeiras e a vila. (8)
A caminho da vila encontramos as zonas rústicas do Pontal, topónimo que significa “ponta de terra ou de penedia que avança pelo rio dentro”, onde existiu um posto da Guarda Fiscal e na frente do qual, na margem oposta, o Puerto Carbon. É nesta zona que se encontra a maior ou das maiores profundidades do Guadiana, com vinte e quatro metros, o que resulta certamente da escavação provocada pela pressão das águas face ao grande obstáculo a vencer. (9)
Existe hoje aqui em miradouro que quanto a nós, não corresponde ao investimento feito.
Depois, as zonas do Vinagre, de oliveiras milenares e o Vale de Condes onde em 1987 foi identificada uma necrópole de origem Tardo-Romana, cuja idade remonta provavelmente aos séculos V/VI. (10)
Ainda mais próxima da vila, a zona do Abrigo, topónimo relacionado com as características locais de protecção à navegação fluvial e já próximo da vila, a Cochoa (cochoas eram pessoas que iam na retaguarda dos exércitos peninsulares, no século XIII) (11) onde parece que irá projectar-se a ponte que ligará Alcoutim a Sanlúcar.
Iremos terminar, com o que então escrevemos em 1974: - As nossas modestíssimas palavras tiveram um único intuito: - quando passar pela estrada nacional nº 122 e encontrar a placa “Guerreiros do Rio - 8 km”, roube meia hora aos seus afazeres - vá aos montes do rio - não perderá o seu tempo. Se dispuser de algum, saboreie uma caldeirada à maneira do pescador do Guadiana e... adquira apetitosas eirós ou saltitante muge, se for época disso. Ficamos convictos que voltará, como a nós nos aconteceu.
Hoje em dia, com a construção da estrada marginal E.M. 507, em funcionamento desde 1989 os montes do rio deixaram de ser, como já dissemos, um beco sem saída e são percorridos e descobertos por muitos condutores que, principalmente no Verão procuram esta via e não a E.N. 122 para alcançar o litoral algarvio, correndo em compita com o Guadiana.
NOTAS
(1) – Arqueologia Romana no Algarve, Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos, Vol.II, 1971.
(2) – Antiguidades Monumentaes do Algarve, Sebastião Philippes Martins Estácio da Veiga,
(3) – Aproveitamentos Hidráulicos a Sul do Tejo, António de Carvalho Quintela, João Luís Cardoso e José Manuel Mascarenhas, 1986.
(4) - Arqueologia Romana no Algarve, Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos, Vol.II, 1971.
(5) – Foi o Sr. António Patrocínio dos Santos, oriundo daquela zona que nos transmitiu o facto, contado pelos seus ascendentes.
(6) – Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 24 de Março de 1865.
(7) - Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 18 de Agosto de 1883.
(8) – A Invasão de Junot no Algarve, Alberto Iria.
(9) – Maravilhoso Guadiana (…), Francisco Dias da Costa, 1991
(10) – “O Cemitério da Vila de Alcoutim, da origem aos nossos dias”, José Varzeano, in Jornal do Algarve de 10 e 17 de Março de 1988 e” Identificada uma necrópole em Vale de Condes”, in Revista Alcoutim, nº 4 de Dezembro de 1996, p. 26.
(11) – Dicionário Onomástico da Língua Portuguesa, José Pedro Machado, Horizonte/Confluência, 1993.
(12) - Cópia do of. nº 151, de 12 de Setembro de 1877, dirigido ao Governador Civil de Faro pelo Administrador do Concelho.