sábado, 31 de dezembro de 2011

Alcoutim Livre entra de férias



É verdade, após três anos e quarenta e cinco dias, o BLOGUE ALCOUTIM LIVRE vai entrar num período de férias que pensamos serem merecidas.

As postagens feitas até hoje, umas mais curtas outras mais longas, só a título excepcional, são meras conversas e para a sua organização foram necessárias variadíssimas pesquisas em papel, on line e orais, nem sempre com os sucessos que desejávamos.

Percorreram-se muitas centenas de quilómetros em veículo próprio e até aproveitando o facto para mostrar a alguns alcoutenejos o ALCOUTIM PROFUNDO que de outra maneira não lhe seria fácil. Tiraram-se milhares de fotografias ainda que por vezes falte sempre a mais adequada.

Se é verdade que alguns dos temas estão esgotados, como acontece por exemplo com os montes do concelho, pois já escrevemos sobre todos eles ou os templos, outros há que têm muito que explorar.

O número de visitantes / leitores esteve sempre em ritmo ascendente, o que prova o manifesto interesse que tem demonstrado, como periodicamente temos feito notar através de depoimentos que nos foram chegando ao longo dos tempos.

Essa circunstância, actualmente, está a diminuir sobre este aspecto mas aparecem outros de índole diferente a que sempre respondemos procurando contudo satisfazer os pedidos que nos formulam, o que nem sempre é possível.

Recebemos recentemente do Brasil um pedido no sentido de descobrirmos num alfarrabista a existência de determinado livro. Fizemos as nossas tentativas que foram coroadas de êxito indicando à interessada onde se encontrava para o poder adquirir.

A única alusão negativa e que aqui foi publicada na íntegra, também chegou até porque fazia falta para separar as águas e é originária, como então referimos, do Gabinete de Comunicação da Câmara Municipal de Alcoutim e que foi assinada por Ana Lúcia Gonçalves, jornalista segundo me informam. Tenho muitas dúvidas que tivesse sido ela a escrever o texto. É a velha estória das pressões dos “poderosos”, aqui e em qualquer parte do Mundo.



Necessitamos de pôr o local de trabalho com alguma ordem e iremos dedicar o tempo a fazê-lo.

Esperamos, contudo, voltar um dia.

Às centenas de visitantes que diariamente procuravam o ALCOUTIM LIVRE o nosso profundo agradecimento. Só com a sua ajuda foi possível continuar o trabalho que nos tem dado gosto realizar.

Aos amigos e colaboradores vai o nosso agradecimento pelo valioso contributo dado e que muito enriqueceu este trabalho. Continuem a organizar os seus textos.

Entrar de férias em 1 de Janeiro é marcante e a esta postagem corresponde precisamente o nº 1000.

Com as saudações do,

JOSÉ VARZEANO

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O Castelo de Sanlúcar do Guadiana através dos tempos

(PUBLICADO NO JORNAL DO BAIXO GUADIANA,Nº 93, DE JANEIRO DE 2008, P. 19)

[O Castelo de Sanlúcar visto do caminho do Brejo. Foto JV, 2010]

D. Sancho II, o 4º rei de Portugal, depois de conquistar Mértola em 1238 e ter descido pelo vale do Guadiana, conquistando igualmente Aiamonte, (1238) fez entrega dos territórios conquistado, em 16 de Janeiro de 1239, à Ordem de Santiago, tendo criado, para defesa da zona, fortalezas nos pontos estratégicos de ambas as margens do rio.

Crêem alguns que foi o caso da fortaleza existente na colina que domina completamente Sanlúcar e o Guadiana. (1)

Com o rodar dos tempos, a fortaleza medieval entrou em completa ruína e foi abandonada por falta de condições.

Na Guerra da Independência de Portugal, o Conde Jerónimo Ró, Mestre de Campo General, responsável pela defesa da zona, constrói um Forte, que foi designado por de São Jerónimo, junto da Igreja paroquial, tendo sido para o efeito demolidas muitas casas. Com o desenrolar da guerra verificou que a fortificação era insuficiente para prestar uma oposição forte aos portugueses, pelo que decidiu construir um castelo que como não podia deixar de ser tinha por lugar a referida colina dominante, aproveitando os alicerces ainda existentes. Passa-se isto em 1642 (2) quando a luta estava mais acesa.

[Antigo brasão de Sanlúcar]

É tradição que quando o castelo se estava construindo, os portugueses realizaram um assalto provocando muitas vítimas. (3)

As obras foram custeadas pelos habitantes de Sanlúcar e que transportaram os materiais para a sua construção.

Tem planta irregular com quatro torres e uma porta virada ao norte. Está edificado a 137 metros de altura, é de linhas simples e característica do período do Renascimento. (4)

O castelo era utilizado pela população local e a que se estendia pelos lugares circunvizinhos, como refúgio, tanto para defesa da acção bélica dos portugueses, como no caso de inundações provocadas pelo rio Guadiana. (5)

O Conde Schomberg, Governador das Armas no Alentejo, dispôs-se a atacar este castelo onde recolheu toda a população, deixando o povoado deserto, o que fez com três mil infantes e mil e duzentos cavalos.

A artilharia pouca mossa causou às tropas portuguesas e o Governador da Praça mandou dizer que queria render-se o que foi aceite por Schomberg, deixando sair a guarnição a caminho de Aiamonte. O castelo foi ocupado no dia 29 de Maio de 1666, ficando a governá-lo António Tavares Pina que resistiu à tentativa de reconquista efectuada por cento e vinte infantes e cem cavalos vindos de Aiamonte. (6)

Voltou a desempenhar papel importante na Guerra da Sucessão de Espanha (1704/1713).(7)

Em meados do século XIX era considerado como tendo bons apetrechos de guerra, com um obus e dois canhões de calibre 46, tendo um destacamento de artilheiros e tropas de linha. (8)

[Pormenor do Castelo de São Marcos. Foto JV, 2010]

O monumento encontrava-se em estado de degradação, foi-lhe construída contudo uma estrada de acesso.

São Marcos deu o nome ao castelo que tem na sua frente, em Portugal, uma ribeira que desagua junto a Alcoutim que tem o mesmo nome. Haverá alguma relação entre os dois factos?

Visitámos o castelo a primeira vez que fomos a Sanlúcar, isto em Maio de 1967 e nunca mais lá voltámos!

Além da visita apressada, aproveitámos para fazer uma fotografia sobre Alcoutim que ainda hoje possuímos.

Consta que está a ser objecto de escavações arqueológicas que certamente irão esclarecer algumas situações.


NOTAS

(1) História de Sanlúcar do Guadiana (dactilografado)
(2)”Sanlúcar de Guadiana – uma terra com 700 anos”, in Jornal do Algarve de 7 de Setembro de 2000.
(3) Este dado tradicional foi-nos transmitido cerca de 1971 por um jovem oficial que comandava a guarda civil local, de que não posso precisar o nome, que era de origem de famílias portuguesas da zona de Castelo Branco, como na altura nos referiu.
(4) Guia Bilingue – Alcoutim / Sanlúcar, Turismo, História e Cultura Raiana, Edição ATAS, 2006, pág. 61.
(5) Huelva en el sic.XV – Tierra de Señores – II Gibraleon – Tierras de Realengo – Poblaciones com castillo – 6 – Sanlúcar de Guadiana.
(6) História do Portugal Restaurado, Conde da Ericeira, Vol. VI.
(7) Ayamonte Geografia e Historia, Maria Luísa Díaz Santos, 1990.
(8) Diccionario Geográfico-Estadistico-Historico de España y sus posesiones de ultramar, Pascual Madoz, Madrid, 1845-1850.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Caracóis

[Retirado com a devida vénia de kristininhanacozinha.blogspot.com]

Estes gastrópodes terrestres, univalves de concha em forma aspiralada, respirando por pulmões, distribuem-se por todo o país.

São animais hermafroditas, cada um possui os dois sexos mas precisam de um parceiro para se reproduzirem.

Os caracóis não têm audição e têm o tacto e o olfacto muito desenvolvidos.

Enquanto o tacto está mais desenvolvido nas antenas menores, nas maiores situam-se os olhos com visão deficiente.

São herbívoros, alimentando-se de diversos tipos de plantas. Existem, contudo, algumas espécies, poucas, que se alimentam de minhocas ou de outros caracóis.

O seu habitat preferido é um solo húmido mas não encharcado, escondem-se durante o dia e com a humidade da noite saem para desenvolver a sua actividade.

Reproduzem-se quatro vezes por ano e a gestação dura cerca de 16 dias, a postura é feita a cerca de 8 cm de profundidade em lugar húmido cavando o local apropriado com a cabeça. O número de ovos depende das espécies e poderá ir de 100 a 300.

Existem muitas espécies de caracóis e de tamanhos variados.

Depois desta pequena introdução iremos referir o que nos interessa no aspecto gastronómico, visto ser esse facto que nos moveu.

O povo costuma dizer que o caracol é o marisco do homem do interior por não ter o mar próximo.

Na Europa consta-nos que são os portugueses e franceses os seus maiores apreciadores, mas em Portugal esse facto não era uniforme em todo o país, já que na Beira ninguém concebia comer-se tal produto. Digo isto porque em 1960 fiz lá uma “caracolada” e só consegui que uma pessoa me acompanhasse.

Hoje na Internet encontramos as mais variadas receitas, os caracóis dão para tudo. Cada qual vai acrescentando-lhe mais qualquer coisa, para uns, beneficiando, para outros degradando.

Ribatejanos, alentejanos e algarvios são os portugueses mais apreciadores deste molusco.

Iremos referir aqui por alto a receita de Mestre Carlos um algarvio do litoral que se fixou em Alcoutim.

Os caracóis depois de convenientemente lavados em várias águas eram cozidos com alhos esmagados com a pele, batatas miúdas com a pele, piripiri, sal e orégãos que não podiam faltar. Utilizavam-se de preferência os troncos.

Tão simples como isto.

Hoje, possivelmente, ninguém os faz desta maneira, metem-lhe caldos compactos disto e daquilo ou outras coisas, mas não foi assim que os comemos em Alcoutim.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O 2012


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Andebol em Alcoutim!



É verdade, andebol em Alcoutim e há 61 anos!

A nível de Grupo Desportivo de Alcoutim desde 1967 não me consta que tenha sido modalidade desportiva praticada e depois da criação da Escola C+S também não tenho conhecimento que isso tivesse acontecido.

Esta foto, que me foi cedida pelo meu colaborador e amigo Gaspar Santos, é datada com “Recordação do dia 13 de Setembro de 1950 e referente à equipa vencedora.

Julgo que foi tirada no Campo da Fonte Primeira junto à Ribeira da Cadavais, como parece indicar o canavial que se vê ao fundo.

Os jovens de então aproveitaram o dia da Feira de Alcoutim para confraternizarem e praticarem desporto.

Foi nestas alturas que a juventude se movimentou para tentar animar a Feira de Vila que já se encontrava em pleno declínio introduzindo a “festa”. A verdade é que a feira só existe no papel e que se extinguiu completamente. No concelho, quem quer ir à Feira vai ao S. Marcos e não sei até quando durará.

Foram os poucos estudantes da época que teriam aprendido as regras do jogo praticando-o em liceus ou colégios e que o ensinaram aos jovens locais. Os jogos eram disputados entre equipas formadas na ocasião, como se fazia com o futebol, ora escolho eu, ora encolhes tu, muda aos cinco e acaba aos dez!

Isto é uma sugestão minha que não deve andar muito distante da realidade.

Oe elementos estão todos identificados. De pé, da esquerda para a direita, Gaspar Santos, José Afonso, Fernando Dias (fal.), José Martinho e José Cavaco Peres. No primeiro plano e pela mesmo ordem, Mário Baptista, João Mestre (fal.) e Lázaro (fal.)

Mais um documento para a história de Alcoutim.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O gasómetro



Na minha meninice que não ocorreu no concelho de Alcoutim, lembro-me deste utilitário candeeiro ser utilizado à noite nas feiras da minha cidade por boleiras ou doceiras e pelas vendedeiras de pevides, tremoços, alfarrobas torradas, amendoins, rebuçados, nógado, “pilritos” de mel, etc. Nunca me esqueci do cheiro característico que exalavam.

Este rudimentar aparelho de iluminação que funcionava com acetileno pela acção da água sobre o carboneto de cálcio (carbite) era muito utilizado pelos mineiros.

O gás produzido era conduzido por um tubo ou mangueira que se encontrava na parte da frente do capacete do mineiro.

Em relação a Alcoutim, eu só sabia que este candeeiro se utilizava (ou utilizou) na pesca ao candeio e onde entrava a fisga.

Para poder completar o assunto tive que recorrer ao nosso amigo e colaborador Eng. Gaspar Santos, a quem pus algumas hipóteses, às quais respondeu com a lisura e eficiência que lhe são peculiares.

Nas festas de Alcoutim também as doceiras chegaram a utilizara tais gasómetros para exercer a sua actividade e lembra-se bem de nos primeiros anos um indivíduo dos montes do rio montar um barraco para vender uns copos, que era iluminado com candeeiros de acetileno.

Os poucos veículos de tracção animal,à noite, mostravam a sua presença precisamente por este sistema rudimentar de iluminação.

Este candeeiro veio a ser substituído pela ainda utilizada lanterna a petróleo que já referi neste espaço.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Republicanas quase Desconhecidas- Lançamento na Vila do Cadaval

[A Vila do Cadaval. Foto JV, 2011.12.17]

No passado sábado, dia 17, desloquei-me à Vila do Cadaval para assistir ao lançamento desta obra na excelente Biblioteca Municipal.

Isso aconteceu devido ao alerta lançado e convite formulado pela autora, Mestre em História, Fina d `Armada.

Apesar dos inconvenientes pessoais emergentes na altura, não podia deixar de assistir a tal evento e de conhecer pessoalmente a grande historiadora que é a Dra. Fina d `Armada.

Tanto ela como eu fomos dos primeiros a chegar e identificámo-nos imediatamente, acertámos em cheio.




[Dra. Sofia Quintino]

Depois das indispensáveis apresentações entre os presentes, realizou-se a cerimónia da plantação de um carvalho, após a qual Fina d `Armada, tendo a seu lado um sobrinho neto da cadavalense republicana, Dra. Sofia Quintino (1878-1964) das primeiras médicas do país, fez a explicação filosófico-religiosa com clareza e erudição do que representava a árvore.

[Plantado o carvalho e o mesmo depoios de plantado. Foto JV]
Usou igualmente da palavra o representante da família da republicana que se estava a homenagear. Ainda que não a tivesse conhecido, recebeu sobre ela várias informações de carácter familiar que divulgou e agradeceu ao mesmo tempo à Dra. Fina d `Armada circunstâncias que desconhecia completamente.

Foram convidados os presentes a colaborar na plantação com a colocação simbólica de um pouco de terra junto ao pé, o que também fiz.

[Fina d `Armada usando da palavra. Foto JV]

Seguidamente teve lugar o lançamento local do livro Republicanas quase Desconhecidas e que já tive o prazer de apresentar na minha rubrica Escaparate.

Uma singularidade que não passou despercebida e que não me lembro de encontrar em qualquer outra parte – a “Mesa” era constituída por quatro mulheres – A Vice-presidente da Câmara Municipal do Cadaval que naturalmente abriu a sessão, a representante da Editora Temas e Debates – Circulo dos Leitores, que falou a seguir, a apresentação do trabalho, coube à Dra. Tânia Camilo.

[A Vice-Presidente da Câmara abrindo a sessão. Foto JV]

Finalmente tive a oportunidade de ouvir a autora do trabalho que escalpelizou a matéria com o à vontade de quem a conhece minuciosamente e com a grande vantagem de utilizar termos muito acessíveis.

Dissecando o trabalho, notava-se o gosto com que o fazia, procurando transmitir uma importante mensagem.

Ouvida atentamente pela assistência, cujo número como é habitual em qualquer outra parte, pecava por não encher o auditório e lá se ouviu a expressão de “poucos mas bons” que se justifica plenamente.


[A Dra. Fina d`Armada explicando o seu trabalho. Foto JV]

Seguiu-se a sessão de autógrafos a que me associei, adquirindo um exemplar para oferecer a um amigo.

Segundo informação recebida, há disponibilidade para efectuar mais lançamentos, primordialmente nas terras de origem das “quase” desconhecidas que Fina d `Armada trouxe ao conhecimento público como grandes republicanas.

A minha ida ao Cadaval, além do prazer descrito, possibilitou-me voltar a um concelho onde exerci a minha profissão cerca de ano e meio, e igualmente minha mulher trabalhou dois anos, aí o meu filho fez a 4ª classe e iniciou o Ciclo Preparatório.

Cadaval é uma vila que ficou no meu coração e onde fui muito bem recebido.

Fiquei, juntamente com minha mulher, satisfeito por constatar o seu desenvolvimento, está hoje, pelo menos o triplo do que era.

Apesar de mais de trinta anos passados ainda me foi possível reconhecer duas pessoas.

Que o Cadaval continue a progredir são os nossos desejos.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Lembranças... Saudades...




Poeta


José Temudo








AO COLEGA, AMIGO E CRIADOR DO ALCOUTIM LIVRE, AOS QUE NELE COLABORAM, ÀS RESPECTIVAS FAMÍLIAS, E A TODOS OS QUE TÊM A PACIÊNCIA DE ME LEREM, DESEJO UM NATAL FELIZ E UM ANO NOVO TÃO BOM QUANTO POSSÍVEL.

José Temudo

domingo, 18 de dezembro de 2011

Vicissitudes nas ligações fronteiriças Alcoutim / Sanlúcar

(PUBLICADO NO JORNAL DO BAIXO GUADIANA nº 88, DE AGOSTO DE 2007)

[Barca de passagem. Desenho de JV, 1993]

A ligação entre os povos é indispensável às suas vivências e ao seu progresso, mas situações políticas e de saúde, por exemplo, dão origem à rotura da ligação, motivando o encerramento temporário ou definitivo da fronteira.

Temos algumas indicações dessa situação que vêm do último quartel do século XIX.
Por comunicação de 3 de Julho de 1875, a autoridade sanitária de Sanlúcar informa que “aquela povoação vai fechar os portos com esta vila” cerca das doze horas do dia seguinte.

Felizmente, escreve o Administrador do concelho de Alcoutim, pelas seis da tarde do dia 5 já a fronteira estava aberta. (1)

Tratava-se certamente de um caso de peste, pretendendo assim evitar o contágio.

Em 1884 o Administrador do Concelho oficia ao Alcaide Constitucional de S. Lucar do Guadiana informando que desde a altura em que receba esta comunicação, ficam cortadas as comunicações e encerrados os portos dessa com esta nação no que toca aos limites deste concelho.

Apresenta como razão, o achar-se declarado sujo de cólera desde o dia 20 do corrente o porto de Huelva e suspeitos os demais portos desde Cádiz a Ayamonte, acrescentando que está cumprindo ordens superiores. (2)

O cordão sanitário que se organizou na margem do Guadiana e em relação ao território alcoutenejo foi levantado em 1 de Agosto seguinte. (3)
A fronteira veio a ser reaberta em 21 de Janeiro de 1885. (4)
Poucos meses depois, mais precisamente em 15 de Junho, o Administrador do Concelho informa o Alcaide de S. Lucar que ao pôr do sol desse dia ficam interrompidas as comunicações entre as duas povoações e isto para cumprimento de ordens superiores, como não podia deixar de ser. (5) Não apanhámos na documentação consultada a sua reabertura.

Passaram-se cerca de cinco anos para se verificar outro encerramento da fronteira, o que aconteceu em 1890 devido a ter-se desenvolvido em Espanha as epidemias de cólera e febre-amarela. Encerraram os portos às seis da tarde do dia 22 de Junho. (6) Entretanto a situação normalizou-se.

Em 1893, devido ao convénio assinado entre os dois países fica livre a ligação entre as duas povoações, deixando por isso de haver a barca de passagem que vem pelo menos do tempo do foral manuelino a Alcoutim, de 20 de Março de 1520, com capítulo próprio intitulado “BARQUA” que estipulava preços e condições.

O Administrador do Concelho responde ao Governador Civil nos seguintes termos:

Sobre o 1º e 2º ponto constante da mesma circular, tendo em vista as disposições contidas nos tratados e convénios ali citados, cumpre-me informar a V. Eª que não encontro conveniente ficar inteiramente livre a navegação do Rio Guadiana e sim para comodidade dos povos de Portugal e Hespanha, a sustentação de barcos de passagem, sendo este serviço explorado por municípios e ayuntamientos e no caso de abolição dos referidos barcos, sou de parecer que as Câmaras devem ser indemnizadas por quem de direito dever.
Relativamente ao 3º ponto declaro que continuando a existência dos barcos actuais, convém estipular que o rendimento público o haja em este e outro reino.


A verdade é que a barca de passagem para Sanlúcar, nos termos em que existia foi extinta, tendo sido o último arrematante da mesma, José Domingos Rodrigues no período de 1893/94, o que fez por 15$020 réis. (7)

O Administrador do concelho, em 1893 oficia ao Governador Civil nos seguintes remos: …parecendo-ne haver qualquer disposição na Lei que autoriza o nosso facultativo a exercer a sua clínica em Espanha, venho consultar V.Exª sobre o ofício que acabo de receber do Alcaide de S. Lucar do Guadiana e no caso afirmativo, rogo se digne esclarecer-me sobre o assunto para poder responder àquela autoridade.

Não encontrámos o ofício oriundo de Espanha nem a resposta do Governador Civil mas sempre ouvi dizer na pequena vila raiana que o médico e o padre de qualquer dos lados estavam autorizados a deslocar-se ao país vizinho.
Nunca ninguém me mostrou ou indicou a disposição legal. Penso que o hábito e a tradição teriam acabado por fazer lei. (8)

NOTAS
(1) Of, nº 30 de 6 de Julho de 1875, do Administrador do Concelho.
(2) Of. Nº 131 de 26 de Julho de 1884 do Administrador do Concelho ao Alcaide Constitucional de S. Lucar do Guadiana.
(3) Of. Nº 137 de 2 de Agosto de 1884 do Administrador do Concelho ao Chefe da Delegação de Faro.
(4) Of. Nº 14 de 21 de Janeiro de 1885, do Administrador do Concelho ao Alcaide Constitucional de S. Lucar.
(5) Of. Nº 54 daquela data.
(6) Of. Nº 126 de 22 de Junho de 1890 do Administrador do Concelho ao Alcaide Constitucional
(7) “Coisas Alcoutenejas – A Barca de Passagem”, José Varzeano, in Jornal do Algarve – Magazine, de 27 de Janeiro de 1994.
(8) Saúde e Assistência em Alcoutim no séc.XIX, José Varzeano, Edição da C.M.Alcoutim, 1993.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações - XIX





Escreve

Daniel Teixeira





O NATAL EM ALCARIA ALTA

Nunca passei um Natal no Monte de Alcaria Alta ou noutro do Concelho. Uma das poucas memórias que não posso ter, mesmo. Não sei como era o Natal no Monte e quando lá regressava, nos meus tempos de criança, era já quase final do ano seguinte pelo que a haver conversas para pôr em dia essas seriam seguramente outras mais recentes.

Facto é que também nunca vi brinquedos nas mãos dos miúdos de lá. Acho que nem eu os tinha ou levava para lá...não fazia parte nem das possibilidades nem dos nossos interesses na altura. Muito sinceramente nem sequer me lembro de ver por lá uma miúda a brincar com bonecas, coisa que seria a mais possível.

Lá pelos meus 12/14 anos começou a virar-se a vocação do Menino Jesus do sector da doçaria ligeira para outros caminhos (Pai Natal é coisa que nunca conheci naquele tempo como referência). O Paulito (em Faro) recebeu num Natal um stick de hoquéi devidamente decorado com as cores do Sporting, para jogar aquilo a que chamávamos hóquei em campo com os nossos sticks feitos a martelo e com martelo.

Era um pau comprido para agarrar, por vezes com o topo limado ou simplesmente lixado ou nada e duas peças de madeira em baixo com a devida angulação (mais de 90º a roçar os 100/120 graus) pregadas, quanto mais forte melhor. Era o nosso auto brinquedo.

O stick «amaricado» do Paulito durou pouco tempo mesmo: não resistiu às investidas dos defesas ou dos atacantes. Ainda se tentou remendá-lo com duas ripas na fractura mas não aceitava prego e fita adesiva ainda não havia e acabaria sempre por não resultar: os embates eram fortes e foi verdadeiramente um erro de cálculo do Menino Jesus ter oferecido aquilo ao Paulito.

De qualquer forma a única glória que ele nos trouxe foi o facto de ter inicialmente contribuído para o aumento das assistências, ter aumentado o leque de «clubes» adversários porque em termos de jogo jogado era um verdadeiro desastre. Mas foi interessante vê-lo durante o pouco tempo que durou. A bola por norma era uma pedra tão redonda quanto possível sem achatamento obrigatório.


[Presépio Algarvio]

Piões compravam-se com alguma facilidade e berlindes tinham duas fontes de chegada: a compra pura e simples e as garrafas de «sofrutos» que havia na altura. A invenção da carica veio estragar-nos a vida, neste plano.

Mas no Monte nada disto contava nem nada disto existia: as nossas brincadeiras não tinham qualquer brinquedo e embora de uma forma geral o direito a ter um canivete tivesse lugar logo cedo os recortes que se faziam nos paus de esteva ou de loendro eram sobretudo auxiliares do pouco trabalho que fazíamos e na grande parte do tempo para ter as mãos entretidas. Portanto por aquilo que deduzo o Natal no Monte seria a ceia, algumas filhoses e empanadilhas e pouco mais.

Couve havia, até demais para o meu gosto, e embora fosse saborosa pecava pela repetição e tinha entrada em quase todos os pratos. Bacalhau era raridade. A abóbora e o frade, cozidos com casca em fatias tipo melão, depois de limpas algumas agruras e rugosidades eram companheiros do grão, do feijão seco, das batatas. Acho que foram os montanheiros os inventores indirectos do caldo knorr pois que era sempre colocado um bocado de courato ou osso com uma nesga de carne em cada panela. Mas comia-se à farta, mesmo, nem que fosse uma simples açorda com pão, azeite, coentros, alhos esmagados a «murro» com a testa do pão e ovos escalfados.

Fiz acima a resenha dos brinquedos ou auxiliares da brincadeira citadina para tentar mostrar uma coisa que parece desde logo evidente: sem meios ou com poucos meios nós na cidade tínhamos brinquedos e coisas para brincar: no Monte havia alguns meios mas não havia a ideia para a sua realização; não fazia parte do ambiente envolvente.

Ia-se ao pássaro com ratoeiras e aqui cabe dizer que a biodiversidade não deve ter ficado muito prejudicada com a nossa actividade uma vez que se apanhavam dois, três pássaros, por vezes seis, em dias de sorte para nós e de azar para a passarada. Ficávamos por princípio na eira do senhor Vilão, logo à entrada do Monte, no lado esquerdo de quem vem de Giões, com bastante palha ainda não armazenada e alguma semente por um lado e por outro, fora e dentro da eira propriamente dita.

Escondíamo-nos no casarão em frente e ficávamos deitados de barriga para baixo em silêncio espreitando pelas largas frestas da porta. Os pássaros eram todos pequenos, cotovias sobretudo e pardais e tirar-lhes as penas era o nosso trabalho dentro do casarão cada vez que um caía. Depois, comê-los, dada a sua pouca quantidade era quase um ritual: foguinho de esteva, pau com bico para virar e nem sal era preciso. Era verdadeiramente delicioso...

Caçar com os galgos, proibidíssimo fora da época de caça e dentro dela era também uma das nossas «brincadeiras»: por vezes apanhávamos (apanhavam os cães) um coelho, lebres raramente. Esses vinham para casa, para serem cozinhados pelas mães ou avós e havia um outro ritual nisso em casa dos lavradores. Comíamos a «nossa» caça depois dos ganhões cearem e éramos os únicos à mesa...em certo sentido acho que o objectivo implícito neste ritual era fazer com que cada um de nós tivesse presente que a nossa ceia era um produto do nosso trabalho, do nosso esforço e que isso nos fazia mais homens.

Natal, pois, não fez parte das minhas experiências campesinas nem me lembro de ser dada grande importância a esse facto nem sequer no plano religioso. Provavelmente a Igreja em Giões faria o seu festejo litúrgico mas a parte chamada de profana não existia simplesmente pelo que me lembro e neste caso posso dizer que me lembro de tudo o que não me lembro.

Ora e a ser correcta a minha memória (se o não fosse teria certamente uma ideia) viver sem ter Natal e sem ter prendas será possível. O que me leva a pensar na avalanche de «espírito natalício» que abunda actualmente nas cidades. Festa da família também não haveria, seguindo este princípio, mas de facto pouca falta faria porque a família estava sempre presente mesmo estando ausente.

Quase todas as pessoas que foram referência campestre para mim já faleceram...e talvez por isso, ou mais por isso, raramente vou a Alcaria Alta...numa das minhas deslocações de dois ou três dias neste segundo período (pós quase 30's) cruzei-me com a senhora Antonica que foi mãe de dois dos meus grandes amigos de lá.

Lavradora, estava na altura a lavar roupa junto ao poço de uma horta o que nunca a vi fazer antes porque tinha sempre gente para o fazer. Estranhou que eu não a fosse visitar a casa quando ia ao Monte «eu que tantas vezes lá fui e tanto tempo por lá ficava» ...com os seus filhos, não acrescentou ela mas acrescentei eu a mim mesmo interiormente.

Arranjei uma desculpa esfarrapada e a promessa de lá ir ainda antes de voltar à cidade. Nunca o fiz...manter memórias é por vezes um trabalho difícil que implica para mim também não destruir a imagem que se tem guardada...

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"Cozinha"

Apresento hoje um “prato” que nunca comi e que deve ter entrado em desuso mas nem por isso o deixarei de referir como “prato” típico dos alcoutenejos de então.


Já referi aqui os “jantares” e procurei caracterizá-los o melhor que sabia.


Irei fazer o mesmo em relação à “cozinha” tomando em consideração o que escrevi no meu trabalho A Freguesia do Pereiro (do concelho de Alcoutim) «do passado ao presente», Edição da Junta de Freguesia do Pereiro, 2007.


A “cozinha”, termo também usado no Alentejo como informa José Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, Vol. VI, página 404, Edição Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1983, é um prato quente que era utilizado principalmente à ceia quando os homens andavam a alqueivar a terra, pois era considerado um prato substancial constituído por feijão cozido, normalmente feijão careto (frade) com celgas ou alhos areios e temperados com azeite e excepcionalmente levava um pouco de chouriça preta.

Republicanas quase Desconhecidas



Com chancela Temas e Debates – Círculo dos Leitores, recebemos, no passado dia 20, este magnífico trabalho de investigação histórica de 403 páginas de 15X23,5 cm e convenientemente ilustrado.

Salta à vista o excelente trabalho gráfico que se apresenta sem exagero de ilustrações, de papel muito agradável, sem parangonas, mas com grande sentido de rigor e gosto técnico.

O trabalho é dividido em Quatro Partes:- Parte I – NOVOS ELEMENTOS SOBRE REPUBLICANAS; PARTE II – REPUBLICANAS NOVAS E ANTIGAS; - PARTE III. REPUBLICANAS REVELADAS e PARTE IV – CIDADES ENTRE CIDADÃOS

É um trabalho de folgo próprio de quem já deu ao País mais de uma dezena de obras individuais e de dezenas em co-autoria, além de mais de um milhar de artigos publicados em 28 periódicos.

Fina d`Armada é licenciada em História e Mestre em “Estudo sobre as mulheres” e foi equiparada a bolseira pelo Instituto Nacional de Investigação Científica (1977-1979).

Em 2005 recebeu o “Prémio Mulher Investigação Carolina Michaelis de Vasconcelos” com a sua obra Mulheres navegantes no tempo de Vasco da Gama.

Em 24 de Julho de 2010 foi a vez de a Câmara Municipal do concelho de Caminha condecorá-la com a Medalha de Mérito Dourada “por uma vida inteira dedicada às letras, às mulheres e à singularidade de fazer a diferença".

Este livro tem a particularidade de referir uma alcouteneja, Maria Arade ou Mª Eduarda Barjona de Freitas e são-lhe dedicadas 12 páginas que logo lemos ainda que a autora tivesse tido a amabilidade de no-las enviar muito antes da impressão do livro.

Só agora ficámos a conhecer devidamente esta alcouteneja, esta sim, nascida e baptizada em Alcoutim e de que nunca tínhamos ouvido falar em Alcoutim. Para nosso espanto encontrámo-la na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira quando procurávamos outros assuntos o que nos “obrigou” na altura a deslocar-nos ao Arquivo Distrital de Faro para consultar o seu assento de baptismo e confirmar aquilo que o assunto nos sugeria ser filha de um funcionário que por ali teria passado.

Fina d `Armada encontrou-nos na Net e assim foi possível prestar-lhe a nossa insignificante colaboração, dando alguns dados que possuíamos como duas fotos, ambas publicadas, uma da Igreja onde foi baptizada e outra com a placa toponímica numa artéria a que chamaram “rua”.

Possivelmente Maria Arade / Maria Eduarda nunca mais voltou a Alcoutim ainda que não tenhamos dados sobre o assunto mas na verdade é das únicas pessoas que constam da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e que consequentemente “põem Alcoutim no mapa”.Mas os espaços são efectivamente muito curtos e outros valores se “alevantam”.

Quis a autora, além das referências feitas no trabalho que muito lhe agradecemos, oferecer-nos um exemplar com comovente dedicatória.

Bem haja por tudo, FINA D`ARMADA.

Muitos anos de vida para dar a público mais trabalhos deste elevado nível.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Demografia na Freguesia de Vaqueiros no ano de 1860



Já abordámos dados desta natureza e referentes a esta freguesia mas em relação ao ano de 1871.

Ainda que em moldes semelhantes não irão ser um decalque absoluto.

Estes referem-se a onze anos antes daqueles e apresentam movimentos menores.

Nasceram e receberam o sacramento do baptismo nesta freguesia 33 indivíduos, sendo 16 do sexo masculino e 17 do feminino pelo que ocorreram mais seis do que faleceram, representando assim um aumento de 10%.

Quanto a óbitos, os 27 ocorridos foram distribuídos 7 pelo masculino e 20 pelo feminino.

Não tomando em consideração para cálculo da média de idade os indivíduos falecidos até ao 7 anos, a média no sexo masculino foi de 46,5 anos e no feminino de 48,17 o que dá a média geral de 47,33.

As pessoas mais idosas que morreram foram um homem de 82 anos, de nome Manuel Lourenço, no Monte da Corte (?), viúvo de Francisca Maria e filho de Manuel Fernandes e de Maria Gomes. Aconteceu no dia 11 de Novembro. A outra foi uma mulher da mesma idade e no monte das Alcarias. Chamava-se Maria Gomes, era viúva de Manuel Pereira, filha de Manuel Gomes e de Inês Martins e faleceu no dia 17 de Setembro.

Os meses mais mortíferos foram os de Março e Setembro, ambos com cinco casos. Em contrapartida foi em Janeiro, Abril e Maio quando o número de nascimentos foi maior (5).
No monte das Madeiras nasceu uma neta do antigo Presidente da Câmara da Alcoutim em 1839, António Gonçalves e filha de seu filho Francisco Gonçalves.

Salvo raras excepções, foi celebrante destes actos o Prior de Vaqueiros, José Maria Reis.

Pela primeira vez encontrámos a numeração de casa na freguesia e foram indicadas cerca de meia dúzia, tanto na aldeia como nos montes, contudo, na maioria dos assentos o número da casa ficava em branco, certamente por desconhecimento. Isso devia ter acabado, pois no ano de 1871 já não aparece essa referência nos termos lavrados.

Para avaliação a nível de localidades apresentamos um quadro demonstrativo.

Por não ter havido movimento não aparecem referidos os seguintes montes: Vale da Rosa, Fortim, Cabaços, Cerro, Alcaria, Casas, Galachos, Montinho da Várzea, Casa Nova, Galego e Bemposta.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Missa campal



Como já tínhamos informado os nossos visitantes / leitores, faltava publicar duas fotos para completar a “reportagem” feita que o alcoutenejo, José Madeira Serafim, teve a sensibilidade de preservar e a amabilidade de no-la ceder possibilitando deste modo o seu acesso a quem visita o ALCOUTIMLIVRE.

É aqui no cais novo da vila que tem lugar a Missa Campal, até porque a Igreja Matriz de “O Salvador do Mundo” estava desactivada devido ao seu mau estado, realizando-se a liturgia normal na então já pequena Igreja da Misericórdia.

Estamos no dia 23 de Fevereiro de 1947.

Como dados que nos chamaram a atenção, além da imagem peregrina, um relativo número de fiéis, a desaparecida guarita da Guarda-Fiscal, uma bandeira de qualquer associação religiosa existente e por detrás dela uma mulher extremamente alta de que presurmirmos o sexo só pelo lenço na cabeça e pela saia.

Desconhecendo que possuimos tal fotografia, o nosso colaborador, em várias áreas, Amílcar Felicio, descobriu e enviou-nos em cima da problicação, a mesma foto.

O nosso abraço de agradecimento.

sábado, 10 de dezembro de 2011

As ribeiradas e a pesca ao remolhão





Escreve


Amílcar Felício



Às vezes apanhavam-nos desprevenidos, pois apareciam mesmo sem serem esperadas e muito menos desejadas!

“Olhem que veio a Ribeira pessoal, mas que grande Ribeirada!” era assim que a notícia se ia espalhando pela Vila e cada um tomava as previdências que achava mais convenientes. Mas a maior parte das vezes já contávamos com elas, tais eram as chuvadas que as antecediam e que anunciavam com toda a probabilidade que elas vinham a caminho.

As Ribeiradas não atingiam naturalmente a imponência das Grandes Cheias do Guadiana como já temos referido nas nossas crónicas e que paralisavam quase completamente a Vila, fazendo-nos sentir a nossa pequenez e impotência humana perante aquele mar de água, pois nunca saíam de um modo geral do leito da Ribeira aonde corriam, ao contrário das Grandes Cheias que alguns anos passavam alegremente pela Taberna do Ti Sabino e chegavam até quase às portas da Câmara, ameaçando invadir a própria Praça sem pedir licença a ninguém.

[Alcoutenejo com barrancada. Foto JV, 2008]

Mas também constituíam um acontecimento que marcava o dia-a-dia alcoutenejo. E aquele gargarejar ronco e continuado, naquele silêncio sepulcral das noites geladas de Inverno era ensurdecedor! Rugidos dos confins dos tempos, sons eternos que nos acompanharão para toda a vida e que povoarão para sempre as profundezas da nossa memória... Parecia um fantasma furibundo a chegar à Vila sempre a roncar!

Alcoutim sempre que tal acontecia, ficava isolado de uma parte significativa dos Montes que lhe davam vida no dia-a-dia, nomeadamente das Cortes Pereiras e da Afonso Vicente e naturalmente das terras aonde muitos alcoutenejos labutavam como as várzeas do Rossio ou as da Lourinhã, pois não havia qualquer meio de comunicação que permitisse a passagem de um para o outro lado que não fossem as passadeiras da Fonte Primeira e as das Cortes Pereiras.

E quantas preocupações que aquelas Ribeiradas causavam a tanta gente!
“O que é que teria acontecido ao meu Justo, será que ele já terá atravessado as passadeiras das Cortes! Ai pessoal quem me acode!” Era o lamento e a aflição constante da Tia Ana Costa, quando elas chegavam pela tardinha. E lá ía muitas das vezes a vizinhança à procura do Ti Justo, não tivesse acontecido alguma desgraça. Felizmente nunca houve nada...

O Ti Justo era o carteiro de serviço que levava a correspondência para os Montes, fundamentalmente para as Cortes Pereira e para a Afonso Vicente. Todos os dias sem falhar, lá ia e vinha aquela alminha a pé com as tradicionais sacas das cartas ao ombro e ala que se faz tarde! Foi uma vida inteira a calcorrear entre Alcoutim e as Cortes Pereiras pelo antigo e único Caminho que ligava Alcoutim às Cortes e que as estevas e os “charougaços” a esta hora já terão engolido provavelmente, apagando para sempre pegadas e pegadas de um vaivém de gente e de burros, que animavam aquele deserto em que se transformou nos nossos dias.

[Ribeira de Cadavais. Pego Fundo. Foto JV, 2008]

Mas ainda há poucos anos por ali vi umas quantas passadeiras espalhadas pela ribeira abaixo, despojos da eterna e interminável guerra entre o homem e a natureza, mas que esta acaba quase sempre por vencer.

Abandonadas, contemplei-as em silencio, velhas testemunhas desprezadas mas reais que viram e serviram gerações e gerações de alcoutenejos e assistiram impávidas e serenas, ao calcorrear de gentes e de burros num tempo que hoje nos parece quase medieval, mas que fez parte dos tempos áureos de um Alcoutim que já não existe.

Foi por ali que a minha mãe veio a pé ainda criança, numa certa manhã do ano de 1928 ou de 1929 com cinco ou seis anitos apenas, tomando conta da irmã mais nova a Rita, quando os meus avós decidiram trocar o Monte dos Currais nas Cortes Pereiras por Alcoutim. Dois pirralhos “arrancadas pela raiz como o rosmaninho” como diria o poeta José Temudo, duas cotovias silvestres atarantadas sem saber para aonde iam entregues a si próprias, a caminho de um mundo sem estevas nem “charougaços” e que os adultos diziam que era melhor. Desculpem lá esta pieguice, mas ficou-me sempre por isso um certo fascínio por aquele Caminho das Cortes, pois acabaria por fazer parte da minha pequena história. Tive também a oportunidade de o percorrer a pé em 1951 ou 1952 com cinco ou seis anos de idade, para uma “matança de porco” em casa dos meus tios nos Currais, que nunca mais esqueceria...

A Tia Ana tinha uma maneira de estar na vida serena e de bem com toda a gente e um humor muito próprio que desculpabilizava sempre o seu Justo. Às vezes lá ia desabafando com a vizinhança: “o meu Justo vai sempre sozinho de manhã para as Cortes, mas à noite vem quase sempre acompanhado aquele malandro!”. E na realidade vinha. Era raro o dia em que o Ti Justo não viesse com um copinho a mais!

À distância de 50 ou 100 metros já a Tia Ana sabia que o caldo vinha entornado, o que não era difícil de perceber: “oh Justo mas tu hoje não vens bom, filho!”. Era desta forma carinhosa e maternal que a Tia Ana se dirigia ao encontro do Ti Justo. E lá punha ela os pés a caminho para ajudar o seu Justo a chegar a casa nos últimos metros da caminhada, amparando-o e fazendo-lhe na sua simplicidade sempre o mesmo reparo: “óh filho, mas tu pareces que bebes sempre para o mesmo lado!”, pois quando vinha com um grãozinho na asa o Ti Justo vinha sempre inclinado sem exagero para um dos lados para aí a uns 70 graus e a uns 110 graus para o outro. Era impressionante como ele conseguia andar assim!

[Ribeira de Cadavaia. Pego das Portas. JV, 2010]

Mas as Ribeiradas também tinham o seu lado lúdico e eram um acontecimento que agitava Alcoutim na minha juventude. Aproveitando as águas “ludras” da Ribeira, era a altura de pescarmos “iróses ao ramolhão” como nós dizíamos. E sabem como se construía o remolhão? Íamos às “minhocas de inverno” que se apanhavam nas melhores terras das hortas, grossas para aí com um dedo mindinho de grossura e com mais de um palmo de comprimento. Apanhávamo-las às dezenas e depois com um fio fazíamos uma enfiada delas de mais de 1 metro de comprido. Enrolávamo-las depois em círculo para aí com uns quinze ou vinte centímetros de diâmetro. Estava feito o remolhão.

Depois era só ata-lo com uns 2 ou 3 metros de fio a uma cana e era o suficiente para que as “iróses” como se dizia, abocanhassem o referido remolhão e assim que as sentíamos estrebuchar, era só puxa-las para terra pois elas desprendiam-se automaticamente. Foi a arte de pesca mais simples que conheci, sem anzóis nem qualquer tipo de artimanhas que pudessem prender as enguias.

Claro que a Ribeirada trazia na sua enxurrada tudo o que crescia nos pegos como peixes de diversas espécies, cobras de água, sapos e rãs etc., mas eram apenas as enguias que caíam nesta esparrela. Escolhíamos depois os recantos da Ribeira aonde as águas se acalmavam e a bicharada se acoitava para fugir às correntes tumultuosas que as arrastavam sem destino. O poiso principal era no Pego Fundo, no local onde a Ribeira muda de direcção e aonde as águas descansavam do seu agitado percurso.

Estou para aqui a explicar como se “apanhavam” as enguias ao remolhão e com tudo isto já é quase meio-dia! Digam lá que não ia um ensopadozinho nos Guerreiros do Rio à moda antiga em cima de uma boa fatia de pão caseiro torrado, com hortelã-da-ribeira e todos aqueles condimentos que o Guerreiro tinha “herdado” da sogra? Até já me está a crescer água na boca!

Há uns anos atrás fiquei estupefacto quando encontrei naquele “fim do mundo”, um amigo de Lisboa sem qualquer tipo de ligação ao Algarve, mas que na altura era professor/investigador na Universidade de Faro ligado à Biologia Marinha. Estava com um grupo de seis ou oito colegas. Tinham ido à aventura até aos Guerreiros imaginem, porque tinham ouvido falar no ensopado! Que pena o Guerreiro ter acabado com o Restaurante...




BOAS FESTAS E UM 2012 NA MEDIDA DO POSSÍVEL
PARA TODOS OS ALCOUTENEJOS E LEITORES DO A.L.!!!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Chocalhos



O chocalho é uma espécie de campainha de metal, com badalo e que se assemelha a um pequeno sino.

É utilizado para se colocar ao pescoço dos animais, gado (bovino, ovino e caprino) ou então em bestas de carga.

O fundamento é o retinir do badalo que assim possibilita a localização do animal.

O chocalho é um instrumento antigo, que remonta da Idade Média. Era utilizado para conduzir e ajudar a guarda do gado.

As juntas de bois quando iam à feira para venda, era normal cada animal trazer um chocalho, igual na forma, no tamanho e no timbre, o que dava um toque de distinção ao gado.

Os chocalhos são de tamanhos diferentes conforme os animais para que são feitos, existindo igualmente diferenças no formato que também tem a ver com a região onde se usa. Não é uniforme a maneira de os colocar ao pescoço dos animais.

Talvez possamos dizer que a Vila de Alcáçovas, concelho de Viana do Alentejo, é a capital do chocalho pela antiga tradição do fabrico de chocalhos que chegou aos nossos dias e onde existe o "Museu do Chocalho", aí se expõem centenas de exemplares de várias formas e tamanhos, sendo propriedade do artesão local, João Chibeles Penetra.

O chocalho reboleiro é executado em chapa de ferro de cor acobreada, é cilíndrico e originário de Alcáçovas. A asa, que faz a ligação ao pescoço por intermédio de uma coleira com fivela, é semicircular. O badalo é de azinho do mesmo comprimento e é fixo por uma fita de cabedal.

Em Alcoutim os guias dos rebanhos não deixam de os trazer, como alguns muares e bovinos.

NotaOs chocalhos apresentados fazem parte da colecção do Sr. António Mestre, da Corte Tabelião.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

À Francisca Rita

Pequena nota

Já aqui se tem referido várias vezes que o A.L. pretende ser o mais abrangente possível, na variedade de temas apresentados que apresenta numa maioria avassaladora sobre Alcoutim e o concelho, o que faz parte da sua matriz nas diferentes maneiras de escrever dos colaboradores, todos com características próprias e atrair o maior número de cidadãos possível, independentemente de serem ou não alcoutenejos.
Sabemos que chegamos aos quatro cantos do Mundo e temos recebido tipos de ligação muito diferentes, como já referimos algumas vezes.

Pensamos que o grande número de visitantes / leitores estará, pelas circunstâncias conhecidas, no escalão etário 30 / 60 anos, ainda que saibamos que temos honrosas excepções. O que não sabíamos é que apanharíamos a honrosa visita da Francisca com apenas dez aninhos!

Acabou por encontrar algo sobre o seu avô falecido há pouco tempo e ficou muito satisfeita, até porque soube coisas que desconhecia completamente. Não teve dúvidas em vir junto de nós perguntar se lhe podíamos dizer mais sobre ele.

Sensibilizado pela atitude da Francisca, pusemo-la em contacto com o nosso colaborador Gaspar Santos que na juventude foi amigo de seu avô quando os dois se encontravam em Alcoutim.

Rebuscando na sua privilegiada memória, Gaspar Santos enviou-lhe o texto que agora iremos publicar e que a Francisca muito agradeceu.

Como vêem caros leitores, o A.L. até chega às criancinhas.

Voltamos a agradecer à Francisca Rita o envio da foto do seu avô para ilustrar o texto.

Sempre que tenhas disponibilidade não deixes de visitar o ALCOUTIM LIVRE, onde podes encontrar algo do teu interesse, como aconteceu com a notícia sobre o teu avô.
Escreve sempre que queiras.


JV







Escreve


Gaspar Santos



[Cap. Marçal Luís Rita]

Conheci o teu avô Marçal Luís Rito no ano 1950. Ele era estudante na cidade e vinha a Alcoutim para casa dos pais só nas férias. O teu Avô e eu tínhamos então 17 anos de idade.

Alcoutim era uma Vila pequenina e hospitaleira. Teu Avô era um jovem simpático e com facilidade criou amizades entre os jovens que nessa altura eram muitos. Os primos dele, Joaquim Rita e Maria Silvéria que já ali moravam fizeram as apresentações. Os conhecimentos que o teu Avô trazia da cidade e de estudar, eram muito apreciados por nós alcoutenejos pois aprendíamos assim com ele.

Em Alcoutim havia poucos divertimentos. O teu Avô tinha bom contacto e com facilidade passou a ter os nossos divertimentos. Jogávamos à bola, ou ténis de mesa, conversávamos no Grupo Desportivo, e dançávamos durante noites especiais de festa em Alcoutim ou nas localidades próximas. Às vezes íamos dançar para a Vila espanhola de Sanlúcar no outro lado do Rio Guadiana.

O teu Avô como todos os jovens nessa idade gostava de fazer a sua partida. Vou contar-te um episódio que ele se calhar nunca te contou. Um grupo de amigos de que eu fazia parte tínhamos em preparação uma fritada de carne de porco. Isto era no mês de Dezembro já muito próximo do Natal. O teu Avô, às escondidas dos donos do petisco, deitou na fritada um picante muito forte e em muita quantidade. Nenhum de nós conhecia o chamado piripiri que alguém trouxera de África e lhe dera para pregar a partida. E nenhum de nós foi capaz de comer aquela ceia. Ficámos furiosos.

Soubemos quem tinha feito a brincadeira e pensámos também numa partida. Cada um de nós fez a sua proposta que foi sendo rejeitada. Até um que estudava em Coimbra e apreciava as praxes académicas lembrou: e se lhe cortássemos o cabelo. Houve logo aprovação total. E lá fomos nós à procura do teu Avô, e com uma grande tesoura demos duas ou três tesouradas na bonita cabeleira de que ele tinha muita vaidade.

O Professor Amaral que era na altura Presidente da Câmara procurou o grupo que fizera aquela partida ao teu Avô e deu-nos um grande sermão e fazendo-nos ver o tamanho daquela maldade. Acho que nos aconselhou a pedir-lhe desculpa e nós assim fizemos. Acho que o teu Avô deve ter sentido muito esta acção, mas também gostou do nosso arrependimento e desculpou-nos, mantendo a amizade para com todos nós.
O teu Avô está nesta fotografia que te mando. Ele está dum lado e eu estou do outro. Adivinha onde ele está. Vês como ele tem uma grande cabeleira. A fotografia é tirada nas Festas de Alcoutim em 1951.

[Grupo de jovens amigos em Alcoutim em meados do século passado. No último plano, o 1º da esquerda é Marçal Rita e o 1º da direita, Gaspar Santos]

A nossa convivência mais próxima deu-se até 1954. Nesse ano ambos viemos para o serviço militar. Depois, quando já nem o teu Avô nem eu estávamos em Alcoutim, os Pais dele mudaram de casa e passaram a morar na Rua das Flores mesmo em frente da casa de meus Pais. Tive notícias de que sempre se deram bem e gostaram da boa vizinhança dos teus Bisavós.

Depois de irmos para a tropa, poucas vezes nos vimos. Até que o senhor Agostinho que tinha uma loja na Rua Direita em Viseu e que é cunhado do meu filho Carlos me disse que conhecia o teu Avô e nos passamos a encontrar no Café sempre que eu ia a Viseu.

De vez em quando e em todos os Natais falávamos pelo telefone. Quando eu ia a Cinfães onde temos uma quinta, várias vezes o convidei para lá ir com a tua Avó. Tenho pena que ele, por uma ou outra razão, nunca nos tenha proporcionado esse convívio.

Gostei que tivesses contactado comigo e, acedi com o maior gosto, a recordar com saudade o convívio com o teu Avô. E eu e a Maria de Lurdes, minha mulher, mandamos cumprimentos para a tua Avó e Pais.

Para ti um grande beijo de Gaspar e Maria de Lurdes.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Pessegueiro, o "monte" mais dinâmico do concelho de Alcoutim

Nota
Com a publicação do presente texto terminamos a abordagem que fizemos a todos os montes que constituem a freguesia de Martim Longo.
Ficou para o fim o monte que consideramos mais dinâmico em todo o concelho pois entendíamos que ele merecia uma maior abordagem que não conseguimos efectuar por vários motivos.
Sei que pelo menos dois pessegueirenses ansiavam há muito a publicação deste pequeno trabalho e pedimos-lhe desculpa de só agora o realizar pois fomos sempre protelando o assunto com o intuito de adquirir mais informação e consequentemente no sentido de o melhorar.

Aqui fica o que foi possível obter.


JV

[Vista parcial de povoação. Foto JV, 2008]

Vamos abordar hoje o “monte” mais importante ou dos mais importantes do concelho de Alcoutim, aquele em que o decréscimo populacional tem sido menos notado.

A importância que ocupa não vem de agora e se pesquisarmos os assentos paroquiais da freguesia de Martim Longo a que pertence, verificamos que a povoação ocupa os lugares cimeiros da freguesia a nível de baptismos, óbitos e casamentos.

Esta parte da freguesia de Martim Longo que assenta na chamada cumeada do Pereirão, cujo topónimo foi transmitido aos montes do Pereirão, Casa Nova do Pereirão e Monte Novo do Pereirão, tem a povoação do Pessegueiro como centro mais importante e a que se recorre para suprir as mais prementes necessidades. Gravitam à sua volta Zorrinhos de Cima, Tremelgo de Baixo e de Cima, todos a cerca de 3 km e um pouco mais afastado Casa Nova do Pereirão, Pereirão (4 km) e Estrada e Mestras a pouco mais de 6.

Diogo Dias e Azinhal, ainda que lhe fiquem a cerca de 5 km, poderão optar pela aldeia de Martim Longo.

As Memórias Paroquiais (1758) referem-no como Monte do Pixegueiro, indicando igualmente os que lhe estão próximos; contudo, aparecem na mesma zona e tomando em consideração a ordem que é indicada, o Monte da Amendoeira entre o Monte do Tremelgo e o Pessegueiro (será um dos Tremelgo visto só ser indicado um?) o Monte do Azenhalinho, entre o Pereirão e a Estrada e entre este e os Relvais o Monte do Rezidouro.

Seriam montes constituídos por um fogo ou pouco mais e que teriam desaparecido na voragem do tempo, como agora está a acontecer e sucedeu o mesmo ao monte dos Relvais que em 1960 ainda tinha 9 habitantes. Pensamos que se os topónimos desapareceram a nível de núcleo habitado, possivelmente ainda existirão quanto à designação de zonas rústicas.

Quanto ao topónimo, muito vulgar no nosso país, simples ou composto, no singular ou no plural, encontramo-lo referido doze vezes, do norte ao sul, no dicionário da especialidade que habitualmente consultamos e isto só na versão Pessegueiro. (1)

A toponímia de origem vegetal (fitonímica) é extremamente vulgar em Portugal.

Neste caso há o uso directo do nome da árvore, cuja utilização poderá estar no porte, idade ou exemplar único existente na zona que por esse facto a começou a identificar.

Em 1839, Silva Lopes atribui-lhe 35 fogos cujo número a nível de freguesia só é suplantado por Santa Justa com 36.

Em 1911 tinha 129 habitantes que foram subindo até 1960 a 162, subida sensivelmente verificada em igual período em todo o concelho. O surpreendente é que de 1960 até 1991 a população quase que estabilizou, visto a seu decréscimo ser insignificante – 3%, enquanto nos outros “montes” rondou os 50%!

De 1991 para 2001 (140 habitantes) a quebra foi mais acentuada cifrando-se em 10,8%. Esperamos, entretanto, pelos dados do último censo.

Esta zona importante da freguesia de Martim Longo estava completamente isolada e só a partir de 1974 as coisas começaram, naturalmente, a mudar.

Lembramo-nos perfeitamente que a primeira vez que fomos ao Pessegueiro, isto pelos anos de 1986/87 e se a memória não nos atraiçoa, o desvio da estrada nº 124 que começa por nos levar ao Silgado e fomos seguindo até à Casa Nova do Pereirão, não passava de uma estrada de terra batida e na altura, como era Verão, fazia grande poeirada.

[Um aspecto central. Foto JV, 2010]

A Câmara adjudicou a sua pavimentação até ao Pereirão, em 1989, por cerca de 75 mil contos. (2) Em 1991 os trabalhos já estavam concluídos. (3)

A estrada passa ao meio da povoação, o que raramente acontece aos montes do concelho, para os quais é necessário construir um pequeno troço de acesso.

Quem tomar esta estrada, vindo do sentido norte, antes de chegar ao Pessegueiro, tem à direita um desvio que nos leva à vizinha freguesia de Sta. Cruz, no concelho de Almodôvar, visto ter sido construída uma ponte para o efeito sobre a Ribeira do Vascão.

No século XIX, a Câmara de Alcoutim tinha instituído a seguinte postura: - Todo o indivíduo do concelho que sendo pela autoridade competente nomeado para fazer o serviço de piquete, faltar ou se recusar ao serviço sem causa legítima, fica obrigado a pagar àquele que for chamado a fazer as suas vezes, e incorre na pena de fazer segundo piquete ou de pagar a multa de quinhentos réis para as despesas do concelho.Na Sessão de 25 de Julho de 1846 discutiu-se se devia ou não continuar em vigor tal postura, que obriga os povos do concelho ao Serviço de Piquetes, postura que se achava legalmente aprovada. A postura acabou por ser confirmada com algumas pequenas alterações.

Esta referência foi feita devido ao facto da postura ter provocado neste “monte” um motim, para o que o poder político utilizou medidas de rigor no caso de continuarem em sua pertinaz desobediência. (4)

O serviço de piquete consistia rudimentarmente no transporte dos ofícios do Real Serviço já que o Concelho não dispunha de meios para pagar a quem o fizesse. É que o concelho de Alcoutim só teve dinheiro para esbanjar após o 25 de Abril!

A escola do Ensino Básico, edifício do Plano dos Centenários, só fechou quando o mesmo ficou restrito a dois pólos, um na vila e outro na aldeia de Martim Longo.
Calculamos que o edifício tivesse sido construído nos últimos anos da década de sessenta do século passado.

Devido à construção da estrada foi construído em 1987 um muro de protecção. (5)

[Sede própria da Associação Recreativa local. Foto JV]

Tem um Centro Cultural e Recreativo fundado pouco depois do 25 de Abril. Em 1989 a Câmara Municipal mandou instalar no mesmo uma máquina de café para satisfazer as necessidades dos associados. (6)

Tem sede em edifício próprio de rés-do-chão e 1º andar. Instalações sóbrias mas funcionais.

A associação organiza anualmente as Festas de Verão, com a duração de 3 dias onde avultam os bailes e torneio de jogo de cartas (sueca).

O Centro Cultural e Recreativo já tem vencido torneios a nível concelhio.
Existe igualmente o Clube de Caçadores da Foupana que gere uma zona de caça associativa.

[A Capela de Nª SDª de Fátima. Fotos JV, 2011]

Na Sessão de 27 de Setembro de 1995, a Câmara decidiu adjudicar a obra da construção de uma capela (7), que veio a ser inaugurada no dia 10 de Maio de 1997 com a presença do Senhor Bispo do Algarve, D. Manuel Madureira Dias.

Além dos actos religiosos em que se incluiu uma procissão solene e missa, realizou-se um beberete ao ar livre, aberto a toda a população. (8)

A construção da Capela foi adjudicada à Firma Artur Barão & Filhos, Lda.

Consta-nos que tem por invocação Nª Sª de Fátima.

Foi constituída em 1987 a Cooperativa Agrícola de Rega do Pessegueiro, CRL que usa a sigla COOPESSEGO. A Direcção Regional de Agricultura do Algarve assinou em Dezembro de 2006 o contracto de empreitada de execução da barragem, rede de rega e viária do Aproveitamento Hidroagrícola do Pessegueiro. (9)

[A barragem do Pessegueiro. Foto JV, 2011]

A Barragem, que custou cerca de 2 milhões de euros, foi inaugurada pelo Ministro da

Agricultura e Pescas, Jaime Silva, em 2 de Setembro de 2009.

A rega abrange 25 ha e serve 40 explorações agrícolas. A altura máxima é de 15 m e um desenvolvimento de coroamento de 209.

A Cooperativa criou recentemente um campo experimental de figo-da-índia junto à povoação e com o auxílio da Câmara Municipal.

Por ser o monte mais populoso do concelho foi o primeiro a receber o saneamento básico, no qual foram dispendidos cerca de 470 mil contos e foi inaugurado em 28 de Outubro de 2002. (10) A construção da Estação Elevatória tinha ocorrido em 2001. (11)

Atendendo a que quando havia cortes de energia eléctrica ficava sem água e com os problemas que isso acarreta, em 2010, foi construído um reservatório de água com a capacidade de 150 m3 e que custou cerca de 35 mil euros.


[A Unidade Industrial do "Pão do Pessegueiro". Foto JV, 2011]


Possui uma unidade de panificação de tipo artesanal que produz pão de muito boa qualidade sendo procurado por todo o concelho pelas suas características.

Existe também um pequeno café / restaurante.

A pastorícia foi sempre do agrado destas gentes e é aqui que ainda existem algumas cabras que dão origem ao fabrico de queijo.

Igualmente, há quem se dedique à apicultura.

Foi terra de artesãos como sapateiros, latoeiros, ferradores, ferreiros, chocalheiros, etc.

Os moradores forneceram importante participação na recolha feita de músicas e letras de canções que aqui eram tradicionais. “Pombinha branca” (cantiga de baile), “Venho da Ribeira Nova (cantiga de baile), “Rama da Oliveira” (cantiga com moda), “Tira o cravo, tira a rosa” (cantiga com moda) e “Debaixo da Laranjeira” (cantiga com moda). Foi recolha participada por Idalina do Ó Pepa, Lucinda Maria Filipe Pereira e Adélia Maria Rosa.

Pessegueiro é o meu monte
Martim Longo minha aldeia
Santa Cruz são os aios
Onde o meu amor passeia (12)

A nível de dados soltos, podemos dizer que em 1991 os arruamentos da povoação foram pavimentados a primeira vez (13) e posteriormente recuperados, devido aos trabalhos do saneamento básico. Em 2003 foram colocados redutores de velocidade (14). A estrada veio a ser reparada até ao limite do concelho em 2009 (15). Em 1989 abriram-se caminhos rurais para ligar a povoação à ribeira do Vascão. (16)



Nota – Por este gráfico se compreende a surpreendente estabilidade populacional na povoação, talvez o único caso no concelho.

______________________________

NOTAS
(1) – Novo Dicionário Corográfico de Portugal, de A.C.Amaral Frazão, Porto, 1981.
(2) – Boletim Municipal, nº 5 de Setembro de 1989.
(3) – Boletim Municipal nº 8 de Abril de 1991, p. 5
(4) – Alcoutim Visto Através das Posturas Municipais (1834 / 1850), José Varzeano, 1989 p.13
(5) – Boletim Municipal nº 2 de Fevereiro de 1988, p. 3
(6) – Boletim Municipal nº 4 de Abril de 1989.
(7) – Alcoutim, Revista Municipal nº 1, de Maio/Junho de 1995.
(8) – Alcoutim, Revista Municipal nº 5 de Novembro de 1997
(9) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 13 de Dezembro de 2006, p. 6
(10) – Alcoutim, Revista Municipal nº 9 de Dezembro de 2002, p. 13
(11) – Alcoutim, Revista Municipal nº 8 de Setembro de 2001, p. 13.
(12) – Uma Etnomusicologia do Algarve Rural, texto de Francisco Parrot Morato e Luís Miguel Clemente, 2008
(13) – Boletim Municipal nº 9 de Dezembro de 1991, p. 2
(14) – Alcoutim, Revista Municipal nº 10 de Dezembro de 2003, p. 9
(15) – Alcoutim, Revista Municipal nº 15 de Julho de 2009, p. 20
(16) – Boletim Municipal nº 5 de Setembro de 1989, p. 6

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações - XVIII






Escreve


Daniel Teixeira





O GALOPE DO TEMPO

Para começar esta crónica é preciso dizer que é necessário ter vivido com burros para ter memórias sobre burros, como é lógico. Eu tenho-as e muitas e dado aquilo que hoje sei e que outros que conheço não sabem lamento que nem toda a gente tenha passado, pelo menos uma parte da sua vida, com burros, mesmo que de facto tenham passado tempo a viver com «outros» burros.

E é neste aspecto que a coisa se torna paradoxal. Existe alguma vergonha em confessar que se viveu com burros, por pouco tempo que tenha sido, porque existe uma descriminação ridícula, porque é apenas verbal e de uso, contra o nome desses pobres mas sempre aparentemente felizes animais. De um lado são considerados pouco espertos, o que não é verdade; deve existir de facto dentro da sua mente (se é que pudemos falar assim) uma tranquilidade neuronal muito semelhante à paz que todo o ser humano desejaria ter e uma aceitação da inevitabilidade do seu destino que pode parecer depressiva mas que vive dentro deles de uma forma harmoniosa. Realismo, puro e simples, é o que eu acho que é : nada de ambições para desfiladas incomportáveis nem para liberdades excessivas e uma fidelidade aos parceiros a toda a prova.

Uma vez eu e a minha mulher pedimos um burro emprestado ao meu primo que os tinha a pastar num restolho: o que ficou teve de ser segurado na estaca e mesmo assim coitado acabou por cair dado que estava peado: o outro levou-nos onde queríamos, às Eiras Velhas, a nossa hortinha perto do ribeirão, mas mal nos distraímos saiu em desfilada. Ainda corri um bom bocado sobretudo para ver se ele se encaminhava directo para o ponto de partida e lá ia ele, galopando de regresso certeiro.

[Burro espojando-se. Retirado com a devida vénia de http://itapopordentro.blogspot.com]

Levar os burros a espojar era um dos meus trabalhos preferidos. Arranjava-se um bocado de terreno relativamente limpo de pedras e ervas e eles acabavam sempre por perceber: rebolavam-se pelo chão, coçavam as costas, podiam levar dez minutos nisso, relinchavam com aquele som cavo a que se chama zurrar, sacudiam a terra do pelo como um cão molhado e eu acho que eles acabavam sorrindo por segundos para depois voltarem à sua condição de burros, baixando a cabeça e ficando ali, quietos, sem capacidade de se movimentarem sem que nós puxássemos por eles.

Quando comecei a ir a Alcaria Alta o meu avô já tinha passado definitivamente de cavalo para burro tanto no sentido financeiro como no sentido real. Uma viagem de retorno sem retorno à vista e assim o burro era para ele o animal do presente e o animal do futuro. Cuidava deles com cuidado embora não fosse preciso muito para os manter contentes e felizes. Tinha dois porque para lavrar é normalmente necessário parelha, sobretudo quando se trata de burros. Lavrar com um só animal só com muares ou cavalos. Estes últimos não se «gastavam» nessa tarefa por principio, mas nem sempre eram eminentemente decorativos e as éguas iam ao cavalo o que era uma garantia relativa de gerarem cavalos.

Pode parecer absurdo e para mim foi durante muito tempo que uma égua tenha um filho burro, por exemplo, ou um muar, mas era assim mesmo. Os muares, híbridos, como se sabe, não geravam, mas tinham a vantagem de serem excelentes animais de trabalho. Uma burra podia ir igualmente ao totoloto cavalar e depois era só esperar o que saía dali. A força dos genes comandava tudo...o meu avô só tinha burros, mesmo burros no masculino, e serviam para o dia a dia, para lavrar e gradear.

Gradear era, para quem não sabe, tentar afastar do terreno de cultivo as pedras que durante o resto do ano «nasciam» por força das enxurradas; a terra ia com a água, as pedras ficavam. Trabalho sempre anualmente repetido e agora lembro-me de uma personagem que não me podia lembrar naquele tempo. Sísifo foi condenado pelos Deuses gregos a fazer subir uma rocha até ao topo de um monte e deixá-la depois escorregar e ir buscá-la de novo. Comparativamente era isso que o meu avô e os outros lavradores do Monte faziam. Todos os anos o mesmo.

Quando apareceram as máquinas, os tractores que tinham alfaias para lavrar e para gradear só interessava e só era possível que eles trabalhassem em espaços grandes. O mini tractor ainda não existia e mesmo que existisse ninguém o compraria senão os lavradores e nem esses os compraram, é claro. As máquinas que havia eram compradas por profissionais com dinheiro liquido suficiente para investir, normalmente emigrantes, que se deslocavam de monte em monte à hora ou á tarefa. Quando da minha segunda volta pelo Monte, já depois de casado, havia já bastantes terrenos tratados por máquinas.

[Burro bem tratado. Monte das Ferrarias. Foto JV, Maio de 2010]

Estas, cegas como eram, na ceifa, deixavam muito grão nos solos o que fomentava a visita da passarada: as cotovias, com a sua pequena popa no alto da cabeça eram as mais abundantes. Pardais também havia, toutinegras que eram assim chamadas por terem uma mancha escura no peito branco e outros. Os pardais civilizaram-se muito rapidamente e começaram cedo a conviver com o monte, fazendo ninho no telhado da escola primária.

Esta, não sei exactamente em que data foi construída, acabou por funcionar muito pouco tempo: cedo deixou de haver crianças para irem à escola, os montes dos arredores deixaram também de fornecer criançada e voltou tudo à primeira forma, aquela que a minha mãe tinha conhecido 50 anos antes: ir à escola a Giões para o primário, fazer o secundário em Faro ou Vila Real de Santo António para os poucos que tiveram essa possibilidade, muito poucos mesmo.

Mas as minhas memórias sobre os burros estão muito acima destas questões que apelido de laterais e contêm todo um conjunto de recordações que me levam de monte em monte, de ribanceira em ribanceira, de ribeira a ribeira, de actividade de trabalho a actividade lúdica, atravessando transversalmente a minha vida.

Pode dizer-se que consegui uma parte razoável do meu conhecimento do mundo de burro e por isso lhes estou grato, muito grato mesmo. Em certo sentido posso dizer que muito do que sei do mundo e da natureza aprendi porque os burros me levaram lá, me mostraram tudo o que havia para ver e tudo o que lá havia para aprender. Com eles aprendi também que é possível ser-se feliz com muito pouco, por exemplo.

O burro é o animal quadrúpede agregado às actividades campesinas que maior confiança nos pode merecer. Não a merece toda, a confiança, mas merece muito mais confiança do que um nervoso cavalo, uma temperamental mula, ou mesmo uma chata vaca que embica os cornos na nossa direcção nas estreitas azinhagas, não para nos fazer forçosamente mal mas porque é larga e não nos deixa espaço de passagem nem consegue virar ou recuar (essa sim é mesmo burra) deixando-nos como alternativa a nós, humanos ditos inteligentes, o recuo, a retirada, a vergonhosa fuga por vezes quando a proximidade é demasiado próxima e a idade curta.

Com um burro diz-se «Alto!» alto e com bom som e o animal estaca e ali fica, parado, compreensivamente imóvel, à espera que nós passemos. Mas os meus burros, os burros que conheci, tinham outras qualidades, arrisco mesmo dizer que tinham todas as qualidades exigíveis a um burro e mais algumas que seriam exigíveis a muitos bípedes.

Anunciavam a sua chegada ao monte através de um sonoro zurrar, conheciam os caminhos como ninguém, graças aos arreios só tinham duas velocidades, a primeira e a segunda, facilitando assim a condução e podiam ser cavalgados em pelo, com albarda, com sela até mas mostrando nestes primeiro e último casos todo o seu respeito pela condição do seu montador apesar da ausência dos arreados travões traseiros.

[Burros pastando na Herdade das Ferrarias. Foto JV, Maio de 2010]

Um burro deixa-se por aqui ou por ali e vai-se buscá-lo quando se precisa que ele está ali mesmo ou um pouco mais além quando algum cardo ou uma erva mais apetitosa o puxou para a desobediente deslocação de poucos metros.

Tenho inúmeras recordações de burros, de momentos em que aprendi algo com os burros, dos momentos em que os burros foram meus mestres. Contarei um dia, ou irei contando, mas devo confessar que quando me lembro disso, do quanto que aprendi com eles, que nessas alturas que não são muito raras, tenho sempre muita pena que nem todos tenham tido a possibilidade de ter burros como mestres. Talvez o mundo fosse melhor, quem sabe..?

Ora depois desta divagação lírica devida a esses meus amigos e pares, um burro também me ensinou como se faz o contorno da livre concorrência: o meu avô precisou de trocar um burro (o saudoso Castanho) dado que estava a ficar demasiado velho e que segundo a suas contas, estava na altura ideal para ter um preço de retorno mais compensador do que no ano seguinte: foi à feira a Giões e como sempre acontecia foi ter com o meu tio José Teixeira que era negociante de gado; queria vender aquele e comprar um outro entrando com a diferença.

Ora contra as suas expectativas a compra era feita por um preço abaixo daquilo que seria normal no seu entender e a venda de um burro mais novo era feita por um preço acima daquilo que também seria calculável. Pediu desculpa ao meu tio e foi consultar outros negociantes obtendo neles o mesmo resultado ou um resultado aproximado. Perante a inevitabilidade de ter de negociar naquela altura pelo menos para não ter um resultado pior noutra feira e para justificar a deslocação acabou por fazer negócio com o meu tio José Teixeira.

Chegou a casa com o burro novo mas bastante revoltado com a vida. Mal nascia o sol foi acordado pelo chamamento do meu tio negociante que nunca foi muito parco em palavrões: «Porra ti Dionísio!! Nem preguei olho à espera que clareasse o dia. Quando chegar a casa a primeira coisa que faço é meter-me na cama. A gente (negociantes) estava combinada nos preços e logo ontem calhou você a aparecer por lá e eu não lhe poder dizer nada ali: está aqui o dinheiro que falta...veja lá se está bem assim!» Estava mesmo...era assim o meu tio...um saudável negociante familiarmente honesto...

Mas sempre lhe tirei o chapéu: começou vendendo/trocando ovos de Monte em monte depois da jornada de trabalho em casas de lavradores com uma mochila feita de paus de loendro atados cheia de palha e ovos às costas porque nem uma besta dele tinha.

Em Faro, já no meu tempo de miúdo, participava com alguma regularidade na bolsa da alfarroba, das amêndoas, do gado que na altura tinha lugar no Café Aliança onde se faziam licitações primárias de voz: «Tenho 50 ovelhas para vender!» – gritava-se do meio da sala e esperava-se que os compradores aparecessem. O mesmo com outros animais, com as amêndoas, alfarrobas e outros produtos.

Foi talvez dos primeiros a descobrir o filão de compras lisboeta frequentando o mercado da Ribeira, onde vendia em grosso ovos, galinhas e o que se proporcionasse: por vezes não tinha ali mas ia arranjar junto de outros da região que lhe tinham seguido as pisadas e a conjunta sociedade esporádica num transporte de camião acabou por engrandecer o negócio. Nunca teve carro nem carrinha: tinha um carro puxado por muares e era especialista em conseguir boleias para todo o lado...que eu me lembre nunca o vi chegar de autocarro ou de comboio de lado nenhum.

Das últimas vezes que o visitámos tinha a mulher (minha Tia) ausente em Lisboa em tratamentos e nem sabia acender o fogão a gás: tinha tudo, café, leite, pão, foi buscar um naco de presunto cortado à faca e ali ficámos os três, eu, ele e a minha mulher comendo e bebendo o café com leite e cavaqueando alegremente. Foi que eu me lembre a última vez que o vi tal como ele sempre foi e foi nessa altura que ele me disse que se sentia velho e que «o tempo era um cavalo». Quando faleceu (sou grande amigo do filho dele, meu primo) era bastante bem remediado. Rico, mesmo.

Teve um Avc tempos depois de o visitarmos e durante três dias agonizou no hospital de Vila Real de Santo António com os olhos abertos correndo da esquerda para a direita como se quisesse saber bem onde estava mas não estava mesmo cá já. Nada a fazer mesmo...