quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Acreditar num futuro melhor

Pequena nota
Recebemos do Sr. Mário Nunes, do “monte” do Pessegueiro, freguesia de Martim Longo, concelho de Alcoutim, um texto com pedido de publicação no ALCOUTIM LIVRE.
Publicaremos este e outro qualquer que nos enviem com esse sentido, desde que não seja ofensivo para quem quer que seja.
Sr. Mário Nunes, o ALCOUTIM LIVRE é mesmo LIVRE para todos aqueles que pretendam expressar a sua opinião, por aqui não há lápis azul.
Como certamente verificou já tive oportunidade de me referir à entrevista que concedeu expressando a minha modesta opinião sobre o assunto.

JV


(...) . Sr. José Varzeano,

Na sequência da entrevista dada, na passada 3ª feira, dia 21, na Antena 1, no programa da manhã de José Candeias, venho junto de V.(...). pedir a divulgação deste artigo de opinião sobre este potencial económico, existente nos concelhos de Alcoutim, Castro Marim, Tavira, Almodôvar e Mértola.

[Plantação de figueira-da-índia]

A Figueira da Índia é uma planta que encontra nestes concelhos, excepcionais condições a nível de solos e clima, para o seu desenvolvimento.

Apenas 2.000 ha. (400 ha por concelho) bastariam para produzir cerca de 60 milhões de kilos de fruto, os quais, após transformação, gerariam uma receita aprox. de 100 milhões de €uros.

Esta agro-indústria baseada na transformação do figo-da-índia já existe em muitos paises (Itália, Brasil, México, Estados-Unidos, Colômbia, etc.) .

Mas o nosso figo (devido às características do clima e dos solos), é dos melhores do Mundo e ganharia rapidamente os mercados internacionais.

Da palma e do fruto da Figueira-da-índia produz-se : Óleo, muito valioso (extraído da grainha), Nopal, Puré, Sumos, Doces, Licores, Aguardentes, Gelados, Yogurtes, Pigmentos p/ corantes Alimentares, Rações p/ animais, etc. etc...

Cada ha produz cerca de 30.000 kg de figos, o que proporcionaria ao agricultor uma receita aprox. de 10.000 € / anual. Esta planta a partir do 2º, 3º ano já produz fruto e ao 5º, 6º ano atinge uma produção "cruzeiro", se considerarmos que esta planta não necessita de rega ou produtos químicos, bastando apenas uma lavoura e uma aplicação de matéria orgânica anualmente, os Agricultores destas regiões tão pobres e com tão poucos recursos económicos, teriam assim, nesta planta, uma boa fonte de rendimento.

Já existe uma empresa, sedeada em Faro, que comercializa alguns produtos derivados do figo-da-india, mas que são importados. Recentemente tive uma conversa com o gerente dessa empresa, que manifestou todo o interesse, já no próximo ano, em absorver uma parte dos figos que nestes concelhos já são produzidos.

É lamentável que o poder decisório, muitas vezes, não tenha qualquer visão sobre o aproveitamento das potencialidades económicas existentes nestas regiões desfavorecidas, como neste caso concreto, em que o investimento nem sequer é significativo, se compararmos com os milhões já gastos na plantação de pinheiros e que têm um retorno financeiro muito duvidoso a médio ou longo prazo.

É urgente sensibilizar o poder local e central e a iniciativa privada, para esta riqueza, que não está a ser aproveitada.

Esta é uma grande aposta de negócio, para as nossas empresas, que estão a ir constantemente ao estrangeiro, quando essas oportunidades existem aqui tão perto.

Se o ministério da Agricultura em conjunto com o poder local e a iniciativa privada fomentassem esta agro-indústria, ela iria criar largas centenas de postos de trabalho directos e indirectos e um desenvolvimento com sustentabilidade para estas regiões, que vivem actualmente um processo de desertificação acentuada.

Esta agro-indústria, caso fosse implementada, iria criar um pólo de atracção turística, nos meses de Maio e Junho, com o esplendor paisagístico desta planta durante a floração, e nos meses de Agosto e Setembro, por ocasião da apanha do fruto. A Figueira-da-índia esconde ainda outras enormes vantagens: do ponto de vista cinegético, é uma fonte de água, alimento e abrigo para diversas espécies selvagens e na defesa contra fogos e no controlo da erosão dos terrenos e também muito interessante para a apicultura.

Depois do programa na Antena 1, recebi vários contactos de pessoas que têm terrenos e os disponibilizam para esta planta, se este projecto avançasse, só uma pessoa natural de Giões, Alcoutim, reservava 30 ha. de terreno para a plantação da Figueira-da-índia. Recebi outras mensagens de pessoas que me incentivavam a continuar a lutar por este projecto até conseguir sensibilizar e despertar o Poder de Decisão, mas julgo que devo parar por aqui, tentei mobilizar consciências e vontades, penso que fiz a minha parte como cidadão interessado no desenvolvimento económico e produtivo desta região.

[Tuneiras em Alcoutim. Foto JV, 2010]

Aqui deixo um desafio aos Srs. Presidentes das Câmaras de Alcoutim, Mértola, Almodôvar, Tavira e Castro Marim para que criem uma empresa mista e aproveitem os actuais financiamentos para a produção e inovação. Enviem uma delegação ao sul de Itália, com terrenos e clima semelhantes ao nosso, onde existe uma agro-industria de Figo-da-India e vejam no terreno como as coisas funcionam. Também sugiro que contactem o prof. Paolo Inglese, da universidade de Palermo e um dos maiores especialistas mundiais no cultivo desta planta.

"Aqueles que hesitam, acabam não conseguindo nada. Somente a decisão corajosa traz a vitória. As pessoas decididas sempre criam a ocasião propícia através das suas próprias decisões. Essas pessoas não esperam que a oportunidade venha, nem se tornam escravo dela: elas criam a OPORTUNIDADE "

Não pretendo qualquer promoção e até recuso qualquer divulgação da minha imagem pessoal, apenas quero, com humildade, dar o meu contributo como cidadão em prol desta região, onde nasci e vivi até aos 11 anos e não aceito que seja tão esquecida pelo poder que detêm as decisões, por vezes tão ambíguas.

Mário Nunes
(Dirigente associativo)

Pessegueiro, Martim Longo, Alcoutim

nunes_mario@sapo.pt

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O arneiro



No seguimento desta nossa rubrica, apresentamos hoje o arneiro, cuja foto é de uma miniatura que encontrámos num monte do concelho.

Já não é muito fácil encontrar estas peças, pelo menos para aquilo que até meados do século passado era usado, isto é, para limpar cereais das maiores impurezas.

Ainda que o formato apresentado fosse o mais vulgar, não era único, pois havia outro de forma circular que era manejado por uma só pessoa e este é-o por duas.

Duas réguas de madeira eram unidas por outras duas mais curtas, formando um rectângulo no qual se colocava uma rede, na altura só de arame ou então um fundo metálico com bastantes orifícios. O movimento de vaivém originava a separação desejada.

No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa – Verbo, 2001, o termo é apresentado como um regionalismo alentejano com este significado e com o de crivo usado pelos pedreiros para separar a areia do calhau, por isso, com uma função semelhante.

Contudo, Eduardo Brazão Gonçalves também o apresenta no seu Dicionário do Falar Algarvio, 2ª Edição, 1996.

Acresce dizer que o termo significa também terreno arenoso, improdutivo ou estéril, aparecendo com frequência na toponímia, nomeadamente no centro e sul do país, como são exemplos Arneiro das Milhariças e Arneiro de Tremês, no concelho de Santarém.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Um crime em Alcoutim nos finais do século XVII

Maria d`Orta, do termo de Alcoutim, em seu nome e de seus filhos, se me queixou de Bruno Gomes de Brito lhe matou seu marido e pai André Fernandes com um tiro de espingarda, para que se não queixasse da força e violência com que Francisco da Silva, Gregório Esteves, Balthasar Muxe Carvalho, e outros, furtaram uma donzella, sobrinha do morto André Fernandes, de mandado dos quaes o dito Bruno Gomes fez a dita morte. – E porque tenho mandado ordenar ao Corregedor da Comarca de Tavira tire devassa deste delicto, pronuncie e prenda os culpados – hei por bem se não concedam cartas de seguro aos culpados nelle, sem ordem especial minha, visto a gravidade delle pedir toda a demonstração.

O Conde Regedor, do meu Conselho d´Estado, o tenha intendido, e ordene aos Corregedores do Crime da Corte o executem nesta conformidade.

Em Lisboa, a 20 de Maio de 1689 = Rei. (*)


(*) Collecção chronologica da legislação portugueza, Vol. 10, pág. 190.

Pequena nota

É este o despacho que fui encontrar nas minhas pesquisas e que imediatamente relacionei com a estória que me contaram, Francisco Rodrigues e Manuel António Pinto, ambos naturais do monte do Zambujal, freguesia de Vaqueiros mas que se fixaram e faleceram na vila de Alcoutim.

Recentemente, outros originários daquela zona igualmente conheciam a estória, com menos pormenores do que os dois primeiros, o que é natural.

A ligação que faço a este despacho é a referência que Francisco Rodrigues fazia ao Bruno Gomes, dizendo que era o Conde de Brunhos e que tinha mandado matar a donzela, estória / lenda que refiro na minha “postagem”de 20 de Fevereiro de 2010, com o título de “A lenda do Cerro da Mortalha”.

[Montinho da Revelada, 2010]
Estou convencido que este facto real que o despacho apresenta, reinando D. Pedro II, acabou por ter dado origem àquilo que hoje se considera uma lenda com a deturpação que os trezentos e vinte anos passados originaram.

Falta saber se os criminosos foram punidos.

Uma lenda acaba por ter na maior parte dos casos algo de verídico ou que alguém pensou que o fosse. Depois o homem vai compondo com toda a sua imaginação e desenrolando os factos conforme lhe apraz e fica-se com um produto lendário.

Esta caso será possivelmente um exemplo.

A partir desta "postagem" lançamos uma pista para eventuais interessados nestes assuntos.

JV

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O figo da índia e o seu aproveitamento



As insónias, quando se chega a uma idade mais avançada, são uma pecha que atormenta a maioria dos idosos, pelo que também eu tenho períodos em que sinto esse flagelo.

A última vez que isso me aconteceu, foi na passada terça-feira, dia 21, pelo que não conseguindo dormir, resolvi ligar o rádio para ouvir música baixinha o que nalgumas vezes facilita o adormecer.

Rondaria as 6 da manhã e a “Antena 1” estava dinâmica com o noticiário: Prefiro o da rádio ao da televisão por ser mais completo e informativo.

O sono continuava distante até que, para meu espanto, o jornalista diz que vai ligar a Alcoutim.

Pensei com os meus botões que fosse mais uma das "larachas" que por vezes aparecem, passando pelos jornais locais, regionais, nacionais, rádios e televisões. Afinal enganei-me, era algo de diferente.

Se não tinha sono, acabava por ter o cérebro cansado pela falta de dormir, mas o facto não evitou que me tivesse apercebido que alguém no concelho de Alcoutim tem um projecto ou está tentando, no concelho mais pobre do país ou pelo menos um dos mais pobres, aproveitar algo que à primeira vista não presta para nada, o figo da Índia, mais conhecido localmente por figo de tuna.

Quando ainda se criavam porcos pelo concelho, era um dos principais alimentos desses animais, tendo ouvido dizer que esta alimentação dava bom gosto à carne.

Era um fruto que desconhecia quando cheguei a Alcoutim e ao prová-lo não me agradou muito, contudo, tempos depois, talvez pelo hábito, comecei a apreciá-lo.

Ainda no tempo do escudo entrando numa grande superfície comercial de uma cidade do Oeste, vi-os à venda, com pouco bom aspecto e estavam marcados a 600$00 o quilo!
Disse para com os meus botões, aqui está uma coisa que se dá tão bem em Alcoutim e que podia gerar alguma fonte de riqueza.

Falando algum tempo depois com um alcoutenejo que realizou variadíssimos projectos com auxílios comunitários e que nenhum acabou por vingar, disse-me que chegou a pensar nisso mas que tinha posto a ideia de parte.

Pela entrevista, aclarei algumas das utilizações que já conhecia conforme indico na minha postagem de 8 de Abril de 2009.

Licores, compotas, destilação, farmacopeia e cosmética são algumas das áreas que podem ser exploradas. Das sementes extrai-se um óleo valioso, comprado pela indústria cosmética. O fruto é utilizado para o combate à diarreia, ainda que o seu uso excessivo possa causar obstipação.

Nunca tinha ouvido falar disto no concelho de Alcoutim.

Numa região tão pobre, parece-me que tal exploração poderá ser compensadora, pois tem uma compreensível base de sustentação.

A figueira-da-índia é plantada para exploração das suas potencialidades em vários países, como no México, de onde parece originar, em Itália e no Brasil, entre outros.

Será que o projecto irá ser apoiado por quem de direito?

Oxalá que sim, mas duvido.

O povo gosta é de festas!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Tesouro, pequeno monte de nome enigmático



O Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa do algarvio José Pedro Machado (1), refere o topónimo como único no país, a nível de povoação e que tem origem no substantivo masculino tesouro, cujo significado todos conhecem.

Também no dicionário corográfico que costumamos consultar (2) o topónimo é único.

O problema está em saber que espécie de tesouro acabou por dar lugar ao nome de referência do local. Isso teria acontecido há tanto tempo que não ficou na memória do povo.

A zona teve ocupação muçulmana que deixou vestígios nomeadamente no Cercado das Oliveiras próximo do poço do monte onde existia um forno que tinha acesso através de uma calçada de pedra miúda. Fragmentos de telhas decoradas e bordos de panelas, púcaras e outros objectos foram recolhidos e avaliados. (3). O sítio é conhecido localmente pelo “telheiro” e a que o povo atribui ser do tempo dos mouros.

A povoação, que foi sempre pequena através dos tempos, pertence à freguesia do Pereiro e encontra-se em vias de desertificação, devendo ter tido por base um abastado proprietário, casa agrícola que ao longo dos tempos foi mantendo a povoação.

[Aspecto do centro do monte. Foto JV, 2010]
Saindo da sede de freguesia, a aldeia do Pereiro, tomamos a estrada nº 124 em direcção a Martim Longo e vamos encontrar à direita um entroncamento que constitui parte da estrada municipal nº 507, cujo troço foi pavimentado em 1986.

[A Herdadinha. Foto JV, 2009] O terreno é plano e estava (1992) coberto de estevas. Passa-se sobre o ribeiro do Alcoutenejo e ao fundo a Herdadinha, um monte abandonado há muito e onde em tempos se levavam as bestas ao lançamento.

Chegámos entretanto à pequena povoação que nos fica à direita e é de tipo concentrado. Perto, ainda se podia ver uma bonita seara de trigo, passava-se isto em 1992.

O monte dispõe de um pequeno largo. Casas típicas com poiais. Parreiras às portas.

Situa-se numa pequena elevação e já se vêem algumas amendoeiras.

Em 1940 foi atribuída pela Junta de Freguesia a verba de mil escudos para a abertura de um poço (Sessão de 8 de Janeiro), trabalho vigiado pelo membro da Comissão Administrativa, José Teixeira.

O vedor José Ribeiros recebe da Câmara em 1932 (4) vinte e seis escudos pelo trabalho de localizar a água para a abertura do poço do monte.

Zona onde a pastorícia imperava, ligada à cultura dos cereais, referimos o Alferes de Ordenanças, Manuel Teixeira, que em 1771, manifestava os seus gados.

José Orta Cavaco, residente no monte, era um dos maiores contribuintes do concelho em 1855/56.

Em 1864/65, Eugénio Dias fazia parte da Junta de Paróquia do Pereiro, acontecendo o mesmo com Manuel Sebastião nos anos de 1866/67.

Em 1773/74 era responsável pela Fábrica da Igreja da Paróquia do Pereiro, (fabriqueiro) Sebastião Teixeira, desempenhando as mesmas funções em 1794/95, Paulos Teixeira, certamente da mesma família dominante.

Desempenhava as funções de mordomo da Confraria do Senhor Jesus, em 1806/07, Manuel Vicente aqui residente. (5)

Na foz do Malheiro, em 1891, no pego denominado do “Linho”, foram encontradas duas pessoas afogadas. (6)

Veio a ser construído em 1986 um pontão sobre este barranco, que muito beneficiou o povo das redondezas, devido ao encurtamento de distâncias.

[Casa típica em ruina. Foto JV, 2010]

A nível populacional, as Memórias Paroquiais (1758) referem a existência de 7 vizinhos, que formavam vinte e cinco habitantes e então a Herdadinha era habitada por uma família composta por cinco elementos.

Em 1839 tinha onze fogos. (7)

No ano de 1992 em sete fogos viviam catorze moradores. No último censo (2001) pelo seu número ser inferior a dez constam do número dos “isolados”.

O monte tem energia eléctrica e os arruamentos foram pavimentados em 1992.

A água foi primeiramente distribuída por dois fontanários para depois o ser ao domicílio (2008). Um furo artesiano privado.

Em 1997 foram instaladas caixas de recepção do correio.(8)

É concessionada, em 1998, pelo período de seis anos, à Bis-Caça, Desporto Venatório e Gestão de Caça, Lda., com sede em Loulé, a zona de caça turística do Tesouro. (9)

Um caminho rural recentemente asfaltado liga esta povoação à do Cerro da Vinha.

NOTAS
(1) – Edição Horizonte / Confluência, III volume, 1993.
(2) – Novo Dicionário Corográfico de Portugal, de A-C- Amaral Frazão, Editorial Domingos Barreira, Porto, 1981.
(3) – “O Algarve Oriental durante a ocupação islâmica”, Helena Catarino, in Revista do Arquivo Histórico Municipal de Loulé, nº 6, 1997/98.
(4) – Acta da Câmara Municipal de 30 de Junho.
(5) – A Freguesia do Pereiro (do Concelho de Alcoutim) «do passado ao presente», José Varzeano, Edição da Junta de Freguesia do Pereiro, 2007.
(6) – Of. Nº 95 de 7 de Julho de 1891 ao Juiz de Paz do Distrito.
(7) – Corografia do Algarve, João Baptista da Silva Lopes, 1841.
(8) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 4, Dezembro de 1996, p 12.
(9) – Jornal da Serra, Novembro de 1998.

D. André de Noronha, Bispo de Portalegre e de Placência

Segundo filho (ilegítimo) de D. João de Noronha e um dos netos dos 1ºs Condes de Alcoutim, D. Fernando de Meneses e D. Maria Freire de Andrade. Era irmão de D. Antão de Noronha que foi o 9º Vice-Rei da Índia.

Não seguiu a carreira das armas. Dedicado às letras, estudou em Coimbra e foi Doutor em Cânones e Reitor daquela Universidade.

Foi deão da capela do Príncipe D. João, filho do Rei D. João III.

Exerceu as funções de deputado da Mesa da Consciência e Ordens.

É nomeado por Paulo IV, Bispo de Portalegre, tendo tomado posse em 17 de Julho de 1560, sucedendo ao 1º Bispo, D. Julião de Alva (1549-1560).

Em 1581, Filipe II de Espanha apresenta-o como Bispo de Placência e é nomeado por Bula do Papa Gregório XIII de 11 de Setembro de 1581, tendo tomado posse em 21 de Janeiro de 1582, funções que exerce até à morte ocorrida em 3 de Agosto de 1586.

[Igreja do Convento de Sto. Antóno, Portalegre]
Por sua disposição testamentária é trasladado para a Igreja do Convento dos Religiosos Descalços de S. Francisco, que dedicou a Sto. António e que tinha fundado em Portalegre em 1572. O convento de traça simples destinava-se a auxiliar os mais carenciados.

A sua sepultura tem a seguinte memória:- D. André de Noronha, foy trasladado a esta Capella em 24 de Fevereiro de 1590.
Em 11 de Novembro de 1584, na Igreja de S. Jerónimo de Madrid, assistiu ao juramento do príncipe D. Filipe.

Por carta datada de 10 de Janeiro de 1570, D. Sebastião ordena-lhe que se construa um Mosteiro da Ordem de Santo Agostinho na vila de Arronches. É também a ele que lhe cabe ordenar ao vigário Cristóvão Falcão doar a ermida de Nª Sª da Luz a Frei Diogo de S. Miguel, provincial da Ordem de Santo Agostinho.

D. André de Noronha, descendente do Marquês de Vila Real, foi o último dos abades comendatários de Ganfei. Em 1546 tinha abade e quatro monges, sendo as rendas do primeiro avaliadas em 100 mil réis. Cada monge tinha dois mil réis em dinheiro, duas pipas de vinho e 112 alqueires de pão e o vigário da igreja 15 mil réis.

Este privilégio terminou em 1569 depois da demanda entre a Casa de Vila Real e a Congregação de S. Bento, que esta venceu.

O último abade da Igreja Paroquial de Caminha, enquanto pertença da Casa de Vila Real, foi D. André de Noronha.

[Convento de Nª Sª da Luz, Arronches}

Teve cinco filhos de várias mulheres, as quatro filhas seguiram a vida religiosa como era próprio da situação e da época, D. Juliana foi prioresa do Mosteiro de Chelas, em Lisboa e D. Maria, abadessa no de Sta. Ana, em Viana.

O filho varão, D. Pedro de Noronha, tendo estudado para seguir uma carreira eclesiástica, acabou por ser cavaleiro da Ordem de Cristo e recebeu um prestimónio da Casa de Vila Real concedido pelo Duque, D. Manuel de Meneses.

____________________________________

História Genealógica da Casa Real Portuguesa, António Caetano de Sousa, Edição QuidNovi/Público – Academia Portuguesa da História, Vol. V, 2007.

História Eclesiástica de Portugal, P. Miguel de Oliveira, Publicações Europa/América, 1994.
“Os netos dos 1ºs Condes de Alcoutim”, José Varzeano, in Jornal do Baixo Guadiana, nº 75, de Maio de 2006, p. 19

Blog Diário de Bordo, rotas e desvios. Em 21.09.2010

cm-arronches.pt

http:// serenatasemportalegre.blogspot.com

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Era assim... (Poema)

Pequena nota
Apresentamos hoje mais um poema saído da verve do nosso Colega e Amigo, Colaborador, o que muito nos honra, do ALCOUTIM LIVRE.
Teve a amabilidade de o oferecer nos seguintes termos:- ... é uma lembrança minha para a sua querida neta.Irá lê-lo um dia e sabê-lo avaliar, “conhecendo”, através do pai, quem o escreveu.
É hábito quando lhe oferecem qualquer coisa não se esquecer de agradecer com o seu “obigada”.
Em meu nome e no dela daqui envio o meu abraço de agradecimento.

JV






Poema

de

José Temudo







terça-feira, 21 de setembro de 2010

D. Antão de Noronha, 9º Vice-Rei da Índia, neto dos 1ºs Condes de Alcoutim

(PUBLICADO NO JORNAL DO BAIXO GUADIANA, Nº 99, DE OUTUBRO DE 2006, P.18)



Já referimos nas páginas deste semanário regional os netos que conhecemos dos 1ºs Condes de Alcoutim e nos quais incluímos D. Antão de Noronha com uma pequena referência biográfica que hoje pretendemos aumentar.

D. Antão de Noronha era filho natural de D. João de Noronha, segundo filho dos 1ºs Condes de Alcoutim, sobrinho de D. Pedro de Meneses, 2º Conde de Alcoutim e primo do 3º e 4º, respectivamente D. Miguel e D. Manuel de Meneses.

O seu pai, ainda que tivesse dois filhos, nunca casou.

Por Carta Régia de 24 de Fevereiro de 1564, no reinado de D. Sebastião e sendo regente o Cardeal D. Henrique, seu tio é D. Antão nomeado Vice-Rei da índia. Parte a 19 de Março com três naus, tendo-se perdido duas e chega a Goa a 3 de Setembro do mesmo ano, recebendo o governo das mãos do capitão da cidade por se achar doente o seu antecessor, D. João de Mendonça que acabou por vir a morrer na batalha de Alcácer - Quibir.

Antes de ser distinguido com tal desempenho, teve de dar provas do seu valor como navegador e guerreiro.

Sobrinho igualmente de D. Afonso de Noronha que foi capitão de Ceuta, com ele serve com valentia nessa praça. Acompanha-o com outros valorosos fidalgos ao Oriente para onde seu tio foi nomeado Governador e 5º Vice-Rei da Índia que por sua vez lhe deu o comando da esquadra do estreito.

Toma Katif e procura ocupar Baçorá que resiste e retira para Goa.
A sua acção militar mais importante foi a defesa de Ormuz perante o ataque dos turcos.

Quando os portugueses atacaram a fortaleza de Chembe, no Malabar, uma espingarda inimiga fracturou-lhe uma perna, de que veio a coxear.

Igualmente lhe pertence a defesa de Goa dos ataques do Hidalcão, havendo-se com o maior denodo.

Seu tio envia-o de novo para Ormuz, investindo-o no governo da forte praça e onde prestou assinalados serviços.

Em 1558, D. Constantino de Bragança logo que tomou posse do Governo da Índia, nomeia-o novamente para capitão de Ormuz, lugar que exerceu por mais três anos, regressando a Portugal doente, em 1561 e com D. Constantino de Bragança.

Em atenção ao curriculum apresentado, onde avultam o valor militar, os serviços prestados e a honestidade, não admirou a sua nomeação para tão alto cargo.

O Vice-Reinado que decorreu entre 1564/1568, sob o ponto de vista militar continuou a evidenciar as qualidades que mostrara, nomeadamente em Ormuz. Defendeu heroicamente Cananor e Malaca que foi atacada por uma esquadra de trezentos e cinquenta navios, chefiada pelo rei de Achem, suportando com brilho um duro cerco.

Também Damão sofreu no seu tempo forte ataque que conseguiu repelir. Tomou e reconstruiu Mangalor.

Como gestor as coisas não decorreram tão bem, tendo concedido poder demasiado aos capitães das fortalezas que aproveitaram para praticar abusos.

Depois de algum conflito com os padres jesuítas, acabou por se tornar cego servidor do seu “provincial”.

É substituído por D. Luís de Ataíde, 3º Conde de Atouguia a quem fez entrega do poder em 10 de Outubro de 1568, iniciando a viagem de regresso ao Reino em 2 de Fevereiro seguinte.

Faleceu durante a viagem, próximo de Angoche (Moçambique) sendo o seu corpo lançado ao mar, após ter sido cortado o braço direito, conforme declaração testamentária e enviado para Ceuta a fim de ser depositado no túmulo de seu tio, D. Nuno Álvares de Noronha.

Acontece que durante o seu governo, viu-se obrigado a assinar uma ordem a favor de um parente, escrevendo à margem: - a mão que assinou este documento devia ser cortada.

O cronista da “Décadas”, Diogo do Couto, regressou ao Reino na armada que trazia D. Antão de Noronha.

Casou com D. Inês de Castro (Feira), de quem não teve geração.


BIBLIOGRAFIA

Os Vice-Reis da índia no período da Expansão (1505 – 1581), Alfa, 1986, José F. Ferreira Martins.

Tratado de Todos os Vice-Reis e Governadores da Índia, Editorial Enciclopédia Limitada, Lisboa -Rio de Janeiro, Lisboa, 1962.

Dicionário Ilustrado da História de Portugal, Vol. II, Publicações Alfa, 1985.

História de Portugal, Fortunato de Almeida, Bertrand Editora, Seg. Vol., 2004.

Enciclopédia Verbo – Luso Brasileira de Cultura, Edição Séc. XXI, Vol. 21.

Lello Universal, Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro, 1975.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Caminhos e estradas são suprema aspiração da gente de Vaqueiros

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 10 DE FEVEREIRO DE 1973)








Escreve


Luís Cunha





[Vista parcial da aldeia de Vaqueiros. Foto JV, Maio de 2010]

Indiferente aspo politiquices dos homens e muito antes de dividir Portugal e Espanha, o Guadiana Cavava profundamente o seu leito em terrenos de xisto. A aridez desértica que esta rocha imprime ao ambiente é a mesma nas duas margens; ar extremamente seco, puro e saudável: verificando-se chuvas escassas e irregulares durante um curto período de três meses, ausência total de nascidios ou fontes superficiais, por falta de infiltrações e vegetação arbustiva de xerófilas desérticas.

Escaldada por um largo e ardente Verão de nove meses, eis uma região pavorosamente bela.

Nos pequeníssimos cercados (instituição que, como as hortas, parece de origem mourisca) à volta dos povoados, os homens plantam árvores: amendoeiras, oliveiras, alfarrobeiras e outras necessitando de pouca água. Fora disso, tudo são escampados, muito embora, espaçados, aparecem como testemunhos de florestação espontânea a azinheira e sobreiro.

Num Dário das Sessões da Câmara de Alcoutim da década de 30 ou 40 do século passado, vimos que eram postas em praça as rendas dos montados para pascigo de porcos. A essa praça concorriam gentes de Loulé, Tavira e Mértola, e daí o concluirmos que a região fora outrora densamente povoada dessa espécie. Corroborava esta crença a narrativa que um velho amigo à muito nos fizera, de como alguns indivíduos haviam granjeado fortuna nos primeiros anos deste século, fornecendo lenha e carvão para o comboio, acabado de chegar a Vila Real de Santo António e de como assim se havia despovoado a serra.

Em recente visita à freguesia de Vaqueiros, de ponto em que se divisa enormíssima extensão de 15 a 20 quilómetros, Espanha a dentro, verificámos, no lado espanhol, a mesma total ausência de arborização, com o que essa crença se nos desvaneceu. As azinheiras que se vêem dispersas podem ser testemunha de muitas outras mais, mas nanja da florestação densa que imagináramos.

A existência de animais bravios de grande porte: javalis, veados e possivelmente zebras e lobos, essa é que os diários das sessões camarárias confirmam pelas muitas batidas ali determinadas e ainda por se não poder pensar que o príncipe D. Carlos fosse a Alcoutim caçar perdizes ou lebres, como em Aveiro, na década de 30, nos testemunhou um senhor idoso, fidalgo de origem, que fora amigo do príncipe e à vila algarvia o acompanhara em digressão venatória.


Mas, o que agora pretendíamos era falar da freguesia de Vaqueiros, a bela serrana daquele concelho.

Com a curiosidade espicaçada por sugestiva e interessante narrativa de um amigo, e no intuito de conhecer de perto as condições que nos descrevia, fomos de abalada até lá.

A estrada que deverá um dia (?) atravessar a ribeira atravessar a ribeira de Odeleite e, prolongando-se, ir entroncar em outra do concelho de Tavira, vai já alguns quilómetros além da aldeia, mas ficou-se, há uns oito ou dez anos, nos primeiros acidentes dos contrafortes onde começam as enrugadíssimas vertentes da ribeira. Daí se avista, em horizonte, extraordinariamente lato, a maioria dos povoados da freguesia, as serranias que do planalto levam ao Guadiana e algumas dezenas de quilómetros de terra espanhola.

A visita fez-se no Verão em período de completo repouso estacional. Agrestes e completamente escalvados, os enormes serros em que o xisto aflora por toda a parte, não mostram uma só árvore, uma só folha verde, o que confere pavorosa desolação à majestade da paisagem.

[Magnífica vista das serranias de Vaqueiros. Foto JV, 2009]

Alcandorados nas dobras da serrania, os pequeninos agregados de 8 a 10 famílias, isolados uns dos outros por enormes distâncias e de todo o mundo pelo esquecimento, vegetam em apavorante estagnação, sem comércio nem meios de comunicação. Sem preocupação com as comodidades de acesso, ou talvez melhor, em conformidade com os transportes da época – a pé ou a cavalo – a sua implantação nessas tremendas pregas da serra obedeceu a considerações de natureza agrícola, com uma organização social e económica de agricultura familiar fechada, sendo notória a debilidade de recursos, a monocultura do trigo com fins exclusivos de sustentação e o aparecimento, aqui e além, de indícios de que por meio de poços se poderia conseguir água para consumo alimentar.

À volta dos poços se instalaram as gentes e tudo assim resta hoje adormecido, como que inacessível ao progresso, justificando as lamentações daquele nosso amigo: Nada tem de novo esta situação de miséria de que só agora se toma consciência desde que a emigração em procura de trabalho fornece ao homem novo padrão para aferi-la.

A deserção da população válida, acarreta a necessidade de renovação de que os velhos são incapazes pelo que a perpetuidade de tão exíguos agrupamentos se acha perigosamente ameaçada. É uma situação gritantemente dramática; - “os vivos – diz o nosso amigo – queixam-se que os mortos os matam no caminho para o cemitério da aldeia” porque as veredas vicinais, estreitas e desniveladas, não comportam a passagem de dois homens a par.

[O monte do Pomar encravado na serra. Foto JV, 2009]

Até há bem pouco tempo, e possivelmente ainda hoje, de um ou outro monte – o que o nosso amigo teria calado supondo tremenda injúria – os mortos eram conduzidos a dorso de burro, amarrados entre dois molhos de palha.

Várias designações locais – Horta dos Guerrilhas, Cemitério dos Guerrilhas – testemunham a assiduidade do celebrado Remechido por terras de Vaqueiros, sabendo-se ter incendiado duas vezes as repartições de Alcoutim onde não encontrou dinheiro.

A gente de Vaqueiros é a melhor que conhecemos e bem pouco pedem, os pobres, para o muito de que precisam e merecem: reclamam caminhos e estradas, mas entendemos que algo mais seria justo dar-lhes.

domingo, 19 de setembro de 2010

Armamar, terra e gente



São 392 as páginas de 16,8 X 24 cm que constituem esta monografia editada pela Câmara Municipal, 1999 e recentemente chegada às minhas mãos por gentil oferta do seu autor, J. Gonçalves Monteiro e valorizada por amável dedicatória.

Constitui um exaustivo trabalho dividido em nove partes onde tudo se encontra sobre a vila e freguesias rurais, em todos os seus aspectos: geográfico, físico, económico, histórico, etnográfico, monumental, demográfico, eu sei lá, de tudo aqui encontra descrito com rigor e objectividade.

Verdade seja que o concelho é rico em todos estes parâmetros. Igrejas e capelas, casas solarengas tão próprias do norte de Portugal são algumas das partes que já li valorizando o meu conhecimento. Só figuras ilustres são apresentadas 32, por isso, uma lista exaustiva que abrange naturalmente várias actividades e que engloba personalidades desde o século XVI aos nossos dias. Ainda que o livro seja fortemente ilustrado com fotografias a cores, reparei que nenhuma existe destes ilustres filhos da terra.

A leitura que iniciei no mês de Agosto está longe de ser concluída visto serem muitos os assuntos que merecem atenção redobrada.

É de excelente papel e cuidada ilustração, credibiliza o seu autor e honra a Câmara Municipal, que a editou.

Esta monografia veio enriquecer a minha colecção e com a sua leitura e consulta dá-me pistas e sugestões para novas abordagens.

Uma pequena nota final para dizer que foi o ALCOUTIM LIVRE que me levou ao autor do trabalho, o nosso já amigo J. Gonçalves Monteiro que acaba por ter alguma ligação ao concelho de Mértola.

sábado, 18 de setembro de 2010

O cacto e a janela



Mais uma Câmara Escura dos nossos dias pois é foto tirada no dia 4 do mês corrente num dos montes do concelho.

Sobre ela apetece-nos fazer as seguintes considerações.

Esta “morada de casas”, para usar a terminologia da época em que foi construída, tem 70 anos de existência e possui estruturas para durar pelo menos outros tantos.

Foi sempre caiada com ocres destas cores e ultimamente por falta delas, com tintas de cores semelhantes. Foram estas as cores escolhidas por quem as mandou construir.

Lá está o amarelo torrado hoje tanto em voga. Janelas de madeira que hoje são raras e nesta, a parte interior ainda é a original.

Este tipo de construção que se usou no concelho na primeira metade do século passado, com fachadas de influência do litoral estão quase desaparecidas e das poucas que existem, a grande maioria está adulterada.

Dentro de anos, nem documentos fotográficos vão existir pois as entidades competentes nunca se preocuparam com isso.

A rede mosquiteira denuncia a abundância de tais insectos tão incomodativos.

Os cactos são plantas ornamentais que possuem aqui um clima propício ao seu desenvolvimento. Este, colocado num vaso, aproveitou as raízes adventícias para se fixar junto da janela. As lindas flores, que dá, duram abertas apenas um dia e aproveitámos para as fotografar.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A cilha e a sobrecarga





Iremos referir hoje, nesta rubrica procurada por um número considerável de visitantes/leitores dois utensílios que praticamente existiam em todas as casas do concelho e que hoje começam a ser raros, pelo menos, no “monte” em que os procurámos já não conseguimos encontrar exemplares completos.

Tinham uma função semelhante, apertar algo aos animais de sela e carga.


Ambas são constituídas por uma tira de pano resistente ou de sisal, de largura e comprimento variáveis, dependendo dos animais em que se iriam aplicar, mais ou menos corpulentos.

A cilha destina-se a prender a sela ou a albarda ao dorso dos animais a fim de se poder montar com segurança.

Numa das extremidades tem uma peça de madeira, normalmente de azinho e de formato não uniforme como mostram as fotografias juntas. É por ela que passa
a corda ou baraço que se prende a uma argola de ferro situada na outra extremidade e que aqui se vem fixar, apertando.

À peça de madeira chama-se “chiribita” designação que não encontrámos nos dicionários consultados e fizemo-lo em função de vários tipos de escrita e conforme a pronúncia nos sugeria.


A sobrecarga é uma espécie de cilha que se destina a apertar a carga das bestas e mesmo as cangalhas quando for caso disso.

A diferença fundamental está em que, enquanto na cilha funciona a “chiribita”, na sobrecarga trabalha o gravato, espécie de gancho natural colhido em árvore de madeira resistente como é o azinho, zambujeiro e mesmo oliveira.

Naturalmente que não existem dois gravatos iguais e as suas dimensões estão em consonância com o tamanho das bestas em que vão ser aplicados.


O baraço, depois de se fixar na argola de ferro na outra extremidade, vem apertar ao gravato através de um nó simples, como se apresenta na fotografia e que não cede por mais movimentos que se façam.

Quando era necessário fazer algum ajustamento, utilizava-se a introdução de um cavaco que se torcia e prendia na corda. Chamam a esta pau, um garrocho.


O Dicionário do Falar Algarvio, de Eduardo Brazão Gonçalves, traz a palavra como de uso algarvio e com este significado.

Como se pode verificar pela última fotografia, o gravato era preparado de molde a fixar bem a corda de maneira a não se desprender.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Casa Nova do Pereirão

[Vista parcial. Foto JV, 2009]

Vamos procurar referir hoje o pouco que conhecemos desta pequena povoação que pertence à freguesia de Martim Longo e que se situa lá para os fins do concelho, por este lado.

Parte do topónimo foi buscá-lo à cumeada (sequência de cumes, planalto) designada por Pereirão e que o geólogo francês Charles Bonnet refere como produtora de muito trigo, onde não se encontram árvores sendo escassa de água potável. (1). Talvez dessa escassez tenha origem o topónimo, um aumentativo de pereiro.

Nesta zona do concelho existiu uma grande herdade, a Herdade do Pereirão, que pertenceu em tempos recuados aos Condes de Alcoutim e que mais tarde veio a pertencer à Casa do Infantado, sendo estes bens alienados durante o liberalismo.

Tudo parece indicar que Casa Nova será mais recente que o monte próximo do Pereirão e que por isso mesmo lhe foi buscar a outra parte do topónimo pois havia necessidade de o distinguir de outras com o mesmo nome.

Casa Nova aparece cinquenta e três vezes na nossa toponímia a nível de povoação, incluindo uma na freguesia de Vaqueiros e mais algumas dezenas quando se apresenta como topónimo composto. Pereirão, como lugar, é o único que encontramos no dicionário que habitualmente consultamos. (2)

O Pároco que respondeu ao questionário (Memórias Paroquiais, 1758), já refere o Monte da Casa Nova e o Monte do Pereirão.

Em 1997, a estrada que seguia para a ribeira do Vascão não estava pavimentada, encontrando-se em construção a ponte sobre a mesma, para Sta. Cruz, ficando assim ligados os dois concelhos, Alcoutim e Almodôvar.

Hoje já a ponte está concluída e naturalmente a estrada asfaltada.

Ao redor do monte, os terrenos ainda eram agricultados e existia uma pecuária.
Segundo a informação que na altura um morador nos prestou (1997), havia seis fogos habitados, com um casal com cinco filhos, o que já era coisa rara.

O monte, constituído por dois aglomerados populacionais muito simples, formava uma única rua. As casas térreas, juntas e com pátio, têm fachadas caiadas e chaminé.

[Pequeno aspecto do "monte". Foto JV, 2009]

O telefone fixo só chegou em 1995. (3)

Um abrigo para passageiros e à entrada do monte um lavadouro público junto a um poço com bomba manual elevatória. Há recolha de lixo. Distribuição de água por fontanários que em 2006 foi levado ao domicílio. (4)

Entretanto a estrada ao limite do concelho sofreu beneficiação.

Em 1911 tinha 16 habitantes, número que desceu para 14 em 1940 e 11 em 1960, subindo, contudo, para dezoito no início da década seguinte. (5)

Nos últimos censos não aparece a sua indicação, pois são menos de dez e consequentemente o seu número é englobado nos “isolados”.



Notas
(1) – Memória sobre o Reino do Algarve – Descrição Geográfica e Geológica (Estudo introdutório de José Carlos Vilhena Mesquita), 1990, p112

(2) – Novo Dicionário Corográfico de Portugal, A.C. Amaral Frazão, Editorial Domingos Barreira, Porto, 1981.

(3) - Alcoutim, Revista Municipal, nº 1 Maio/Junho de 1995.

(4) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 13 de Dezembro de 2006, pág. 14.

(5) – Os montes do Nordeste Algarvio, Cristiana Bastos, Edições Cosmos, Lisboa, 1993, pág. 74

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Figos lampos (brancos)



A figueira, que parece originária do Oriente, tem sido sempre uma árvore de referência do Algarve, pela sua boa adaptação aos terrenos e ao clima e pela qualidade dos seus frutos de paladar agradável e dulcíssimo.

Apesar de ser uma cultura em decadência, o figo seco do Algarve continua a ser procurado por todas as casas da especialidade que querem tê-lo devido ao interesse sempre manifestado pelos compradores e constituiu, em tempos, produto de acentuada exportação.

Em meados do século passado a sua cultura ainda era uma actividade importante no concelho de Alcoutim, fazendo-se a plantação nos terrenos mais propícios, ou seja nos mais baixos e por isso, normalmente mais frescos, sendo as margens do Guadiana terrenos privilegiados para a cultura, sempre necessitada de muito sol.

No concelho de Alcoutim, o figo funcionava, na altura, como um dos sustentáculos da economia familiar, já que a sua existência proporcionava, em verde, a alimentação humana e os de inferior qualidade a dos animais, nomeadamente dos porcos. Na época própria,as pessoas deslocavam-se para os seus terrenos na margem do Guadiana, levando consigo os porcos.

Aí procediam à sua apanha e secavam-nos (local designado por almanxar) em esteiras de funcho, de cana ou de outros arbustos, enquanto os porcos iam comendo os que de pior qualidade que ficavam pelo chão.

O tempo era de calor e as pessoas dormiam nas propriedades junto ao rio em cabanas ou ao relento.

[Figueira carregada de figos. Foto JV, 2010]

Depois de secos eram transportados nas bestas para casa onde se procedia à selecção. Os de melhor qualidade destinavam-se ao consumo humano após a adequada preparação, havendo arcas de castanho onde eram acondicionados, bem espalmados uns sobre os outros e misturados com funcho e ervas doces.

Quando se ia trabalhar para o campo, uma mão cheia de figos no taleigo constituía muitas vezes a alimentação possível.

Os de pior qualidade destinavam-se ao suplemento alimentar de bestas e gado e guardavam-se em grandes canastras.

A folha da figueira constituía também alimento de vacas, ovelhas ou cabras.

Além disso, a destilação do figo proporcionava uma aguardente que fazia sempre jeito ter em casa.

A figueira-lampa dá duas camadas, sendo a segunda mais abundante, em meados de Agosto.

Conhecem-se cerca de 600 espécies de figueiras.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Guerra Civil espanhola no meu imaginário de criança!






Escreve


Amílcar Felício


Nasci sete anos depois do fim da guerra civil de 1936-1939 (*), mas os reflexos daquela guerra fratricida nas conversas no seio das famílias alcoutenejas, deveriam ter perdurado com tal veemência, que mais de 10 anos depois do fim da guerra eu ainda vivia atormentado. O que seria natural, pois Alcoutim tinha assistido a uma guerra civil ali mesmo “ao pé da porta” e tinha espreitado pelo “buraco da fechadura” o terror dos fuzilamentos franquistas no cemitério de Sanlúcar, sentindo aquelas mortes como suas, dado o relacionamento quase familiar naqueles tempos entre as duas povoações ribeirinhas.

Pelo contrário, publicamente quase toda a gente era muito reservada, possivelmente por vivermos num regime que sob a capa neutral da “não-intervenção”, todos sabiam que tinha apoiado aquela chacina quer logisticamente, quer enviando à socapa mais de 20.000 homens armados: a famigerada Legião Viriato. Mas se exceptuarmos o “Sargento” Diogo que assumia a sua participação ao lado da República quando já tinha o seu copito, não me recordo de grandes conversas sobre a guerra civil. Salazar sabia que a sua sobrevivência dependia da vitória de Franco e que a sua derrota constituiria com toda a probabilidade, uma mudança na geografia política da Península Ibérica. Por isso deu-lhe camufladamente todo o apoio. Política que haveria de prosseguir mais tarde durante a 2a. Guerra Mundial: ajudar o Diabo fingindo de que estava de bem com Deus!

[Sanlúcar do Guadiana. Foto JV, 2010]

Possivelmente beneficiando desta clima de reserva ou mesmo receio, acoitou-se em Alcoutim aonde viveu sob o disfarce de “tocador de concertina” que fazia a alegria da pequenada, uma figura sinistra – o Bernardino – que apareceu assassinado nos anos cinquenta, numa valeta de estrada no baixo Algarve aonde se deslocara. Lembro-me dele e da notícia do assassinato, mas não me recordo ou passava-me despercebido qualquer tipo de animosidade contra ele, por parte da população. Também não tenho qualquer ideia da sua chegada a Alcoutim. Este facínora, segundo rezavam as crónicas, matava por uma peseta a mando dos franquistas, qualquer suspeito de simpatizante da República. Terá sido por receio que as nossas gentes suportaram no seu seio a presença deste “matador profissional”, ou será que só depois do assassinato é que se soube das razões do mesmo? Fica a pergunta.

Mas se as manifestações públicas sobre a guerra civil não eram perceptíveis, tudo leva a crer que em família a conversa já deveria ter sido muito diferente, como referi anteriormente. Contava-me a minha mãe de que apenas com 2 ou 3 anos de idade e fazendo o meu papel de “homenzinho”, portanto nove ou dez anos depois do fim da guerra civil, eu ainda a aconselhava “a tratar bem os homens da guerra se eles viessem a nossa casa, para que eles não nos fizessem mal!”



Para fazermos uma ideia da brutalidade daqueles anos tenebrosos e da ligeireza com que se fuzilavam homens, o marido de uma tia minha chamada Felismina, o meu tio Acácio se o nome não me falha, homem de trabalho que ia fazendo pela vidinha em Ayamonte, já estava em fila no cemitério em frente do pelotão de fuzilamento, todo borrado naturalmente como ele próprio confessava sem vergonha, quando surge alguém ao longe a gritar: “no tireeeen, no tireeeen!” o que fez com que o pelotão de fuzilamento parasse o seu “sujo trabalho”. “Hay un engaño jefe, ese ahí no és” dizia esse alguém quando chegou. Tratava-se do meu tio que tinha sido denunciado por engano. Escusado será dizer que se raspou para Portugal na primeira oportunidade e que se acolheu às Hortas de Vila Real de Santo António de aonde nunca mais saiu. O susto foi tão grande que nem queria olhar para Espanha!

Aonde os franquistas chegavam começava “a caça aos rojos”, levando os homens para o cemitério para serem fuzilados e as mulheres a quem rapavam a cabeça e purgavam muitas vezes, deixavam-lhes uma madeixa de cabelos aonde atavam uma fita vermelha. Exibiam-nas depois pelas ruas, numa atitude pública do mais vil vexame. Os sinos das igrejas serviam muitas vezes para sinalizar a aproximação das hordas falangistas, escondendo-se aterrorizados cada um aonde podia ou fugindo para Portugal se fosse fronteira.

Estes factos dão uma ideia da barbárie que se abateu sobre Espanha em pleno século XX e da ligeireza com que se matavam inocentes e “culpados”, culpados de não quererem viver na miséria. Mas proporcionaria também um dos mais belos quadros de solidariedade entre os homens e mulheres do século XX, com a participação de mais de 40.000 voluntários de todos os continentes e nacionalidades ao lado da República: as Heróicas Brigadas Internacionais. Intelectuais como André Malraux, Hemingway, George Orwell ou Simone Weil entre tantos outros, ali deixaram o seu nome gravado na mesma trincheira de Federico García Lorca.

Uma palavra de apreço aos barranquenhos que salvaram milhares de vidas – contra as directivas salazaristas – assim como ao nosso povo de uma maneira geral, particularmente no norte do país que escondeu muitos fugitivos da sanha das hordas falangistas, o que terá facilitado a resistência da guerrilha galega que sobreviveu com alguma expressão até aos anos cinquenta.



Na realidade, penso que a Europa nunca deu o devido valor ao sacrifício do povo espanhol na sua luta pela liberdade e pela democracia que temos hoje, assim como pelo alerta contra a natureza da besta nazi, que o massacre de Guernica já evidenciava. De facto na sua luta quase solitária quer em Espanha – com a neutralidade criminosa das democracias ocidentais e a ajuda timorata e calculista russa – quer por essa Europa fora de um modo geral, aonde acima de meio milhão de espanhóis fugidos ao franquismo – uma das maiores diásporas do século XX – constituiriam muitas vezes os grandes impulsionadores da resistência popular ao nazismo, nomeadamente em França. Avalia-se em mais de 400.000 os mortos durante a guerra civil.

Mal sabia eu que quase três décadas depois do fim da guerra civil pelas fábricas de Bruxelas, ainda iria ajudar a enxugar as lágrimas de revolta de antigos combatentes e perseguidos do franquismo, sentir as dores e o ódio dos filhos dos fuzilados e partilhar com eles os sonhos de um mundo novo com que muitos ainda sonhavam. Retalhos vivos trinta anos depois, dos heróis que fizeram parte do meu imaginário de juventude. Mas também tive que conviver com alguns franquistas empedernidos que não se tinham arrependido, mas que mantínhamos com desprezo marginalizados e em sentido.

Mas deixemos Bruxelas e viajemos até Alcoutim dos anos de 1950 ou 1951 já não me lembro ao certo e de aonde às vezes ainda me parece de que nunca de lá saí, tantas as vezes que ali me “refugio” mesmo sem lá estar. Teria portanto os meus 4 ou 5 anos de idade, isto é, onze ou doze anos depois do fim da guerra civil, quando se deu um acontecimento importante em Alcoutim: a visita do Bispo do Algarve.



Mas o fantasma da guerra ainda me perseguia com todas aquelas estórias de que eu tinha conhecimento. A recepção ao Bispo era na Igreja da Conceição, aonde Alcoutim em peso esperava por tão ilustre visitante. Eu, a minha irmã e o meu primo Zé Manel também lá estávamos presumo que sem sabermos bem porquê, pois vínhamos de uma família pouco praticante. Eis que surge o carro do Bispo na velha curva do Poço das Figueiras, o que marcaria certamente o início das cerimónias e do estoirar de foguetes e mais foguetes de Boas Vindas. Espavoridos, corremos aterrorizados para casa e só conseguíamos dizer a custo: Começou a guerra! Começou a guerra! Começou a guerra!

Nota: (*) Cerca de trinta e cinco anos depois, acabaríamos por cometer basicamente os mesmos erros que “nuestros hermanos”, realizando praticamente a mesma política de alianças sob uma orientação política central muito semelhante. Só não tiveram as mesmas consequências tenebrosas com o 25 de Novembro por mero acaso, mas andou lá perto... No lado de lá queriam “ganhar primeiro a guerra e depois a revolução”, do lado de cá “consolidar a democracia e depois a revolução”, como se houvesse outra maneira de aprender a nadar que não fosse nadando. Não conheço ninguém em Alcoutim que tivesse aprendido a nadar em seco... Tiveram todos que ir para a Ribeira ou para o Guadiana! Desculpem-me lá este desabafo, mas estamos no Alcoutim Livre!

Pequena nota
O silêncio referido por Amílcar Felício ainda o senti nitidamente em finais da década de sessenta, era assunto que as pessoas, de uma maneira geral não gostavam de referir ou comentar. Sentia-se o poder salazarista sempre “bem representado” pelas figuras importantes que constituíam a chamada União Nacional e o medo dos bufos que proliferavam por toda a parte.
José Temudo lembra-se muito bem de uma pessoa sinistra que denunciava qualquer foragido que encontrasse e como o povo alcoutenejo o esqueceu, não era ele que o iria revelar, segundo me afirmou.
Por indicação que obtive recentemente é natural que um alcoutenejo, de que até possuo fotografia, se teria batido ao lado dos republicanos onde é provável ter perdido a vida em combate ou fuzilado.
Uma familiar, residente no estrangeiro, está tentando obter documentação e informações que a levem a essa conclusão.
O 25 de Abril em Alcoutim foi recebido com frieza, excepto pelos jovens e meia dúzia de pessoas. Os restantes foram mudando com o rodar do tempo e alguns dos quais se tornaram depois muito activos vindo mesmo a ocupar lugares políticos.
Isto não se passou só em Alcoutim, passou-se por esse país fora.


JV

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Centenário da República no Dia do Município



Reportagem

de

Gaspar Santos







Festa Anual de Alcoutim 2010. Cumpridos o Dia da Criança e o Dia do Idoso, o terceiro dia, 10 de Setembro, foi o dia do Município. Saí de casa por volta das 10 horas para assistir a uma evocação da Implantação da República. Supunha que se realizaria na Casa dos Condes ou na Sala das Sessões da Câmara Municipal. O programa das Festas deste dia referia, 10h00 Arruada e Hastear da Bandeira e 10h15 Comemoração do Centenário da República.

Ao chegar à Praça da República deparei com tropas de camuflado a sair de uma camioneta. Todo o centro da praça estava repleto de cadeiras nas quais as pessoas iam tomando assento. Fardas de elevada e de baixa patente do Exército, Marinha e da GNR, bombeiros e músicos em grande profusão. Depois, enquanto os tropas de camuflado tomavam posição em frente do pau da bandeira e ao lado uma banda de música tocava o Hino Nacional, os Bombeiros içavam a Bandeira.

A seguir a tropa em formatura prestou continência às autoridades civis e militares presentes e homenageou os combatentes da Grande Guerra de 1914-1918 e os combatentes da Guerra do Colonial. Entretanto foram colocados duas coroas e um ramo de flores junto a duas lápides com os nomes de dois alcoutenejos que morreram na Primeira Grande Guerra e dez que morreram na Guerra Colonial.

[Foto G.S.]

Assistimos depois a intervenções de oradores, começando pelo pároco que evocou abençoando os mortos e feridos das duas guerras e desejou que os vivos tenham saúde e vida para continuarem a lembrar os que morreram ao serviço da pátria.

Falou depois o ex-deputado Carlos Brito sobre a Primeira República: implantação, enquadramento histórico da Grande Guerra de 1914-1918, queda da República e Guerra Colonial.

Procedeu-se à entrega de medalhas a familiares dos mortos destas Guerras e a alguns combatentes da Guerra Colonial vivos. As medalhas foram entregues pelo Presidente da Câmara e Vereadores e Militares da Liga dos Combatentes, Associação dos Deficientes das Forças Armadas, Oficiais do Exército, Marinha e GNR convidados e pelo Comandante do Porto de Vila Real Santo António.

[Foto G.S.]


Não tiveram medalhas todos quantos tinham direito a ser lembrados. O nosso amigo José Serafim que perdeu um pé nessa guerra, e recebeu medalha, disse-nos que a Câmara Municipal apenas obteve aqueles nomes junto da Liga dos Combatentes e Associação dos Deficientes. Pelos vistos há nomes que estas entidades desconhecem.
Em representação da Governadora Civil de Faro falou ainda o secretário do Governo Civil associando-se à homenagem.

Por fim falou um coronel que lembrou serem os militares os únicos homens que juram dar a sua vida pela Pátria como aconteceu a estes homens que hoje aqui se homenagearam. A terminar discursou o Presidente da Câmara Municipal lembrando que os alcoutenejos pela sua localização sempre contribuíram para a defesa das fronteiras do País e anunciou para breve a colocação no largo do Cemitério de obelisco a recordar estes combatentes. Convidou os presentes para o beberete que se realizou no Castelo.

Esta cerimónia levou-me até meu Pai, ele também combatente na Primeira Guerra Mundial.

Estatísticas


Como já aqui tenho dito diversas vezes, não percebo nada de informática, tenho aprendido aos poucos aquilo de que vou necessitando para as minhas ocupações.

Eu, que sempre gostei de ler, nunca li qualquer livro que aborde essa temática, por mais simples que seja.

Vou-me governando com aquilo que o meu “mestre”, quando está bem disposto, me vai ensinando, fornecendo-me umas “dicas”.

Seja como for, vai dando para escrever e planificar os meus livrecos, digitalizar e inserir fotografias e mais algumas coisitas, coisa pouca, mas que me fez arrumar de vez com a máquina de escrever.

Tudo o que escrevo, faço-o directamente no computador com todas as vantagens que isso proporciona.

De vez em quando faço as minhas “investigações” informáticas e às vezes obtenho resultados. Foi o que me aconteceu hoje pois fui “descobrir” que os meus blogues me ofereciam dados estatísticos. O meu “professor” nunca me tinha referido tal!

São esses dados que aqui compartilho com os meus leitores conforme quadro que apresento.

É interessante verificar que duas “postagens” de 2009 continuam a ser visitadas com frequência pelos leitores, demonstrando assim um considerável interesse das temáticas que abordei.

Não deixa de ser curioso reparar que a “postagem” ALCOUTIM LIVRE, IMPARÁVEL! é a 3ª mais visualizada, ainda que tivesse sido publicada em 16 de Junho.

sábado, 11 de setembro de 2010

A medida do tempo

Pequena nota
Não podemos deixar de fazer aqui esta pequena nota.
Várias vezes temos escrito que o ALCOUTIM LIVRE não é exclusivo de assuntos sobre Alcoutim e o seu concelho. Sempre que o consideramos necessário e por motivos alguns bem diferenciados, aqui apresentamos esses textos e ilustrações.
O que damos a conhecer hoje é “uma história da vida real” apresentada com grande rigor e a subida sensibilidade que as palavras usadas transmitem ao leitor.
As coisas eram mesmo assim ainda que os jovens de hoje possam pensar que existe imaginação do autor.
O primeiro relógio que possuímos adquirimo-lo aos vinte anos, um “Candino” com o dinheiro que ganhámos dando explicações. No nosso tempo de liceu, muito menos de metade dos alunos tinham relógio.
O leitor pode retirar desta “postagem”, algo de muito interesse, começando logo pela história da medição do tempo e terminando com um bom poema, ao nível daquilo que o autor nos tem habituado.
Apesar de tudo isto, este nosso colaborador tem alguma ligação a Alcoutim pois foi lá que iniciou a sua escolaridade, ministrada pelo professor Trindade e Lima.
Obrigado, José Temudo, pela lição.


JV







Escreve

José Temudo



I
Muitos de nós, no mundo ocidental, já viram ou ouviram falar dos diversos meios e instrumentos que, no decorrer da História, foram inventados e usados pelo homem para medição do tempo: velas de cera, candeias de azeite, relógio de sol, relógio de água (clepsidra), relógio de areia (ampulheta), relógio mecânico (de pêndulo e de mola em espiral), relógio astronómico, relógio eléctrico, relógio atómico, relógio electrónico, relógio de bolso, relógio de lapela, relógio de pulso e, por último, podemos ver as horas nos computadores e nos telemóveis. E, nesta longa e, porventura, desordenada lista, não vou deixar de lado nem o mais antigo e o mais democrático de todos, o estômago de cada um, nem o relógio de Almada, o burro que zurrava sempre à mesma hora, por isso, uma referência para os habitantes dessa antiga e histórica vila!

Na actualidade, creio poder afirmar que não haverá uma só criança neste nosso mundo, rico como nenhum outro, que ao entrar para a escola não disponha de um qualquer meio onde possa ver “às quantas anda”.

II

Não era assim na época em que nasci. Nos meios urbanos, o comum dos mortais já regulava o seu tempo ouvindo o bater das horas no relógio da torre da Igreja ou da Câmara Municipal, e faziam-se acordar ao som estridente do relógio despertador, colocado na mesa de cabeceira.

No mundo rural, as pessoas, diferentemente, ainda regulavam os seus trabalhos pela posição do sol no céu e pela sombra das árvores; deitavam-se quando as galinhas se deitavam e levantavam-se quando o galo cantava, anunciando o dia.

Nesse tempo, algumas pessoas, relativamente poucas, usavam relógio de bolso, com caixa de oiro, ou de prata ou de latão, conforme o grau de riqueza que possuíam. O relógio era usado no bolso esquerdo do colete, preso, por uma razão de segurança, por uma corrente metálica que prendia a sua outra extremidade no correspondente bolso do lado direito do colete, depois de passar pela casa do botão que ficava entre os dois bolsos. O metal de que era feita a corrente era, obviamente, o mesmo de que era feita a caixa do relógio. Corrente e relógio eram um sinal exterior e seguro não só da riqueza como do estatuto social de quem os possuía... e exibia!

III

O aparecimento do relógio de pulso é muito mais recente e o seu uso bem depressa se democratizou.

Julgo ter sido em Monchique, teria eu uns oito anos, que vi o primeiro relógio de pulso. E lembro-me desse facto por estar ligado a uma faceta caricata do seu possuidor, homem dos seus vinte e cinco anos, aspirante de finanças, subordinado de meu Pai. Muito vaidoso, exibicionista sem auto censura, ele consultava o relógio com desusada frequência e fazia isso de um modo teatral, levantando o antebraço à altura dos olhos. Era motivo de galhofa, mas nele a vaidade de possuir um relógio de pulso, que poucos tinham, superava o sentido do ridículo.

IV
Eu tive o meu relógio de pulso aos vinte e três anos de idade.

Foi-me oferecido pela Amélia, com quem namorava, no Natal de 1953. Fiquei muito satisfeito com a oferta, tanto mais quanto é certo que, em quatro anos de trabalho, eu não tinha conseguido juntar a importância necessária para comprar um. Para além do mais, a oferta foi muito oportuna. Eu estava, então, em Mafra, frequentando o Curso de Oficiais Milicianos, onde a falta de pontualidade podia ser severamente penalizada.

O relógio era da marca Hertig, com algum prestígio, mas no mostrador, tendo em vista publicitar o nome do relojoeiro que o comercializava, ostentava, salvo o erro, o nome de “Belcor”.

V

No ano de 1956, encontrava-me em Goa, na prestação de serviço militar obrigatório. Integrado no Batalhão de Caçadores da Índia, eu comandava um pelotão constituído, na sua quase totalidade, por jovens oriundos do mundo rural, das regiões de Chaves, Boticas e Montalegre. O seu nível cultural era muito baixo e, alguns deles, só aprenderam a ler no Batalhão de Caçadores de Chaves, na chamada Escola Regimental. Estava nessa situação o soldado de que vou falar, cujo nome já esqueci, mas de quem recordo o número. Era o 226, ou melhor, era o “Dois vinte seis”, como era conhecido e chamado. Filho de pais muito pobres, jornaleiros. Era fisicamente um trinca espinhas; os seus olhos eram tristes, reflectindo bem a miséria que tinha sido a sua vida antes de ir para a tropa.

[Índia. O porto de Mormugão e o caminho de ferro]

Em Goa, passeando na cidade de Pangim, enamorou-se de um relógio que viu na montra de uma ourivesaria. E, logo ali, resolveu que um dia haveria de comprá-lo. Para isso, foi fazendo economias, à custa de cortes nas despesas com o consumo de cervejas e de cigarros, Ao fim de uns bons meses, conseguiu juntar a importância necessária para realizar o seu desejo. E comprou o relógio. No dia seguinte. Estava eu nos claustros do Convento, que nos servia de quartel, conversando com um camarada, notei que o “Dois vinte e seis” estava parado perto de nós, como que aguardando que a conversa acabasse para depois se dirigir a mim. Perguntei-lhe:
“Queres alguma coisa, “Dois vinte e seis”?
“Quero, sim, meu alferes, disse, aproximando-se de mim. “O meu alferes pode dizer-me que horas são?”

Consultei o relógio e disse-lhe as horas. Ele ergueu o pulso, onde vi um relógio e disse-me, com os olhos brilhando de satisfação:
“Está certo; o relógio do meu alferes bate malhinho com o meu! O “Dois vinte seis” era um homem feliz, quem sabe, se pela primeira vez na vida!

VI

Em 1973, fui promovido e colocado na cidade de Bragança. Por este tempo, já o meu Hertig ou Belcor começava a dar sinais de desgaste e de cansaço, que sucessivas idas ao relojoeiro não debelavam. Era altura de mudar. E comecei a olhar para as montras das ourivesarias, E, um dia, na companhia da Amélia, já mãe dos nosso quatro filhos, vimos um Ómega que logo me seduziu. E tanto foi o meu entusiasmo, que ela resolveu oferecer-mo no Natal, não obstante o seu elevado preço, correspondente a metade do meu ordenado mensal. Custou-nos os olhos da cara! Mas como ele, eu estava seguro de que iria ter horas rigorosamente certas, ao segundo. Que ele iria ser uma referência tão infalível e confiável quanto o Big Ben!

[Castelo de Bragança]

Que desilusão sofri! Ao fim de uma semana, já levava um adiantamento de dois minutos. E não houve relojoeiro a quem o fui levando ao longo dos últimos trinta e sete anos, que o pusesse a funcionar com o acerto e o rigor que a marca e o preço faziam esperar. Até o levei ao representante da marca Ómega, em Portugal. Em vão! Acertava-o num dia e, uma semana depois, já estava adiantado dois minutos, como sempre. Acabei por me conformar com aquela desagradável situação que se me afigurava como irremediável. E, assim, se passaram trinta e sete anos, até que, inesperadamente, há cerca de um mês, quando me preparava para o acertar pelo sinal horário transmitido pela T.S.F., verifiquei que estava rigorosamente certo, até nos segundos! E assim mesmo se tem mantido, dia após dia, para espanto e alegria da minha parte.

[Quartel de Chaves]

Com agradável surpresa, a memória levou-me de regresso ao passado distante, a Goa, aos claustros do Convento da Mónicas, ao “Dois vinte e seis” e à breve mas engraçada conversa que tivemos, há mais de cinquenta anos. E, assim, quando agora confiro as horas do meu relógio com o sinal horário da T.S.F. , irresistivelmente, digo para os meus botões:
“Está certo, bate malhinho com o meu!”

Como há feridas que não saram, por mais tempo que passe, não vou dizer que sou um homem feliz, como me pareceu ser o “Dois vinte e seis”, olhando o seu relógio. Mas lá que fiquei muito contente, isso fiquei. Como é agradável ter-se alguém como uma boa referência, ou saber-se que somos uma boa referência para alguém, ou, até mesmo, que possuímos um simples relógio que consideramos ser um paradigma de bom funcionamento, uma referência horária segura!

VII
A ILUSÃO

Dizemos que o tempo voa,
ou que se arrasta,
ou que pára, ou que corre,
ou que se escoa.
Eu penso que o tempo não é,
que o tempo não existe,
por isso, não corre, não voa,
não pára, não se escoa.
Penso que a matéria, sim,
é tudo quanto existe,
dentro e fora de mim:
é ela que pára, que corre,
que vive e que morre,
e sempre persiste
num recomeço sem fim!

Vila do Conde, 4 de Junho de 2010.