segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A olaria martim-longuense, uma arte extinta

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 21 DE JANEIRO DE 1988)

É opinião de técnicos e curiosos que o “nordeste algarvio” tem potencialidades que lhe permitem o desenvolvimento.

O artesanato nunca é esquecido e no desenvolvimento turístico da serra, que se preconiza, é sempre factor considerado de importância no conjunto em que entram, entre outros, a beleza paisagística, a arquitectura rural, o património histórico e etnográfico, a gastronomia, a caça, a pesca e os desportos náuticos.

A Câmara Municipal de Alcoutim, entidade dinamizadora, por intermédio de uma comissão e com o auxílio de outras entidades, vem organizando anualmente uma feira de artesanato concelhio, caminhando-se para a terceira.

Segundo nos afirmam, houve uma melhoria acentuada da 1ª para a 2ª, com aumento considerável de visitantes.

É muito importante que a Feira continue a realizar-se e a enriquecer sempre as suas componentes.

Ainda que seja um mal tolerado, os organizadores serem quase sempre os mesmos, nos pequenos meios, como é Alcoutim, isso torna-se mais notório.

Temos exemplo disso nas Festas da Vila, onde a comissão organizadora é praticamente vitalícia e só a muita carolice permite a sua continuação. Isto origina, naturalmente, grande saturação que proporciona estagnação, falta de novas ideias.
Pensamos que a criação da nova Escola Preparatória e Secundária originará a fixação de novas gentes que poderão injectar outras concepções e terem precioso auxílio no desenvolvimento regional.

A criação de oficinas-escolas, ideia que lançámos na 1ª Feira quando proferimos algumas palavras sobre o artesanato alcoutenejo (1), não teve até hoje qualquer seguimento. Sabemos que no vizinho concelho de Mértola, que tem muitas afinidades com o de Alcoutim, está (ou esteve) funcionando uma oficina-escola de tecelagem, que tem produzido resultados muito positivos, de que a TV e imprensa diária fizeram eco.
É muito importante, como já dissemos, que as feiras continuem mas, se não se criarem artesãos… não é possível, num futuro próximo, realizá-las.

Já nestas páginas tivemos oportunidade de nos referirmos às boleiras de Alcoutim e à pesca no Guadiana (2), igualmente actividades artesanais.

Na Feira de Artesanato concelhio já não é possível apresentar, entre outras, a latoaria e a olaria. É desta que hoje nos iremos ocupar, tentando, como é nosso timbre, recuar no tempo.

A OLARIA

Trata-se de actividade completamente extinta mas que em 1985 ainda possuía um mestre oleiro, na inactividade, na aldeia de Martim Longo, que estava disposto a ensiná-la. (4)

Arte secular no concelho, desenvolveu-se em Martim Longo. Temos contudo indicação da sua existência pelo menos, na vila, pois um requerimento apresentado na sessão da Câmara de 31 de Dezembro de 1840, por António Joaquim Pinto, solicitava a concessão de um terreno na Rua da Olaria Velha. (5)

Tanto Silva Lopes como Pinho Leal, nos meados do século passado já nos informam que os martim-longuenses fabricavam louça ordinária de que ia muita para o Campo de Ourique.

Na sessão da Câmara de 3 de Junho de 1836 compareceu, Manuel Dias Cardeira, requerendo terreno do concelho no rocio daquela aldeia para “nelle fazer hum forno de louça” e vendo a Câmara quanto é conveniente animar a indústria fabril, concedeu o terreno pedido, que logo lhe foi demarcado, pagando de foro anual, ao concelho, 30 réis. (6)

Os oleiros, tal como outros mestres de ofício, eram obrigados a tirar as licenças para exercerem a profissão.

Os que fossem encontrados a trabalhar sem ela, ficavam sujeitos à multa de 500 réis. (7)

Em 1843 é nomeado juiz do ofício de oleiro, Daniel Vaz.

O Presidente da Câmara vê-se confrontado, em 1848, com um requerimento que lhe é apresentado pelos oleiros de Martim Longo, queixando-se dos senhorios das herdades próximas da aldeia que lhes recusavam fornecer o barro necessário para as suas oficinas laborarem. Pedem à Câmara e com urgência, que obrigue os mesmos senhorias a dar-lhes o barro suficiente, mediante alguma gratificação taxada pela mesma.

Em resultado disso, a Câmara reúne quatro dias depois (13.09.1848), (8) extraordinariamente para se pronunciar sobre o assunto, fazendo ao mesmo tempo comparecer as partes interessadas.

Ouvidas as mesmas, a Câmara acordou em que, envolvendo o pedido dos suplicantes, direito de terceiros, não cabe nas suas atribuições deferir-lhe o requerido, até porque os donas das herdades a que se alude, se prestam de bom grado a fornecer barro, uma vez que uma comissão, entre eles, se obrigue ao pontual pagamento dos ajustes razoáveis que os suplicantes fizerem com os senhorios da terra. (9)
Em 1878 o concelho tinha doze fábricas de louça de barro ordinário (10) e por volta dos anos cinquenta a aldeia de Martim Longo ainda possuía cerca de trinta oleiros.
Em 1940 a indústria concelhia era representada pela cerâmica de barro (louça de uso) além do fabrico de foices. (11)

Hoje, nada existe.

A olaria depois de sofrer o combate com o esmalte e o alumínio, com os quais se manteve a nível razoável, sofreu rude golpe com o aparecimento do plástico, de preço bastante competitivo. Parece-nos contudo que o lugar da louça de barro nunca foi nem será totalmente ocupado. Não podemos pensar numa olaria como nos chegou aos meados do século. A olaria tem de se reconverter.

A produção não terá mais o destino que tinha. O consumidor mudou, o oleiro deverá cada vez ser mais artista, sem nunca deixar de ser artesão. Peças mais trabalhadas, sem perderem a sua ingenuidade. É essa a olaria vendável e pensamos que a preços compensadores.

Pretendendo recentemente adquirir alguma louça de barro, na qual incluía uma infusa, só foi possível fazê-lo, no concelho, em Martim Longo, à viúva de um oleiro.

Apesar de tudo, a tradição barrista mantém-se em Martim Longo.

Fazer reviver esta arte com a criação de uma oficina-escola nesta aldeia de gente activa, daria certamente resultados positivos.



NOTAS
(1)-“Alcoutim preserva o seu artesanato”, in Correio da Manhã de 13 de Agosto de 1986 e “Promover artesanato com oficinas escolas, in Diário de Notícias de 19 de Agosto de 1986.
(2)-“As boleiras de Alcoutim”, in nº de 25 de Fevereiro de 1977.
(3)-“A Pesca no Guadiana, em Alcoutim”, in nº 1017 de 30 de Setembro de 1977.
(4)-“Potencialidades Turísticas do Nordeste Algarvio”, Susana Faísca, in Jornal do Algarve de 24 de Abril de 1985.
(5)-Livro dos Acórdãos da C.M.A, nº 2, de Junho de 1841 a Dezembro de 1848, pág. 99 v.
(6)-Livro de Actas das Sessões da C.M.A. de 8 de Julho de 1834 a 29 de Abril de 1841.
(7)-(Idem)
(8)-Dia da Antiga Feira Anual da Vila.
(9)-Livro de Actas das Sessões da C.M.A., nº 1.
(10)-Dicionário de Geographia Universal, Editor David Corazzi, Lisboa, 1878.
(11)-O Século, número Extraordinário Comemorativo do duplo Centenário da Fundação e Restauração de Portugal, Lisboa, Junho de 1940.