terça-feira, 30 de novembro de 2010

O Maestro Vieira, o Maestro Lóló e a Banda de Alcoutim!

Pequena nota
Ainda bem que convenci o nosso colaborador e Amigo, Amílcar Felício, a escrever algo sobre uma figura que só conheci de nome e que me era referida como um grande músico.
Acreditem que não foi fácil convencê-lo e compreende-se por quê. Escrever sobre um familiar tão chegado com a “agravante” de que o seu relacionamento, como os leitores irão certificar-se, ia para muito além do de tio e sobrinho, não se torna tarefa fácil.
Por mais que tentasse encobrir, Amílcar Felício demonstra bem o “fraquinho” que tinha pelo tio, que se mantém e o acompanhará pela vida fora.

Para o convencer a escrever tive que argumentar que também eu já o tinha feito em relação a familiares, que o tio, pelo pouco que eu sabia, era uma pessoa que devia ser mais conhecida no âmbito alcoutenejo, que fosse do meu conhecimento ele era a pessoa melhor colocada, senão a única para o fazer, principalmente para os vindouros.

O estilo inconfundível de Amílcar Felício e que constitui uma das atracções deste ALCOUTIM LIVRE, mais uma vez aqui está patenteado e onde o realismo e a graça andam de braço dado. Deliciem-se, leitores.

Obrigado Amílcar.


JV





Escreve

Amílcar Felício





Nota indispensável

É difícil falarmos com objectividade de alguém que admirámos em vida, com quem partilhámos vários anos o mesmo tecto debaixo de uma tal cumplicidade, que mais parecíamos o irmão mais velho e o irmão mais novo do que tio e sobrinho, que marcaria a nossa própria formação de maneira indelével e a quem íamos dando cada vez mais valor, à medida que íamos amadurecendo.

Por outro lado sempre convivemos mal desde pequeno com elogios, ou a nós ou a quem nos é próximo e muito menos com auto-elogios ou autoproclamações. Assim, confesso que se não fosse o pedido do amigo Nunes há já alguns meses, nunca me passaria pela cabeça fazer esta crónica, até porque já muito pouca gente se lembrará do Maestro Vieira naturalmente. O que os leitores do Alcoutim Livre poderão estar certos é de que tentarei dizer apenas aquilo que vi, vivi e senti, despido da maior subjectividade que me for possível. Só não sei é se o conseguirei totalmente...

Não quis também deixar de recordar com carinho no título desta crónica, uma figura castiça de Alcoutim, que nos anos cinquenta quando já tinha o seu copito e com um pequeno banco de taberna entre as pernas, ainda matava saudades com as suas batucadas e com grande emoção quase três décadas depois, os seus velhos tempos de músico da Banda. Refiro-me ao Mestre Carrolino, “barbeiro ambulante” de profissão a maior parte das vezes, pois deslocava-se a pé de Monte em Monte para trabalhar. Tinha a alcunha de “O Estragado”, mas também era conhecido naqueles tempos pelo “Maestro Lóló” como veremos mais adiante.



Chamava-se Manuel do Carmo Vieira e nasceu em Vila Real de Santo António. Os seus pais fixaram-se em Alcoutim ainda ele era criança e deste modo, adoptaria naturalmente Alcoutim como a sua terra natal. Revelou-se muito independente e grande trabalhador desde muito jovem, saindo debaixo da saia da mãe apenas com 11 ou 12 anos de idade. Assim, fez-se à vida arranjando emprego em Olhão como anotador de obra em obra, tomando nota das presenças dos trabalhadores que entravam ao serviço. Esta vivência com os trabalhadores anos e anos a fio, marcaria para toda a vida a sua maneira de ser muito popular.

E lá ia ele subindo de andaime em andaime sempre assobiando, enquanto ia convivendo com os trabalhadores e anotando os seus apontamentos. Essa maneira de se comportar no dia-a-dia valeu-lhe a carinhosa alcunha do Pintassilgo por parte dos trabalhadores (lá vem o Pintassilgo!), o que certamente já seria um indicador do seu gosto pela música.

Quando o Serviço Militar chegou, enfileirou pela Especialidade de Música e assim começava a dar corpo aos seus gostos de menino e a tornar-se no músico profissional que viria a ser mais tarde. Penso que foi na transição do Exército para a Banda da Guarda Nacional Republicana, que reorganizou e reactivou a moribunda Banda de Música de Alcoutim. Pelas minhas contas tal terá ocorrido entre os finais da década de vinte e os princípios da década de trinta.

Para um melhor conhecimento daquela relíquia alcouteneja, reveja-se a excelente aguarela de José Varzeano no Alcoutim Livre de 25 de Setembro de 2009, aonde eu próprio tomaria conhecimento das origens da Banda que desconhecia, assim como de quem tocava o quê (não terei essas preocupações nesta crónica), bem como confirmaria 50 anos depois pela boca do Ti “Afonso Costa” com uma exactidão impressionante, quer o nome da Banda quer o conjunto de actuações em terras vizinhas, o que acho extraordinário. Acrescentarei contudo, saborosas peripécias ocorridas nessas deslocações que me foram relatadas nos anos cinquenta pelo meu tio Vieira, embora transcreva apenas as memórias que tinha antes de ler aquele artigo.

Referia-se “paternalmente” à extinta Banda pelo nome de “Banda 1º de Dezembro de Alcoutim” e sentia-lhe na voz quando a conversa vinha à baila, uma certa pitada de orgulho. Devo confessar de que sempre estive convencido de que o extinto “Grupo Desportivo 1º de Dezembro de Alcoutim” teria sido o herdeiro natural do nome da referida Banda, embora não o possa garantir.

De alguns dos participantes de que me falava recordo-me entre outros, para além do meu tio (Maestro da Banda) e do meu pai naturalmente, do Mestre Cândido, do Sr. Leopoldo e do irmão, do Ti “Afonso Costa”, do Ti Xico Barão, do Ti Alfredo da “Cadeia” se a memória não me falha e do Mestre Carrolino a quem ainda nos anos cinquenta chamavam de Maestro Lóló, alcunha que lhe ficara dos tempos da Banda, pois que na aprendizagem da escala de música em vez do célebre Dóóó...óóó...óóó...Rééé...ééé...ééé...etc., ele dizia Lóóó...óóó...óóó... Não é Lóóó... Carrolino (!!!), é Dóóó...óóó...óóó.... e ele lá voltava a repetir Lóóó...óóó...óóó. Ficaria a ser conhecido pelo Maestro Lóló pois claro!

[Rua de D. Sancho II em Alcoutim e local onde viveu Manuel Vieira. Foto JV, 2010]
Também me contou que numa das deslocações da Banda a Odeleite e quando desciam a velha estrada em direcção à aldeia, deixou de ouvir o Tambor. Intrigado, olha para trás e qual não é o seu espanto quando vê o Mestre Cândido estrada acima já a uns bons 50 metros, de maceta do bombo na mão atrás dos moços, pois que como era manco a garotada por graça mexia-lhe no rabo e ele claro, marimbou-se na Banda e cá vai disto! Noutra ocasião, quando regressavam de uma actuação em Sanlúcar (Espanha) e já no meio do rio numa altura de cheia e num momento de atrapalhação, o Ti “Afonso Costa” deixou cair o seu instrumento de sopro ao rio. Foi preciso agarrá-lo, pois queria atirar-se à água para o ir buscar, o que é revelador do carinho que tinham pelos seus instrumentos! Tenho uma vaga ideia de me ter falado também numa deslocação ao Granado (Espanha)

Tinha uma paciência sem limites e pôs toda aquela gente a tocar por música excepto um, o meu pai, que antes dos concertos se chegava ao pé dele e lhe perguntava: “então mano, diz lá o que é que eu tenho que tocar?” e ele tocava a seguir. Sentia da parte dele uma saudável invejazinha quando me contava estas coisas: “aquele rapaz (ele era o irmão mais velho) se tivesse querido aprender música com o jeito que tem, podia ter ido longe”. Não tenho naturalmente qualquer tipo de qualificação e até posso estar a ser injusto, mas sempre estive convencido de que sem ser um predestinado, acabaria por se tornar num grande profissional devido ao gosto e à dedicação que tinha pela música, assim como ao trabalho a que nunca virou a cara para evoluir. Com trabalho não há dúvida, via-se sempre aonde se quer!

Era de facto um trabalhador incansável e um perfeccionista compulsivo. Para além de pertencer à Banda da GNR graduado com o posto de 1º Sargento Músico, desenvolvia paralelamente uma intensa actividade profissional tendo sido dirigido pelos Grandes Maestros das décadas de cinquenta e de sessenta e participado nas principais Orquestras de Lisboa da altura. Recordo-me nomeadamente de ter pertencido à Orquestra da Emissora Nacional.

Ainda menino, acompanhei-o vezes sem conta a Concertos, Operas, Operetas e Revistas ao Teatro de S. Carlos, ao Teatro da Trindade, ao Coliseu, ao Pavilhão dos Desportos e a inúmeros Teatros de Revista no Parque Mayer, muito em voga naquela época pelo seu “picante político”, aonde actuava regularmente nas referidas Orquestras. Ajudava-o a levar os instrumentos: era a minha participação nos espectáculos! Depois acabávamos a “farra” no velho e tradicional Canas à 1 ou 2 horas da manhã a comer um belo prego à antiga portuguesa e a beber uma imperial que me estragava o sabor do dito, pois com 12 ou 13 anos preferia um pirolito claro! Quantos leitores do Alcoutim Livre se lembrarão ainda desta exótica bebida, espécie de espingarda de carregar pela boca? Mas ele dizia-me que tinha que me fazer um homem e não havia outro remédio, tinha que “mamar” a dita que amargava como um raio. Ai se os meus velhos soubessem que ele andava a dar cerveja ao puto!

Era uma pessoa calma mas por vezes também um revoltado e até contra si próprio. De estatura mediana, tinha uns dedos muito sapudos e pouco próprios para tocar piano ou qualquer outro instrumento, que requerem dedos mais longilíneos: “até nisto tive azar, carago! olha-me lá para estas mãos, que tristeza!” dizia-me frequentemente revoltando-se contra as próprias mãos que lhe tinham “calhado”. E de facto nunca foi um homem bafejado pela sorte: ele que tanto praguejou toda a vida, nem teve o prazer de ver o Botas cair da cadeira pois morreu um ano antes. Homem de personalidade forte e de grande carácter era extremamente organizado e metódico, trabalhava dia e noite e por vezes até Sábados e Domingos, económico pois os tempos a isso obrigavam, amigo do amigo e da família, de uma honestidade à prova de bala não podia nem com vigaristas nem com vira casacas, estando sempre disponível para ajudar ou confortar o próximo: as suas manhãs de Sábados e Domingos eram passadas entre cemitérios e hospitais. Nunca lhe conheci um inimigo. Mas era também um homem de extremos que vivia com paixão o seu grande amor: a música, ou o seu ódio de estimação: Salazar e o regime. Não passava um dia em que não o ouvisse blasfemar: “Isto não passa de amanhã! Estas conversas não se contam lá fora ouviste?”

Mas não se limitava apenas a ser um “revoltado em casa”, pois também em público não calava a sua revolta, revelando de facto grande coragem quando nos finais dos anos cinquenta, apesar das consequências e pressões a que ficaria sujeito posteriormente, viria a assinar as Listas da Oposição para a Presidência da República apesar de pertencer à Banda da GNR, “nicho democrata da GNR” como ele me dizia então e eu confirmaria pelos muitos colegas que conheci e que iam lá a casa.

Pude confirmar que deveria ter sido considerado persona non grata pelo regime de então. Como os mais velhos certamente recordarão, Alcoutim e as Cortes Pereiras infelizmente tiveram as suas “ovelhas tresmalhadas”, mas é interessante constatar como os “afectos da conterrâneidade” às vezes se sobrepõem a outros interesses, mesmo para aqueles que aparentemente seriam pouco dados a “mariquices” daquele género. Efectivamente, lembro-me de ser portador de recados do meu pai sempre muito aflito, para avisar o meu tio Vieira de que tivesse muito cuidado com as conversas que tinha em público, pois tinha sido informado por uma daquelas “ovelhinhas”, de que a Pide o considerava um “indivíduo perigoso e qualquer dia podia ser preso”. Sempre achei curiosa esta atitude e assim aqui fica a nota.

Politicamente esclarecido e bem informado para o Portugal cinzentão dos anos cinquenta, naturalmente pelas amizades que cultivava no antigo Depósito da Carris das Amoreiras – verdadeiro nicho de contestação ao regime – era leitor assíduo do jornal República e ouvinte regular da Rádio Moscovo. Eu era o seu grande comparsa que lhe ia comprar o jornal à socapa, seguindo as orientações precisas que me dava para não ser seguido e quem vigiava de janela em janela (o sacana do prédio era de esquina, o que me dava uma trabalheira do caneco!) pela noite dentro, para observar e dar o alerta se existisse algum movimento estranho de carros pretos com “grandes antenas” na rua e que “bisbilhotavam” dizia-se, tudo o que se passava em cada andar.

Mas penso que era a Carris que lhe ateava e alimentava diariamente a chama da revolta, pois deslocava-se de eléctrico várias vezes no seu dia-a-dia e conhecia todos os guarda-freios e todos os trinca bilhetes da altura. Lembro-me de que quando Álvaro Cunhal e um grupo de companheiros se evadiram de Peniche nos princípios dos anos sessenta, nesse mesmo dia comentou-se com satisfação o acontecimento lá em casa. E com tantos pormenores tais como teria passado ou permanecido, já não me lembro ao certo, na Rua do Arco Carvalhão em Campolide a 500 metros da nossa casa para apanhar a estrada para Cascais, o que para a neblina da informação que existia na altura é bastante revelador.

[Alcoutim, vsta parcial do seu tempo]

Era uma figura verdadeiramente popular no popular Bairro de Campo de Ourique, passe a redundância. Impressionava-me andar com ele na rua, pois parecia que estávamos em Alcoutim e não em plena Lisboa: “Bom Dia Mestre... Boa Tarde Mestre Vieira... Boa Noite Sr. Vieira como é que vai isso”? O que era natural, pois para além da sua natural humildade e maneira de ser muito popular, os seus tempos livres eram dedicados a ensinar música, por amor à camisola, nas populares Colectividades que naqueles tempos funcionavam como verdadeiros Centros de Cultura, de Política e de Convívio Social, aonde mantinha muitas amizades: era Maestro da Banda Filarmónica da Sociedade Alunos de Apolo em Campo de Ourique – uma das mais antigas e prestigiadas Colectividades lisboetas – e da Banda Filarmónica da Sociedade Verdi no vizinho Bairro do Casal Ventoso hoje tão mal conotado, mas naqueles tempos um pacato Bairro Operário, aonde o ia esperar a qualquer hora da noite sem problemas.

Tocava quase todos os instrumentos e aquilo lá em casa era uma autêntica sinfonia, desde piano a violino e contrabaixo, até aos mais variados instrumentos de sopro e de percussão, quer nos seus ensaios diários a solo quer nos ensaios de pequenos Grupos Musicais que nasciam naquela época como cogumelos. Naturalmente também me quis pegar o bichinho da música, mas eu pertencia ao grupo daqueles que “cantam mal, mas desafinam muito bem” pois não se pode ter tudo de mau na vida e o que queria era começar a tocar os instrumentos de imediato, não tendo muita pachorra, para passar horas e horas no dó...ó...ó...ó..., ré....é...é...é..., mi...i...i...i...etc. Um dia enchi-me de coragem e disse-lho cara a cara. Com muito desgosto seu, parámos nesse mesmo dia as aulas de música e assim continuei pela vida fora a “cantar mal, mas a desafinar maravilhosamente”.

Estou convencido de que se empenhava mais em passar-me os seus valores do que aos próprios filhos. Na realidade acabou por fazer de meu 2º pai na idade mais problemática da adolescência.

Trabalhou até aos seus últimos dias de vida. Lembro-me de já homenzinho, preocupado com o seu estado de saúde deplorável, o acompanhar noite após noite ao seu último trabalho no Teatro da Trindade, até ser hospitalizado de urgência para ser operado. Descobriram que se tratava de doença fatal e foi mandado embora nesse mesmo dia, para morrer em casa. Era assim naqueles tempos...

Mantive-me 30 dias e 30 noites quase sozinho com a minha tia ao pé dele como um cão ao pé do dono, acompanhando-o numa morte horrível e tratando-lhe das feridas mal cheirosas que já não cicatrizavam devido à infecção. Mas tinha a consciência plena de que fizesse o que fizesse, nunca conseguiria retribuir-lhe o muito que me tinha dado em vida.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

D. Brites de Lara (e Meneses)

Primeira filha do 1º Duque de Vila Real e 4º Conde de Alcoutim, D. Manuel de Meneses e de sua mulher D. Maria da Silva. Irmã do 5º Conde, D. Miguel Luís de Meneses, falecido em 1637 e do 6º e último, D. Luís de Noronha e Meneses, degolado em 1641.

Era assim neta dos 1ºs Condes de Alcoutim.

Teve fama de ser muito formosa e inteligente.

Casou com D. Pedro de Medicis, príncipe da Toscana, Cavaleiro do Tosão e que já era viúvo, filho de Cosme de Médicis, Grão-Duque da Toscana e general do serviço filipino e da Duquesa D. Leonor de Toledo, tendo vivido na Corte de Madrid.

Apartada do marido continuou a viver na Corte Espanhola, regressando a Portugal após ter enviuvado.

Fixa-se em Aveiro onde tinha casa fidalga e comprou à volta desta, casas e quintais, incluindo a parte reservada à judiaria. Sem descendência, ingressa como freira no Mosteiro de Jesus.

[Convento dos Carmeliras em Aveiro]

Começam as obras no seu palacete por volta de 1610 e sete anos depois estão concluídas. Cede entretanto estas instalações aos carmelitas descalços patrocinando também as obras do convento masculino destes religiosos na mesma e então vila que começou a funcionar em 1820.

Tendo sido a grande benemérita deste convento, os frades instituíram-na padroeira da capela-mor onde acabou por repousar no seu túmulo.

[Túmulo de D. Brites de Lara]
O convento amplo , irregular e de claustro quadrado, possuía uma vasta cerca muito fértil.

Morreu a 4 de Junho de 1648 no Mosteiro de Jesus tendo vivido mais de 40 anos em Aveiro que chorou a sua morte pois todos lhe deviam memória de bem-fazer. O seu túmulo encontra-se na Igreja do Convento do Carmo.

Após a Revolução de 1640 e com a conspiração do ano seguinte onde são implicados e justiçados o irmão, 6º Conde de Alcoutim e o sobrinho, 2º Duque de Caminha, recolheram-se alguns familiares ao seu palacete que se tornou centro mal visto pela nova governação política tendo-lhe sido negada autorização para converter a sua casa em convento feminino, o que só veio a acontecer em 1657 por concessão da regente D. Luísa de Gusmão.

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História Genealógica da Casa Real Portuguesa, António Caetano de Sousa, Edição QuidNovi/Público, Academia portuguesa da História, Vol II e V, 2007

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

www.eraumavezemaveiro.com

www.geocaching.com

domingo, 28 de novembro de 2010

Maria Helena Peças Magalhães Bernardes



Foi hoje a enterrar no cemitério dos Capuchos, da cidade de Santarém, esta nossa familiar que contava 72 anos.

Não era uma familiar próxima pois éramos primos em 3º grau. Fomos criados na mesma rua até cerca dos vinte anos e sempre funcionámos como primos direitos. A sua mãe mamou na minha avó e a minha, na avó dela.

Nos bons e maus momentos precisávamos sempre da presença um do outro como acontece a quem é próximo.

Filha única de filho único, foi consequentemente neta única pelo lado paterno.

Adorava o avô que praticamente a criou e acompanhava-o para todo o lado.

Irreverente por natureza, conhecia toda a gente no bairro onde nasceu e praticamente sempre viveu. Dizia-nos que só podia viver ali.

Ainda que tivesse sido boa aluna na primária, negou-se sempre a continuar o estudo que não gostava. A sua predilecção ia para as artes manuais e até o teatro que praticou com amadorismo.

Gostou sempre de versejar e ainda que não o tivesse feito com técnica, os seus poemas transmitiam sempre algo de muito profundo.

Reproduzimos aqui um dos seus mais curtos e melhores poemas , escrito em Santarém a 12 de Julho de 1961.


TARDE
Quando, se quando
um quando
chegar por fim

Talvez o quando
Não seja quando para mim. (*)


(*) A minha vida (autora) foi feita assim, chega tudo tarde que deixa de ter sentido. (quando)



Como a imagem representa, organizei-lhe artesanalmente uma compilação dos seus versos em 1993 e a que deu o título de Poemas Artesanais, o que muito a sensibilizou.

A compilação (feita à máquina de escrever) reúne versos desde 1954 até 1993 e é constituída por 165 páginas A/5 incluindo prefácio e nota biográfica.

Não quis deixar de me enviar, como sempre fazia, os últimos versos que fez


Em amorosa comunhão

Os Inácios (*) juntos estão

Com os familiares seus

Vivendo todos este dia

Com amor e alegria

Até me dizerem Adeus.


Setembro de 2010.

(*) Inácios, são a família do marido que anualmente se reúne na vila da sua origem.

Era a despedida como se veio a verificar.

Maria Helena, encontrando-se a poucas horas do seu perecer procurou que o marido que tinha junto de si me contactasse para se despedir de mim, enviando um beijo para mim e toda a família pois ia morrer, como veio a acontecer.

Ficam comigo os teus versos para sempre te recordar.

Condolências para quem sentir a dor.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Calvário da Lapa ou dos Medronhais



Neste espaço global já coloquei, se a memória não me atraiçoa, dois apontamentos sobre calvários existentes ou desaparecidos na freguesia de Alcoutim.

Segundo informações recolhidas, estes pequenos cruzeiros, que assinalam no campo o lugar onde morreu alguém, não existem na freguesia do Pereiro e não tenho conhecimento que nas restantes do concelho tivessem tido lugar, ainda que não tivéssemos feito qualquer prospecção nesse sentido.

A razão da apresentação deste tem a ver com a recente fotografia que tirámos aos seus restos, que não passam do plinto também ele já degradado. Esta situação tem mais de oitenta anos, conforme nos imformaram..

É muito pouco o que sabemos sobre ele a não ser que se situa nos arredores de Afonso Vicente na zona rústica da Lapa e Medronhais.

Foi erguido em finais do século XIX ou princípios do seguinte para assinalar a morte de um elemento da família Bento de Afonso Vicente, que foi beber ao barranco da Lapa. Quando estava de bruços bebendo sofreu um ataque epiléptico que o vitimou.

É esta a estória ainda contada pelos habitantes mais idosos das redondezas e que se vai esvaindo com o decorrer dos anos.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Tacões, povoação de nome enigmático

[Tacões, vista parcial. Foto JV, Agosto de 2010]

Publicámos em tempos num jornal regional um escrito sobre este “monte” (1) e que republicámos neste espaço (2), além do que escrevemos na “monografia da Freguesia do Pereiro”. (3)

Entretanto, mais alguns dados foram adquiridos, pelo que iremos formalizar um novo texto.

Como repetidamente temos escrito, as povoações do concelho de Alcoutim que não sejam sedes de freguesia são designadas e conhecidas por montes termo que pode ter várias explicações conforme abordagens feitas nesse sentido.

Esta designação vem pelo menos do século XVIII mas será muito anterior.

O “monte” dos Tacões pertence à freguesia do Pereiro de cuja sede dista cerca de 4 km, sendo servido pela estrada nº 124 e da qual parte um ramal de 1 500 m que o serve.

Este troço foi executado por administração directa da Câmara Municipal e consistia na sua pavimentação com uma camada betuminosa, montando o seu custo a cerca de seis mil contos. (4)

[Interessante casa típica. Foto JV, 2010]

A povoação, de tipo concentrado, situa-se numa pequena elevação, ainda que estejamos na antiga zona cerealífera do Pereiro constituída por achadas.

Quanto ao topónimo, José Pedro Machado (5) interroga se não alude a pessoas de família local com o apelido Tacão. É nome de família que não existe na freguesia e que nunca encontrámos em documentação do século passado e do anterior. O singular também existe. Quererá significar uma alcunha proveniente do substantivo masculino tacão e que deu origem a um antropónimo? Ou terá a ver com o adjectivo tacanho?

O topónimo não é inédito, visto existir outra povoação com o mesmo nome na freguesia de S. João dos Caldeireiros, concelho de Mértola. (6)

Segundo Pedro Machado, o topónimo já aparece em 1258. Na área deste topónimo existem Tacoal, concelho de Moura e Tacoaria (Ourém).

Localmente nada encontrámos, nem as tão tradicionais lendas, que mais ou menos bem arquitectadas, tentam explicar os nomes.

A designação no século XVIII obedecia à seguinte escrita: Tacoenz.

A pastorícia era uma actividade importante já em 1771, Afonso Vilão, fazia na Câmara o manifesto dos seus gados e em 1767/68 exercia o lugar de fabriqueiro (tesoureiro) da Igreja do Pereiro e nessa altura Gaspar Lourenço pagava de foro à mesma Igreja dois alqueires de trigo.

Mais tarde, exercem as mesmas funções de fabriqueiro, Francisco Dias (1785/86) (7), Tomé Vilão (1787/88) e Marcos Rodrigues (1797/98)

Numa zona de terrenos muito pobres, toda a actividade das suas gentes se baseava numa agricultura de subsistência, representada pela cerealicultura, nomeadamente o trigo, base da alimentação. A isto se acrescentava a pastorícia, principalmente de gado miúdo, que possibilitava a obtenção de uns escudos para fazer face às despesas mais prementes.

Estas duas actividades originavam a produção de lã e de linho que por sua vez davam lugar à tecelagem artesanal de grande qualidade e que ainda se fazia sentir em finais da década de sessenta do século passado. Havia pelo menos um tear de onde saíam interessantes colchas de carapulo. Foi dos últimos centros a extinguir-se no concelho.

Foi o último monte da freguesia a manter um estabelecimento comercial misto, propriedade de Eusébio Romeira Marques. O Anuário Comercial de 1947 indica a existência de uma mercearia pertencente a António Marques Romeira que presumo ter sido pai do referido anteriormente.

Em 1883 havia na povoação doze crianças do sexo masculino em idade escolar (8) e possivelmente outras tantas ou mais do sexo feminino, que para o efeito, na altura, não eram contabilizadas.

Na sessão da Câmara de 2 de Dezembro de 1939 deliberaram pedir a imediata criação de um posto de ensino escolar, o que veio a acontecer.

[A antiga escola em 1974. Foto JV]

Segundo informação verbal que me forneceu o pároco da freguesia, nessa altura, o povo acabou por construir um edifício que serviu de escola até à sua extinção que deve ter ocorrido na década de oitenta do século passado.

Entretanto, o edifício recebeu obras de beneficiação em 1996 para funcionar como capela e casa mortuária. (9)

Referiremos agora alguns dados soltos que fomos obtendo através da leitura.

Assim, em 1840 os moradores pedem à Câmara para serem considerados coimeiros para o gado miúdo, até 15 de Agosto, os restolhos situados entre o sítio da Eira d`Anna Dias (10) e a Fonte do Serro Gordo, o que foi deferido. (11)

O monte tinha um rossio em 1850 e Manuel Cavaco pediu terreno dele para fazer um curral, o que lhe foi concedido.(12)

Em 1864 a Herdade da Misericórdia estava aforada a Manuel Gato, residente na localidade.

É curioso o facto passado em 1880, em que José Bárbara (ou Barbosa) possui um boi que investe com todas as pessoas que se lhe aproximam, como sucedeu há pouco com duas mulheres que ficaram muito maltratadas. Neste sentido, o Regedor da freguesia é mandado intimar o possuidor do animal para que num prazo curto o faça retirar do concelho.(13)

A nível populacional, as Memórias Paroquiais de 1758 atribuem-lhe 31 vizinhos (fogos) e 96 pessoas (habitantes). Nesta altura só era ultrapassado pelos Vicentes que tinham o mesmo número de fogos da aldeia do Pereiro e apenas menos dois habitantes.

Em 1839 Silva Lopes na sua Corografia do Algarve, 1841, atribui-lhe 29 fogos, sendo na altura o monte da freguesia com maior número.

Segundo os elementos recentemente recolhidos no censo de 1991, possuía 36 edifícios onde se alojavam os 62 habitantes.

No censo seguinte (2001) o número de edifícios passou para mais dois, enquanto a população diminuiu cerca de 50%, cifrando-se em 32.

[Recanto do monte. Foto JV, 2010]

Presentemente serão aproximadamente 15 os habitantes da povoação.

Após o 25 de Abril, recebeu o fornecimento de energia eléctrica, que motivou a criação de sete fontanários para distribuição do precioso líquido e nove particulares, na altura, aproveitaram para mandar abrir outros tantos furos artesianos. Entretanto e apesar de não existir saneamento básico, a água foi levada aos domicílios.

Os arruamentos foram cimentados em 1994 por proposta aprovada em reunião de Junta de Freguesia.

Caixas de recepção do correio instaladas em 1997.

Desde 2007 que se realiza todos os anos uma pequena festa-convívio juntando residentes, tacoenses ausentes e quem mais se lhe queira juntar.

Almoço e jantar, quermesse e bailarico, constituem o fundamental da reunião, não faltando igualmente a parte religiosa.

A organização tem por base uma associação recentemente criada.


NOTAS

(1) – “Tacões, monte da freguesia do Pereiro, concelho de Alcoutim”, em Jornal do Baixo Guadiana nº 76, de Junho de 2006, p. 16.
(2) – Postagem de 18 de Outubro de 2009.
(3) – A Freguesia do Pereiro (do concelho de Alcoutim) «do passado ao presente», Edição da Junta de Freguesia do Pereiro, 2007, p.239 a 241
(4) – Boletim Municipal nº 9, de Dezembro de 1991, p. 2
(5) – Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Horizonte / Confluência, 1993, III Vol. p. 1376.
(6) – Novo Dicionário Corográfico de Portugal, A. C. Amaral Frazão, Editorial Barreira, Porto, 1981, p.767.
(7) - Nasceu nas Furnazinhas, freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim, sendo 6º avô de meu filho. Foi avô de Manuel João Dias, aqui nascido em 1804, que foi casar ao monte de Afonso Vicente e que veio a ser um dos tetravós de meu filho.
(8) – Livro do Recenseamento Escolar da Freguesia de Pereiro - Sexo Masculino, termo de abertura de 26 de Janeiro de 1882.
(9) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 3 de Julho de 1996, p. 9
(10)) – A título de curiosidade dizemos que uma Ana Dias, nascida na primeira metade do séc. XVIII, em Tacões, era 5ª avó de meu filho.
(11) – Alcoutim visto através das Posturas Municipais (1834-1858), José Varzeano, Peniche, 1989, pág. 6
(12) – Acta da Sessão da Câmara Municipal de 26 de Agosto daquele ano.
(13) – Of. Nº 108 de 4 de Setembro de 1880 do Administrador do Concelho ao Regedor da Freguesia.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Novo e interessante "desporto" para o qual muito se presta a região de Alcoutim

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE Nº 847, DE 16 DE JUNHO DE 1973)





Escreve

Luís Cunha




Muitos dos nossos avós de Alcoutim eram analfabetos, porque só existiam escolas nas sedes das freguesias. O único processo de não esquecer e perpetuar o repositório de lendas e tradições, bem como as próprias experiências, era a transmissão por via oral. Daí o grande desenvolvimento da memória e riqueza de pormenores de seus curiosos relatos.

Vamos reavivar um deles, interessante narrativa que nos é sugerida pela notícia de um novo desporto em voga nos Estados Unidos e que com ela tem alguns pontos de relação. Por meio de pequeno detector portátil, os americanos entretêm-se a buscar tesouros ocultos; a prática é de sempre mas a novidade e fazerem dela um desporto.

Vejamos o que a velhice de Alcoutim tem a dizer-nos, relacionado com isto: O Remechido deambulou cerca de 10 anos pelas serras do Algarve que martirizou de uma ponta a outra. Quando em 1838 foi preso pelas forças fiéis a D. Maria II, a maior parte dos que o acompanhavam não o fazia por motivos políticos; eram camponeses de vários bandos de salteadores que de há muito infestavam as serras, desde Monchique às margens do Guadiana, e se lhe haviam agregado.

Aos políticos foram perdoados os delitos, pelo que regressaram às suas terras, mas os outros, com crimes e pilhagens imperdoáveis às costas, viram-se em sérios apuros porque a batida em forma lhes não deixava em toda a serra buraco ou esconderijo seguro. Um dos seus últimos e até aí invioláveis redutos, era a região quase inacessível de Vaqueiros a Odeleite, onde se acoitaram, por fim; mas nem aí acharam a desejada segurança, porque algumas designações locais a eles referidas despertaram a atenção dos batedores.

[O monte do Tesouro. Foto JV, 2009]

Acossados nessa guerra sem quartel e na ânsia de libertar-se de estorvos e compromissos, os vários bandos do grupo, que se espiavam mutuamente, trataram de esconder nos lugares ínvios da serrania onde o ferro do arado não meteu dente até hoje, o fruto das pilhagens de muitos anos, Com a pressa, esqueceram ou menosprezaram o montanheiro que de perto se espreitava e, lesto, se apossou de quanto viu esconder.

Muitos foram mortos e outros presos, pelo que, diz-se, há ainda tesouros por encontrar. São em grande parte conhecidas as rixas e desavenças a que deram lugar as partilhas entre os que dos primeiros se apossaram. Houve famílias que carregando com tudo o que o monte lhe propunha dividir, desapareceram sem deixar rasto. Outras vezes criaram-se desentendimentos de tal ordem que ainda se mantêm.

A um amigo, digno de todo o crédito, ouvimos há pouco que assistira em garoto a uma dessas partilhas de libras que se mediam aos sacos e, por entre muitas outras peripécias, os velhos apontavam o caso de um saco cheio, desenterrado à noite por um grupo e guardado na casa de um deles, ter sido encontrado na manhã seguinte com metade das libras e a outra metamorfoseada em pedras.

Mais recentemente, o ferro da charrua esbarra de quando em vez com cestos e panelas de barro velho cujo conteúdo os achadores não publicam. Curiosamente, um dos montes do concelho ostenta o nome de Tesouro, desconhecendo-se se o que lhe deu tal nome foi ou não algum achado.

[Alcoutim, porto acostável. Foto JV, 2010]

Mencionámos outras vezes como o Guadiana e suas margens se propõem complementar o turismo balnear fornecendo-lhe elementos em falta: a panorâmica contrastante e sempre vária do rio, desportos náuticos praticáveis todo o ano, pesca desportiva do barbo e outros, em represas a construir para isso, pousadas de descanso ou recuperação em locais apropriados e caça das espécies para o turismo de Inverno. Onde tudo o mais falta. Isto seria uma achega, talvez insuficiente para contentar por muito tempo o espírito aventureiro dos moços de hoje, os “mangas de camisa” que, estuantes de vida e ávidos de correr seus riscos, enjeitam todo o paternalismo e caminhos traçados, preferindo meter pelas veredas e atalhos do desconhecido. Há, por isso, que dar-lhes outras oportunidades, e era oferecendo a essa juventude irrequieta o aliciante do novo0 “desporto” que Alcoutim ajudaria a rebater a enervante arguição de que o Sotavento algarvio, além da amenidade climática e benignidade dos espaçosos areais, nada mais tem para dar ao turista.

Comum aos dois sexos – escusado é dizê-lo – o referido “desporto” abre-se ao cultivo das energias físicas e virtudes da alma, como um ilimitado campo de experiências.

Do alto das serranias, olhai a vastidão da Natureza, virgem de poluição. E enquanto o fizerdes, achareis outro, o maior dos tesouros: a cura repousante do espírito pela distracção de preocupações activas e das agruras do dia a dia.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Racionamento durante a II Guerra Mundial

Pequena nota

Ainda que um pouco mais novo, lembro-me perfeitamente deste racionamento durante a II Guerra Mundial, não em Alcoutim mas na terra da minha naturalidade.
Era um problema para as famílias modestas já que quem tinha dinheiro recorria à “candonga” onde obtinha o que lhe fazia falta.
O café bebia-se chupando um rebuçado e havia grande falta de azeite. Ainda possuo uma imagem visual das senhas que eram recortadas de umas listas.
Lembro-me perfeitamente do dia em que acabou a guerra e dos festejos efusivos de meus pais a que eu como criança me associei.

Tenho contudo um pequeno facto a revelar em relação a Alcoutim! É que em minha casa gastou-se uma grande lata com açúcar-pilé originário dessa época, e com cerca de 25 anos! Quanto ao petróleo, já não alimentava a combustão!

JV






Escreve

Gaspar Santos




Acabara a Guerra Civil. Na Espanha a produção e a economia estavam destruídas.

Começou a II Guerra Mundial. Dos países europeus só não intervinham a Espanha, Portugal, Suécia e Suíça. Os países da Europa fabricavam quase só armamento e tinham os homens válidos ocupados na guerra. Não produziam bens suficientes, sobretudo bens alimentares. Importavam muito de países como o nosso.

Portugal, perante a tradicional escassez de alimentos agora agravada, recorreu a dada altura ao racionamento, para disciplinar a distribuição e o consumo e evitar fenómenos de açambarcamento e de mercado negro. Estavam racionadas as mercearias, o azeite, o sabão, o pão e as farinhas. Mas, para além do racionamento, a complicar a vida às pessoas, ainda tínhamos escassez daquilo que não estava racionado, somado à falta de dinheiro para comprar.

Foram tempos muito difíceis no concelho de Alcoutim. Os produtores de cereais e de gado, na maior parte em deficientes explorações familiares, os empregados nas repartições do Estado e da Câmara Municipal, um ou outro artesão era quem tinha algum dinheiro para comprar. Um grande número de chefes de família rurais, grande parte do ano sem ocupação, vivendo de pequenos trabalhos esporádicos indiferenciados ou do amanho de pequena terra era quem mais dificuldades tinha para alimentar os filhos.

O racionamento consistia na atribuição a cada família do direito a adquirir no comércio, mediante uma senha, certa quantidade de mercadoria proporcional ao número de pessoas do agregado familiar. Essas quantidades eram o que as autoridades consideravam necessário para sobreviver. Para o controlo desta complicada burocracia foi criada a Intendência Geral dos Abastecimentos.

Nas outras freguesias não tive oportunidade de observar como obtinham as senhas do racionamento. Mas na freguesia de Alcoutim as pessoas chegavam a pernoitar na rua, às vezes em noites geladas enroladas num cobertor, tomando lugar na fila, à espera da abertura da Intendência para receberem a sua senha. Senha que não poucas vezes era de 4 ou 5 quilogramas de farinha de milho para uma família.

Guardo lembrança penosa do racionamento que refiro. Em 1945 quando já saíramos da escola, fui buscar para abastecimento da nossa casa a senha do racionamento do pão a levantar numa das padarias (Catarina Gonçalves no ângulo da Rua Prof. Trindade e Lima, ou na Emília Canelas no largo do Castelo). Pedi a senha na Intendência ao José Pedro Soeiro. Mas o outro empregado, que até havia poucos dias fora meu condiscípulo na escola disse para o chefe: “esse já levantou hoje a senha”. Ainda protestei por não ser verdade, mas a decisão estava tomada. Fui triste para casa. Minha Mãe ainda foi falar com o José Pedro mas não o conseguiu convencer. E mais triste fiquei quando vi minha Mãe chorar emocionada como se fossemos passar fome de forma continuada daí para diante.

Dada a escassez de géneros, as capitações por cada habitante eram pequenas, passando mal quem não tivesse maneira de obter mais alguns artigos daqueles que não estavam sujeitos ao racionamento.

[Recanto da Vila de Alcoutim. Foto JV, 2010]

Em Alcoutim valeram nessa ocasião o engenho das pessoas na confecção de outros comeres. As papas de milho ou de trigo com torresmos ou com mariscos foram uma alternativa. Outra alternativa foi as batatas-doces cozidas, e as peles de atum, cuja venda era livre, sendo o atum todo canalizado para a guerra. Houve também donas de casa que acrescentaram batatas-doces cozidas à massa do pão de trigo. Também era alternativa acrescentar alguma, pouca, farinha de milho, à farinha de trigo para fazer o pão.

Porém nunca foi alternativa fazer pão de milho, cuja farinha também estava racionada, provavelmente por falta de conhecimento a sua panificação não saia bem.
Observarão os leitores, neste ponto: papas de milho com marisco tão caros! É verdade, nesse tempo esses mariscos ainda não tinham valor comercial. Havia antigos pescadores de Monte Gordo ou de Castro Marim que por velhice já não podiam trabalhar e, sem reforma, muitas vezes recorriam à mendicidade. Traziam às costas um saco com conquilhas, berbigão ou amêijoas e davam uma medida desses bivalves a quem lhe dava vinte centavos.

[Rua Dr. João Dias. Óleo de JV]

E a batata-doce? Alcoutim não cultivava batata-doce nem tinha a tradição de vender batatas-doces na rua. Mas nessa época o Senhor João Victor recorreu a essa prática. Mandou fazer uma panela cilíndrica de folha-de-flandres com cerca de 90 cm de altura por 60 de diâmetro com uma tampa cónica, onde cozia as batatas inteiras com casca. A cozedura efectuava-se a vapor pois a panela só tinha cerca de 4 cm de água no fundo, por baixo de um falso fundo perfurado. Mantinha assim melhor todos os nutrientes particularmente o açúcar.

E as papas de trigo? Havia famílias mais carenciadas que, mesmo não colhendo trigo, conseguiam apanhar nos caminhos as espigas de trigo que caiam do dorso dos animais que as transportavam. Este trigo depois de separado das espigas era moído grosseiramente em mós manuais. E as papas (a que chamavam frangolho) eram feitas com essa farinha integral.

Além do peixe do rio ou do mar, havia mais artigos que não estavam racionados: carne de borrego, ou de cabrito, leite de cabra, queijos caseiros e vinho. Estes consumos estavam limitados naturalmente pelo poder de compra das famílias.

Havia pelo menos quatro talhos e associado a cada um deles havia um rebanho de ovelhas a aguardar o abate. Mesmo com poucas pastagens, estas ovelhas comiam ervas nos baldios e nos caminhos. Também à Vila acorriam muitas pessoas dos montes próximos a vender de porta em porta queijos frescos, leite e almece (requeijão) e ovos.

Vendas de vinho a copo, a vulgar taberna, havia nove, das quais só na Rua do Município se situavam três. Neste tempo existiam as tabernas que vendiam vinho em garrafões e garrafas e a copo. Ao contrário do que se passa em muitas regiões vinhateiras, cujas tabernas eram escassas por ser muito disseminada a produção de vinho e, assim, haver poucos consumidores a beber fora de suas casas.

Também o sabão estava racionado. Mas algumas donas de casa faziam-no a partir de restos de azeite frito, borras de azeite, toucinho e soda cáustica que se adquiria na farmácia.

As senhas para o racionamento começaram por ser entregues na Rua do Município, no andar térreo dos Paços do Concelho, passando mais tarde para a Rua Dr. João Dias em casa hoje pertencente à família Soeiro.

[Actual Rua Dr. João Dias. Foto JV, 2010]

O peixe negociava-se ao ar livre na Rua do Município encostado à parede da Capela de Santo António. Era também aí que se vendia a batata doce cozida.

Hoje estamos outra vez numa época de crise. É verdade que de natureza diferente da que aqui se descreve. Alguns jornais profetizam que os bens alimentares serão para o ano mais caros; e que muitos não terão dinheiro para adquiri-los. Estes jornais encaram o futuro com demasiado pessimismo.

Esperamos que não seja assim. Pois, outros mais optimistas, lembram que os portugueses não se organizam em tempos fáceis, mas são capazes, como nenhum outro povo, de superar as dificuldades quando elas são grandes.

De qualquer modo, aqui ficam algumas achegas, como exemplo do que foram as carências desses tempos, e de como os alcoutenejos as souberam ultrapassar, na convicção de que na crise actual também irão de certeza ultrapassar as dificuldades que surgirem.

domingo, 21 de novembro de 2010

A roca e o fuso

A postagem de etnografia de hoje tem a ver com dois objectos que se completam e hoje se não desaparecidos, pelo menos inábeis e que como o título indica são a roca e o fuso.

A roca era constituída por uma vara de madeira com alguma espessura aberta próximo de uma das extremidades, que possibilitava a introdução de uma peça (madeira, cortiça, etc.) redonda ou facetada que provoca um bojo e que nalguns casos pode aproximar-se a uma forma quase esférica.

Tal formato permite prender a pasta de lã ou de linho que o fuso, peça de ferro aguçada numa das extremidades, vai no seu movimento circular e ritmado transformando em fio e enrolando com o auxílio da mão da fiandeira.

A este trabalho chama-se fiar e até princípios do século passado era actividade conhecida e praticada por muitas das mulheres de vilas e aldeias do norte ao sul do país, constituindo umas das fases de preparação da lã e do linho para originar a tecelagem.

Confesso que nunca vi fiar a não ser de passagem, pois ia de automóvel, a uma mulher do monte do Marmeleiro que o fazia próximo da vila, enquanto guardava umas tantas cabeças de gado.

A roca (madeira de loendro) e o fuso apresentados adquiri-os em 1989, no monte de Alcaria Queimada, freguesia de Vaqueiros, a um artesão local.

Não posso deixar de referir um facto que mantenho com contornos bem definidos na minha memória. Teria eu cerca de cinco anos quando encontrei um objecto de madeira, que reconheço hoje, era bem torneado, numa gaveta de um móvel em casa de minha avó paterna.

Levando-o na mão, fui perguntar-lhe o que era aquilo e ela que já era bem velhinha disse-me que era um fuso e explicou-me para que servia, mandando-me pô-lo onde estava.

Nunca me esqueci disto e parece-me até que estou a ver o dito objecto.

A minha avó era natural da região centro do País e também ela fiou.

sábado, 20 de novembro de 2010

ALCOUTIM LIVRE percorre o seu caminho


Em 10 de Julho último, quando alcançámos e analisámos as 20.000 VISITAS, informámos que o próximo balanço só se iria verificar quando obtivéssemos as 30.000, prevendo o facto para dentro de seis meses.

Tal veio a acontecer muito antes, já que o número de visitas até agora não tem deixado de aumentar consideravelmente como tentaremos demonstrar.

As primeiras 10.000 VISITAS foram alcançadas após 1 ano, 6 meses e 17 dias de existência o que originou uma média diária de 17,95.

Para obter as seguintes dez mil, ou seja alcançar as 20.000, o tempo encurtou para 6 meses e 2 dias, alcançando-se a média de 54,94, o que considerámos excelente.

Hoje, ao balancearmos a chegada às 30.000, verificámos, o que diariamente íamos anotando, uma subida bastante considerável que se cifra numa média diária de 77,51 e que se obteve decorridos apenas 4 meses e 9 dias! Significa isto que das 20 mil para as 30 mil houve um aumento percentual de 22,57.

Tomando em consideração toda a sua existência, a média diária de visitas encontra-se em 50,13.

Ainda que não tenhamos feito uma avaliação com rigor, foi considerável o aumento verificado com origem no Brasil e os Estado Unidos trocaram de posição com a nossa vizinha Espanha que passou ao 4º lugar, mantendo-se a França no 5º.

Angola, Moçambique e Cabo Verde são por esta ordem os outros países lusófonos que nos visitaram.

Já o fizeram 59 países.

Continuamos a receber e-mails dos nossos visitantes / leitores, que por casualidade, encontraram aquilo que não estavam à espera, um blogue sobre Alcoutim e o seu concelho, o ALCOUTIM LIVRE. Outros receberam essa indicação através de um familiar ou amigo.

Numa outra oportunidade iremos fazer alusão a alguns extractos que bem justificam a existência e continuação do ALCOUTIM LIVRE.

Os nossos colaboradores continuam com o seu precioso auxílio e tão motivados como nós.

Mantivemos uma média apreciável de postagens estando o seu número em 630.

VISITANTE/LEITOR – continue a visitar-nos sempre que possa e divulgue entre familiares, conterrâneos e amigos este espaço que não foi encomendado por ninguém e que só tem um único intuito, servir graciosamente e sem qualquer pretensão pessoal ou colectiva ALCOUTIM E O SEU CONCELHO.

Apresentamos seguidamente um gráfico elucidativo da evolução verificada e que é bem demonstrativo do aumento da sua procura.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Peter Francis



Peter Francis, cidadão britânico, que subindo o Guadiana no seu iate, chegou a Alcoutim em 1992 e foi o primeiro ou dos primeiros que se fixaram entre Sanlúcar e Alcoutim.

O mar foi sempre a sua grande paixão. Tornou-se capitão de carregueiros. Tinha, além de outros, grandes conhecimentos em carpintaria e mecânica naval.

Em Alcoutim interessou-se pela arqueologia.

Vendeu a embarcação e comprou uma pequena casa em Alcoutim onde vivia só. Ainda houve uma tentativa para se fixar seu país de origem, tendo mesmo posto em venda a habitação, mas acabou por regressar a Alcoutim, pois era aqui que se sentia bem.

Vítima de aneurisma, faleceu no dia 23 de Setembro último aos 76 anos, o funeral realizou-se em 6 de Outubro muito participado pela comunidade alcouteneja e com a presença da filha, genro e um sobrinho.

Nunca falámos com Peter (como era conhecido na vila) uma figura carismática de Alcoutim, mas cumprimentava-nos sempre com um pequeno gesto e um sorriso aberto.

Ainda que um pouco tardiamente, aqui deixamos esta pequena nota em sua homenagem.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Água mole...



Entre os calhaus rolados que em muitas centenas de anos têm sido transportados no leito dos barrancos provocados pelos desfiladeiros, encontrámos esta rocha que tem aguentado estoicamente o seu lugar de nascença mas que por isso mesmo tem sido massacrada pela sua teimosia.

Em lugar mais vulnerável, o pequeno fio de água iniciou a sua acção erosiva e com o decorrer de muito séculos, para não dizer, milénios, foi destruindo o seu interior apresentando uma concavidade de “paredes” mais ou menos estriadas que nenhum homem seria capaz de fazer!

É de reparar que dentro não se encontra qualquer objecto estranho, já que a água no seu rodopiar não o consente.

Esta fotografia muito recente foi obtida no “Pego dos Penedos”, junto ao Cerro da Machada, proximidades de Afonso Vicente e Santa Marta, muito procurado pelo gado para matar a sede, dado que tem água todo o ano.

Situa-se no barranco da Tamujoso, afluente da Ribeira do Vascão.

Está demonstrado o aforismo popular - Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura.

domingo, 14 de novembro de 2010

Paquete no Guadiana



Foto que tirei em 1987 a um pequeno paquete que na altura causou sensação em Alcoutim, ainda que o seu destino fosse a Espanha.

Além de dimensões que no tipo de embarcação não era fácil ver no Guadiana e frente a Alcoutim, tinha a circunstância de possuir um pequeno helicóptero para transporte dos proprietários da embarcação e de acompanhantes, nomeadamente ao grande couto cinegético entre Sanlúcar do Guadiana e Granado.

Anos depois e comparando com outros que aportaram a Alcoutim, era insignificante.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

De Fonte Almece a Vascão (Achegas para o seu conhecimento)

(PUBLICADO NO JORNAL ESCRITO DE MAIO DE 1999)

Ao Vivaldo



Não é a primeira vez que na imprensa regional nos referimos a uma pequena povoação do concelho de Alcoutim. Fizemo-lo já com Alcaria Queimada, Santa Marta, Cortes Pereiras e Afonso Vicente. De todas, será esta a mais pequena, mas isso não significa que sobre ela nada exista para dizer. Que eu saiba, pelo menos desde os princípios do século XVIII já se chamavam montes às aldeias que não eram sedes de freguesia. A razão porque se chamam montes, já a demos, quando escrevemos sobre Santa Marta. (1) Todavia, existem outras opiniões justificativas para esta designação.

Os roteiros turísticos que conheço, não o referem, mas penso que o “monte” e as suas redondezas, principalmente a foz da ribeira, justificam plenamente uma visita, principalmente se for guiada. Admitindo que nos encontramos na vila, atravessa-se a ribeira de Cadavais, pela ponte inaugurada em 1986, e seguimos pela estrada municipal nº 507. É preciso cuidado com a passagem estreita que nos aparece logo ao iniciarmos a subida que se vence serpenteando o Cerro da Mina. Ao atingirmos a maior altura, a estrada desenvolve-se por uma recta em vários planos. Fica-nos à direita um pequeno monte semelhante aos montes alentejanos, de construção da primeira metade do século, cujo fundador o baptizou com Monte do Sol, designação que se ajusta bem, seguindo-se do mesmo lado e a alguma distância, o Monte Longo que pertence às Cortes Pereiras. Do outro lado, um pouco afastado da estrada, o velhinho São Martinho, possivelmente o mais antigo dos que se situam entre a Ribeira de Cadavais e a do Vascão. Pouco depois, encontramos a indicação de um entroncamento, à direita, que nos indica, Monte Vascão.

Entramos então na estrada municipal nº 1054, construído na década de setenta e anos depois asfaltada. Esta estrada, cujo pavimento estava em mau estado, serve praticamente só aquele monte, onde termina. É dominada por rectas e envolvida por estevais. De repente, surge-nos numa leve colina a airosa povoação, toda branquinha e onde não se vêem “caseirões” que são muito frequentes nos outros montes, chegando mesmo a dominá-los. Nunca foi um monte grande. De tipo concentrado, só um dos fogos se encontra afastado, ao norte, os vales que se encaminham para a ribeira são profundos. Antigamente chamavam-lhe Fonte Almece e ainda hoje muita gente a conhece por essa designação. Em recente trabalho literário (2) que tem por base a Ribeira do Vascão, o autor identifica a povoação como Fonte Almece e não como Vascão.
A mudança do topónimo deve ter ocorrido na transição do século XVIII para o XIX, já que em 1771, e pelo menos alguns anos seguintes, aparece sempre designado com este nome. Mas a partir de 1834 será sempre Vascão, conforme asseveram os documentos do arquivo municipal. Nunca encontrámos qualquer deliberação camarária nesse sentido e que deve ter ocorrido entre as datas que referimos, mas de que a Câmara não guarda documento, possivelmente desaparecido pelo incêndio posto pelo Remechido, quando por aqui passou.

[Outro aspecto do Monte do Vascão. Foto JV, 2008]

Parece-nos que o monte como povoação não será muito antigo e pensamos que a sua origem, como noutros casos do concelho, é capaz de estar numa herdade que pertencia à Capela de Nª Senhora da Conceição e de que a Câmara era administradora. A propriedade designava-se por Herdade do Vascão. Sabemos que em 1518 a ermida de Nª Senhora da Conceição, entre outros bens, possuía huma courela de matos em Vasquam.. (3) Pensamos que esta courela teria dado origem à herdade, já que a designação não é estanque, principalmente no decorrer dos tempos.

A uma pequena herdade, facilmente se chama grande courela. Na sessão da Câmara Municipal de 25 de Fevereiro de 1856, é apresentado um requerimento por Manuel Lourenço, do monte do Vascão, no qual pede à mesma para fazer novo aforamento na pessoa de seu filho, José Cavaco, da Herdade do Vascão, foreira à Real Capela de Nª Senhora da Conceição em quarenta alqueires de trigo por ano (na altura o alqueire valia em Alcoutim, 13,64 litros). A Câmara aceitou a pretensão do requerente desde que o foro passasse para quarenta e cinco alqueires e fosse posto em casa do tesoureiro da Capela à custa do foreiro. Não temos conhecimento das outras condições do emprazamento, mas sabemos que em 1877 o Presidente da Câmara apresentou três títulos de dívida pública no valor de 250$000 réis que lhe foram mandados entregar e proveniente da venda da Herdade do Vascão (certamente por remição do foro) a José Cavaco, cujos títulos pertencem à Real Capela de Nª Senhora da Conceição, desta vila, de que a Câmara é administradora. Segundo nos informam ainda existem descendentes desta família na povoação. Não sabemos desde quando a família Cavaco (ou Lourenço) tinha por aforamento a herdade, mas temos conhecimento que nos anos setenta do século XVIII habitavam o monte, Estêvão Cavaco e Manuel Cavaco que manifestavam na Câmara os seus gados, constituídos fundamentalmente por bovinos.

Esta herdade dominava a zona rústica do monte.

O topónimo Fonte Almece parece ter um significado óbvio. Almece é palavra de origem árabe que significa “soro de leite”. (4) Contaram-nos porém, uma pequena estória segundo a qual o nome teria vindo de um poço que abriram no local cuja água amargava como o almece. Outros dizem que a semelhança estava na cor leitosa da água, quando nascia.

Porque teria mudado o nome?

Normalmente a alteração tem a ver com o sentido depreciativo desses topónimos e de que, por vezes, se envergonham as populações. Por exemplo, Póvoa dos Galegos passou a Póvoa de Santarém, Punhete para Constância, Porcalhota para Amadora. E muitos mais exemplos podíamos referir.

O actual topónimo foi buscá-lo à ribeira que lhe passa e desagua próximo.

José Vicente Romana, residente neste monte, é nomeado vogal substituto da Comissão Administrativa da Câmara e ao mesmo tempo Administrador interino. (5)

Em 1933 é aberto um poço de quatro metros de diâmetro e oito de profundidade para o qual se contratou Manuel Alexandre, das Cortes Pereiras, que recebeu 880$00 para o trabalho. (6) Responsabilizou-se pela boa execução do mesmo, o 1º Cabo da Guarda Fiscal, António Mestre Júnior. (7) Entretanto a Câmara deliberou mandar empedrar com cal e areia o respectivo reboco interior, trabalho que veio a ser feito por um pedreiro da Mesquita (Espírito Santo). (8) Em 1949 o Diário de Lisboa noticia que entre outros, o poço do Vascão já há mais de um mês que se encontra completamente esgotado. (9)

Era considerado nos anos sessenta um dos montes mais ricos em produção de amêndoa.

Quando se deu o 25 de Abril, o Presidente da Câmara em exercício, era daqui natural.

Que saibamos, pelo menos cinco naturais ou residentes exerceram funções no executivo municipal, situação difícil de encontrar em qualquer outro monte do concelho.

Em 1976 tinha apenas vinte e oito moradores. O pequeno largo central, onde se situa a estação elevatória, datada de 1987, está asfaltado, assim como cimentadas as ruelas que constituem a rede pedonal.

Presentemente, cinco fontanários distribuem o precioso líquido pela população que em 1981 se cifrava em dezoito habitantes, possuindo o monte vinte e um edifícios, nem todos habitados, como é óbvio. No núcleo central e por deferência do seu proprietário, foi-nos dado observar um arco ogival, se a memória não me atraiçoa, que apareceu durante um trabalho de restauro e que foi preservado. Não me admira que venha a ser considerada a casa mais antiga da pequena povoação.

Quando se entra no monte, do lado direito, uma pequena vivenda e no largo, antiga e interessante construção recentemente adulterada com alumínio.

Tem recolha de lixo e painel de caixas para distribuição do correio. Um refúgio para quem pretende esperar por um transporte automóvel.

A partir do monte existem caminhos agrícolas que de uma maneira geral terminam na ribeira. Percorremos de automóvel, com o auxílio de um amigo, aquele que mais nos interessava e que ia terminar junto do moinho de D. Miguel, figura quase lendária que ficou para sempre ligado a esta povoação. Trata-se de um refugiado político de esquerda, oriundo de Espanha que se naturalizou português e foi eleito Presidente da Câmara.

[Casa típica no Vascão. Foto Jv, 1989]

O caminho é sempre a descer e por vezes apresenta diferenças de cotas extremamente acentuadas pelo que chegámos a pôr em dúvida a conclusão do trajecto. Os terrenos acidentados por onde o veículo serpenteia, ainda estão, na maioria, aproveitados.
Foi-nos possível observar o moinho de D. Miguel, de uma robustez surpreendente mas que o assoreamento já o tem quase tapado. Ainda conseguimos entrar a custo.

O nosso companheiro diz-nos que é tradição que as mós ainda lá se encontram. O caminho em que seguimos termina num pequeno largo onde, segundo a tradição D. Miguel tinha uma casa onde pernoitava e fazia o troco da farinha. Alguns afirmam igualmente que foi aqui arcabuzado por um habitante da vila, depois de embriagado pelos caciques da terra que sempre existiram no decorrer dos séculos.

É interessante observar a confluência da ribeira que, no seu término descreve uma curva surpreendente. O antigo posta da Guarda Fiscal encontra-se próximo e em ruínas e tem também caminho de acesso. Esta extinta organização paramilitar ocupou grande parte dos filhos e moradores deste monte e é devido principalmente a esse facto que a população de certa maneira se tem estabilizado.

Existe na zona do Vascão um calvário erguido pela morte de uma pessoa que se afogou no Pego Fundo.

O Monte do Vascão além de amêndoa produz bastante azeitona e alguma alfarroba. Um apicultor obtém uma média de cento e cinquenta litros de mel por ano.
Nunca possuiu qualquer estabelecimento comercial, pelo qie recorriam normalmente às Cortes Pereiras. Era também esta povoação que recebia as suas crianças em idade escolar.

Dista cerca de oito quilómetros da vila.

[Foz da Ribeira do Vascão]

Aqui ficam alguns dados que conseguimos reunir sobre esta povoação pertencente à freguesia e concelho de Alcoutim. Acreditamos que ajudarão a situar no tempo e no espaço um possível visitante.

NOTAS(

1) "A Capela de Santa Marta (a velha) e o Monte do mesmo nome, na freguesia de Alcoutim," in Jornal do Algarve de 26 de Abril de 1990.
(2) Floridas na Pedra, A Hidrografia do Vascão e a Serra do Caldeirâo ou Mu, Francisco Dias Costa, 1996.
(3) Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio, Hugo Cavaco,1997
(4) Vocabulário Português de origem Árabe, José Pedro Machado, Editorial Notícias, 1991.
(5) Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 4 de Agosto de 1930.
(6) – Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 12 de Outubro de 1933.
(7) – Acta da Câmara Municipal de Alcoutim de 27 de Junho de 1933.
(8) – Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 16 de Dezembro de 1933.
(9) – Diário de Lisboa de 2 de Setembro de 1949.

DD

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Joaninha dos olhos castanhos!



Natural do Vale de Santarém (antigo Vale Soeiro Pisão), aterrou de helicóptero no Hospital de Santarém, pelas 23 e 22 horas do dia 7 do corrente, trazendo 3 kg. de peso e 46 cm de altura a Maria Beatriz que se apresentou escorreita e encantadora.

É para mim e toda a família, a nova Joaninha, não dos olhos verdes, mas sim escuros, tão belos como os claros pois só o são quando expressivos.

O Garrett II já não a irá encontrar à janela mas sim num novo local que imagino ser diferente de qualquer um dos existentes.

A “paranóia” de ter um 2º ou 3ºsobrinho, passou-me completamente pois não trocava a Maria Eduarda, desculpem, a Maria Beatriz, a qualquer rapagão, até porque, e isto aqui para nós, já me foi prometido que seria para a segunda volta.

Aqui expresso a minha grande satisfação felicitando todos os familiares e amigos pelo feliz acontecimento, nomeadamente os seus Pais e Avós.

Gritem todos comigo e bem alto:-VIVA, VIVA, VIVA A JOANINHA DOS OLHOS CASTANHOS!

É a minha 12ª sobrinha seguida por este tronco! Livra! Quando começarem a aparecer os rapazes, nunca mais vai acabar! Estarão guardados para a segunda ou terceira volta! Veremos se ainda encontrarei algum.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Vicentes do Pereiro para distinguir de outros



Saindo da sede de freguesia pela E.M. nº 507, alcatroada e cerca de oitocentos metros percorridos, encontramos à direita um ramal cuja placa nos indica Vicentes. Este caminho foi beneficiado e pavimentado em 1988. (1)

Fizemos o desvio e cerca de 1200 metros após encontrámos a pequena povoação.

Casas típicas. Duas ou três chaminés dão nas vistas.

Estação elevatória da água com data de 1988. Existiam oito fontanários espalhados pelo monte. Em 2003 foi levada a água ao domicílio. (2) Dois furos artesianos privados. Os arruamentos foram pavimentados em 1993. (3)

Pelo Censo Populacional de 1991 são-lhe atribuídos vinte e sete habitantes, para em fins do ano seguinte só serem vinte e quatro, incluindo-se duas crianças.

Em 1839 havia vinte e cinco fogos.

No recenseamento escolar do sexo masculino, em 1881 e 1882, este monte contava seis crianças, número que em 1888 era de dez, o que certamente hoje não há em toda a freguesia e de ambos os sexos!

É preciso tomar em consideração que segundo as Memórias Paroquiais (1758) esta povoação igualava a sede de freguesia em número de vizinhos (fogos) que era de 45.

Em redor do monte notavam-se algumas árvores de fruto em pequenos hortejos:- oliveiras, limoeiro, alfarrobeiras e laranjeiras foram algumas que anotámos.

[Monte dos Vicentes, casas típicas. Foto JV, 2006]

O Capitão (de Ordenanças) João Manuel Teixeira, fazia em 29 de Junho de 1771 o manifesto dos seus gados na Câmara, e em 1772/73 era membro da comissão fabriqueira. João Afonso igualmente fazia o mesmo manifesto, mas em maior número, nomeadamente de cabras. (4)

Uma das vítimas do desabamento de terras ocorrido no dia 11 de Julho de 1878, pelas seis da manhã, nos trabalhos da estrada Alcoutim-Pereiro, próximo da eira do Garrocho, freguesia de Alcoutim, foi José Gonçalves, de 39 anos, casado e morador neste monte. Era filho de Manuel Gonçalves e de Catarina Martins, também natural da freguesia do Pereiro. Deixou um filho. (5)

O Anuário Comercial de 1934 indica José Teixeira como tendo depósito de adubos, sendo o mesmo negociante de frutos secos e membro da Comissão Administrativa da Câmara onde em Sessão de 11 de Julho de 1935 apresenta a proposta, que é aprovada, da criação do Imposto Municipal de Prestação de Trabalho, abolido em 1975, como já referimos.

Em 1947 havia uma mercearia pertencente a José Brás.

O topónimo terá por base o antropónimo Vicente? A família dos Vicentes teria dado origem ao monte? O que ainda hoje acontece é que o antropónimo é muito vulgar na região, havendo mais povoações com o mesmo nome, quase todas no sul do País, como acontece nos concelhos de Alandroal, Loulé, Mértola e Ourique. (6)

No dia 25 de Junho de 1874 houve um grande incêndio nas eiras deste “monte” que reduziu a cinzas todo o pão que nelas havia, causando a desgraça de quase todos os seus moradores, não havendo suspeita de ter sido fogo posto. (7)

Por aqui foram encontradas sepulturas quadradas, machados e percutores de pedra. (8)

Em 1997 instalaram-se caixas de recepção do correio.

A importância do “monte” a nível de freguesia manifesta-se ainda pelas figuras de Manuel Roiz Mesquita que em 1766/67 exercia o lugar de “fabriqueiro” (tesoureiro) da Igreja do Pereiro, onde a mesma possuía uma cerca arrendada pelo Capitão (de Ordenanças) Manuel Dias Vilão e que rendia anualmente, dois alqueires de trigo.

Em 1753/54 e depois em 1782/83, exerceu o lugar de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcoutim, um indivíduo com o mesmo nome e que poderá tratar-se da pessoa aqui referida pois as datas aqui referidas encaixam-se bem.

Em 1770/71 o mesmo lugar era desempenhado por Joaquim da Palma, e em 1774/75 por Manuel Afonso, também eles considerados deste “monte”.

A nível da Confraria do Senhor Jesus da Paroquial Igreja do Pereiro, o lugar de mordomo é desempenhado em 1808/09 por Manuel Vaz, aqui residente.

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NOTAS

(1)–“PEDAP ajuda Alcoutim a melhorar caminhos rurais”, Jornal do Algarve de 12 de Novembro de 1987.
(2)–Alcoutim, Revista Municipal, nº 10, de Dezembro de 2003.
(3)–Boletim Municipal nº 2, de Abril de 1993, pág. 6.
(4)–Tomo de Manifeztoz e Arolamto da Camera doz Gadoz, com folhas a partir de 1771, pág. 104.
(5)–Assento de Óbito, freguesia e concelho de Alcoutim, daquela data, Arquivo Distrital de Faro.
(6)–Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, José Pedro Machado, Livros Horizonte, III Vol. 1993.
(7)–Of. Nº 61 de 26 de Junho de 1874, do Administrador do Concelho.
(8)–“Potencialidades Turísticas do Nordeste Algarvio – I”, Susana Faísca, em Jornal do Algarve de 15 de Maio de 1986.

sábado, 6 de novembro de 2010

O Rip Curl Pro Peniche 2010... e mais qualquer coisa

Pequena nota

Com a devida vénia transcrevemos hoje o artigo publicado no Jornal de Peniche On Line, em 18 do passado mês, do nosso colaborador, José Miguel Nunes e que já mereceu a transcrição em órgãos da especialidade.
A sua visualização no original já ultrapassou o meio milhar.
Não fazendo parte de uma temática que nos interesse, tivemos contudo o cuidado de o ler e apreciar pelas interrogações que apresenta e pela colocação de dedos em algumas das feridas que o autor considera.
Possivelmente poderão existir alguns visitantes/leitores deste blogue que se interessem por estes assuntos.


JV





Escreve

José Miguel Nunes




Foto: Rui Alexandre/Supertubos Peniche Portugal
É sexta-feira, estou sentado na esplanada dos Supertubos, terminou o RIP CURL PRO PENICHE 2010 (eu gosto mais de lhe chamar assim do que RIP CURL PRO PORTUGAL, são coisas de quem está no surf não há dois anos, mas há mais de vinte), voltou a normalidade, estão meia dúzia de pessoas na praia, exceptuando o pessoal que ainda desmonta a estrutura.

Que grande campeonato que tivemos, arrisco a dizer que foi ainda melhor que o “THE SEARCH” no ano passado. Peniche e as suas ondas mostraram mais uma vez que são um local de excepção para a realização de eventos de surf, pois têm características que poucos locais no mundo podem apresentar.

Começámos com os “trials” na praia dos Supertubos, onde as ondas que partiram nesse dia fizeram jus ao nome da praia, não é preciso dizer mais.

A prova feminina teve lugar no Lagido, com ondas muito boas, e há quem diga, ideais para as meninas poderem mostrar todo o seu surf. Até aqui nada mais se poderia pedir nem a Neptuno, nem à organização.

No Domingo, dia 10, arranca a prova masculina nos Supertubos num mar muito forte, com ondas entre os 2 e os 2,5 metros, desorganizado, e a obrigar os atletas a um esforço enorme para poderem mostrar o porquê de serem a elite do surf mundial, quando nesse mesmo dia estavam a partir ondas muito melhores no Pico da Mota, o local alternativo desta prova, a organização lá teve as suas razões para esta opção. No dia seguinte os Supertubos voltam a estar de gala, como são exemplo, os sete tubos seguidos de Kelly Slater ou os nove de Travis Logie, foi um grande dia de surf.

Terça-feira, o "swell" caiu bastante, e então foi necessário rumar até ao Pico da Mota, que apesar das condições não serem as ideais, ainda deu para uma nota dez de Owen Wright e ver o Jadson André mandar dois aéreos na mesma onda, assistia-se a bom surf, era afinal para isto que o publico se deslocou até à praia, e as expectativas não estavam a sair goradas, bem pelo contrário.

Quarta-feira…, bem, quarta-feira deu para tudo, deu até para chegar aos Supertubos e ver ondas de dois metros a partirem perfeitas sem uma única pessoa dentro de água… e o campeonato a decorrer no Pico da Mota, com condições medianas, isto a rondar a hora de almoço, claro que no fim da tarde o cenário já não era este. Acredito que foi uma “borla” com que a organização quis brindar os surfistas que se deslocaram a Peniche para assistir à prova, assim também eles puderam usufruir dos Supertubos no seu melhor, é que isto afinal não é só para os “prós”.

Quinta-feira, dia de todas as decisões, novamente Supertubos, não de gala, mas com boas ondas, e até assim tudo correu de feição a quem estava a assistir à prova, pois para além do "show" de aéreos e “pauladas” animais com que os “prós” nos brindavam, o desejo da grande maioria dos espectadores era uma final entre os dois primeiros classificados do "ranking", e foi isso mesmo que aconteceu, faltava apenas a cereja no topo do bolo… e não é que Kelly Slater ultrapassou a sua "malapata" em território nacional com uma vitória que ficará para a história, tanto no surf Penicheiro, como no surf mundial, no mais que provável décimo título do melhor surfista de todos os tempos.

Foi sem dúvida um grande campeonato, mas isto já toda a gente disse, mais coisa menos coisa, é unânime a opinião relativamente a esta etapa e à qualidade das ondas de Peniche, aliás, diga-se em abono da verdade, se a qualidade das ondas de Peniche por alguma razão pudesse ser minimamente posta em causa, já aí estariam alguns em fila de espera para o levar para outras paragens, e não para tão longe de Peniche como possam imaginar, pois acreditem que existe por aí muita dor de cotovelo por Peniche ter uma prova do "World Tour".

E já que começámos a falar daquilo que ninguém abertamente diz, vamos continuar, e até podemos começar pela Tertúlia “Na onda do Surf: Desafios e Soluções”, ideia que me pareceu desde o início bastante engraçada, e que criou em mim alguma espectativa, no entanto esta gorou-se passados poucos minutos de lá estar. Em primeiro lugar notei a falta de um representante do Península de Peniche Surf Clube (PPSC) na mesa de convidados, já que o objectivo, e passo a citar, era: “Promover um espaço de diálogo e conversa sobre a prática do SURF, na perspectiva económica, financeira, social e desportiva e contextualizar esta modalidade no desenvolvimento local de Peniche…”, parece-me que faria todo o sentido, mas isto, obviamente é apenas a minha opinião. Em segundo, ouvi falar muito pouco do surf em Peniche, ouvi falar foi do surf a nível nacional e ouvi falar de muitas outras coisas que nada tinham a ver com surf, o que me leva a classificar aquela iniciativa como pouco mais que engraçada, valeu a ideia, esperemos que no futuro possa ser melhor aproveitada. Em terceiro, o que mais ouvi foi um verdadeiro desfilar de bajulações entre os presentes, e já agora, em jeito de esclarecimento, alguém da plateia agradeceu ao José Farinha, grande amigo meu por sinal, o facto de ter sido o primeiro a trazer fatos para Peniche, não é verdade, foi o Miguel Taveira, mas parece-me que o Miguel, e não sei qual a razão, já não entra nestas contas, parece haver um certo esquecimento relativamente a tudo aquilo que o Miguel representou para o surf em Portugal, mas para mim entra, e sempre entrará quando se falar de surf em Portugal, e principalmente de surf em Peniche, por isso aqui está a minha palavra para ele.
Agora relativamente à Rip Curl, a Rip Curl faz campeonatos em Peniche há vinte e dois anos, a Rip Curl veio instalar-se em Peniche por causa da onda dos Supertubos, antes da Rip Curl vir para Peniche já existia a onda dos Supertubos, e depois de a Rip Curl se ir embora de Peniche continuará a existir a onda dos Supertubos. É preciso que se diga que a onda dos Supertubos é um activo (economicamente falando) de Peniche e apenas e só temporariamente da Rip Curl.

[Cidade de Peniche. Rua Alexandre Herculano. Foto JV, 2010]

A Rip Curl aumentou o seu volume de vendas em um milhão e quinhentos mil euros depois do sucesso do “The Search” no ano passado, esse sucesso deveu-se em grande parte devido à enorme qualidade das ondas de Peniche. Tendo como termo de comparação que o Rip Curl Pro 2010 teve um investimento de um milhão e seiscentos mil euros por parte de todos os patrocinadores, parece-me que o negócio não é mau, pois só uma fatia desse investimento cabe à Rip Curl.

Voltando ao activo que é a onda dos Supertubos, e já que o sucesso da Rip Curl também passa pelo aproveitamento das condições que esta onda proporciona, acho que seria de toda a justiça que a Rip Curl apoiasse o clube de surf que representa os locais daquela onda, mas um apoio que seja consentâneo com o sucesso que a marca granjeou e granjeia pelo facto de aproveitar a excelência das ondas desta terra, e não uma migalha envergonhada só para dizerem que apoiam. A Rip Curl tem pelo menos o dever moral de o fazer, se não pelo facto de ganhar muito dinheiro por estar associada a uma das melhores ondas do mundo, então que seja pelo facto de ter sido extremamente bem recebida pela comunidade surfista local desde o primeiro dia em que chegou a Peniche. Possivelmente, o agora responsável pela Rip Curl não se lembra desse dia, mas eu lembro-me, e muitos outros surfistas de Peniche também se lembrarão, e acima de tudo sentíamos muito orgulho de uma marca como a Rip Curl ter escolhido Peniche para se implantar em Portugal, hoje não sei se será tanto assim… nós entrávamos na Rip Curl como se entrássemos em nossa casa, nós falávamos com os responsáveis máximos pela Rip Curl como amigos e surfistas que partilhávamos as mesmas ondas, os mesmos dias bons, os mesmos dias de “flat”, falávamos a mesma linguagem, hoje será assim? Não me parece, a Rip Curl tornou-se uma casa estranha para a maioria dos surfistas locais… no surf como eu o entendo, tem de haver mais qualquer coisa que não só o negócio, e essa qualquer coisa no meu ponto de vista está a perder-se na relação existente entre a Rip Curl e os surfistas de Peniche… é pena.

Ainda há mais qualquer coisa a dizer relativamente ao surf em Peniche, e agora não me refiro à Rip Curl, que é o seguinte: não se esqueçam que o surf em Peniche não são só os quinze dias de campeonato do "World Tour", com “prós”, imprensa e miúdas na praia por todo o lado, e depois esperar pelo próximo ano para andar novamente nas luzes da ribalta, não, o surf em Peniche é durante o ano todo com condições que não são as melhores, o surf em Peniche mais do que precisar (e precisa, sempre fui um dos seus maiores defensores) do campeonato do mundo cá, precisa de condições para os seus surfistas poderem praticar a modalidade que gostam com condições dignas para o fazer, e estou a falar de acessos às praias, estacionamentos, duches, praias sem a poluição como a que se vê no Molhe Leste e segurança com rondas por parte da polícia aos estacionamentos de modo a evitar assaltos e carros roubados.

Peniche cidade passou novamente ao lado deste evento, mas também não é de estranhar, não se passou nada em Peniche que fizesse com que as pessoas cá viessem, ao menos um concerto com bandas locais já era capaz de ter animado o fim-de-semana do meio da janela de espera, mas que admiração, pois se até a festa de lançamento deste evento que iria ser realizado em Peniche, nas ondas de Peniche, nas excelentes ondas de Peniche, teve lugar em Lisboa, a uma centena de quilómetros do local do evento, não percebo porquê, talvez tenha sido para o “jet set” alfacinha não ter de se deslocar até tão longe para participar nesta badalada festa, só pode.

Tivemos um excelente campeonato mesmo sem o surf Penicheiro ser devidamente apoiado, podemos voltar a ter um excelente campeonato mesmo sem o surf Penicheiro ser devidamente apoiado, como alguém já disse, poder podemos, mas não é a mesma coisa…