[Porta Nova do Cemitério de Alcoutim em dia de Todos-os-Santos. Foto JV, 2010]
O dia 2 de Novembro destina-se em todo o Mundo Católico a orar pelos FIÉIS DEFUNTOS.
Naturalmente que em Alcoutim isso também acontece, o que hoje se realiza de uma maneira semelhante em todo o País.
No dia de Todos-os-Santos, feriado em Portugal, permite a deslocação aos Campos Santos para encher as sepulturas das mais variadas flores e outros ornamentos, sem deixar de proceder à alumiação.
Mas em Alcoutim não foi sempre assim como referimos no nosso trabalho Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (…), 1985 onde encontrámos um ritual que desconhecíamos totalmente e que muito nos admirou.
Estamo-nos a referir aos primeiros anos da segunda metade do século passado.
O isolamento de Alcoutim que constituía um beco, a única televisão existente onde a imagem chegava em péssimas condições e até a rádio, então Emissora Nacional, se ouvia com muita dificuldade, originavam um mais difícil contacto com o país real e consequentemente a manutenção dos seus usos e costumes.
A vida local era pautada por regras ancestrais que os naturais e residentes mantinham.
Enquanto os homens não faltavam aos funerais onde o seu braço era necessário ao transporte dos caixões e as mulheres ficavam em casa realizando tarefas indispensáveis à”vida”, o Dia de Finados era a elas destinado pois enquadrava-se mais nas suas características, ficando os homens em casa.
Ao cair da tarde, vestidas de preto e de lenço, deslocavam-se a pé e em pequenos grupos provenientes dos montes da freguesia, para a vila onde as casas de familiares e amigos já as esperavam pois constituía um hábito antigo que foi passando de geração em geração.
[Primitivas catacumbas no cemitério de Alcoutim. Foto Jv, 2010.11.01]
Depois de mudarem o calçado grosseiro e a roupa que traziam, pegavam nos “faróis” que as acompanhavam e dirigiam-se ao cemitério.
O farol era uma espécie de lanterna de forma cúbica ou levemente prismática, de três faces de vidro, sendo a do meio móvel e a oposta de chapa com um pequeno orifício. Na base, igualmente de chapa, tinha um pequeno recipiente da mesma matéria preparado com um pequeno pavio e onde se colocava o azeite que alimentava a pequena chama.
Na parte superior havia uma abertura circular que permita a saída do calor produzido pela chama e de resíduos.
A parte superior, além de possuir uma pega para o transporte do objecto, era adornada conforme a habilidade do artista e as posses do comprador.
Alguns dos "faróis" possuíam numa das faces laterais duas tiras de folha ovaladas e cruzadas que serviam para se lhe pegar lateralmente.
["Fornos" recentes no cemitério de Alcoutim. Foto JV, 2010.11.01.]
Após a instalação do farol em funcionamento e das primeiras orações, regressavam a casa de quem as tinham recebido onde comiam açorda, migas ou sopas que a dona da casa preparava para obsequiar as suas visitas.
Já de noite regressavam ao cemitério para voltar a orar e a abastecer os depósitos de azeite.
Raramente se via uma flor e quando isso acontecia era trazida por alguma alcouteneja que vindo de outras terras trazia esse uso que lá tinha visto e adquirido.
Quando havia padre na freguesia e eu lembro-me de isso acontecer, dizia-se missa, por volta da meia-noite, na capela, após a qual voltavam à casa de acolhimento.
Enquanto algumas regressavam pela manhã aos seus montes onde tinham tarefas a executar, outras ficavam para assistir à missa de Finadas na Igreja Paroquial e só depois regressando ao monte, considerando a tarefa cumprida.
O azeite vem a ser a pouco e pouco substituído pelas velas de estearina e agora de fabrico oriental. Já se encontram em segundo plano pois estamos na era dos acumuladores (pilhas) que torna tudo diferente.
O farol terá tratamento específico numa próxima oportunidade ainda que o principal já tenha sido aqui referido.
Desconheço o que se passava então nas restantes freguesias do concelho mas penso que o ritual seria semelhante.