sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Miguel Angel de Leon

Pequena nota

Este texto é uma cópia integral do que consta da 2ª edição (ainda por editar) do trabalho conhecido por monografia de Alcoutim, de que não sou o padrinho.
Devido a um melhor conhecimento, foi uma das Figuras que fiz questão de acrescentar aos indicados na 1ª.edição
Não posso deixar de denunciar um artigo publicado na revista Magazine do Jornal do Algarve, de data que de momento não tenho hipóteses de precisar, que nem de perto nem de longe traduz o que foi efectivamente Miguel Angel de Leon.
O articulista limitou-se a compilar uma série de informações (oficiais) emanadas do opositor político de Miguel Angel de Leon e quando assim acontece cai-se nesse erro. Nesse artigo a figura é apresentada como um criminoso comum!
Depois de ter sido vilipendiado pelo poder político instituído, quando as posições políticas se inverterem, Miguel de Leon, certamente devido à sua posição politica, foi incapaz de usar a mesma terminologia.
Vinte anos sem enviar as contas atribui Angel de Leon à falta de saúde do Administrador, o que certamente não era verdade. São estes pequenos factos que fazem a diferença, nesta altura e agora pois dentro de poucos anos iremos ter esclarecimentos “claros”sobre muitas confusões sobre coisas que ninguém percebe.
Naturalmente que D. Miguel não foi um santo e cometeu erros facilmente identificáveis, mas o que podemos dizer e segundo as nossas conclusões é que lutou, afinal até à morte, pela melhoria dos mais desprotegidos e numa tenaz oposição ao conservadorismo local representado por muitas famílias ainda hoje existentes e conhecidas no concelho.


JV

[Monte de São Marinho, Cortes Pereiras onde D. Miguel tinha uma "Forja". Foto JV, 2010]

Esta figura controversa é lembrada por muitos alcoutinenses de todo o concelho.
Ainda que a diluição do seu nome se vá fazendo, é sem dúvida o personagem mais lembrado da sua época.

Miguel Angel de Leon nasceu em 1826 e viveu em Madrid até 1856.
É dado como chegado a Alcoutim, onde se instalou, em 1860 e como sendo engenheiro de minas.

[Ruina das Casas da Mina de antimónio nas Cortes Pereiras, Foto JV, 2009]

Em 16 de Outubro de 1861 manifesta a descoberta de um jazigo de antimónio e outros metais em terra de José Martins Capelo, no monte de São Martinho.

Cerca de um ano depois (1862.12.05) juntamente com Manuel António d´ Almeida, ambos residentes na vila, requer o registo da mina de antimónio existente nas Cortes Pereiras que se achava abandonada. Também é ele que em nome de José Isidro Guedes, Par do Reino e residente em Lisboa, manifesta uma mina de chumbo argentífero na Herdade da Misericórdia, de que é foreiro, Manuel Gato, do monte dos Tacões. Mais manifestos foram feitos.

Em 1867 é encarregado de levantar o paredão desde o Cais à Figueirinha, junto do Guadiana.

Entretanto, requer a naturalização que lhe é concedida por decreto de 17 de Julho de 1871.

Deverá ter começado, a partir daí, a sua acção política neste concelho, sempre em ritmo crescente.

Em 27 de Abril de 1874 encontramos a primeira referência escrita quanto à sua acção. Afirma o então Administrador do Concelho, João José Viegas Teixeira que (...) as prepotências e arbitrariedades que dizem por mim cometidas no exercício das minhas funções (...) o principal motor da crua guerra(...) é o célebre Miguel Angel de Leon. E continua o representante do Governo no Concelho: Aquele D. Miguel faz tudo isto para me desprestigiar a fim de ver se lhe é possível levar uma grande maioria na próxima eleição e conseguir por último ser eu demetido do meu lugar.

E o incómodo continua para o Administrador. Oficia nesse sentido ao Governador Civil “informando” os meios ilícitos e criminosos empregues nesta eleição de deputados, seduzindo os eleitores com falsas promessas e que podem reagir ao pagamento da contribuição municipal e côngrua.

Refere João José Viegas Teixeira que Miguel Angel de Leon baseia a sua acção nestes termos: Padres, côngruas, derramas, rendeiros e médico, fora; os portugueses que lavrarem em Espanha e que não votassem na sua lista, nunca mais seriam lá consentidos; a passagem de cereais no rio seria livre de direitos e principalmente declarava que não procurassem já os ladrões pelas estradas nem nas charnecas, porque estariam todos em Alcoutim.

Conhecemos D. Miguel, primeiro por via oral, parecendo-nos tratar-se fundamentalmente de um político, ideia que nos foi confirmada pelo saudoso amigo, Sr. Luís Cunha, que foi para nós o mais profundo conhecedor do passado alcoutenejo.
Após a leitura das “acusações” feitas pelo Administrador do Concelho, ficou-nos mais definida a posição política de D. Miguel, classificando-o de um homem de esquerda.

[Mina, ruinas do tanque de decantação. Foto JV, 2009]

As transmissões orais que me têm chegado, naturalmente que reflectem duas opiniões: a dos conservadores que tudo fazem para denegrir a imagem do seu principal opositor, que além do que já referimos, atacam pessoalmente de femeeiro e a dos pró-D.Miguel que retratam como o salvador, o conselheiro, o defensor, o amigo dos pobres.

A posição de femeeiro também aparece na escrita, confirmando assim a tradição oral. No ofício de 20 de Janeiro de 1875, o Administrador descreve a situação deste modo...pertence a uma das mulheres que estão em casa do tal Miguel e se chama Maria Clara Torrejão. (1) Mais tarde, informa: os Paços do Concelho servem até de domicílio a mulheres de reputação duvidosa que vivem em companhia do Presidente, com o qual alternam, o que tudo foi observado por mim na ocasião.

Em 1876 D. Miguel já era um dos quarenta maiores contribuintes do concelho. Entre outros bens, sabemos que possuía a herdade do Enxoval, segundo nos consta trabalhada com tecnologia evoluída para a época, uma casa na Rua de Sto. António, na vila, uma azenha na ribeira do Vascão, próximo da sua foz, onde possuía também uma casa, de que não resta, a não ser o espaço, a “forja” no S. Martinho e a mina que explorava.
Em 25 de Fevereiro de 1877 promove uma grande reunião de cidadãos na aldeia do Pereiro que naturalmente é vista com maus olhos pelo Administrador do Concelho.

Decorreu com urbanidade resolvendo-se que uma deputação fosse a Lisboa pedir socorro para acorrer aos grandes estragos pelas águas torrenciais e abatimento nas contribuições prediais.

Miguel Angel de Leon é eleito e toma posse do lugar de Presidente da Câmara em 2 de Janeiro de 1878, jurando obediência à Carta Constitucional. Assume também o lugar de Procurador à Junta Geral do Distrito e o de Administrador do Concelho, por renúncia de um dos seus inimigos políticos, Justo António Torres, que alegou falta de saúde.

Começa a acção do novo Presidente. Oficia ao Governador Civil (1878.03.08) informando que encontrou os trabalhos de expediente da secretaria da Administração em atraso, principalmente na parte relativa à informação e remessa para o Governo Civil, das contas gerais da Misericórdia, pertencente aos anos de 1855/56 até 1876/77 (são vinte anos em falta!) as quais se acham nesta Administração sem ainda terem sido informadas.

Acontece, dizemos nós, que nestes anos em falta, a Provedoria e outros lugares de responsabilidade da Santa Casa estavam na posse do Administrador que tinha renunciado e de seus familiares. Não esquece D. Miguel de informar que o atraso se deve à falta de saúde do demissionário!

Quanto aos bens da Paróquia, coloca as suas dúvidas por falta de documentação, principalmente de títulos.

Já na condição de Presidente, Miguel de Leon desloca-se a Lisboa onde faz chegar a Sua Majestade, El-Rei D. Luís I, os pedidos em favor dos concelhos de Alcoutim e Castro Marim.

O entretanto nomeado Administrador, Gregório Morais, contesta a atitude do Presidente da Câmara, dizendo que a Municipalidade não o tinha autorizado a isso e sendo muito possível que nenhuma das Câmaras “desta bela província” lhe tivesse passado procuração nesse sentido. Por outro lado, põe em dúvida a entrevista com sua Majestade.

Seis meses após a tomada de posse de D. Miguel, o Administrador do Concelho oficia ao vice-cônsul de Espanha na vila, informando que consta por um despacho do agente consular português em Madrid que o indivíduo que diz chamar-se Miguel Angel de Leon e que se intitula engenheiro de minas, não é este o seu nome mas sim Pedro Redondo Marquez, casado (e não solteiro) e morador até 1856 em Madrid. Solicita auxílio no sentido de poderem descortinar este mistério e cumprir as obrigações dos cargos.

Entretanto, é publicado um decreto datado de 2 de Setembro de 1878 (Diário do Governo nº 201, de 7 daquele mês) em que é declarada nula para todos os efeitos a naturalização concedida ao suposto Miguel Angel de Leon.

Informações prestadas pelo governador civil da província de Madrid e pelas do cônsul geral de Portugal na mesma cidade, mas muito principalmente pelas declarações feitas perante o cônsul, por João Canas, sogro do suposto Miguel Angel de Leon, cujo verdadeiro nome é Pedro Redondo Marquez, casado com Raimunda Canas Fuentes, o qual, com sua família, residia na Rua de Feuncarral, nº105, até 1856, época em que saíra de Espanha, por virtude dos acontecimentos políticos desse ano, do que resulta que a naturalização foi “ob e sub repticiamente obtida”.

Na sessão do Câmara de 19 de Setembro de 1878, o Administrador do Concelho, agora, José Vicente do Carmo, pediu a palavra e licença para declarar vago o lugar de Presidente da Câmara, devendo o mesmo ser ocupado pelo vereador mais votado.

Imediatamente mandou afixar nos lugares mais públicos do concelho cópia do decreto de desnaturalização.

Dá-se entretanto o assassinato de Pedro Redondo Marquez, pelas nove horas da manhã com um tiro de espingarda. A documentação consultada não indica o lugar onde o crime se deu mas é tradição que o mesmo teve lugar nas casas que possuía perto da azenha na foz da ribeira do Vascão.

O nome do criminoso não corresponde ao indicado na tradição oral, devendo tratar-se de alcunha.

É dado como natural de Almodôvar e tinha um filho chamado Miguel, talvez em homenagem ao assassinado.

Preso na cadeia da vila, seguiu no dia seguinte para a da Comarca de Tavira, acompanhado do competente auto. Pedro Redondo Marquez não foi sepultado no cemitério da vila pois o pároco da freguesia, o Padre António (sobrinho), a isso se negou pois não o considerava católico. O Administrador do Concelho, Manuel José da Trindade e Lima, avô do prof. do ensino primário que tinha o mesmo nome, pede-lhe por escrito, que esclareça as razões para assim o considerar. Contesta que haja dualidade de critérios pois não há muito tempo se deu sepultura a um nas mesmas condições.

Ao oficiar ao vice-cônsul de Espanha nesta vila, escrevia:- “não suponho admissível, não creio provável e nem reputo verdadeiro que haja quem considerasse não católico o falecido Miguel Angel de Leon. Não esqueçam a verdade! A sepultura que se lhe deu, foi um manifesto desprezo, um desuso entre nós e uma crueza e bárbara desumanidade”.
A razão do crime é apontada como “devido a rixas particulares entre ambos, residindo o criminoso no monte das Cortes Pereiras (e não na vila como é tradição) em casas do falecido”.

Sustentam outros haver certos motivos que tentarei pesquisar, continua o Administrador.

[O ainda conhecido por Poço de D. Miguel (particular). Foto JV, 2009]

O que pretende dizer é que uma filha do assassino vivia em casa de D. Miguel como criada e que manteria relações íntimas com o patrão e daí o sucedido.
O que alguma tradição oral transmite é bem diferente. O pai da moça, que tinha boas relações com D. Miguel, é embebedado pelos caciques da vila que o instigam a cometer o tresloucado acto.

À data do falecimento, calculam os seus bens em três contos de réis, mas deixou dívidas em Lisboa que lhe absorvem quase tudo quanto possuía.
Ficou-lhe uma filha natural que perfilhou e contava treze anos. Oralmente, só a uma pessoa ouvi falar nela muito superficialmente.

Após o que recebemos por via oral e o que conseguimos ler a seu respeito onde foi possível, procurámos tirar as nossas ilações sobre a controversa figura que foi Miguel Angel de Leon (para nós é o nome que interessa, já que foi com ele que se naturalizou português).

Pensamos que não erramos ao dizer que foi um liberal (quando ser liberal tinha um sentido político de esquerda), muito activo no seu país.
Apanhado pela contra-revolução de 1856 que destrói o regime liberal, ter-se-á visto perseguido, o que o levou a abandonar o país, utilizando naturalmente um nome falso, reacção habitual ainda nos dias de hoje.

É o sogro que afirma que saiu de Espanha em 1856, por virtude dos acontecimentos políticos desse ano. Não há qualquer outra referência como causa do abandono do país.
Miguel Angel de Leon, que chegou a Alcoutim com trinta e quatro anos, em 1876 já era um dos quarenta maiores contribuintes do concelho, mas a sua realização pessoal passa pela política de que não consegue libertar-se.

Tomando uma posição de esquerda, consentânea com as suas convicções políticas, obtém com facilidade o apoio popular e de uns tantos progressistas.

Como terá sido descoberta a sua verdadeira identidade? Nada encontrámos escrito nesse sentido e a tradição é completamente alheia ao assunto.

Sabemos que por estas alturas, no concelho, encontravam-se mais de trezentos expatriados e exilados do país vizinho, abundando os “carlistas”. Não terá sido algum destes que reconheceu o “inimigo” político e o denunciou? É uma hipótese que consideramos muito provável. (2)


NOTAS
(1) –Esta Maria Clara, de seu nome completo, Maria Clara Pinto Noronha Torrezão, costureira de profissão, natural da freguesia de Nª Sª das Dores, da Ilha do Sal, Diocese de Cabo Verde, moradora na vila, casa em 21 de Maio de 1879, então com vinte e seis anos, com António Inácio Pereira, de 30 anos, solteiro, lavrador, natural e morador também na vila de Alcoutim – Vide assento de casamento in Arquivo Distrital de Faro.
(2) "A Capela de São Martinho e as Cortes Pereiras",José Varzeano in Jornal do Algarve de 28 de Dezembro de 1989.