terça-feira, 29 de setembro de 2009

O teatro em Alcoutim

Nunca vi este assunto abordado de uma forma escrita, a não ser em duas pequenas referências e depois o que aqui escreveu o nosso colaborador, Eng. Gaspar Santos.
Verdade seja que apesar de já não funcionar há quatro ou cinco dezenas de anos, todos sabiam indicar onde tinha funcionado e até mostrar aquela pequena casa que ainda possuía o palco e a boca de cena.

Quem procurou recolher dados sobre o teatro que se fez em Alcoutim?

Deixámos partir as pessoas que conheciam as coisas e a recolha não foi feita!

Eu só conheço Alcoutim há 42 anos. Passaram várias gerações de alcoutenejos, muitos que adoraram a sua terra, mas ninguém, que eu saiba, teve o cuidado de recolher e escrever algo sobre o assunto.

Também eu o podia ter feito, ainda que na altura já não fossem muitas as pessoas que me pudessem dar informações sobre o assunto. Por outro lado, a recolha oral tem bastantes inconvenientes e eu tenho alguma experiência nisso tendo acabado por pôr de parte certas pessoas que pensava serem as melhores informadas. É muito fácil detectar quando se procura faltar à verdade, sabendo uma coisa e dizendo outra, aquela que pensam ser a melhor na circunstância, usando e abusando do poder da sua imaginação.

Ainda muito recentemente, quando foi destruído o palco do teatrinho, segundo me informaram, nem uma fotografia foi tirada e depois procuram fotografias antigas!

Lembrando um rifão muito popular e recolhido localmente por Leite de Vasconcelos:- A bota não dá com a perdigota.
***


Depois deste pequeno intróito que não podia deixar de fazer, tentaremos ligar alguns dados que consegui reunir, são poucos e não são completamente seguros pois as memórias já vão falhando e a maior parte deles já são memórias de memórias.

Seguro é que muito antes de 1875, já tinha havido hum pequeno theatro o qual actualmente não funciona por estar abandonado. É esta a indicação que nos fornece o ofício nº 70, de 18 de Junho de 1875, do Administrador do Concelho. Onde se situava o teatro é que desconhecemos.

Outra pequena referência escrita que encontrámos, esta bem mais recente e do primeiro quartel do século passado, foi da existência, como casa de espectáculos, do Teatro Recreativo Alcoutinense e este sim, ainda hoje se pode localizar. A informação foi obtida num Anuário Comercial de que não posso precisar o ano, ainda que possua a competente folha.

Igualmente é seguro que esse pequeno edifício, situado na actual Rua D. Sancho II, pertenceu a Pedro José Rodrigues Teixeira Júnior que por testamento de 29 de Junho de 1937 o doou à Santa Casa da Misericórdia, na posse da qual ainda se encontra.

Esta Entidade, possivelmente por falta de uso, veio a arrendá-lo a Manuel Pinto, onde instalou a sua oficina de marceneiro/carpinteiro. Segundo Gaspar Santos, mesmo assim, por cedência deste artífice, ainda se realizaram algumas récitas.

O palco, por informações prestadas pelas filhas do Dr. José Pedro Cunha, foi por ele construído ou pelo menos debaixo da sua orientação, pois além de ser pessoa muito habilidosa, era um amante da arte de Talma, considerando várias informações recolhidas.

A família de Leonel Mariani Lorador constituía uma espécie de “companhia” que se deslocava periodicamente por várias terras do sul do país, levando a sua arte, devia ter sido a última utilizadora deste espaço.

Até aonde a informação nos chegou, o médico Dr. José Cunha foi o grande dinamizador do teatro local no primeiro quartel do século passado, ensaiando as peças que obtinha e dando-lhe a encenação que a sua fina sensibilidade motivava e o leque de “actores” permitia.

Constou-nos igualmente que ele próprio escrevia pequenas rábulas de sátira local. Segundo informação que D. Belmira Lopes, há anos falecida, nos prestou, destacava-se no elenco local a então jovem Francisca Madeira, hoje com quase 104 anos, D. Francisca Madeira Serafim.

“Sucede” ao Dr. Cunha o prof. Trindade e Lima, mais novo trinta e três anos e que desenvolve praticamente as mesmas acções.

As peças representadas e as músicas vinham de fora (Lisboa) e D. Cecília, em casa, interpretava-as ao piano, cantarolando-as.

A opereta “Leiteira de Entre Arroios”, inspirada num conto de Júlio Dinis, teria sido levada a palco tal como dois trechos musicais, a “serenata” e a “canção da cabreira”, interpretado um deles por Teresa Themudo.

A conhecida comédia ainda hoje representada com muito sucesso, “Onde está o gato?” também teve lugar neste teatrinho, encenada pelo prof. Trindade e Lima e representada por seu filho, Rui Trindade e por Helena Themudo, felizmente ainda entre nós.

No teatrinho, na década de trinta do século passado, teve lugar uma récita a favor da construção do Hospital, como está escrito nos aventais, o que aqui não se consegue ler pois optámos pela visibilidade do rosto das jovens que são da esquerda para a direita:- Teresa Themudo, Aurélia Martins e Aurora, prima da primeira.

Interpretavam uma canção, na altura muito em voga e de grande sucesso que tinha por título “Tricanas da Beira-Mar”ou “Tricanas de Aveiro”. A informadora ainda sabe a música recorda alguns versos mas não tem a certeza do título.

Os trajes foram confeccionados por D. Marina Themudo.

Numa “paródia carnavalesca”e para receber o novo tesoureiro da Fazenda Pública (o dia em que chegava um funcionário a esta vila era habitualmente um dia de festa!), entraram Helena Themudo (empregada de bebé ao colo), Teresa Themudo (novo tesoureiro) e Maria Augusta Caimoto (esposa do novo tesoureiro)

Na Feira de Artesanato de 1996 vi actuar um pequeno grupo de alcoutenejos que puseram em cena pequenos quadros de sentido mordaz e que pretendiam retratar a vida comercial da terra, sendo os textos de autoria de Alexandre d`O e a encenação do Dr. Francisco Morato, na altura professor na EBI local.

Aqui fica o que consegui reunir para compor este assunto, só possível com a preciosa colaboração da família Themudo, a quem deixo o meu agradecimento.

É pena que se perca a memória de coisas deste género, sobretudo pelo significado formativo do gosto e da sensibilidade, não são palavras minhas mas que para aqui transcrevo com a devida vénia pois concordo absolutamente com elas.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A água em Martim Longo


[Aldeia de Martim Longo, vista parcial]

A água, indispensável à existência da vida, faz parte dos nossos pontos de abordagem.

A aldeia Tem dous poços d’água muito boa (...) é a referência que nos dá no século XVIII, Henrique Fernandes Sarrão. (1)

Baptista Lopes (2), em meados do século XIX, refere que “no verão há muita escassez della nos poços públicos”, o que é confirmado por Charles Bonnet. (3) ao escrever “ (...) sendo também rara a água potável”.

Em Janeiro de 1843 a Câmara foi em correição pelo concelho tendo reunido pelo menos por três dias na aldeia.

Entre várias deliberações tomadas e em função daquilo que verificavam nos locais que visitavam, acordaram recomendar à Junta de Paróquia que mandasse reparar o gargalo do Poçanco e que lhe fosse feita uma calçada ao seu redor. (4) Igualmente nesta altura foi deliberado que “a estrada junto da Alagoa fosse toda feita de calçada.


[A alagoa, 1990. Foto de JV]

Em 1850 (5) o Presidente da Câmara informa a vereação que a escassez de água em Martim Longo era grande e que por isso, ainda que o orçamento não esteja aprovado, lhe parecia que se devia tomar providências no sentido de se abrir um novo poço, o que foi corroborado pela vereação.

Não sabemos, mas presumimos que o poço não foi aberto, já que oito anos depois e com a Câmara novamente em correição (6), constando-lhe que há grande escassez de água quis ir ao poço público certificar-se da situação, verificando que o fundo do mesmo se encontrava “à vista”.

Foi reconhecida imediatamente a necessidade absoluta de abrir “um novo poço no sítio já muitas vezes indigitado, pela parte de cima do Poço do Meio, encarregando a Junta de Parochia e Regedor de contratar a abertura do dito poço com pessoas que mereçam confiança”.

Os anos foram passando e em 1876 (7) levantou-se problema entre a Câmara Municipal e a Junta de Paróquia local.

As obras autorizadas com o Poço do Meio e para as quais a Câmara tinha autorizado a verba de 36.000 réis, entretanto entregues, não chegou pelo que a Junta solicita a satisfação de mais 10.720 réis, o que a Câmara acabou por conceder, tomando em consideração o bem estar dos habitantes.

Posteriormente, a Junta de Paróquia apresentou um requerimento solicitando que a Câmara mandasse pagar a quantia de 48.150 réis para além das verbas já entregues. A Câmara não podendo admitir e sancionar abusos deste tipo, indeferiu o pedido.

Em 1878 ultimou-se o aprofundamento do Poço Bom, onde se despendeu a quantia de 19.190 réis, que a Câmara satisfez. (8)

O Administrador do Concelho oficia em 15 de Julho de 1893 ao Regedor da Paróquia nos seguintes termos:- (...) Tem vindo ao meu conhecimento que junto dos poços públicos dessa aldeia de que os habitantes se servem d´água para beber, se fazem lavagens de roupas e bebem cavalgaduras e gados cujos subejos dão entrada nos mesmos poços devendo V.S. e os seus cabos de polícia fazer vigilância sobre os mesmos para aplicação das posturas municipais aos transgressores. (9)

Só voltámos a encontrar referências sobre a água no chamado Estado Novo. Em 1931 é subsidiada a Junta de Freguesia com 1.500$00 para a abertura de um poço. (10) Dois anos depois parece que ainda não teria sido aberto já que se propunha a abertura do que tinha sido subsidiado pelo Estado. Foi encarregado de fiscalizar o trabalho o Vice-Presidente da Comissão Administrativa da Câmara, o alferes José Francisco Ginja, natural de Martim Longo, oficial que se mostrou muito activo no período do Estado Novo. (11)

Em 1985 encontrava-se praticamente concluído o saneamento básico da aldeia, que orçou em mais de 50 mil contos (12) e em 25 de Abril desse ano é posta a concurso público a arrematação da empreitada da estação de tratamento de águas residuais domésticas (ETAR).

Nota breve
O texto foi extraído da 2ª Edição de "Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio...", em preparação.
As notas ficam para uma hipotética publicação.

sábado, 26 de setembro de 2009

Confidências com D. Pedro de Meneses


A última Câmara Escura que aqui publicámos, a fotografia tinha sido feita há precisamente 72 anos!

Hoje, vai ser o oposto, pois a publicada é recentíssima, deste mês.

Dirão os nossos visitantes/leitores: - mas isto não é Alcoutim!- e estão certos, este cenário não faz parte da pequena vila raiana, contudo tem algo a ver com Alcoutim. Este venerável Senhor é o insigne guerreiro D. PEDRO DE MENESES, capitão e 1º Governador de Ceuta, cargo que exerceu durante 22 anos, até à sua morte.

Pois este valoroso e intrépido guerreiro continua “guardando” Ceuta desde 1415! É por causa deste SENHOR e do que tem na sua mão esquerda que Alcoutim possui no seu brasão a sigla ALEO. Tem sentado no colo uma criança que hipoteticamente poderá representar o seu bisneto Fernando que foi o 1º CONDE DE ALCOUTIM.

A nossa amiga, que teve a amabilidade de nos oferecer tal fotografia e de nos autorizar a sua publicação neste blogue, trocou algumas “confidências” com D. Pedro, como afirma.

Não é difícil de calcular em que falaram.

- Sabe D. Pedro, que vivi e visito com alguma frequência a vila que constituiu o Condado do seu bisneto Fernando?
- Sabe, eu não sou desse tempo, já tinha acabado a minha tarefa neste Mundo que não foi nada fácil. E depois?
- Ora depois foi passando para os seus descendentes até que em 1642 houve uma confusão e passou para a posse do secundogénito real e assim os MENESES deixaram de ser CONDES DE ALCOUTIM!
- Muito me conta, minha amiga.

E as “confidências” não deviam ter sido muito diferentes disto.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Os alcoutenejos e a música

(Publicado no Jornal Escrito Nº 33 de Julho de 2001, p. IV, encarte do Diário do Sul de 15.07.2001)

De uma maneira geral, os escritos que venho publicando na imprensa regional sobre o passado alcoutenejo, há mais de trinta anos são alicerçados na documentação local que me tem sido possível consultar.

Certamente que em arquivos centrais muito existirá sobre o passado desta vila que na Idade Média assumia algum relevo no contexto socioeconómico do chamado Reino dos Algarves. Hoje, cidades importantes do distrito de Faro, não existiam ou não passavam de pequenos núcleos populacionais em formação que nada tinham de comparável com a nobre e bela vila de Alcoutim (1) onde em finais do século XVIII viviam vinte pessoas nobres, o maior número verificado nos quinze concelhos do Algarve. (2)

Os exilados das lutas liberais que se refugiaram principalmente na França e em Inglaterra, conheceram grupos de músicos militares que tocavam juntos, designados por Bandas e que estavam agregadas aos regimentos militares. A sua existência era muito importante, visto caber-lhes a missão, em período de guerra, com os seus acordes, elevar o ânimo para a condução à vitória e em paz manter o espírito guerreiro junto das populações, elevando assim o respeito pelos exércitos.

Ao regressarem ao País, os exilados, e com o mesmo espírito, dão azo à criação da banda Municipal de Lisboa., em 1838.

Este gosto acabou por se espalhar e muitos regimentos militares optaram por constituir a sua banda, exibindo-se com frequência nos passeios públicos, onde as populações se juntavam.

O gosto pela música foi-se desenvolvendo, criaram-se bandas civis junto de instituições locais já existentes e fundaram-se outras com a missão fundamental do ensino e da difusão da música. A estas bandas civis é hábito chamarem-se Filarmónicas.

Nos finais do século XIX, princípios do seguinte, houve um surto de desenvolvimento musical representado pela fundação de inúmeras filarmónicas por todo o País, desde as maiores cidades a pequenas aldeias. Houve e ainda há, segundo penso, pequenas terras que têm duas filarmónicas, muitas vezes conhecidas por música nova e música velha que normalmente e como é natural, mantêm grande rivalidade.

A pequena vila raiana, apesar da sua pequenez e isolamento, também pretendeu acompanhar esse surto, procurando criar uma filarmónica, fanfarra ou charanga.

Nunca encontrámos nada escrito sobre o assunto e para a organização deste pequeno artigo, recorremos, há cerca de dez anos, à memória viva de Alcoutim, o nosso bom amigo, Francisco Mateus Xavier, vulgo Afonso Costa.

Desta memória privilegiada e frontal, recolhemos os dados que passamos a enumerar.

O grande impulsionador e considerado fundador deste agrupamento de músicos (filarmónica, fanfarra ou charanga), foi o Sr. Silva (3) que desempenhou as funções de chefe de administração municipal e que nos disseram ser originário de Vila Real de Sto. António. (4) Tem isto lugar na década de vinte ou trinta do século passado.

Os ensaios decorriam na actual Rua 25 de Abril, então Rua da Igreja, numas casas que hoje pertencem à Câmara Municipal. O pároco local, originário de S. Brás de Alportel, dedicava-se ao ensino da música e contam-se “estórias” engraçadas passadas no desempenho dessa tarefa.

Indicam-nos alguns elementos desse agrupamento, como José Pedro Feliciano da Silva (flauta), filho do fundador, Virgílio Rosa, (bombardino), David da Palma (contrabaixo), Alfredo Madeira (trompa), Ti Canelas, sapateiro (caixa) e José de Orta (pratos), entre outros.


Depois de um período de declínio, a “banda” que me dizem ter-se chamado 1º de Dezembro e talvez daí o Clube 1º de Dezembro, hoje Grupo Desportivo de Alcoutim, é reorganizada e rejuvenescida por um grande músico local, Manuel Vieira, que veio a optar pelo profissionalismo, fazendo parte da categorizada Banda da Guarda Nacional Republicana, com o posto de 1º Sargento.

Nessa altura, davam a sua colaboração, entre outros, António Joaquim Felício Júnior, (trompa), Leopoldo Vicente Martins, (clarinete), Virgílio Rosa Cavaco, (flauta), Júlio Nicolau (clarinete), António Cavaco (trompa), Francisco Mateus Xavier, vulgo Afonso Costa (feliscorne), o seu irmão Cândido Mateus Xavier (caixa), Ti Carolino (pratos), Francisco Gonçalves Barão (1º cornetim), Custódio, mais tarde soldado da G.N.R., (2º cornetim), Alfredo Horta (contrabaixo) e Francisco Martins (barítono). Dizem-me que o conjunto deveria andar por vinte e cinco elementos.



Os ensaios agora realizavam-se onde primitivamente funcionou a Casa do Povo, conhecida por casa do Sr. Robalo, por ter sido ele que a mandou construir.

Parece que a filarmónica andava ligada a uma sociedade recreativa que mais tarde se teria fundido com outra existente, dando origem ao Clube 1º de Dezembro.

Os coretos eram os locais privilegiados para a actuação destes agrupamentos musicais e ainda existem muitos espalhados por todo o País, de uma maneira geral de base poligonal, constituindo alguns, boas obras de arte de cantaria, alvenaria ou ferrajaria. Muitos deles, estão decrépitos.

Alcoutim também teve o seu coreto de madeira, primeiro situado no Largo de Sto. António e mais tarde transferido para o Largo da Igreja (Matriz).

No 1º de Dezembro, logo pela manhã, a fanfarra percorria as ruas da vila, comemorando uma data muito significativa para este povo.

Também as procissões contavam com a sua presença, abrilhantando-as.

Referem-nos igualmente actuações em Sanlúcar do Guadiana e no Granado (Espanha) e em Odeleite.
Um funcionário da Tesouraria da Fazenda Pública que aqui faleceu e foi sepultado, teve a acompanhá-lo a filarmónica que executou uma marcha fúnebre.


Com a saída do regente, caiu novamente, acabando por se extinguir.

Nos finais dos anos sessenta ainda me lembro de ver alguns instrumentos nas mãos da garotada.

Depois da compilação destes dados, tive ocasião de os mostrar ao Sr. Francisco Martins, um dos poucos músicos na altura ainda vivos, no sentido de alguma possível correcção ao que lhe parecesse fazer e de poder acrescentar algo mais que pudesse recordar.

Respondeu-me com os olhos marejados de lágrimas que tudo o que tinha acabado de ler estava correcto e só a leitura lhe avivou a memória, concluindo:- O Afonso Costa tem uma memória excepcional, só ele se podia lembrar de tudo isto!
Tive ocasião de acompanhar no ano transacto o Sr. Francisco Martins à última morada, no cemitério da vila onde nasceu.

De todos os músicos referidos, penso que só o meu informador é vivo, ainda que com a saúde bastante debilitada e com os seus noventa anos.

Já que nada existe escrito sobre o assunto, aqui fica este depoimento que é capaz de ter algumas imprecisões e que tem bastantes lacunas para o que pretendíamos, mas … algo fica para os vindouros.

Este escrito é seu, Sr. Afonso Costa, limitei-me a passá-lo para o papel.

Os alcoutenejos lhe agradecem.

NOTAS

(1) José Victor Adragão, Algarve Editorial Presença, Novos Guias de Portugal.

(2) Hugo Cavaco, Vila Real de Santo António – Reflexos do passado em retratos do presente (Contributos para o estudo da história vila-realense), 1997, pág.259.

(3) Pensamos tratar-se de José Vasco da Silva.

(4) Informação prestada por D. Belmira Lopes Teixeira, alcouteneja há muito falecida.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Pedro José Rodrigues Teixeira

Mais um elemento da numerosa Família Teixeira. Já aqui referimos dois dos seus irmãos, Dionísio Guerreiro, o mais velho da prole e o P. José Pedro Rodrigues Teixeira que paroquiou a freguesia de Martim Longo durante muitos anos.

Eram filhos de Pedro Rodrigues e de Ana Teixeira, proprietários e naturais da freguesia de Giões, onde o filho também nasceu no dia 1 de Fevereiro de 1810.

Com apenas 26 anos, mais propriamente em 18 de Janeiro de 1836, é nomeado escrivão da Câmara de Alcoutim.

Possivelmente foi nomeado interinamente para essas funções pois vamos encontrar um Registo da carta de mercê que fez sua Mag Fidelíssima do Emprego de Secretário da Câmara dest villa a Pedro José Roiz Teixeira. Dona Maria, por Graça de Deos, et. Dado no Paço das Necessidades em 30 de Março de 1841 (Nota – Tomou posse em 6 de Maio de 1841).
Esta Mercê de D. Maria II encontra-se registada no Liv. 14, Fl. 130v. e 131, da sua Chancelaria (ANTT)

Pedro José Teixeira veio a casar com D. Rita Antónia Joaquina do Carmo que era irmã do P. António José Madeira de Freitas (tio), filhos de António Sebastião de Freitas que havia sido nomeado escrivão da Câmara em 1818 e de Maria Joaquina.

Do casamento originaram vários filhos entre os quais o P. António José Madeira de Freitas (sobrinho) que veio a substituir o tio na paróquia de Alcoutim, depois de ter passado pela do Pereiro. Além deste tio materno, tinha outro padre como tio, irmão do pai e que aqui já referimos, tendo exercido a sua função na paróquia de Martim Longo. Outro dos filhos foi José Pedro Rodrigues Teixeira (sobrinho), que tinha o mesmo nome do tio padre em Martim Longo e que veio a ser escrivão da Administração em Alcoutim, tendo-se transferido para Castro Marim em 1879.

Pedro José Teixeira enviuvou em 28 de Outubro de 1858, conforme se deduz da lápide sepulcral existente no cemitério da vila.

Exerceu as funções de secretário da Câmara durante aproximadamente quarenta e sete anos, aposentando-se em 20 de Outubro de 1882.

Se assim foi, aposentou-se com mais de 70 anos o que teria ultrapassado a idade limite que penso já existir na altura.


[Paços do Concelho. Des. JV]

Na sessão da Câmara de 30 de Novembro de 1882, é proposto e aprovado por unanimidade um honroso voto de louvor para o seu escrivão ora reformado, pela aptidão, zelo e fidelidade com que desempenhou o cargo.

Já com 80 anos toma posse (11 de Fevereiro de 1890) do lugar de Administrador do Concelho (interino), funções que exerce pouco mais de um mês, pois vem a falecer no dia 17 de Março.

A Câmara, presidida por Manuel António Torres que propõe e foi aprovado em sessão de 31 do mesmo mês, que ficasse consignado em acta, um voto de sentimento pela sua morte, dando-se conhecimento da deliberação a sua família a quem se apresentaria condolências.

Foi irmão e desempenhou vários cargos na Misericórdia de Alcoutim.
Em 1883 fez parte da Junta Escolar do concelho.

Era à data do falecimento Agente no concelho do Hospital de S. José de Lisboa e Tesoureiro dos Legados Pios.

Abastado proprietário, possuiu entre outras, as herdades 1ª do Mosteiro e do Brejo.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Contrabando na fronteira Luso-Espanhola



Trabalho colectivo que engloba dez estudos diversificados sobre a matéria, do norte a sul do País, desde Melgaço a Ayamonte, encontrando-se Alcoutim entre as povoações raianas mais referidas, conforme mapa apresentado a p. 15.

Os autores são técnicos classificados dos dois países e a coordenação pertence a Dulce Freire, Eduarda Rovisco e Inês Fonseca.

O estudo “Viviendo de la frontera: redes sodiales y significacón simbólica del contrabando” é de autoria de José Maria Valcuende del Rio e de Rafael Cáceres Feria, ambos docentes no Departamento de Ciências Sociales da Universidad Pablo de Olavide, em Sevilha e debruça-se principalmente sobre a região do Baixo Guadiana, sendo indicado como fonte de pesquisa, entre outros, o Archivo Municipal de Sanlúcar de Guadiana.

Das ilustrações faz parte uma fotografia de Sanlúcar de Guadiana tirada em 2006.

Os autores englobam na bibliografia o meu trabalho, Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio, Subsídios para uma monografia, 1985.

De 322 páginas no formato 15X23 (Julho de 2009) é uma edição de NELSON de MATOS, da colecção PENSAR-NAVEGAR.

Adquiri-o na Bertrand, na cidade das Caldas da Rainha.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Tigelas de louça



As tigelas podem ser feitas de cerâmica (porcelanas, barro) vidro, alumínio, esmalte, ou de qualquer outro metal e até mesmo de madeira. Ultimamente aparecem muito de plástico e substâncias análogas, imitando as velhas porcelanas e originárias muitas vezes de países distantes.

As que vamos abordar são as de porcelana, pois foram a par das de barro as mais usadas no concelho de Alcoutim.

O exemplar acima apresentado tem seguramente mais de sessenta anos e é de uma qualidade razoável. A decoração apresentada representou uma época e provavelmente uma fábrica.

As tigelas são caracterizadas por não terem gargalo nem asas e com uma forma de calote esférica, aproximando-se algumas da meia esfera, enquanto noutras a altura é substancialmente menor do que a largura. Contudo, em meados do século passado o formato mais vulgar aproximava-se da meia esfera.





Apresentamos acima um conjunto de tigelas que já não servem, para poderem ser preservadas mais facilmente e têm confecção de níveis diferentes e todas algumas dezenas de anos.

Podemos dizer que as tigelas de variadíssimos tamanhos e as pelenganas eram as peças de louça mais vulgares nas casas alcoutenejas e embelezavam frisos e pilheiras.

Pela tigela se bebia a água, o leite, o café, o vinho (os copos eram raros nessa altura), se transportava líquido e muitos sólidos, servindo muitas vezes de medida.

Quando se matava o galo, lá vinha a tigela com um pouco de vinagre para apanhar o sangue para confeccionar a típica cabidela.

Na altura as tigelas eram indispensáveis para se baterem os ovos com destinos diversos.

Quem não levava para a mesa uma tigela com azeitonas?

Naturalmente que ainda é peça existente e utilizada, mas sem a intensidade de outros tempos, pois o copo e outros recipientes ocuparam algumas das suas tarefas.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Bentos, pequeno monte na margem esquerda da ribeira de Odeleite

[Monte dos Bentos, Foto JV, 1998]
Pertencendo à freguesia de Vaqueiros, dista da sua sede 7 km para o Sul. Hoje a ligação faz-se por excelente estrada que é pena ter pouco movimento, pondo em causa o seu investimento.

Saindo de Vaqueiros à procura do pequeno aglomerado populacional, vamos encontrá-lo à direita, depois de termos percorrido a distância referida entre, por vezes, desníveis consideráveis.

Desenvolve-se numa pequena inclinação de terreno, relativamente perto da estrada e a coberto das enchentes da ribeira que, na época invernosa, alagava as suas margens não dando passagem, o que por vezes se mantinha por vários dias.

À volta do “monte”, são tudo cerros.

Segundo pensamos, o topónimo tem origem num antropónimo, situação desde sempre vulgar em toponímia. Umas vezes a adaptação é simples, como acontece com Afonso Vicente, Diogo Dias e Pêro Dias, outras com contornos diferentes como em Vicentes, Fernandilho, Giões, possivelmente em Madeiras e Mestras e igualmente em Bentos.

Depois da reconquista, deu-se o repovoamento que se foi alargando com o desbravamento e arroteamento da serra bravia onde proliferam os animais selvagens.

Possivelmente, foi a família Bento, que encontrando condições para isso, terrenos aráveis e a presença sempre importante de um curso de água, ali se fixou. Quando alguém o queria identificar, dizia A-dos-Bentos, aliás como ainda hoje se ouve dizer às pessoas mais idosas.

[Ass. do Cura de Vaqueiros]

A notícia mais antiga que conheço desta pequena povoação é a que nos dá o Cura da Freguesia de Vaqueiros, António de Barros, que respondendo ao questionário de 1758 lhe atribui 14 vizinhos quando à grande maioria dos aglomerados são atribuídos menos de dez. (1)

A freguesia de Vaqueiros, criada em 1583 (2), em 1758 estava dividida por dois termos, o de Alcoutim e o de Tavira. Os “montes” situados para lá da Ribeira de Odeleite apesar de pertencerem à freguesia de Vaqueiros, tinham por termo Tavira, como acontecia com Taipas, Fernandilho, Vargem (Várzea) Vale da Rosa, Traviscosa, Cabaços, entre outros.

Isto acontecia principalmente por em determinadas alturas, senão sempre, ser mais fácil o contacto com esses centros.

Ainda que em 1836 esta situação tivesse sido alterada, deixando de haver freguesias divididas por dois ou mais termos, a verdade é que em muitos casos, as dificuldades de comunicação se mantiveram, chegando aos nossos dias.

[Ribeira de Odeleite, aos Bentos, Foto JV. 1988]

É do conhecimento local que, no Inverno as chuvadas faziam engrossar a ribeira, transbordando das suas margens, não dando passagem, por vezes durante vários dias. Se morria alguém nos “montes” para lá da ribeira, o recurso que havia era o funeral realizar-se para o cemitério acessível mais próximo e que era o da freguesia de Odeleite do concelho de Castro Marim.

Há quarenta anos comecei a ouvir falar nestas estórias e algumas com situações complicadas.

Só depois do 25 de Abril de 1974 as coisas puderam ser encaradas de frente. Se era todo um concelho em atraso, a freguesia de Vaqueiros conseguia fazer a diferença pela negativa e uma das primeiras medidas tomadas pela Comissão Administrativa da Câmara Municipal e presidida por Júlio António Rosa, foi a de meter máquinas para transformar aquelas pequenas veredas centenárias em caminhos por onde pudesse passar um tractor, uma motorizada ou mesmo uma camioneta. Lembro-me muito bem de ir visitar os trabalhos, de jipe com Júlio Rosa e já ter sido possível chegar a Cabaços!

A grande ambição e obra absolutamente necessária era a construção da ponte sobre a ribeira, mas as dificuldades eram naturalmente muitas. Isso veio a acontecer em 1982, com quatro largos vãos e um bom trabalho de engenharia.

Com a E.M. 506 entretanto construída em várias fases e depois melhorada, os acessos hoje podem-se considerar muito bons.

Naturalmente que o pequeno monte dos Bentos veio a beneficiar com toda esta alteração.

Em 1839, Silva Lopes não faz constar da relação que apresenta da freguesia de Vaqueiros o seu número de fogos e o número de habitantes, no Censo de 1991 foi incluído no indicado em “isolados”.De todos os indicados é Fortim o que tem menor número, dezasseis, pelo que presumo que este tivesse menos.

Em 1996 foram instaladas caixas de recepção de correspondência (3) que depois verificámos tratar-se de um painel de seis, pelo que o número de habitantes rondará os doze.

Os arruamentos foram arranjados em 1992 (4) e o telefone fixo já tinha chegado em 1985. (5) A água ao domicílio foi instalada em 2005. (6)

Existe recolha de lixo.

Junto ao monte era ainda possível ver uma eira.
Um estabelecimento comercial misto valoriza e atrai gente ao monte. Já lá tenho feito refeições típicas e agradáveis.

[Parque de merendas]
A Junta de Freguesia mandou construir um parque de merendas. (7)

Na Ribeira de Odeleite e nas proximidades deste monte existiu uma azenha de que só resta o assento.

Nos “Alcariais”, a noroeste da povoação existem vestígios de um pequeno casal ou granja do período islâmico ou pós-islâmico e onde se recolheram fragmentos de telhas decoradas e cerâmica comum. (8)

Não deixa de ser curioso referir que em 1771/1773, Simão Gonçalves, da dos Bentos, procedia ao manifesto na Câmara Municipal do seu gado, constituído por cabras, ovelhas e reses.

[Ponte no 1º de Maio, 1988]

Depois de 1975 o povo da freguesia, por iniciativa da sua Junta, começou a juntar-se na ribeira, debaixo da ponte e nas suas redondezas, festejando o 1º de Maio, o dia do trabalhador.

[1º de Maio nos Bentos, 1992]

Pão e sardinha assada com vinho também à discrição. A pequena festa de convívio entre os naturais foi aumentando de ano para ano, mantendo-se a base mas havendo inovações como variedades, folclore e outros entretenimentos. O número de convivas acompanhou o desenvolvimento e os comerciantes aproveitaram para fazer os seus negócios. Hoje a festa continua, mas pode dizer-se que paralelamente se realiza uma feira. Deslocam-se ali muitas centenas de pessoas de todo o concelho, dos limítrofes e mesmo de terras distantes.


Notas
(1) – ANTT – Memórias Paroquiais
(2) – Silva Lopes, Memórias Eclesiásticas para a História do Bispado do Algarve, 1848, p. 357.
(3) – Alcoutim – Revista Municipal nº 4, Dezembro de 1996, p. 12
(4) – Boletim Municipal nº 11, de Setembro de 1992.
(5) – Jornal do Algarve de 30 de Maio de 1985.
(6) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 12, de Dezembro de 2005, p. 14.
(7) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 12 de Dezembro de 2995, p. 15
(8 )– “O Algarve Oriental Durante a Ocupação Islâmica” Helena Catarino, p. 145.

domingo, 20 de setembro de 2009

"Contrabando de lã" em Alcoutim nos anos 40






Escreve
Gaspar Santos




Ao longo da fronteira com a Espanha houve sempre algum comércio clandestino. Isso mesmo, Alcoutim reconhece e recorda, erigindo as estátuas do Contrabandista e a do Guarda Fiscal, em lugares destacados - um no Cais Velho e o outro no Miradouro junto ao quiosque.

Nessa época vivia-se e contavam-se muitas histórias sobre o pequeno contrabando que dava rendimento a alguns homens e servia os habitantes das duas margens da raia com os produtos transaccionados.

Para além deste, ocorreu em finais dos anos 40 uma negociata a que decidi chamar “contrabando de lã”. Vale a pena recordá-la, dadas as suas características insólitas. Na verdade nem a Espanha nem os espanhóis tinham qualquer tipo de intervenção e, por isso, em sentido estrito, não era um contrabando. Conta-se em duas palavras esta fraude que se fazia em pleno dia, com o conhecimento de toda a gente menos das autoridades portuguesas que não o “viam”.


[O Rio Guadiana visto da Lourinhã. Foto JV, 2009]

A lã espanhola é mais valorizada do que a lã portuguesa, desde o Século XVII. Por ser quase toda uma lã de fio mais fino e comprido, mais tratável nos teares sem se partir e por produzir tecidos menos encorpados e de melhor qualidade. Isto foi o resultado de uma selecção efectuada ao longo de séculos nos grandes rebanhos do interior da Espanha. Selecção essa que em Portugal não foi possível atingir nos muitos e pequenos rebanhos. Em Portugal também havia alguma lã com esta mesma qualidade, mas em pequena quantidade, não sendo a suficiente para lhe dar um preço diferenciado.

Por isso, nestes anos, os comerciantes portugueses tiveram artes de “naturalizar” como espanhola a lâ portuguesa (da melhor) para ganharem mais algum dinheiro. Assisti a isto em Alcoutim, o que possivelmente terá ocorrido em outros locais.

A metodologia era a seguinte: - lã portuguesa em bruto era acondicionada em grandes sacos e carregada “clandestinamente” na margem portuguesa em barco à vela. O barco percorria um ou dois quilómetros e vinha atracar ao cais de Alcoutim.

O mestre da embarcação pedia autorização para descarregar. O agente da Guarda Fiscal de serviço perguntava: “Que carga é essa?” E o mestre respondia: “É lã espanhola”. “Está apreendida” dizia o agente. “Nós pagamos os direitos alfandegários” dizia o mestre da embarcação.

Depois seguiam-se os procedimentos legais: - era levantado o auto de apreensão; o pagamento das taxas alfandegárias; os sacos eram selados e era-lhes pintada em letras garrafais: LÃ ESPANHOLA.

Estava consumada a fraude. A partir daqui a lã era espanhola. A mais valia era tal que dava para pagar os direitos alfandegários e ainda era mais lucrativo do que se tivesse entrado no circuito comercial como lã portuguesa. Quem ficou a perder foi o consumidor português!

Prática semelhante temos hoje com os jogadores de futebol. Questiona-se o seleccionador: “naturalizamos português este jogador se você prometer seleccioná-lo”. E em caso afirmativo naturaliza-se. Alguém, com uma certa graça, já sugeriu para a nossa selecção o nome de “Sociedade das Nações”

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

(Senhor) BENVINDO, (venha) A ALCOUTIM


Há largos anos que o “Senhor Benvindo é convidado para ir a Alcoutim”, mas a verdade é que nunca respondeu à solicitação!

Será que nunca ninguém reparou nisto? Não é preciso ser doutor, mas mesmo que o fosse existem felizmente por lá muitos.

Não há ninguém que não dê erros. Todos sabemos isso. São os mestres que o dizem.

Temos contudo a obrigação de cometer o menor número possível.

Pela parte que me toca, agradeço sempre que me corrijam e faço-o logo que posso, após a confirmação.

Desejemos finalmente a quem visitar Alcoutim:

BEM-VINDO A ALCOUTIM

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Viva, Viva, Viva!, Chegou a Carminho!



Os VIVAS fizeram-se ouvir ontem, dia 16, a partir das 2h e 7m na cidade da Santarém, na Várzea, na Romeira, em Tomar, em Peniche, por esse país fora e também em Espanha!

Tinha acabado de chegar, ao Hospital de Santarém a Maria do Carmo, com os seus 3,290 kg e medindo 0,49 m.

Ainda não foi desta que o “enguiço” se quebrou! É a minha 11ª sobrinha, seguida, neste ramo! Ainda não perdi a esperança de ter um sobrinho-bisneto, não digo isto a ninguém mas tenho cá uma fezada na “Pendurona” (vulgo Nini), ela é que me irá conceder essa graça, tenho quase a certeza.

Para as mais novas, não penso em tal veleidade pois entretanto vou dar uma volta e já não me apanharão por cá.

Não pensem que fiquei minimamente triste pela Carminho não ser um rapaz, a alegria, como se compreende, foi a mesma. VIVA A CARMINHO!

Enquanto os seus avós maternos receberam a 3ª neta, os paternos “acertaram em cheio" e depois do rapagão, chegou o ai -jesus , a menina.

Espero que a Carminho vá a Alcoutim e num daqueles dias em que seca o osso, tome um banho de mangueira como tomou a sua prima Francisca.

Aqui quero “solenemente”prometer à Carminho que, se for preciso lavar-lhe o rabo, não me esquecer de pôr o pó de talco (de hoje) e não obrigá-la, como fiz à sua mamã, a corrigir a minha falta. Fica prometido.

Parabéns para toda a família, em espacial para os pais, avós e tios.


Nota Breve
Atendendo a que os "babados" avós têm metido cunhas para englobar este “post”, coloco-os aqui no fim pois pode ser que passem despercebidos! Um abraço para ambos.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

"OLHARES SOBRE ALCOUTIM"



Ainda que tivéssemos anotado a referência feita à nossa 218ª entrada datada de 10 de Junho último com o título 1º CAFÉ DE ALCOUTIM e incluída no nosso Tema Câmara Escura, só hoje nos é possível, por motivos vários e nunca por esquecimento, referir e agradecer o facto.

Quis ter a amabilidade de continuar a informação que prestei, nos seguintes termos e que, com a devida vénia transcrevo.

Verifico que corrigiu algumas das minhas falhas de memória, que a idade já vai proporcionando.

A “Marlene” está presente, sim... sei bem quem ela é...
A seguir ao Duarte, o miúdo dos óculos, era a mais novita do grupo. Em 1967, tinha portanto 14 anos.
A alcunha “Marlene” era um tributo à Dietrich a tal que Hitler convidou para protagonizar filmes pró-nazistas?!...,vim a conhecer-lhe a história mais tarde e a admirá-la porque soube recusar o “honroso” convite. Apressou-se a deixar a Alemanha e tornou-se uma cidadã dos EUA. Hitler tomou isso como um desrespeito para com a pátria alemã e chamou-lhe traidora.

O Café era de meu pai e era de facto assim. Era o centro de tudo naquela década de 60... foi café onde a TV estava sempre ligada desde o início até ao fim da emissão... foi casa
de petiscos quando os clientes que eram todos amigos do meu pai se juntavam e em sã camaradagem comiam, bebiam e cantavam modas do Alentejo, fados de Coimbra e de Lisboa ... até altas horas, foi agência e ponte de paragem de autorraos da Rodoviária Nacional, foi casa de jornais e revistas... foi tanta coisa!!!

E já agora a foto foi tirada pelo meu pai. Conservamos ainda muitos negativos desse tempo e a minha filha que gosta de preservar tudo o que encontra em casa do avô, tem-os guardados em grande estima, com vista a “salvá-los” numa pasta segura, desta modernice que é agora um PC, impensável e inimaginável à época.



Aqui deixo o meu agradecimento à “moura-do-castelo-velho” desafiando-a a publicar algumas das fotografias antigas com aspectos de Alcoutim.

Não me esqueço, até porque possuo alguns, os primeiros postais sobre Alcoutim só foram possíveis devido ao esforço de seu pai, o que aliás já referi neste blogue.

Sempre ao dispor.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O poço da praça ou da cadeia


[O poço situava-se no local "sombreado" da fotografia. Foto JV, 2009]

Parecerá estranho falar em tal, mas indicá-lo consideramos um dever.

Como o nome indica, situava-se na actual praça da República, mesmo em frente da desaparecida cadeia, uma das edificações mais antigas da vila.

Ninguém se lembra de estar desentulhado, mas os mais velhos ouviram falar dele aos seus avós.

Se tivéssemos prendido a nossa atenção no empedrado, verificávamos com facilidade um leve abaulamento da calçada, de forma circular, que nos indicava a secção do seu bocal.

Dentro da vila, só conhecemos a existência de outro, na residência condal.

Em tempos recuados, quando Alcoutim era cercado de muralhas, em situação de ataque, parece-nos que este poço representaria a tábua de salvação para fornecer o precioso líquido, auxiliado pelo já referenciado (seria potável a água?) e por algumas cisternas, nomeadamente a do castelo, referida por Pinho Leal, há muito entulhada mas ainda não identificada em escavações.

Nas suas proximidades situou-se o pelourinho da vila, hoje “sepultado” no cais velho.

Com as várias transformações operadas, incluindo as do piso, ficará este pequeno apontamento para o lembrar.

Nota – Texto extraído da 2ª Edição em preparação de, Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma monografia).

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Faz hoje 72 anos!



Pura coincidência!

Só me apercebi que faz hoje precisamente setenta e dois anos que esta fotografia foi tirada quando fui escrever o texto! Feliz coincidência!

Trata-se da quermesse em Alcoutim, na zona ribeirinha, certamente com alguns dos seus mentores e onde as meninas para vender as rifas eram peça importante.

Não se pode tratar das Festas de Nª Sª da Conceição, pois estas têm lugar em 8 de Dezembro e muito menos das actuais que só se iniciaram em 1948. Pela data, pensamos que se aproveitou a realização da Feira Anual para instalar a quermesse e recolher uns tostões para a Igreja ou para o Hospital.

Eu ainda conheci esta estrutura, já muito velhinha e com remendos, isto em 1967.

Sei que foi obra das mãos habilidosas do Dr. José Pedro Cunha, médico de Alcoutim, pois o mesmo me foi afirmado, nessa altura, por sua filha, D. Berta Cunha Martins.

Quem amavelmente nos cedeu a fotografia só conseguiu identificar o prof. Trindade e Lima, no interior e ao centro, exteriormente do lado direito, dois rapazes, Francisco Duarte do Rosário, que veio a ser engenheiro civil e Rui Lopes da Trindade e Lima, militar de profissão e que veio a ser brigadeiro do nosso exército. A “senhorita” de vestido às ramagens é Ricardina Temudo, filha do então secretário de Finanças do concelho, José Themudo.

domingo, 13 de setembro de 2009

O testemunho de uma criança

Escreve
José Temudo


Advertência

Sei, por experiência própria e com alguns amargos de boca, que a memória não funciona como uma casa-forte onde se guardam objectos e valores, e de onde, passados alguns anos, podemos levantar esses mesmos objectos e valores sem lhes notar uma qualquer diferença.

No resguardo subterrâneo onde “trabalha”, a memória age, a um primeiro tempo, como um arquivista meticuloso, classificando, ordenando, arrumando, guardando.

Mas, por vezes, a memória, vá-se lá saber porquê, age como um realizador de cinema; vai ao que está guardado, desarruma, desordena, corta aqui, acrescenta acolá, faz alinhamentos que não existiam, produz o que podemos chamar um filme. O resultado final dessa actividade, o que mais tarde vem à flor dos nossos dias, não sendo uma mentira perversa, também já não é a verdade que possa ser jurada colocando a mão sobre a Bíblia.

Com este preâmbulo, pretendo resguardar-me de algum deslize ou imprecisão que possa cometer ao trazer, à luz da actualidade, recordações de factos, de que fui testemunha, ocorridos em Alcoutim ou observados a partir de Alcoutim, no ano de 1936, tinha eu sete anos de idade.

Feita a prevenção, passemos aos factos, tal como os recordo.



O QUE A CRIANÇA VIU

Na fresca margem do rio, que as pessoas procuravam nas noites de Verão, fugindo à incomodidade das suas pequenas casas sobreaquecidas, durante o dia, por um calor escaldante, eu pude assistir, sem então lhe compreender o seu verdadeiro significado, a um estranho e espectacular acontecimento. Do outro lado do rio, na vila de S. Lúcar, os sinos da Igreja rasgaram o silêncio da noite morna e calma, tocando a rebate, de forma aflitiva e continuada. Depois, mesmo junto à linha de água do rio, acenderam uma enorme fogueira que foi consumindo, ao longo de uma ou mais horas, tudo o que sobre ela um grupo de pessoas que continuamente lhe lançavam. A gritaria era enorme, fazendo-se ouvir no lado de cá, a despeito do persistente toque dos sinos.


[Igreja paroquial de Sanlúcar. Foto JV. 2009]

Alcoutim, em peso, estava junto ao rio, vendo e comentando o que via. Assim, fiquei sabendo que os comunistas e os anarquistas tinham assaltado a Igreja, roubado os santos e os paramentos e, com eles, estavam a alimentar aquela medonha fogueira. Diziam alguns que tinha começado a guerra civil em Espanha; que não, diziam outros, que assaltos a Igrejas e Conventos já tinham acontecido noutras terras e nem por isso a guerra tinha eclodido. O certo é que, naquela noite, a violência não foi mais além. Foi depois. E nós, os que jogávamos berlinde no terreiro, à beira do rio, fomos os primeiros a dar por isso. A terra tremia sob as nossas mãos. Uns dias depois, aos tremores da terra, veio juntar-se o troar dos canhões, longínquo, assustador. Depois, cessaram os tremores de terra, deixámos de ouvir o troar dos canhões. Alcoutim, voltou à sua vida de todos os dias, à sua modorra. Que não demorou muito. Talvez uns dias; porventura, umas semanas. Apenas me lembro de que, um dia, fomos novamente despertos pelo repicar vivo e continuado dos sinos da Igreja de S. Lúcar e pela vozearia de centenas de pessoas que corriam, convergindo, aparentemente, para um determinado ponto da vila espanhola. Lembro-me de ouvir gente nossa a dizer que os franquistas tinham chegado e ocupado S. Lúcar, sem combate, pacificamente. Porém, do que se passou nos dias seguintes, retenho na memória a caça que era feita pelas nossas autoridades, auxiliadas por um civil, um zé ninguém, cujo nome ainda não esqueci, aos espanhóis que, de barco ou a nado, procuravam alcançar a nossa margem, fugindo à sanha vingativa e assassina dos franquistas.



[Sanlúcar, local junto ao barranco onde foram queimados os santos. Foto JV, 2009]

Lembro, ainda, porque o conheci, D. Sebastian, o barqueiro que fazia a ligação de S. Lúcar a Alcoutim, a quem o meu Pai, um dia, perguntou:

“D. Sebastian, de que lado está?”
“De que lado hei-de estar, senhor? “Eu sou pobre!”, respondeu.

Soubemos, depois, que tinha sido fuzilado, juntamente com os seus filhos mais velhos. O que. Aliás, aconteceu a todos quantos tinham participado ou apoiado o assalto à Igreja e à queima dos santos e dos paramentos, ou que, sendo socialistas, comunistas ou anarquistas, manifestaram publicamente a sua solidariedade ao governo da Frente Popular.

Lembro, sobretudo, o silêncio e a expectativa com que ouvíamos o arrastado e trágico dobre a finados dos sinos da Igreja de S. Lúcar, tentando sobrepor-se às descargas dos pelotões de fuzilamento.

Lembro-me, também, de ter visto chegar, algum tempo depois, ao cais de Alcoutim, vindo de S. Lúcar, uma lancha da Guarda Civil, transportando um pequeno grupo de militares. Vestiam farda verde escuro que parecia acabada de estrear. E não esqueci sequer, o característico bivaque, donde pendia um berloque ou borla que lhe dava uma certa graça. Não me lembro de ter visto muita gente de Alcoutim no cais, a recebê-los. Para além de alguns elementos da Guarda Fiscal, haveria uma dúzia de pessoas, incluindo a pequenada que, como eu e àquela hora, andavam brincando à beira rio.


[Sanlúcar, local onde se situa o cemitério. Foto JV, 2009]

Para ajudar a que tudo isto me tivesse ficado gravado na memória, aconteceu que, depois de darem uma volta pela vila, um dos militares ter pedido a um dos acompanhantes que lhe indicasse a casa onde morava o sr. Temudo. Eu ouvi a conversa e, cheio de medo, de imediato corri para casa para avisar os meus Pais sobre o que tinha ouvido.

E foi com algum alívio, que vi, momentos depois, quando eles chegaram a minha casa, os meus Pais cumprimentarem com muita simpatia um dos militares que, fiquei a saber depois, conheciam de Vila Real de Santo António, onde ele servira, durante alguns anos, na mercearia onde nos abastecíamos. O rapaz não tinha esquecido que os meus Pais tinham vindo para Alcoutim e, uma vez do lado de cá, não quis perder a oportunidade de os ver e de os cumprimentar. Há, porém, uma pergunta que a mim mesmo faço, sem encontrar resposta que me satisfaça: como se explica, numa altura em que a fronteira estava, obviamente encerrada, a vinda de um, ainda que pequeno, grupo de militares espanhóis a Alcoutim? Terão ido agradecer o “prestimoso” serviço de caça aos que, de barco ou a nado, tentavam escapar à “justiça” dos vencedores, aos pelotões de fuzilamento? Cruenta “justiça”, essa, de olho por olho, dente por dente, praticada, aliás, por ambos os lados dessa guerra fratricida!

Lembro-me, por fim, de um pequeno mas interessante facto, que me parece digno de ser contado. A vila de Alcoutim tinha Igreja, mas não tinha padre. Esta carência, ao que julgo, dever-se-ia à falta de recursos da paróquia para o seu sustento. Quando nascia, se casava ou morria alguém, chamava-se o cura de S. Lúcar para vir celebrar as habituais cerimónias. Isto satisfazia as necessidades religiosas que mais preocupavam os crentes e, diga-se sem cinismo, ficava muito mais em conta! Mas esta situação, beneficiou de um breve intervalo. Fugido aos azares da guerra e às graves implicações das opções político-partidárias e religiosas de cada um, veio parar a Alcoutim um cura espanhol, um “fraca roupa”, muito velhinho, muito debilitado, mas, também, muito simpático e bondoso. Instalaram-no numa pequenina casa, muito pobre, perto do rio, para lá do Quartel da Guarda Fiscal. Nós, a garotada, visitávamo-lo com alguma frequência, menos para o ver a ele, do que para admirarmos um casal de rolinhas mansas que ele trouxera consigo, numa gaiola. Para trás, deixou tudo, menos as suas doces rolinhas!

Permaneceu pouco tempo em Alcoutim. O vento que o trouxe, o levou, também.

Este é o testemunho prestado setenta e três anos depois da ocorrência dos factos que relatei, sujeito, por isso, a todos os percalços que referi na “Advertência”.

Vila do Conde, 16 de Agosto de 2009.


Pequena nota

Se as três colaborações anteriores deste nosso Amigo e Colega de profissão estão muito ligadas a Alcoutim, esta então bate em cheio. Tudo se passa à volta da pequena vila raiana e naturalmente da sua irmã siamesa.

Setenta e três anos depois manter tudo isto bem arrumado na memória, não é para todas as pessoas. Registar tudo isto aos 7 anos! A mim, impressiona-me.

Quando isto se passou, eu ainda não era nascido. Trinta e um anos depois a vida profissional levou-me a Alcoutim. Nesta altura estes factos ainda estavam bem enraizados na memória dos alcoutenejos que a eles assistiram. Devido ao interesse que sempre tive por estes assuntos fui tendo conhecimento praticamente de todos, excepto do cura com as suas rolinhas que neste relato nos traz a indispensável pitada de doçura.

Apercebi-me facilmente que só obtinha relatos mais abertos quando tinha um só interlocutor e ainda que no fundo “encontrássemos “ a posição política do narrador, ele naturalmente tentava encobri-la como autodefesa. “Estávamos na “democracia-salazarista” e até aqui havia gente a trabalhar directa e indirectamente para o regime político vigente.

Não digo antes, mas depois do 25 de Abril nunca encontrei nada escrito sobre este assunto.

Nunca ninguém vê as coisas da mesma maneira, mas este precioso relato irá mostrar aos jovens alcoutenejos de hoje que tenham interesse por estes assuntos, o que se passou em Alcoutim neste períodos tão difícil da vizinha Sanlúcar.

Este relato, tenho a certeza, já não se vai perder. Ficará a fazer parte da história recente de Alcoutim.


Direi ao José Temudo, pois penso que não o saberá, que pelo menos enquanto estive em Alcoutim, na Festa em Honra da Padroeira de Sanlúcar, Sta. Virgem de la Rábida, quando a procissão passava no local onde foram queimados os santos, parava, virando-se as imagens para o barranco, relembrando o acontecimento.

Apraz-me referir que este texto foi escrito propositadamente para o ALCOUTIM LIVRE
o que muito me sensibilizou e agradeço.

O seu contributo é e será importante para Alcoutim.

Um grande abraço do

JV

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Etnografia Portuguesa (Vol. VI)



ETNOGRAFIA PORTUGUESA, Tentame de sistematização pelo Dr. J. Leite de Vasconcellos, Vol. VI, organizado por M. Viegas Guerreiro com a colaboração de Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, é da responsabilidade da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1983, onde o adquiri em 1990.

Este volume tem várias referências a Alcoutim, como iremos indicar:

Pág. 112 – tambolarões (pesos dos teares),
Pág. 283 – malhão (maroiço de pedras, que se faz num cerro para se estar à sombra, no Verão),
Pág. 296 – noiva (boneca da chaminé ou frade do lar);
Pág. 299 – forno (cúpula de tijolos e pedaços de telha, base de pedra; na parte superior, um pote antigo),
Pág. 336 – dobrez da roupa (mantas e lençóis dobrados e em pilha), machucador (para pisar o alho), colherão (colher de pau de cabo comprido), palheto (para mexer a comida na panela) e
Pág. 579 – pensamento (brincos – argolas de certo feitio).

De formato 21X28,5 cm é constituído por 773 páginas.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Arroja cus



A Câmara Escura de hoje é uma foto recentíssima.

Como todos sabemos, as zonas rústicas também têm nomes para poderem ser identificadas, tal como acontece com as urbanas. Era este um dos meios utilizados para a sua identificação nas antigas matrizes prediais, grandes calhamaços descritivos, muitos deles quase desfeitos pelo seu constante manuseamento.

Estes topónimos rústicos têm várias origens, algumas semelhantes à dos urbanos mas os ligados aos reinos vegetal e animal, tal como os de caracterização geográfica, são preponderantes.

O caso que apresentamos é bem diferente.

É topónimo antigo ainda que não conheçamos quando teria aparecido.

Conhecêmo-lo antes de termos percorrido a zona e sempre nos interrogámos quanto à sua origem.

Localmente, nem “estórias” há para contar. Ninguém se lembrava de ter um nome diferente, mas ninguém sabia dizer porque o tinha.

Pouco depois de conhecermos razoavelmente a zona, que se situa nas redondezas do “monte” de Afonso Vicente, encontrámos algo que pode justificar a presença do topónimo:- uma grande pedra, (grauvaque) “nascidia” como aqui designam as que “nasceram”no local e que possui uma considerável inclinação, como a fotografia acima mostra.

Teria servido em tempos para alguém por ela escorregar? É que nesta altura não havia “fabricados”, e não podia haver, os escorregas que as nossas crianças têm nos parques infantis.

Quando fui para a escola primária, o seu acesso fazia-se por uma escadaria que possuía lateralmente um muro de cada lado, inclinado, coberto por larga cantaria. Escorreguei por ele muitas vezes e era uma luta entre a pequenada para conquistar um lugar para o fazer. Nesse tempo, já existia na minha cidade um parque infantil, com baloiços e escorrega, mas para o utilizar era necessário pagar, pelo que se estivessem a dele usufruir cinco crianças, estavam a assistir duas ou três vezes mais!

Também sabemos que escorregar por uma pedra é uma reminiscência de um antigo culto gálico.

Estará aqui a razão do topónimo?

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Tachos de arame



Na rubrica Etnografia apresentamos hoje mais uma peça, neste caso várias de tamanhos diversos e que são hoje praticamente peças de museu.

Estes tachos sem tampa eram designados antigamente por tachos de arame, pois eram feitos de ligas metálicas à base de cobre. A estas ligas hoje é comum chamarem-lhe latão ou bronze.

Eram muito frequentes no Alentejo, acabando por se estender às zonas circunvizinhas como é o caso da Serra Algarvia e concelho de Alcoutim.

Com formato em tronco de cone invertido, possuíam duas asas arqueadas e robustas e havia-os dos mais pequenos aos maiores.

Muito areados por dentro, o seu brilho chamava a atenção e constituíam peças de referência nas casas mais abastadas.

Os de menores dimensões destinavam-se principalmente à confecção das tradicionais papas, principalmente de milho, feitas e acompanhadas de diferentes maneiras. Os exemplares maiores, entre outras funções, tinham por fim “fazer” o azeite, ou seja fervê-lo, para lhe dar um paladar mais adequado.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A Capela de Santa Marta (a velha) e o "monte" do mesmo nome, na freguesia de Alcoutim

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 26 DE ABRIL DE 1990)



O “monte” de Santa Marta situa-se na parte norte da freguesia de Alcoutim.

Para o homem do nordeste algarvio, “monte” não significa o mesmo que no Alentejo.

Aqui, é sinónimo de povoação, lugar, lugarejo. Para o alcoutenejo, aldeia, destina-se exclusivamente a povoações sede de freguesia, com excepção da vila, como é óbvio.

De resto, tudo são “montes” ou “montinhos” e nalguns casos faz parte do próprio topónimo.

Lembramo-nos de certo dia ouvir a um balurquense, muito satisfeito, dizer que o seu monte já tinha sido elevado a aldeia, pois era assim que no jornal que tinha lido, lhe chamavam.

Mas é muito possível que, em tempos recuados o significado fosse o mesmo, uma vez que o concelho era constituído fundamentalmente por herdades, grande parte do Senhor de Alcoutim, o fidalgo João Freire de Andrade; mais tarde dos Condes, pelo casamento da filha deste com o primogénito do Marquês de Vila Real e depois, por confiscação, da Casa do Infantado e com o liberalismo, vendidas à burguesia local.

Ee abono deste ponto de vista, temos os “montes” da Palmeira, Zorrinhos, Castelhanos e Soudes, onde em todos existiram herdades com esses nomes que pertenceram aos Condes de Alcoutim. Pela mesma ordem de ideias, talvez a herdade do Vascão, que pertenceu à Capela de Nª Sª da Conceição, tivesse dado origem ao “monte” do mesmo nome, ainda que primitivamente fosse designado por Fonte Almece. Também nos parece estar relacionado com a herdade dos Coitos, que foi património municipal, o topónimo Coito, na freguesia do Pereiro.

Notam-se também alguns topónimos provenientes de antropónimos, o que dá ideia de abastados senhores possuidores de vastos domínios. Poderá estar neste, entre outros, Afonso Vicente.

Talvez esteja aqui a razão pela qual os alcoutinenses chamam “montes” às suas povoações.

É evidente que nem todos os montes teriam essa origem, como será o caso de Santa Marta, que foi buscar o nome (o que é vulgar no nosso País), à Santa da devoção das suas gentes e a quem ergueram uma ermidinha. Quando escrevemos alguma coisa sobre ela, não pensávamos que fosse tão antiga. Graças ao valioso trabalho do Dr. Hugo Cavaco (1), ficámos a saber que em 1566 já era uma “hermida … muito antiga” e a descrição feita nessa altura, identifica-se bastante com as ruínas ainda existentes.

A porta é que parece ter sofrido várias transformações e nessa altura, descreve-se como ”d`alvenaria redondo fechado com suas portas”.

De duas águas, encaniçada, paredes de pedra e barro. Altar de alvenaria e nele encontrava-se a imagem da padroeira, considerada muito velha. De tal maneira que é proposta a sua substituição nos seguintes termos: “que … fação outra imagem nova porque a que hora tem não he como deve ser”.

Certamente que não é esta a imagem que chegou aos nossos dias, pois o Dr. Francisco Lameira (2) refere-a em razoável estado de conservação, considerando-a como exemplar de boa qualidade, imagem pintada, dourada e estofada, datando-a do século XVIII.

Depois da tentativa de roubo, lá pelos meados da década de setenta, dos nossos dias, foi recolhida na Escola Primária.

Talvez por esta ter ficado devoluta, passou para o salão de convívio.

Festejada a 29 de Julho com missa solene, procissão e arraial, tudo acabou na década de trinta. Depois, foram as divergências para o seu restauro, acabando por vencer a opinião que defendia a construção de uma nova capela.


Em 1985 é noticiada a concessão à Diocese do Algarve, pela Câmara Municipal, de 480 metro de terreno para o efeito (3) e em 1986 já a avistámos de pé, mas pensamos que ainda está distante a sua conclusão.

Os santa-martenses reagiram de uma maneira diferente dos seus vizinhos de Clarines, que tiraram das ruínas a sua velhinha capela.


Santa Marta, irmã de Maria e de Lázaro. Uma antiga tradição diz que ela foi morrer na Provença (França). Curiosamente, perto da povoação de Santa Marta existiu uma herdade denominada das Provenças, zona rústica ainda hoje assim conhecida. Haverá alguma relação entre uma coisa e outra? Pensamos que sim.

A povoação e em relação aos montes vizinhos, ainda está consideravelmente habitada.

Teve sempre uma vida muito ligada a “Os Coutos” ou “Coitos do Concelho”, mais tarde designada por “Herdade dos Coitos”.

Terrenos tornados imunes por uma carta (de couto), implicavam, como privilégio mais importante, a proibição à entrada de funcionários régios. Este privilégio foi abolido na última década do século XVIII.

Em 1837 a Rainha D. Maria II, por despacho de 23 de Setembro, comunica à Junta de Paróquia do Santíssimo Salvador de Alcoutim que não lhe pode entregar os terrenos denominados - Os Coutos - , por carecer de autoridade para fazer doações de bens pertencentes a outras corporações.

Dois dias depois, a vereação municipal debruça-se sobre a propriedade que o concelho possui entre os montes de Santa Marta e do Coito, chamada os “Coitos do Concelho”, concluindo que havia de produzir mais rendimento, sendo aforada, do que andando de ração. Acordaram que a Câmara fosse em vistoria com a assistência de dois lavradores conhecedores daqueles terrenos, a fim de os demarcar e dividir em duas ou mais sortes, para assim serem aforados a quem por eles mais desse.

No dia seguinte, os membros da Câmara reuniram-se com o lavrador do monte do Coito, Joaquim Costa, tendo faltado, com legítimo impedimento, o outro lavrador designado, Lourenço Dias, do Cerro da Vinha.

Foram feitas duas “sortes” ou “quinhões”, a do Norte, pegado ao Coito e a do Sul, a Santa Marta.

Fez-se público em todo o concelho esta divisão e pelo espaço de trinta dias a contar de 1 de Outubro recebiam-se os lanços para no fim serem os quinhões aforados a quem mais oferecesse. O preço de abertura foi fixado em 12 mil réis.

Sá passados seis anos (19.06.1843) se volta a falar dos "Coitos" nas sessões municipais. A situação financeira do município é considerada grave, só de Terças devem ao estado 365$275, que têm de pagar imediatamente por haver já ordem para a citação.

Para resolver a situação alvitra-se propor superiormente a devida autorização para a venda dos foros e dos coitos do concelho.

Se assim não for, terão de o ser na mesma pelo poder judicial, para pagamento daquela dívida (Terças).

Este problema, se foi resolvido, foi-o em parte, conseguindo-se o seu adiantamento já que em 14 de Março de 1850 se volta a falar na dívida das Terças e outra.

E o curador Geral dos Órfãos neste julgado, António Pedro Teixeira (4), que em reunião camarária informa haver recebido ordem determinante para fazer entrar no Cofre dos Órfãos, todas as dívidas activas do mesmo cofre e que entre elas figura uma não pequena contraída pela Câmara, há trinta e tantos anos para o fim de satisfazer as Terças, a qual presentemente ainda monta para mais de trezentos mil réis. Pede por isso que a dívida seja satisfeita, pois se o não for, vê-se obrigado a executar a Câmara e proceder à penhora dos bens e rendimentos do concelho.

Preocupa-se o Presidente e propõe que o assunto decorra com o menor vexame para a câmara e habitantes do concelho.

Para resolver a situação foi deliberado pedir autorização ao Conselho do Distrito para a venda ou remição dos pequenos foros e venda de parte da Herdade dos Coitos (5), isto é, os terrenos que presentemente constituem os ferragiais do Coito e Santa Marta.

Em 1854, sessão de 24 de Maio, voltam os Coitos do Concelho a ser motivo importante pelo pouco rendimento que dão à Câmara. Nova proposta é apresentada e aprovada: dividi-la em pequenas courelas e ferragiais junto dos montes. Para proceder à divisão em courelas, foram nomeados Manuel Bartolomeu, de Afonso Vicente, Manuel Vilão, do Coito e Manuel Afonso Corvo, de Santa Marta.

Em 20 de Agosto a Câmara foi em “comissão” ao Coito proceder à divisão de demarcação dos ferragiais para serem arrendados. As coisas não deviam ter decorrido com muito sossego já que o Administrador do Concelho mandou levantar auto sobre os acontecimentos que tiveram lugar no monte do Coito, onde aquele povo reunido com o de Santa Marta cometeu o excesso, segundo a Câmara, de arrancar os marcos que esta tinha mandado colocar.

A Câmara agradece ao Administrador as providências que tomou para conhecer quem foram os principais membros da assuada que lhe foi feita.

Durante anos, foi posta a arrematação “as rações dos coitos do concelho” que acabou por ficar devoluta durante quatro anos” sem haver quem nella queira lavourar depois que a Câmara decidiu não dar terra de renda”.

Esta decisão municipal encontrou grande oposição por parte do povo de Santa Marta e do Coito, montes que viviam muito na sua dependência.

A Edilidade acabou por decidir o arrendamento pelo prazo de seis anos, o que foi arrematado por José António de Santa Marta, pela quantia de 40$000 réis anuais, sendo o primeiro pagamento feito por Santa Maria de Agosto de 1859.

Esta situação de arrendamento e à mesma pessoa mantém-se até 1873.



Na sessão municipal de 4 de Novembro de 1860, o presidente da Câmara, Augusto Carlos Pinto, comentou “a estreiteza e acanhamento do espaço que ocupão os Paços do Município, tornando-os insuficientes para o fim a que são destinados”. Acontece que a Câmara é obrigada a fornecer instalações para as audiências judiciais, Administração do Concelho e, agora, também para a Repartição de Fazenda, o que já foi solicitado pelo respectivo escrivão. E continua o Presidente da Câmara: “He de todos sabido que não há casas que possam destinar-se para tais funções e mesmo se as houvesse, a Câmara teria de pagar de aluguel acima de trinta mil réis anuais”.

Sabe-se que a Herdade dos Coitos, propriedade do município, está rendendo 40$000 réis, quando o seu valor intrínseco excede seguramente a 1 800$000 réis.
Se esta propriedade fosse vendida teria a Câmara 1000$000 réis para fazer um prédio com as acomodações necessárias para as repartições públicas no Largo da Praça Nova e lhe ficava ainda 800$000 réis para empregar em inscrições de juros a 3%ao ano.

Além disso ficavam-lhe os actuais Paços do Concelho que poderiam alugar-se”.

Encontrando-se presente o Administrador do Concelho, Paulo José Lopes, foi a proposta posta à discussão sendo aprovada por unanimidade, pedindo-se a “Sua Magestade” autorização para a venda da herdade e a possibilidade de aplicar a quantia que for necessária para execução daquele plano. Foi pedida também autorização para a venda do edifício onde estavam funcionando os serviços municipais e de cadeia se no novo houvesse lugar a essas dependências.

A herdade veio a ser efectivamente vendida, penso que a quem a trazia de renda, pois na sessão de 15 de Novembro de 1873 são apresentados cinco títulos de inscrição de dívida interna fundada, no valor de dois contos duzentos e cinquenta mil réis, provenientes da troca da venda da Herdade dos Coitos.

A título de curiosidade dizemos que em 1845 havia no monte de Santa Marta uma ama de leite e em 1877 faz-se apreensão de tabaco de contrabando a um indivíduo aqui residente que é enviado sob prisão para Tavira.

A construção da E.N. 122, cujas principais obras de arte ainda estavam por concluir em 1940 (6), passou mesmo ao lado de Santa Marta, o que foi um benefício considerável pelas facilidades de comunicação que adquiriu.

Em 18 de Janeiro de 1917 é pedida a criação de uma escola móvel neste monte, a que se juntariam as gentes de Afonso Vicente e do Coito. Por despacho publicado no Diário do Governo de 29 de Março, daquele ano, é efectivamente criada tal escola que funcionou em casa de Joaquim Celorico Palma, que oferecia igualmente a iluminação para a mesma e residência para o professor.

Em 28 de Fevereiro de 1935 o Presidente da Câmara informa que entre outros, foi criado um posto de ensino escolar em Santa Marta.

O edifício escolar que entretanto foi construído, encontra-se presentemente devoluto, por falta de alunos, como já se disse.

Desde 1984 que Santa Marta se pode orgulhar de possuir algo que, no concelho, só ali existe, um Atelier-Galeria que tem efectuado, além de exposições, sessões culturais destinadas a jovens (passagem de slides artísticos, música, iniciação à cerâmica artesanal, ecologia, jogos de computadores, etc.) tudo isto em plena serra algarvia.



Entre outros, já ali expuseram artistas como Kum Nam Baik, professor de arte na Universidade de Jung Kyun Kwan, da Coreia do Sul (1986), Lídia Soares Lopes, licenciada em artes plásticas (1988), Nicolau Saião (1988), Almeida e Sousa (1988) e Manuela Alegre (1989).

Aqui fica um pouco do passado e do presente do monte de Santa Marta, freguesia de Alcoutim.

NOTAS
(1)“Visitações” da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio, Ed. CMVRSA, 1987
(2)A Escultura de Madeira no Concelho de Alcoutim do séc. XVI ao séc. XIX (em colaboração com Manuel Rodrigues), Faro, 1985.
(3)Jornal do Algarve de 13.06.1985.
(4)Em 1842 era recebedor do Concelho e em 1855 um dos maiores contribuintes do concelho. Nasceu em Giões a 8 de Abril de 1816 e faleceu em Alcoutim no dia 11 de Novembro de 1857. Sepultado no cemitério da vila, constituindo a sepultura uma pequena obra de arte, a única do tipo existente.
(5)Acta da Sessão da Câmara de 14 de Março de 1850.
(6)O Século, nº extraordinário de 1940.