terça-feira, 29 de setembro de 2009

O teatro em Alcoutim

Nunca vi este assunto abordado de uma forma escrita, a não ser em duas pequenas referências e depois o que aqui escreveu o nosso colaborador, Eng. Gaspar Santos.
Verdade seja que apesar de já não funcionar há quatro ou cinco dezenas de anos, todos sabiam indicar onde tinha funcionado e até mostrar aquela pequena casa que ainda possuía o palco e a boca de cena.

Quem procurou recolher dados sobre o teatro que se fez em Alcoutim?

Deixámos partir as pessoas que conheciam as coisas e a recolha não foi feita!

Eu só conheço Alcoutim há 42 anos. Passaram várias gerações de alcoutenejos, muitos que adoraram a sua terra, mas ninguém, que eu saiba, teve o cuidado de recolher e escrever algo sobre o assunto.

Também eu o podia ter feito, ainda que na altura já não fossem muitas as pessoas que me pudessem dar informações sobre o assunto. Por outro lado, a recolha oral tem bastantes inconvenientes e eu tenho alguma experiência nisso tendo acabado por pôr de parte certas pessoas que pensava serem as melhores informadas. É muito fácil detectar quando se procura faltar à verdade, sabendo uma coisa e dizendo outra, aquela que pensam ser a melhor na circunstância, usando e abusando do poder da sua imaginação.

Ainda muito recentemente, quando foi destruído o palco do teatrinho, segundo me informaram, nem uma fotografia foi tirada e depois procuram fotografias antigas!

Lembrando um rifão muito popular e recolhido localmente por Leite de Vasconcelos:- A bota não dá com a perdigota.
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Depois deste pequeno intróito que não podia deixar de fazer, tentaremos ligar alguns dados que consegui reunir, são poucos e não são completamente seguros pois as memórias já vão falhando e a maior parte deles já são memórias de memórias.

Seguro é que muito antes de 1875, já tinha havido hum pequeno theatro o qual actualmente não funciona por estar abandonado. É esta a indicação que nos fornece o ofício nº 70, de 18 de Junho de 1875, do Administrador do Concelho. Onde se situava o teatro é que desconhecemos.

Outra pequena referência escrita que encontrámos, esta bem mais recente e do primeiro quartel do século passado, foi da existência, como casa de espectáculos, do Teatro Recreativo Alcoutinense e este sim, ainda hoje se pode localizar. A informação foi obtida num Anuário Comercial de que não posso precisar o ano, ainda que possua a competente folha.

Igualmente é seguro que esse pequeno edifício, situado na actual Rua D. Sancho II, pertenceu a Pedro José Rodrigues Teixeira Júnior que por testamento de 29 de Junho de 1937 o doou à Santa Casa da Misericórdia, na posse da qual ainda se encontra.

Esta Entidade, possivelmente por falta de uso, veio a arrendá-lo a Manuel Pinto, onde instalou a sua oficina de marceneiro/carpinteiro. Segundo Gaspar Santos, mesmo assim, por cedência deste artífice, ainda se realizaram algumas récitas.

O palco, por informações prestadas pelas filhas do Dr. José Pedro Cunha, foi por ele construído ou pelo menos debaixo da sua orientação, pois além de ser pessoa muito habilidosa, era um amante da arte de Talma, considerando várias informações recolhidas.

A família de Leonel Mariani Lorador constituía uma espécie de “companhia” que se deslocava periodicamente por várias terras do sul do país, levando a sua arte, devia ter sido a última utilizadora deste espaço.

Até aonde a informação nos chegou, o médico Dr. José Cunha foi o grande dinamizador do teatro local no primeiro quartel do século passado, ensaiando as peças que obtinha e dando-lhe a encenação que a sua fina sensibilidade motivava e o leque de “actores” permitia.

Constou-nos igualmente que ele próprio escrevia pequenas rábulas de sátira local. Segundo informação que D. Belmira Lopes, há anos falecida, nos prestou, destacava-se no elenco local a então jovem Francisca Madeira, hoje com quase 104 anos, D. Francisca Madeira Serafim.

“Sucede” ao Dr. Cunha o prof. Trindade e Lima, mais novo trinta e três anos e que desenvolve praticamente as mesmas acções.

As peças representadas e as músicas vinham de fora (Lisboa) e D. Cecília, em casa, interpretava-as ao piano, cantarolando-as.

A opereta “Leiteira de Entre Arroios”, inspirada num conto de Júlio Dinis, teria sido levada a palco tal como dois trechos musicais, a “serenata” e a “canção da cabreira”, interpretado um deles por Teresa Themudo.

A conhecida comédia ainda hoje representada com muito sucesso, “Onde está o gato?” também teve lugar neste teatrinho, encenada pelo prof. Trindade e Lima e representada por seu filho, Rui Trindade e por Helena Themudo, felizmente ainda entre nós.

No teatrinho, na década de trinta do século passado, teve lugar uma récita a favor da construção do Hospital, como está escrito nos aventais, o que aqui não se consegue ler pois optámos pela visibilidade do rosto das jovens que são da esquerda para a direita:- Teresa Themudo, Aurélia Martins e Aurora, prima da primeira.

Interpretavam uma canção, na altura muito em voga e de grande sucesso que tinha por título “Tricanas da Beira-Mar”ou “Tricanas de Aveiro”. A informadora ainda sabe a música recorda alguns versos mas não tem a certeza do título.

Os trajes foram confeccionados por D. Marina Themudo.

Numa “paródia carnavalesca”e para receber o novo tesoureiro da Fazenda Pública (o dia em que chegava um funcionário a esta vila era habitualmente um dia de festa!), entraram Helena Themudo (empregada de bebé ao colo), Teresa Themudo (novo tesoureiro) e Maria Augusta Caimoto (esposa do novo tesoureiro)

Na Feira de Artesanato de 1996 vi actuar um pequeno grupo de alcoutenejos que puseram em cena pequenos quadros de sentido mordaz e que pretendiam retratar a vida comercial da terra, sendo os textos de autoria de Alexandre d`O e a encenação do Dr. Francisco Morato, na altura professor na EBI local.

Aqui fica o que consegui reunir para compor este assunto, só possível com a preciosa colaboração da família Themudo, a quem deixo o meu agradecimento.

É pena que se perca a memória de coisas deste género, sobretudo pelo significado formativo do gosto e da sensibilidade, não são palavras minhas mas que para aqui transcrevo com a devida vénia pois concordo absolutamente com elas.