Alcoutim, antiga praça forte (1) e histórica vila, também conhecida e indicada por Alcoitim (2) e a que os romanos teriam chamado Alcoutinium (!) e os árabes chamaram Alcatiã (3), situa-se na margem direita do Guadiana, para ele debruçada, e no ponto de confluência deste rio com a ribeira de Cadavais, na encosta de um serro, onde principia a serra algarvia. Na frente, tendo só de permeio o rio fronteiriço, ergue-se a vizinha Sanlúcar do Guadiana, com altaneiro castelo, “ayuntamiento” espanhol onde impera a brancura das casas, facto que lhe tem merecido alguns prémios, de que os habitantes muito se orgulham.
A primeira descrição que conhecemos é a que nos dá o cronista João Cascão, em 1573, quando acompanhou D. Sebastião numa visita ao Algarve:-Alcoutim é de 250 vizinhos, tem defronte hum lugar de Castela, a que chamam S. Lucar e também de 250 vizinhos e toda a mais gente que nelle vive são Portugueses homiziados e não há mais distância de hum lugar a outro, que a largura do Rio.
Na Corografia do Reino do Algarve ( 1577 ), Frei João de S. José, descreve-a assim: ... é ua vila situada na ribeira de Guadiana, seis léguas da barra, pelo rio acima, pera o norte. É pequena na povoação, mas fresca no sítio, porque goza do mesmo rio que lhe bate nas portas e de muito arvoredo e fruta de que as ourelas deste rio estão acompanhadas assim da banda de Portugal como de Castela, com que faz sua navegação não pouco deleitosa, em especial nos meses de Verão e Primavera.
Henrique Fernandes Sarrão, na História do Reino do Algarve (1607), refere:- A vila de Alcoutim está à borda do rio Guadiana, na parte do ocidente, seis léguas da vila de Castro Marim. É de duzentos vizinhos e a derradeira do reino do Algarve de ocidente a oriente... .
O eng. italiano Alexandre Massaii, em 1621, vê-a assim: A sobreditta Villa esta no Rio de guadiana E dista sinco Legoas da Vª de Mertolla, E por esta p.te do leste E o prim.ro lugar do Rei/no do Algarve, he Vª pequena e acastellada ao longuo do Rio e frontrade São lucar de guadiana q he Vª de andaluzia do Reino de Castela (...) (4)
Os espanhóis, em manuscrito citado por J. Veríssimo Serrão, in Uma Estimativa da População Portuguesa em 1640, escrevem: - Cinco leguas de Tavira, en el Algarve, y de su Commarca, se ve la villa de Alcoytin, en un collado cerca del rio Guadiana con una fortaleza, 200 vezinos y una Parroquia Yes cabeça de Condado.
Padre Carvalho (1712), descreveu-a assim: - Cinco légoas da Vila de Castro Marim para o Norte, de fronte da vila de São Lucas, em Andaluzia, junto do Guadiana, em sítio alto, está fundada a vila de Alcoutim, cercada de bons muros, com forte castelo... .
Silva Lopes (1841), anota que está assentada em um cerro que desce para o Guadiana, o qual neste sítio de fronte de S. Lucar, tem 215 varas de largo. Todas as casas são em declive, muito quentes no verão.
O francês Charles Bonnet, na Memória sobre o Reino do Algarve (1850), escreveu: Esta vila que é sede de concelho, está construída em anffiteatro junto ao desfiladeiro em que corre o rio Guadiana. Encontra-se, em parte, cercada por velhas e fracas muralhas que remontam ao tempo dos Mouros, o mesmo acontecendo ao seu forte castelo que está a cair em ruínas, apresentando um aspecto triste. Os seus arrabaldes são pouco férteis, à excepção dos barrancos das margens do rio e do vasto planalto que se estende mais a Oeste.
Ferreira Moitinho (1890), dedica-lhe as seguintes palavras:... a alpestre villa de Alcoutim - situada à margem direita do Guadiana, em frente à villa hespanhola de San Lucar, d’onde as tricanas andaluzas segredam amores aos pegureiros portugueses...
Em Alcoutim, velha praça de armas, principia a serra de Monchique, de cujo cimo a contemplamos... . Foi outrora boa e segura fortaleza que continha em respeito a truculência dos nossos vizinhos, truculência que o decorrer dos anos foi convertida num caudal de promíscuos affectos das paixões - o que leva a crer que, de futuro, os explodimentos entre os dois povos não demandarão d’outra metralha que não seja o doce amplexo da mais cordial sympathia trocada de margem para margem, de coração para coração. Antes assim... (5)
Depois desta referência de sabor sentimental, aliás justíssima, passamos à que nos oferece Leite de Vasconcelos, que teve aqui amigos que visitava com frequência. Pelas nove horas passámos (descendo o Guadiana) entre S. Lucas (Andaluzia) e Alcoutim (Algarve), duas povoações pitorescas, que se saúdam entre si, cada uma com o seu castelo em ruínas, prova da antiga amizade e mútua confiança... (6)
Pela mesma altura, Raul Proença (7), tal como Leite de Vasconcelos, descendo o rio, descreve (...) É um cone formidável que se destaca dos outros montes; é Alcoutim num fundo risonho de amendoeiras, com S. Lucar do Guadiana na margem oposta; é sobretudo a vida maravilhosa das águas, que se embebe de todos os tons de azul dos montes, e que estremece, reluz e se modifica a todos os momentos, com uma sensibilidade extraordinária.
Chegámos à altura própria para deixar falar a sensibilidade de um alcoutinense - Luís Cunha:
Com o seu casario em presépio, meio derruído pelo tempo, Alcoutim assenta em pequeno morro alcantilado de rocha de xisto à beira do Guadiana no preciso lugar onde a navegação à vela - fenícia, grega ou cartaginesa - condicionada pelo regime fluvial e dos ventos, fazia ponto (paragem forçada de seis horas aguardando o virar da maré). (8)
Noutra oportunidade, expressa-se da seguinte maneira: Esta encantadora vila à beira do rio Guadiana, alcandorada num pequeno morro alcantilado, está limitada, por todos os lados, por barreiras naturais que rigidamente lhe cortam a possibilidade de expansão. Ao situá-la a meio do maior troço de recta entre Vila Real de Santo António e Mértola, onde a navegação à vela compelida a aguardar o virar da maré, os seus fundadores procuraram simultaneamente, garantir à navegação, o necessário apoio durante a imobilidade e subtraí-lo às surpresas das curvas. Ponto de apoio ou base de assalto, feitoria e, depois armazém de mercadorias em trânsito, bastavam-lhe as limitadas proporções que o pequeno morro rochoso oferecia.
Tal condicionalismo determinou o denso aglomerado do casario em volta do velho castelo e um arranjo original e pitoresco de acomodação do interior da habitação, em patamar, com degraus a dar comunicação entre as divisões da casa, degraus às vezes lavrados na própria rocha.
Um cerro de enorme declive barra por dois lados o alargamento da vila e, dos outros dois, o Guadiana e a ribeira de Cadavais completam o cerco. (9)
Agora, uma pequena mas muito significativa descrição de Helder Pinho: - Debruçada sobre o Guadiana, tal qual a sua vizinha Sanlucar, na margem espanhola do rio. A vila é linda na sua simplicidade. Alcoutim com as suas ruelas floridas e o pequeno porto fluvial, é um local ideal para repouso. (10)
É de José Manuel Fernandes, jornalista e escritor, a última referência, quase dos nossos dias (1985): - A vila muito pobre, vale sobretudo pelo rio. Quanto à serra que a rodeia, deserta e inóspita, com a rocha nua à vista e a esteva por todo o lado, é o testemunho vivo de como uma impensada “campanha de trigo” pode destruir, em pouco tempo, os solos já pobres de que todo um concelho se alimentava. (11)
Numa redução topográfica do original existente na Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos e Topográficos e que se encontrava no átrio da Biblioteca Municipal de Faro, consta: - He uma piquena e irregular Praça fronteira a Sanlucar e de pouca consideração. Necessita de algumas reformações.
Em tempos recuados, foi entreposto de comércio fluvial de relativo interesse. A localização (ponto de maré) foi de capital importância para esse facto. (12)
Dista 95 Km de Faro, 42 de Vila Real de Santo António, 40 de Mértola, 20 de Giões, 30 de Martim Longo, 15 de Pereiro e 37 de Vaqueiros, constituindo as quatro últimas as sedes das restantes freguesias que compõem o concelho de que é cabeça.
NOTA - Extraído de Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma monografia), 2ª Edição (em preparação)