segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Lutão, dois "montes" de topónimo confuso, freguesia de Martim Longo

Iniciemos pelo topónimo que se mostra muito confuso, começando logo pela grafia já que há quem o escreva com um U e quem o faça com um O. Escrevemos com um U porque foi assim que oficiosamente o vimos escrito. No Novo Dicionário Corográfico de Portugal, de A.C. Amaral Frazão - Porto - 1981, o topónimo está escrito com O. Em 1771, em livros da Câmara, escrevia-se com U.

Lutão de lutar ou de luto? Ou Lotão de loto, o mesmo que lódão, substantivo que tem a ver com a flora? Os antigos davam o nome de loto a diversas plantas e a uma delas, comestível, é dada como vulgar no Algarve.

Nas consultas que temos vindo a realizar ao logo dos anos, nunca encontrámos uma explicação para este topónimo.

Esta zona foi ocupada por romanos e árabes como provam alguns achados. Uma mina nas proximidades com vestígios de extracção que remota ao período romano.

Na “Cerca das Oliveiras” com vestígios muçulmanos passava um caminho com calçada medieval ou anterior. Num troço próximo do “monte” havia lajes de grandes dimensões, sendo muitas recolhidas pelo povo para utilizarem como soleiras nas portas das suas casas.

Esta zona estava sob o domínio do Castelo das Relíquias, situado a cerca de 5 km, próximo da ribeira do Vascão. (1)

Quem estiver na sede de freguesia, a aldeia de Martim Longo e o pretender encontrar, toma a estrada nº 124 e, poucos quilómetros andados, situa-se a indicação para voltar à esquerda encontrando estrada (Nº 1041) asfaltada que o levará ao monte de Baixo, onde se localiza, logo à entrada, a antiga escola, encerrada desde 1989 por falta de alunos. (2)

O Monte de Cima situa-se à esquerda, tomando um desvio antes de chegar ao Lutão de Baixo.


[Monte de Cima. Foto JV, 2009]

É curioso verificar que os dois núcleos populacionais possuem placas identificativas ainda que o seu estado já se encontre degradado.

Em 1839 contava vinte e um fogos. Estava ao nível dos Castelhanos com vinte e nove e do Laborato com vinte e oito. (3)

A nível populacional o número de moradores foi aumentando até 1960 e que era de 138 em 1911, cifrando-se em 1991 em 93, sendo apesar disso o quarto mais populoso da freguesia, nessa altura.

Em 1771 e 1774, Manuel Guerreiro, deste monte, fazia o seu manifesto de gados na Câmara, sendo no último registo de 38 reses, 100 ovelhas, 20 cabras, 21 borregos e 7 chibos. (4)


[Monte de Baixo. Foto JV, 2009]

A Junta de Paróquia fez saber à Câmara Municipal em 1846 (5) que a requerimento dos Povos havia formado dois coitos para pastarem somente reses e bestas, um nos restolhos próximos à aldeia e o outro junto do monte do Lutão. Pediam à Câmara a sua confirmação para que possa produzir os efeitos legais.

A Fábrica da Igreja do Pereiro possuía aqui terrenos de que pagava foro, em meados do séc, XVIII, (360 réis), Manuel Martins deste monte. (6)

As ruas foram alcatroadas em 1989. (7)

Existe um Clube de Caçadores.

O Lutão é terra de artesãos, encontrando-se cinco manifestados na Câmara Municipal. Fazem-se flores da folha seca de milho, chapéus de palha e várias miniaturas em madeira. (8)

Em 1992, a Barragem a efectuar no Barranco da Fonte encontrava-se numa fase de análise do respectivo estudo geológico e geotécnico.(9) As obras já estavam em andamento em 1993, calculando-se a sua capacidade em mais de 90.000 m3 o que permitiria abastecer de água as populações de Martim Longo, Lutão e Giões. (10)

Em 1996 foi inaugurado um pontão que era aspiração da população residente.(11)


[Interessantíssima casa de habitação no Monte de Cima. Foto JV, 2009]O

Lutão tem pelo menos uma oficina. Possui habitações modernas, algumas vivendas restando contudo outras ao gosto da região


Nota complementar

Um leitor do AL (A. Martins) ao ler este escrito teve a amabilidade de se nos dirigir nos seguintes termos:
(…)
 De facto, há um vocábulo latino, lutum, cujo significado é barro, lama, e de onde discorre o nosso luto, acção de se cobrir com terra (ou lama) como demonstração de desgosto pela morte de alguém. Daí a lutão, não é difícil, dada a natural evolução do vocábulo para o português a partir de uma das formas tomadas na declinação da palavra. Pode, portanto, estar-se ante a origem do actual topónimo, se (o que não sei se acontece) a região em que a povoação assenta tem características argilosas ou, pelo menos, nela existem ( ou existiram?) lameiros em quantidade que justificaria a designação do local. De qualquer modo, aqui fica uma achega, pois não sou linguista, apenas tendo algum interesse nestes (e outros) assuntos.

Acrescentamos nós que na zona de Martim Longo há terrenos argilosos que deram origem à olaria.

JV 

NOTAS
(1)- “O Algarve Oriental durante a ocupação islâmica”, Helena Catarino, in Revista do Arquivo Histórico Municipal de Loulé, nº 6 – 1997/98
(2) – Boletim Municipal, nº 4 de Abril de 1989, pág. 4.
(3) – Corografia do Algarve, Silva Lopes, 1841.
(4) - Manifeztoz e Arolam toz da Camera doz Gadoz , 1771
(5) - Acta da Sessão da C.M.A. de 1 de Junho de 1846.
(6) – A Freguesia do Pereiro (do concelho de Alcoutim) do passado ao presente, António Miguel Ascensão Nunes (José Varzeano), J.F. Pereiro, 2007, p.116
(7) – Boletim Municipal nº 5, Setembro de 1989, pág. 4.
(8) – Portugal Meridional, John e Magde Measures, 1995.
(9) - Boletim Municipal nº 10 de Abril/92, pág.3.
(10) - Boletim Municipal nº 12 de Abril/93.
(11) - Alcoutim - Revista Municipal nº 4 de Dezembro de 1996.