quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Os bailes em Alcoutim nos anos 40 e 50






Escreve
Gaspar Santos











[Mestre João Ricardo aos 80 anos]


Em Alcoutim tínhamos baile quase todos os fins de semana. Era uma festa com clarinete ou saxofone tocado por Mestre João Ricardo acompanhado em bateria pelo Lázaro Martins ou pelo Manuel “Arrana”. Quando o tempo o permitia bailávamos ao ar livre na esplanada do Cais. A Professora Teresa Rita Lopes nossa amiga e muito amiga de Alcoutim, que também aqui muito se divertiu, fala em lembrança emocionada destes bailes na crónica que escreveu para o Jornal do Baixo Guadiana, em Setembro 2009, nestes termos:





“ E os bailes no cais! / animados pelo clarinete do João Ricardo, o barbeiro, / ou tão só pelo canto das nossas gargantas”.

Como bom alcoutenejo não gostava de faltar aos bailes quer na vila quer nos montes. Os locais foram os mais variados Álamo, Laranjeiras, Guerreiros do Rio, Corte da Seda, Cruzamento de Alcoutim, Cortes Pereiras, Pereiro.

O primeiro baile a que assisti sem a tutela da família foi no Álamo, o último dos montes do rio, no Carnaval de l948. A casa ainda lá está: é a única neste monte do lado nascente da estrada e pertencia ao Senhor Madeira. Abrilhantou esse baile o “tocador” António Manuel acordeonista.

Curiosamente o meu último baile antes de deixar Alcoutim foi também no Carnaval mas de 1954 num antigo armazém na Rua do Município. Hoje está ali um bar. Continuei a frequentar esses bailes sempre que visitava ou fazia férias em Alcoutim.

Os bailes eram, também, abrilhantados por tocadores de acordeão do concelho, o António Manuel de Farelos, o Romão de Soudes, o Ildefonso de Balurcos, ou por músicos de fora nomeadamente o Felício, o José da Felicidade, o Bexiga, o José Ferreiro e outros. Não fosse o acordeão o instrumento por excelência da música e do folclore Algarvio. Outras vezes também com instrumentos de cordas (bandolim, banjo, guitarra e viola) de que eram executantes jovens como o Felício, o Fernando Martins, o Leopoldo, Primo do Antunes e o Manuel Serafim.

Ainda se recorreu a grafonolas e radiotelefonias, aliás sem grande êxito, dada a falta de volume de som que então estes aparelhos produziam.

Com muitos forasteiros e bem acompanhados musicalmente eram os bailes que se realizavam pelas Festas de Alcoutim.

Antes de 1948 na feira anual de Alcoutim, chegaram a realizar-se três bailes na vila com públicos distintos.


A partir de 1948 apesar destes bailes se terem mantido passou a realizar-se também um no Cais que era abrilhantado por um vocalista e uma orquestra com cerca de 7 ou 8 músicos. Poucos anos depois apenas se dançava neste baile.

Na feira de S. Marcos, no Pereiro, também havia baile no salão do comerciante Rosa com um ou dois acordeonistas acompanhados por um baterista.

[Mastro dos nossos dias. Foto JV, 2009]





Chegados os festejos dos santos populares, havia três ou mais bailes na vila em torno de mastros “vestidos” com alecrim, rosmaninho e murta, encimados por arcos de cana guarnecida com papel de seda às cores. Eram muitas vezes bailes de roda cantados e acompanhados por gaita-de-beiços ou instrumentos de cordas. Recordo esses mastros em frente da Casa dos Condes, na Rua da “Aparada”, junto à casa do Sr. Mário Vicente e no Largo na Rua D. Sancho II.

[Foi no quintal desta casa ou nas suas proximidades que se realizou o baile de 1940. Foto JV, 2009]
Também os meus pais fizeram um baile em torno de mastro, no início dos anos 40, no nosso quintal. Acompanhado por instrumentos de cordas dedilhados por jovens da vila. Foram muitos os convidados e dançou-se e petiscou-se muito pela noite dentro. Foi muito badalado.

Nós os rapazes saíamos de casa com 5 escudos pagávamos vinte e cinco tostões de entrada e ainda ficavam com dinheiro para uma bebida. As moças eram umas felizardas. Não pagavam para participar nos bailes. O único encargo que tinham era fazer algum arroz doce para se comer durante a festa, mas isso era tradição só nas Maias, bailes que ocorriam no dia 1º de Maio.

O Estado Novo que era muito tristão e tinha grandes preocupações com a segurança tornava teoricamente quase impossível a realização de um baile por exigir uma licença camarária e pagamento de assistência da GNR. Quando o baile era grande e explorado comercialmente era obrigatória a licença e a assistência da GNR.

Quando se tratava de pequeno baile organizado por jovens locais, bastava um compromisso com o cabo da GNR, que tinha a boa vontade de nos dispensar da licença com prévio conhecimento do Presidente da Câmara. O cabo da GNR confiava simplesmente nos jovens, ou mandava passar por lá a patrulha. Normalmente não havia qualquer rixa, devido aos nossos brandos costumes e à grande preocupação e atenção da comissão organizadora.

A gestão destes encargos exigia grande ginástica para os conter.

Tanto na Vila como nos montes, no verão ao ar livre ou em recinto coberto, nos bailes os rapazes trajavam informalmente umas calças e camisa lavadas. Mas se o baile era no Inverno em sala tanto os rapazes como as raparigas usavam um trajo mais cuidado.

As jovens, eventualmente acompanhadas das mães ocupavam cadeiras ou sentavam-se em banco corrido junto à parede. Quando a música começava, era engraçado de ver cada rapaz com o casaco (convenientemente abotoado ou a abotoar durante o trajecto), a dirigir-se à jovem com quem desejava dançar com as falas da praxe “ A menina dança?”

Nesses tempos predominava a música de origem espanhola ou da América Latina incluindo o Brasil e também a italiana. E por isso dançavam-se marchas, passo dobles, valsas e tangos. E como não podia deixar de acontecer no Algarve o corridinho que por cá é rei. Muito em voga a Cantiga da Rua, La raspa, La vaca lectera, etc.

Em geral músicas que os filmes em voga divulgavam.