quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Vaso de carena alta



Cerâmica do período Calcolítico final (último quartel do III milénio a.C. – 2250 / 2000 a.C.)

Mede de diâmetro 17 cm e tem de altura 12,8 cm.

É um recipiente liso recolhido na Anta do Malhão situada num cabeço a cerca de 1km do “monte” de Afonso Vicente.

Trata-se de forma que evoca recipientes do Bronze do Sudoeste, dos quais se admite ter sido o precursor.

Está exposta no Núcleo Arqueológico do Castelo de Alcoutim e inventariada com o nº 128.

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Cardoso, João Luís e Gradim, Alexandra, 2011. Dez anos de trabalhos arqueológicos em Alcoutim. Do neolítico ao Romano, C.M. de Alcoutim, Lisboa.

Gradim, Alexandra, 2011, Cardoso, João, Catarino, Helena, Guia do Núcleo Museológico de Arqueologia, C.M. de Alcoutim.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações, XLV



  
Escreve

Daniel Teixeira




AS DIFERENÇAS DA VIDA

Conforme tem sido notório aquilo que me tem interessado neste conjunto de crónicas e de uma forma geral noutros locais e formas onde intervenho, seja sobre a forma de crónica ou simples conversa, mesmo escrita que seja, o que me interessa, repito, é a história contada e feita pelas gentes.

A parte edificada, monumental, de arquivo secular, tem o seu interesse para buscar pontos de referência mas para mim o seu interesse remete-se a isso mesmo, à mera referência, ao apoio ou comparação através do escrito daquilo que é dito e sabendo-se que quem conta um conto acrescente um ponto, serve também para ajustar esses desvios quase naturais.

Cada pessoa tem (ou pode ter) a sua forma de ouvir e depois de contar e uma das minhas preocupações tem sido sempre analisar a divergência entre a «realidade» escrita e a realidade contada, tendo também presente que a realidade escrita contém já em si ou pode conter uma parte de imaginado ou de irrealidade.

Neste diferencial, entre aquilo que terá eventualmente acontecido e aquilo que é contado anos depois e por pessoas diferentes e que normalmente não é considerado científico, existe uma riqueza no imaginado ou na fidelidade que corresponde em grande parte ao desejado, ou seja, corresponde a uma posição ética sobre a realidade.

Eu explico melhor: a aceitação de uma história tal como ela aconteceu (ou terá acontecido) é sinónimo de aprovação dessa realidade, a desaprovação pelo menos parcial leva ao imaginado, à ficção.

Será sempre difícil, senão impossível, aquilatar da existência ou não desse diferencial memorial, do seu volume, das suas características, dos desvios mais prováveis, enfim, é «trabalhar» mesmo numa corda bamba, mas é um trabalho interessantíssimo que nos diz muito sobre a psicologia colectiva.

Aqui há semanas publicámos neste jornal um texto, com quadras, intitulado «Trêz Quadras Dedicadas ao Crime dos Gorjões de Santa Bárbara de Nexe» resultando de um folheto que tem o seu interesse analisar sumariamente aqui. O «ficheiro» que ficou e que deu origem às quadras, embora faça referência á reprovação geral pelo crime cometido sobre uma jovem recém casada pelo seu marido, encontra numa amiga da «desventurada» morta (assassinada) o seu maior desenvolvimento.

Seria de esperar que fossem os pais da rapariga os principais actores deste capítulo, mas existiu a necessidade da parte do guionista, de colocar uma mulher, a sua melhor amiga, neste papel. Porque não o pai? Como elemento protector deveria caber-lhe a ele ser o arauto dos clamores de vingança e inclusivamente de a praticar. Não lhe coube, contudo, esse papel porque cabia a Deus proceder a esse castigo.

Ora estas nuances (sem crimes à mistura, felizmente) encontram-se um pouco por toda a história verbalizada e mostram os diferentes graus de envolvimento ético nas sociedades.

Uma parte das histórias que tenho contado têm uma valência razoável de humor, que é uma forma interessante, a meu ver, de contar de forma favorável aquilo que algumas vezes pode ser reprovável nos nossos tempos. Contudo, ainda que atenuada pelo humor, a história está lá, todinha.

E vai continuar com mais alguma que me lembre no próximo «capítulo».

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Pequena análise sobre a rubrica "TEMPLOS"

Igreja Matriz do Pereiro. Foto JV, 2005

A rubrica possui dezanove entradas que comportam textos sobre todos os templos do concelho existentes ou desaparecidos, excepto os dois de mais recente construção, ou seja a Capela de Nª Sª de Fátima no monte do Pessegeueiro e a nova de Santa Marta no monte do mesmo nome.

Os templos religiosos são sempre edifícios a considerar por mais insignificantes que sejam, pela sua monumentalidade, localização, devoção do patrono e até pela sua simplicidade.

As visitas direccionadas até agora para estes textos, obedecem ao seguinte escalonamento:

IGREJA DO ESPÍRITO SANTO, MATRIZ DO PEREIRO


(2010.04.19)


570




A CAPELA DE SANTA JUSTA

(2010.06.06)

553




IGREJA DA MISERICÓRDIA
(2009.10.24)
301




A IGREJA DE Nª Sª DA CONCEIÇÃO, MATRIZ DE MARTIM LONGO


(2009.10.28)


188




CAPELA DE Nª Sª DA CONCEIÇÃO NA VILA DE ALCOUTIM

(2010.07.08)


183

Pelo quadro apresentado verifica-se que os templos mais procurados pelos nossos visitantes / leitores foram a distância considerável a Igreja Matriz do Pereiro (freguesia extinta recentemente) e a simples Capela de Santa Justa, na povoação do mesmo nome, freguesia de Martim Longo.

A Igreja da Misericórdia de Alcoutim, hoje transformada em capela mortuária e onde não existem instalações sanitárias, vale pelo seu passado que foi possível historiar.

A 4ª posição é ocupada pela Igreja Matriz de Martim Longo, talvez o mais antigo templo do concelho e que apesar das atrocidades de que tem sido vítima mantém elementos importantes de características arquitectónicas.

A 5ª e última posição é ocupada pela Capela de Nª Sª da Conceição, na Vila de Alcoutim que se admite tivesse sido a primeira matriz da Vila e é propriedade municipal deste tempos imemoriais como disseram os autarcas no século XIX.

A mensagem menos visitada, apenas 7 vezes, foi a Capela do Espírito Santo, hoje capela mortuária da aldeia de Martim Longo.

Como se pode deduzir pelos números apresentados, as razões da procura são muito diferenciadas.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Alcoutim, 1964 - 66


Pequena nota

Hoje é dia de festa para o ALCOUTIM LIVRE que se internacionaliza com a colaboração de um cidadão alemão que viveu em Alcoutim cerca de dois anos isto numa altura que em todo o concelho seria caso inédito, o que hoje não acontece.

Foi o estudo e a investigação que o levou a Alcoutim onde foi bem recebido e se enquadrou com facilidade como demonstram as palavras que escreveu para este espaço, o que muito nos honra.

Deixou por aqui amigos que recorda e o recordam com saudade. Eram outros tempos!

Lembra no seu interessante texto que apenas sofreu uma pequeníssima rectificação, como nos solicitou, as Festas de Alcoutim, que até indica o período da sua realização, a “Chegada da camioneta de Beja”, o facto diário mais importante que ocorria na vila e até o Campeonato do Mundo de 1966, realizado na Inglaterra e em que Portugal se classificou em 3º lugar.

O Dr. Eckart Frischmuth Seevetal completou a sua formação universitária em Geologia e encontra-se na situação de reformado, vivenda no seu país.

Teve a amabilidade de nos enviar uma série de fotografias sobre Alcoutim que iremos publicar espaçadamente na nossa rubrica Câmara Escura, muito procurada pelos nossos visitantes / leitores.

Aqui deixamos o nosso profundo agradecimento ao Dr. Eckart Frischmuth pela amabilidade que tem dispen-sado ao ALCOUTIM LIVRE

JV

 

  
Escreve

Eckart Frischmuth



Minha surpresa e alegria foram grandes quando li o artigo por acidente no "Alcoutim Livre" em 2013/01/02, sobre a minha estadia no Algarve.

Com grande gratidão, lembro-me dos bons tempos em Alcoutim e da hospitalidade extraordinária dos Alcoutenejos.

A população, especialmente os jovens, abriu-me com paciência e humor o acesso ao idioma Português. Então, poderia começar o meu doutoramento em Portugal com afinco e concluí-lo com sucesso na Alemanha.

Durante uma longa residência no Brasil com espanto o sotaque regional foi notado.
Atualmente falta-me a prática no idioma Português.

Lembro-me com alegria a época festiva em setembro no cais de Alcoutim.

Eu também gostei dos tempos da chegada da camioneta de Beja - Vila Real de Santo António pelas 5 horas da tarde, pois havia sempre novidades.

Existem muito poucas fotos deste período: uma mostra-me com o meu amigo José Cavaco no Castelo de Alcoutim em 1964 (ver foto).


Naquela altura fazíamos uma longa viagem pela Serra até Martim Longo para acompanhar jogos importantes da Copa do Mundo na Inglaterra através da TV sem complicações.

Uma olhada no mapa mostra que Alcoutim e a paisagem circundante mudaram muito. E as muitas fotos bonitas da Internet sobre Alcoutim fazem-me muito curioso!


Postado por Eckart Frischmuth Seevetal / Alemanha em fevereiro de 2013


N.B. A bonita fotografia com que o texto é iniciado é de autoria do Dr. Eckart Frischmuth tirada do Castelo de São Marcos (Sanlúcar do Guadiana) notando-se em primeiro plano as duas eiras eliminadas para se construir um novo bairro e sem adulterar a vila medieval que se mantém, pelo que me é dado ver, sem adulterações.
A foto é propriedade do alcoutenejo José Madeira Serafim, um dos amigos de Eckart Frischmutl.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Figuras cortes-pereirenses

As Cortes Pereiras vista do S. Martinho. Foto JV, 2013

Entre qualquer comunidade, por muito pequena que seja, existem sempre pessoas que se destacaram entre as demais pelas suas características, intelectuais, económicas, beneméritas e políticas, entre outras.

No século XVIII, por exemplo, o lugar de tesoureiro da Santa Casa da Misericórdia de Alcoutim foi desempenhado vários anos por cortes-pereirenses. Assim, entre 1751/54 por Sebastião Teixeira, de 1759/60, António Martins, de 1761 a 1763, Domingos Rodrigues e de 1766 a 67 foi a vez de Manuel Martins e isto sobrepondo-se aos irmãos existentes na vila, para não dizer em todo o concelho, ou pelo menos nos lugares mais próximos de Alcoutim. (1)

No campo político, José Martins Cravo foi em 1834 licenciador para a eleição da Câmara Municipal e veio a desempenhar as funções de vereador no mesmo ano, ainda que fosse analfabeto, pois assinava de cruz.

No mesmo ano era juiz almotacé, (2) Afonso Guerreiro Drago.

A nível de exercício na Junta de Paróquia, actual Junta de Freguesia, indicamos: 1850/51, Manuel Roiz, dos Currais, 1852/53, Manuel Martins Cravo, das Cortes Pereiras, 1854/59, José Martins Capelo, de S. Martinho e de 1858/59, Francisco Gomes.

Vitoriano da Palma, do São Martinho (1803-1873) era em 1858 o Juiz de Paz Eleito (substituto).(3)

José Martins Capelo e José Maria Cravo foram os representantes das Cortes Pereiras na assembleia realizada na Capela de Nª Sª da Conceição, na vila, em 22 de Dezembro de 1843 para resolver o problema da criação do cemitério. (4)

Nos anos trinta do século XX, no chamado “Estado Novo”, desempenhou vários anos a função de vogal da comissão Administrativa da Câmara Municipal de Alcoutim, o lavrador local, António Gomes Alves.

De ordem artística é de destacar o mestre ferreiro Lourenço Gomes Teixeira (1831-1905) que exerceu a sua actividade no monte de S. Martinho. Era natural da freguesia de Giões. É tradição que este artesão nas provas que prestou para poder exercer a profissão, modelou um cágado o que causou admiração pelo júri. Exerceu a sua actividade em meados do séc. XIX.

Bem mais velho, trabalhou no mesmo local Bartolomeu da Palma, mestre ferreiro vindo de S. Bartolomeu da Via Glória, concelho de Mértola.

Tanto um como outro deixaram a sua descendência, alguma a viver ainda no concelho de Alcoutim.

Presumo que ambos tivessem vindo trabalhar para este local a convite de Miguel Angel de Leon que possuiu uma forja ainda lembrada pelos mais idosos habitantes das Cortes Pereiras.

NOTAS

(1) – Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio, Subsídios para uma monografia, António Miguel Ascensão Nunes (José Varzeano), 1985, p. 253.
(2) – Oficial do concelho que tinha a seu cargo fiscalizar o abastecimento de géneros alimentícios, os preços de alguns deles, os salários dos ofícios, os pesos e medidas, evitar que os rendeiros fizessem avença com as partes, etc. in Dicionário de História de Portugal, dilecção de Joel Serrão., Vol. I, p.121.
(3) – É 4º tio de meu filho pois era irmão mais velho de uma das suas tetravós, Maria do Rosário falecida no monte do Marmeleiro em 23 de Junho de 1862. Já era viúva de António Dias.
(4) – “O Cemitério da Vila de Alcoutim – da origem aos nossos dias”, José Varzeano, Jornal do Algarve de 10 e 17 de Março de 1988)

sábado, 23 de fevereiro de 2013

A "Landainas"



  
Escreve

José Temudo



 Uma outra figura, aliás, de mulher, também de muito baixa condição social, era muito conhecida e, direi mais, até estimada na cidade. Chamava-se Maria, mas era vulgarmente conhecida por LANDAINAS, ou, mais comummente, por MARIA LANDAINAS, que era alcunha, mas desconheço o seu significado ou a razão porque lha puseram.

http://margakim.wordpress.com/author/margakim/
A LANDAINAS não era propriamente uma pros-tituta, ou, como vulgar-mente se dizia, uma puta. Não figurava no registo policial, não estava sujeita à “exe-mina” semanal na dele-gação de Saúde, não residia naquela ruela estreita e sombria junto do Hospital da Miseri-córdia, onde as outras viviam. Para além disso, ela manteve durante a sua longa vida uma actividade honesta de que sempre viveu. Como já disse, não era propriamente uma puta, mas fazia os seus “favores”, ou, mais precisamente, ela aceitava pagamento pelos “serviços” que prestava, com os cuidados sanitários que se impunham. E mais: ela era, à sua maneira, uma educadora sexual, eficaz e confiável. Gerações sucessivas de adolescentes, foi nos seus braços robustos e nas coxas roliças da LANDAINAS que tiveram a sua primeira aventura carnal. Quando a conheci, andaria pelos seus quarenta e cinco anos de idade. Já tinha perdido, há muito, a frescura e o ar fanchonaço de melhores tempos. Era já um mulherão, grossa e feia, Mas era, ainda, uma mulher alegre, vigorosa, faladeira, simpática. Ah, e por sobre tudo isso, era uma talentosa bailarina popular. Era um espectáculo vê-la dançar nas Verbenas do Jarim Público, nas zonas menos iluminadas, com o seu par preferido, o João Fanado, bem mais novo do que ela, um tango, uma valsa, um “paso-doble”, fosse o que fosse. Para os ver dançar, juntava-se sempre à volta deles, uma pequena e divertida multidão de admiradores que não deixavam de sublinhar com palmas e olés um ou outro passo, uma ou outra volta mais arrojada os “salerosa”.

Contava-se na cidade, e julga-se que a “estória” era verdadeira, que a Maria, ainda mulher dos seus vinte e poucos anos, teria ido para Coimbra como governanta de uma “república de estudantes”, levada por um moço de Chaves. Mulher dos sete ofícios, terá estudo e servido na “república” como sopa no mel. Cozinhava, limpava, arrumava, lavava e passava a ferro, divertia e consolava os rapazes, a todos eles, sem excepção, que a Maria não era mulher para desconsiderar ninguém!

Antes de terminar, quero referir duas facetas da Maria (assim a tratávamos) que muito contribuíram para a simpatia que a cidade tinha por ela.

A Maria era foliona, mas foi sempre uma mulher de trabalho, jamais vivendo exclusivamente da prostituição. Nos últimos anos da sua vida, ela era a encarregada da limpeza da Igreja Matriz, o que significa que, nem para os moralistas mais exigentes, a Maria era considerada uma mulher perversa. Admito que a Maria se tenha zangado, uma vez por outra ao fazer o seu serviço de limpeza na Igreja Matriz, e dito o que não devia dizer naquele lugar sagrado que ela muito respeitava. Se isso aconteceu, e disseram-me que sim, presumo que os santos e os anjos, ainda que de pau e de pedra, devem ter corado de vergonha e indignação com o que ouviram saindo da boca da Maria, pois a sua linguagem, muito ao gosto popular, não era própria para ouvidos delicados!

A segunda faceta respeita ao facto da Maria ter aceitado filhas de outras prostitutas, que criou, que protegeu e educou com o mesmo zelo e carinho como se fossem filhas suas, que não teve, ou por mera sorte ou porque teve os cuidados necessários.

Não nos admiremos, pois, que muitos dos seus amigos e simpatizantes, tenham organizado uma Verbena  no Jardim Público para ajudar a Maria, então a viver a situação em que a velhice e a falta de saúde já não lhe permitiam ganhar o seu sustento.

Já depois do que ficou escrito, chegou-me ao conhecimento que o reputado pintor flaviense NADIR AFONSO lhe fez o retrato que se encontra exposto no Museu Municipal de Chaves.

É assim esta tão antiga cidade de Chaves: por vezes, rude: mas sempre generosa para aqueles de quem gosta, sejam ricos, sejam pobres!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O sentido de humor dos "montanheiros" e as coisas que nos diziam





Escreve

Maria Dias



Apetece-me muitas vezes parafrasear o grande José Saramago: “O HOMEM MAIS SÁBIO QUE CONHECI, NÃO SABIA LER NEM ESCRE-VER”

Quando em pequenos chorávamos e perguntávamos: a minha mãe?
A tua mão comeu um lobo!

Quando a mãe ou o pai saíam e nos deixavam, nós queríamos ir com eles.
Diziam-nos: Fica aí quietinha que a mãe vai ali matar um cão mau!

Se insistíamos em estar sempre a atiçar o lume,
Quem mexe no fogo faz xixi na cama!

Se fazíamos queixa de outra miúda ou miúdo e vínhamos num grande choro,
Era certa aquela lenga-lenga do meu pai:
Deixa estar que ela/ele há-de morrer numa sexta-feira e nem os cães hão-de ir ao funeral!

Se chorávamos, mãe: o gato arranhou-me!
Resposta certa: arranha-lhe também a ele!

Se sentávamos no chão e dali não saíamos:
Fica aí até que volte o homem do saco que ele ainda agora passou para baixo (ou para cima).

Mãe: tenho frio!
Embrulha-te na capa do teu tio e deita-te para o fundo do rio. Ou: Corre que isso passa!

Mãe: tenho medo!
Mete o dedo!

Ou quando estávamos a aborrecer alguém nos dizia: vai ver se eu estou em tal sítio.

E quando não nos deixavam ir: vais mas é com os calcanhares para a frente!

Ou como aquele vizinho que quando já estava cansado das visitas ao serão, dizia para a mulher: Maria, vamos deitar que estas mulheres querem ir embora!

Ou o outro que chegava carregado com os cestos e dizia calmamente: Cheguei agora mesmo de Lisboa, deixem-me ir ali pôr as malas!

Ou quando alguém fazia asneira (geralmente adultos): quem te desse com um gato morto pelas ventas até que ele miasse!

Ou quando alguém se mostrava desanimado e se lamentava: Se vocês soubessem a minha vida, iam pedir para me dar!

“Tirarei sempre o meu chapéu” a esta gente que sabe rir de si própria e à sua capacidade de resiliência que o pouco lhes basta e têm uma graça inata!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A memória viva da vida rural alcouteneja


Claudina Colaço Costa
Quem nos conhece ou está habituado a ler o que escrevemos neste espaço sabe que não nascemos no concelho de Alcoutim e não foi lá que temos passado a maior parte da vida, apenas vivemos 11 anos na vila e praticamente sem acesso ao meio rural, ainda que a pouco e pouco fôssemos conhecendo os montes vizinhos, principalmente Afonso Vicente.

As nossas primeiras abordagens viraram-se para a história, para os acontecimentos importantes que se passaram onde as guerras foram muito notórias já que se trata de um lugar fronteiriço.

Fomos derivando para outros assuntos como a parte edificada (castelos muralhas e baterias), para os edifícios religiosos existentes e desaparecidos, enfim fomos avançando  conforme o nosso interesse e sensibilidade.

O ALCOUTIM LIVRE “obrigou-nos” a um maior aprofundamento de algumas temáticas, em especial a parte etnográfica que em outras publicações só referimos de uma maneira genérica.

O meu contacto mais assíduo com as populações rurais durante mais de quinze anos levou-nos a efectuar perguntas a muitas pessoas que verificava serem conhecedoras de matérias que eu gostava de esclarecer e todo este conjunto de informações aliadas ao meu próprio conhecimento, de ordem geral, originaram que construísse um modelo definido.

A procura em enciclopédias e dicionários e em livros específicos deram mais robustez a esse modelo mas na hora de explanar ideias e entrar na escrita, falta sempre qualquer coisa que necessitamos para aclarar uma ou outra situação que nos está mais confusa. É a altura de recorrer às minhas fontes de informação e D. CLAUDINA COLAÇO COSTA é uma das principais a que recorro. Toca o telefone e do outro lado da “linha” está sempre uma voz disposta a responder às nossas perguntas, a esclarecer esta ou aquela dúvida.

Apesar dos seus quase 85 anos mantém uma lucidez perfeita. Nasceu no “monte” de Afonso Vicente, freguesia de Alcoutim sendo filha de lavradores locais, tomando em consideração que lavradores eram aqueles que trabalhavam nas suas terras e que não tinham necessidade de trabalhar à jorna para os outros o que acontecia com a grande maioria das pessoas.

Afonso Vicente. Alagoa. Foto JV, Janeiro de 2013
O pai era natural de Afonso Vicente, enquanto a mãe nasceu na Corte da Seda.

O casal teve seis filhos, quatro rapazes e duas raparigas que se ocupavam de todo o trabalho e só excepcionalmente pagavam jornas. Gente muito trabalhadora sabia fazer tudo o que era necessário naqueles tempos para uma vida do campo.

Todas as tarefas do campo lhe eram familiares, tendo em atenção que as havia especificamente para homens e mulheres, ainda que fossem do conhecimento de todos. As que requeriam maior robustez física naturalmente que eram destinadas ao sexo masculino.

Os animais indispensáveis no auxílio do trabalho (machos, mulas e burros), o seu tratamento estava destinado ao sexo masculino mas todos sabiam como se executava e quando necessário faziam a substituição.

Começava-se bem cedo a guardar o gado miúdo (ovelhas, cabras ou porcos) e era tarefa que competia aos mais novos, de ambos os sexos. Constituíam um sustentáculo da economia familiar, tanto para venda como para consumo próprio.

A vida de casa não lhes podia passar ao lado como acontecia com a feitura semanal do pão, a confecção das típicas refeições feitas quase só com o que se produzia, o tratamento das carnes de porco e os enchidos ou a preparação e conservação dos figos secos ou azeitonas.

Já não foi o tempo de aprender a trabalhar no tear ainda que ele existisse em casa e usado pela mãe que além de ter sido mestra de todas estas tarefas era também a parteira curiosa do monte.

Mondar e ceifar. Apanhar os frutos (amêndoas, alfarrobas, figos azeitonas ou bolotas), regar as hortas a caldeiro, toda a vida do campo era do seu conhecimento.

Lavar a roupa no barranco mais próximo ou as mantas na ribeira. Tinha de saber algo de costura pois não havia pronto-a-vestir e o dinheiro era escasso, não se podia mandar fazer, fazia-se como se sabia.

Quando aprendeu a ler já era crescidota e aproveitou a existência no monte de um posto escolar. Foi sua professora D. Clarisse Cunha. Fez a 3ª classe.

Foi assim até aos 33 anos de idade em que parte para Lisboa à procura de melhores condições de vida e possibilitar à filha o estudo que em Alcoutim não era possível, além do mais pela sua não existência.

Conseguiu realizar as ideias que a tinham norteado e após a reforma volta ao seu “monte” natal onde ainda reside.

Depois desta descrição sumária é fácil calcular que conheceu bem e executou todas estas tarefas. Segundo informações de quem a conheceu, exercia-as com perfeição e desenvoltura.

Todos estes conhecimentos que adquiriu ao longo dos anos, aliados a uma lucidez invejável fazem dela um poço seguro de informação que frequentemente utilizo.

Nada que lhe pergunte fica sem resposta dizendo – “no meu tempo e aqui, era assim”.Nos outros lados não sei.

Afonso Vicente. Cozinha de celgas bravas. Foto JV, Janeiro de 2013
Continua a confeccionar os verdadeiros pratos regionais com uma qualidade invejável que não consigo igualar, falta-me qualquer coisa.

Chegou a altura de prestar a minha simples homenagem a quem tanto me tem ensinado sobre a vida rural alcouteneja da primeira metade do século passado.

Aqui manifestamos a nossa estima e deixamos o devido agradecimento.

Muito do seu saber está explanado em centenas de textos que assino.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

D. Jerónimo de Noronha, "o Bacalhau", sobrinho do 1º Conde de Alcoutim



Fortaleza de Baçaim
Também conhecido por D. Jerónimo de Meneses, era filho de D. Henrique de Meneses e de D. Maria de Meneses, filha do 1º Conde de Cantanhede.

Era irmão entre outros de D. Francisco de Meneses, e de D. Brites e D. Joana de Meneses.

Casou com D. Isabel de Castro, filha de D. Álvaro Castro, Governador da Casa do Cível, do Conselho de D. João III e de D. Leonor de Noronha, irmã de D. João de Castro, 4º Vice-rei que partiu para a Índia em 28 de Março de 1545 levando como capitães, na sua armada, Simão Peres de Andrade, Jorge Cabral, D. Manuel da Silveira, Diogo Rebelo e o seu cunhado D. Jerónimo de Noronha.

Por mercê de D. João III foi Capitão e governador de Baçaim e batalhou na guerra de Cambaia.

Voltou ao Reino e apesar de todas as suas qualidades para ser nomeado Governador da Índia, não o foi, nem para esse nem para qualquer outro lugar no Reino, militar ou político. É assim que se manifesta D. António Caetano de Sousa na sua História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Tomo V, pág. 181.

Gaspar Correia afirma contudo que praticou em Baçaim muitos roubos, tanto a indígenas como aos portugueses o que os levou a contactar D. João de Castro que informou atendê-los quando voltasse de Diu o que parece não ter acontecido já que D. Jerónimo era seu cunhado. Os factos terão chegado ao Reino e possivelmente daí nunca mais ter sido nomeado para postos de responsabilidade política ou militar.

Do casamento nasceram os seguintes filhos: D. Jorge de Noronha que morreu sem geração, D. Mariana de Castro que casou com Fernão Teles de Meneses, 7º Senhor de Unhão e D. Leonor de Castro que casou com D. Diogo de Eça.

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História Genealógica da Casa Real Portuguesa, António Caetano de Sousa, Tomo V, Edição QuidNovi / Público – Academia Portuguesa da História, 2007.

Enciclopédia histórica de Portugal, Dir. d  e Duarte de Almeida, Vol. 9, Edição João Romano Torres & Cª, Lisboa, 1938.

Armadas que partiram para a Índia (1509 – 1640). Biblioteca Nacional de Lisboa, Reservados; Caixa 26, nº 153.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Funcho


Planta vivaz, espontânea no Mediterrâneo, da família das umbelíferas, medicinal, aromática e utilizada em várias regiões na culinária.

É utilizado na perfumaria e no fabrico de bebidas espirituosas.

Além de outros nomes é conhecida por erva-doce, o que não acontece no concelho de Alcoutim.

Tem cor verde intensa e uma altura média de 80 cm.

Ainda que seja uma planta silvestre própria da bacia do Mediterrâneo é hoje cultivada nas regiões temperadas e tropicais.

As flores são pequenas, de 2 a 5 mm de diâmetro, são amarelas ou amarelas esverdeadas e o fruto é um aquénio, fortemente aromático, ovóide, de 4 a 9 mm de comprimento e 2 a 4 de largura e achatada, conhecida e comercializada como erva-doce.

O seu cheiro e sabor são muito característicos.

As raízes têm propriedades diuréticas sendo comercializadas nas ervanárias com esse sentido.

O chá da semente (erva-doce) é utilizado para reduzir os gases intestinais, mesmo na primeira infância.

É antiflatulento, anti-espasmódico e expectorante. Propriedades digestivas.

Os seus caules tenros são usados nos Açores numa sopa típica que leva feijão e inhame.

Esta planta por ser muito abundante no local deu o nome à cidade do Funchal (Madeira).

No concelho de Alcoutim não conseguimos obter informação em mezinhas ou uso culinário. Só lhe conhecemos uma única utilização. Os figos secos e após preparação para ser armazenados em arcas de castanho, entre cada camada era posto o funcho a fim de proteger e aromatizar.

_____________________________________

Wikipédia, a enciclopédia livre

funcho. In Infopédia  [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-02-12].

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Rua da Misericórdia



 A Câmara Escura é uma das rubricas deste espaço com mais “postagens”e visitas, havendo mensagens que são das mais visitadas entre todas as publicadas.

Para que se possa manter com interesse esta rubrica é necessário que apareçam colaboradores que disponibilizem as velhas fotos que guardam em álbuns, como recordação de tempos passados.

Além das nossas com que abrimos a rubrica, têm aparecido, felizmente, colaborações importantes que nos têm permitido mantê-la com vigor.

Quis aderir a esta colaboração o alcoutenejo José Francisco Cavaco que nos enviou treze fotografias com alguns anos de existência e que marcam uma época de Alcoutim.

Vamos hoje publicar a primeira a que demos o título de RUA DA MISERICÓRDIA.

Esta rua, no seguimento da das Portas de Mértola, com a de D. Sancho II (antiga Portas de Tavira) e prolongamento na do Dr. João Dias, constituíam a estrutura básica viária do burgo medieval, desembocando no indispensável largo (praça), local do poder político-administrativo e comercial.

Até agora nunca esse espaço no decorrer dos séculos tinha sido tocado, o que aconteceu recentemente, pois tratava-se de algo indispensável e de convergência para a vida da vila

Apesar da falta de local para a construção, nunca ninguém tinha ousado suprimir a “praça” ou a “ribeira”.

Reparar que até as pequenas povoações, aqui designadas por montes, têm quase sempre um espaço com estas características a que chamam terreiro, onde chega hoje o comércio ambulante e antigamente se reunia o povo quando disso tinha necessidade, como por exemplo nos seus folguedos.

A fotografia é tirada da Rua da Parada e a pouca prática do “fotógrafo”cortou os pés mas não deixou de mostrar o castelo de Sanlúcar.

Os quatro jovens alcoutenejos (um deles efectivamente não o era) têm todo o tipo de andar passeando e foram interromper o trabalho de outro amigo que recolhia o entulho, não de veículo motorizado como se faz hoje, mas de burra e através da quase desaparecida gorpelha, das obras de restauro que se estavam realizando nas casas de residência da família Madeira.

Além de quem nos cedeu a fotografia que presumo transportar um rádio a pilhas, encontra-se o nosso colaborador Amílcar Felício. O trabalhador é o alcoutenejo José de Horta, já falecido.

A mocinha que aparece encoberta, parece-nos ser uma das filhas de Maria Tomásia, recentemente falecida. Ao fundo e em frente da residência que foi de Luís Corvo duas jovens que presumimos serem as filhas de António Luciano.

E é tudo o que nos oferece comentar.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

NO CONCELHO DE ALCOUTIM - Promover artesanato com oficinas-escolas - Proposta já apresentada


(PUBLICADO NO DIÁRIO DE NOTÍCIAS DE 19 DE AGOSTO DE 1986)

A PROPOSTA para a criação de oficinas-escolas de artesanato nas sedes de freguesia do concelho de Alcoutim, foi apresentada no encerramento da primeira feira de artesanato ali realizada.

O seu autor foi Ascensão Nunes, um investigador da história local, que publicou, recentemente, um livro sobre aquele concelho, intitulado: Alcoutim – Capital do Nordeste Algarvio.

Ascensão Nunes, que falava sobre a história do artesanato do concelho, alertou para a necessidade de se ressuscitar essa actividade, “outrora tão rica e intensa”.

Dos inúmeros artesãos que, em tempos, existiram em Alcoutim, ainda se conseguiram reunir durante dois dias cerca de duas dezenas, vindos das diferentes freguesias do concelho.

Cesteiros, ferradores, ferreiros, fabricantes de cadeiras, rendeiras e tecedeiras, e fabricantes de queijos e mel, executara, ao vivo, os seus trabalhos e alguns venderam-nos aos visitantes que ali acorreram.

1ª Feira de Artesanato de Alcoutim. Tecedeira trabalhando. Foto JV, 1986
“Muita gente não veio, no entanto, à feira por falta de transportes” referiu o vereador Francisco Amaral, que manifestou, ao mesmo tempo, a convicção de que esta iniciativa será melhor para o ano.

Como se faz aguardente de medronho

O único produtor de aguardente (por processos tradicionais) do concelho também marcou presença nesta feira, ao lado do seu alambique.

“Aguardente de medronho, aqui, só sou eu que a faço, mas esta é da pura”, acentuou Armando Rosa, de 68 anos, natural do sítio do Pão Duro, freguesia de Vaqueiros, referindo-se à sua actividade que exerce há 18 anos.

1ª Feira de Artesanato de Alcoutim. Comprando mel da serra. Foto JV, 1986
Apesar de não fazer só aguardente de medronho, Armando Rosa insistiu  em explicar o seu processo de fabrico, sublinhando que “para se produzir uma boa aguardente de medronho é preciso apanhar o fruto bem maduro”.

O medronho põe-se nas tulhas. “Depois”, explica, “deita-se na caldeira e faz-se o fogo até que rompa a fervura. De seguida encabeça-se a caldeira e é tudo embarrado. O fogo continua até que a aguardente de medronho corra para o alambique. Conforme corra muito ou pouco, assim se vai regulando o fogo.”

A gastronomia local não ficou esquecida. A caldeirada de peixe muge (tainha) do rio Guadiana e a doçaria local que, segundo reza a história, fez as delícias do próprio rei D. Sebastião, estiveram em evidência.

Artista daquele concelho e outros agrupamentos do Algarve também actuaram nesta feira, que se realizou no castelo de Alcoutim. O Grupo Coral de Mértola encerrou o certame, que foi visitado por mais de duas centenas de pessoas.

A I Feira do Artesanato foi uma iniciativa da Câmara Municipal de Alcoutim, que contou com o apoio da Região de Turismo do Algarve e da Comissão de Coordenação da Região do Algarve.

N.B. - A ilustração é de agora.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Bule



Peça de cerâmica islâmica do séc. IX – XI recolhida no Castelo Velho de Alcoutim.

Med. Alt. 14,1 (s/bordo) cm. Diâm. 14,3 cm.

Recipiente usado habitualmente para servir líquidos à mesa.

A superfície queimada fornece a informação de poder ter sido levado ao fogo para preparar alguma infusão (chá).

Encontra-se em exposição no Núcleo de Arqueologia no Castelo de Alcoutim sob o nº 50.

N.B. Por lapso foi inserida primeiramente uma fotografia que não correspondia à peça descrita e igualmente o nº de exposição foi alterado. Após a rectificação, pedimos desculpas aos nossos visitantes / leitores.
JV

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Lavatório de ferro (simples)



Vamos apresentar hoje o tipo de lavatório de ferro, o mais simples que conhecemos e que se destinava ou destina prin-cipalmente a lavar as mãos.

Muito usado no concelho de Alcoutim quando não havia a distribuição de água ao domicílio e pos-sivelmente pela maior parte do país.

Os dois modelos que apresentamos são seme-lhantes mas se reparar-mos bem têm algumas diferenças.

Começamos pelo formato do ferro que suporta o espelho e um pouco mais abaixo no destinado a colocar as toalhas ou pano das mãos como muitas vezes acontecia. São notórias as diferenças.

O “corpo” do lavatório num e noutro exemplar também não é igual.

O círculo superior destina-se a suportar a bacia de esmalte e por vezes de barro. Estreitando os três ferros que seguram a bacia, dão lugar a um pequeno círculo destinado a colocar uma peça em esmalte furada que se destina a colocar o sabão.

Os três ferros estruturantes voltam a abrir o suficiente para quando voltarem a estreitar poderem receber o balde igualmente de esmalte ou de barro. Ao lado, estava o jarro, do mesmo material que continha a água limpa para utilizar.

Quem viveu esses tempos sabe que ir buscar água ao poço que normalmente ficava distante e numa baixa, onde corriam lençóis freáticos, era trabalhoso e a água tinha de ser muito bem gerida. Nesse sentido, só se deitava fora a água da bacia quando estivesse muito suja.

Com o decorrer dos anos e a evolução do nível de vida com a chegada da água e da electricidade ao domicílio, já que o esgoto está muito distante de apresentar os números desejados, estas peças deixaram-se de se usar. Ainda que muitas tivessem sido postas ao abandono, outras foram recuperadas e servem hoje como objectos de decoração, como numa fotografia se apresenta e outras foram aproveitadas em parte para fazer mesas-de-cabeceira com o retiro da parte superior e a aplicação de um tampo.

Existem outros tipos de lavatório em ferro, mais completos e de que falaremos numa outra oportunidade,

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações, XLIV



  
Escreve

Daniel Teixeira




OS CONTRABANDISTAS NO MONTE

Já aqui tenho referido que o meu avô fez contrabando durante a sua idade adulta, talvez até aos 40/50 anos sensivelmente e eu quando comecei a conhecê-lo já ele tinha deixado essa actividade. Para o efeito de ter largado essa actividade em muito terá contribuído o facto de quase ter morrido após uma queda de uns rochedos quando fazia uma travessia, queda essa que resultou num ligeiro afundamento da parte posterior do crânio, situação essa que foi tratada em casa, à base de pensos e pachos de água fria com rodelas de batata.
Na foto mais pequena tentei fazer notar esse traço de junção no crânio, partindo logo sobre o centro das sobrancelhas. Tenho uma outra foto do meu avô tipo passe, mais nítida, mas o simpático fotógrafo fez o «favor» de a retocar nesse ponto. De qualquer forma o que interessaria mais referir aqui seria que a metodologia de tratamento na altura era do género «ou safa-se ou morre» porque não havia mesmo outra alternativa. Safou-se...

O meu avô e a minha avó numa das suas visitas a Faro, anos 60, talvez, quando morávamos numa casa tipo quinta (dentro da cidade de Faro). O luto da minha avó nunca foi tirado após o falecimento da sua filha e minha tia nos anos 50/60.

Ora e voltando ao contrabando, numa das minhas crónicas eu referi que ainda faltava contabilizar a o impacto que esta actividade (ilegal) teve no fortalecimento das relações entre as populações raianas, portuguesas e espanholas, neste caso. Ora estudos sobre este factor e outros com ele relacionados já foram feitos por antropólogos e por departamentos de antropologia de Universidades Portuguesas e Espanholas, só que a matéria parece ser pelo menos um pouco controversa e o andamento destes estudos tem sido relativamente lento.

Cito: (...) O contrabando era, assim, «forma de viver, de sobreviver sempre no fio da navalha, sempre nos limites sem nunca saber quando do outro lado estaria a Guarda à sua espera. Eram quilómetros e quilómetros percorridos sempre a pé, dentro de água, no meio do escuro, à procura do sustento», salienta na introdução à obra (de Luís Filipe Maçarico - 2005) João Miguel Martins, vereador da Câmara Municipal de Mértola.
Luís Filipe Maçarico entrevistou ao longo de vários meses antigos contrabandistas e guardas-fiscais reformados que actuaram na raia de Mértola. Um trabalho que se estendeu até Espanha, ouvindo alguns raianos de Paymogo, El Almendro e El Granado. (...)

E um testemunho igualmente citado: (...) José Afonso, 90 anos
Bens (Mértola)

«Era pelos cerros velhos, ia por além. Vão lá os carros. Então, ê andei trinta e seis anos nessa rebera!...trinta e seis anos andei ê no contrabando. Isso é uma rebera malinha! Eram mais de mil tiros! Carabineros e Guarda-Fiscal, uns e outros.

(…) Na minha presença mataram…você ouviu falar no Raposo? Mataram-no ali ao Moinho das Juntas!... (…) O guarda fez o tiro para ali e não matou mais porque não calharam. (…) Levávamos tudo. Café. Assabão…trazíamos açúcar. Era tudo. Os espanhóis não tinham nada!...Isso era despachado aqui de Santana».

«Memórias do Contrabando em Santana de Cambas – Um contributo para o seu estudo», de Luís Filipe Maçarico, pág. 34.

Comentário meu: é lógico que para andar trinta e seis anos no contrabando os resultados (lucros) não davam evidentemente para enriquecer.

Cito: (...) As trocas comerciais directas ou indirectas, entre as comunidades raianas, existiram, desde a formação moderna dos Estados. H. Bernardo (docente de História na Escola Secundária de Miranda do Douro), fala-nos de trocas, entre comunidades castelhanas e mirandesas, legisladas e, por conseguinte, autorizadas, nos séculos XV e XVI.

«D. João I, no início do século XV, autorizara os castelhanos a poder vender os seus produtos a retalho na alfândega da Vila de Miranda, enquanto durasse a feira. (...) Logo a seguir, os castelhanos e mercadores estrangeiros ficaram autorizados por D. Afonso V, ainda no século XV, a vender nesta vila os seus artigos, particularmente os panos (...)

O rei D. Manuel I, em 1508, permite aos Mirandeses, a pedido destes, que comprem em Espanha ou «troquem por outras mercadorias, o ferro que necessitem para as suas lavouras» (...)

O rei acrescenta os privilégios e autoriza, depois, que os mercadores espanhóis possam levar para o seu país, depois das vendas efectuadas, até mil reis em dinheiro ou mercadorias»

Foi com a instituição do regime ditatorial, em 1920, que o controlo da prática de contrabando assumiu proporções mais austeras de criminalidade.
Portugal entra num período de exaltação nacionalista que fecha a economia do país, com medidas extremas de proteccionismo económico. (...)
Cito: (...) Relação com os Guardas Fiscais

Apesar de existirem várias estórias que relatam a morte de contrabandistas, em circunstâncias de flagrante delito, todos os relatos recolhidos, na primeira pessoa, apontam para terceiros como fontes dessa informação. Ninguém da família dos nossos informantes esteve envolvido nessas condições.

Na verdade, a generalidade dos entrevistados indica, recorrentemente, se não uma boa relação com os Guardas Fiscais, pelo menos uma compreensão das condições de
ambas as facções. São frequentes as referências à complacência dos Guardas que, na sua maioria, eram indivíduos de origem local, conhecedores das necessidades destas povoações.

Manuel Guerreiro, Guarda Fiscal no período ditatorial, testemunha essa complacência dos Guardas Fiscais:

Muitas vezes, tínhamos de fazer vista grossa... deixava passar porque sabia que a vida custava a todos... eram tempos difíceis, para todos. Eles não roubavam nada a ninguém, iam ganhar a vida deles! Mas, muitas vezes, as apreensões tinham de ser feitas, pois a PIDE estava atenta.

Os contrabandistas, por sua vez, compreendiam que os Guardas tinham que cumprir o seu trabalho e que, para serem remunerados, tinham que apresentar serviço. Era a sua forma de sustento e, por conseguinte, é rara a expressão de ressentimentos.

A relação com os Guardas Fiscais podia assumir um carácter cooperação mútua. Vários entrevistados falam de acordos prévios, entre ambas as partes, que determinavam ora a apreensão propositada de parte das mercadorias, através de passagens encenadas com a colaboração dos contrabandistas, ora a cooperação dos Guardas que fingiam ignorar a ocorrência de contrabando.

Maria Delgado, esposa de um Guarda Fiscal já falecido, explica-nos esta estratégia:

O meu marido nasceu aqui, em Constantim, mas quando foi para a Guarda Fiscal mandaram-no fazer serviço perto do Porto. Depois de uns anos mandaram-no para aqui.
Era o trabalho dele, não é? Tinha três filhos para sustentar! Mas ele dizia-me que sabia demais, porque eram todos amigos... Ele sabia quem andava a fazer contrabando, eram da mesma idade dele, tinham brincado juntos! (risos)

Ora deixá-los passar...era o que ele dizia! Mas nós também tínhamos uma casa para sustentar, os miúdos eram pequenos e eu pouco ganhava a fazer pão. Eles combinavam...juntavam-se a beber cervejas e combinavam os dias em que iam prender a carga. Uns dias para uns, outros dias para outros, não é?! (...)

Embora nos textos (extractos) acima não seja feita referência directa a mortes por acção da Guarda Fiscal (ou dos Carabineiros) há um testemunho directo em Santana de Cambas, recolhido por Luís Filipe Maçarico:

Ana Dias Felícia (Ana Viana), 80 anos
Minas de S. Domingos

«A vida era muito dura, pois. Era o tempo da guerra de Espanha. O mê marido estava na tropa, era já sargento da tropa, mas depois quis ir para Moçambique e não o deixaram ir e ele desertou e foi para Espanha. Começou a andar no contrabando, começou a ganhar dinheiro. Levavam tabaco, geralmente o que levavam mais era tabaco, café. Traziam fazenda, roupas, bombazinas, pois, encomendavam.

Eu ganhava poucochinho, as regentes ganhavam pouco. Não tinham ainda Caixa, não tinham nada. E ele, como tinha algum dinheirinho, e eu casei com ele, pronto. E ele continuou assim na vida dele. E agora quando foi à Espanha, que o mataram, já havia muito tempo que ele não ia à Espanha, e estava pensando em desistir daquela vida.

(…) Os guardas atiraram o tiro mas não foi a ele, foi ao outro que eles queriam apanhar. Eles atiraram o tiro ao ar. Foi guardas portugueses, ali no alto de Santana. (…) O mê marido ia fazer 40 anos. Era Bento Pires Martins. Eu tinha 35 anos nessa altura. Ah! Pois fiquei na mesma como estava quando era solteira, ele não me deixou nada. (…)

Eu sou Ana Dias Felícia. Mas aqui sou conhecida por Ana Viana, porque o meu pai assinava António Viana…Eu faço agora 90 anos em Fevereiro. Fui a primeira regente do país. Fui professora no concelho de Moura, Odemira e Lisboa, na Damaia».
(In «Memórias do Contrabando em Santana de Cambas – Um contributo para o seu estudo», pág. 48 - autor Luís Filipe Maçarico).

Quanto aos materiais que eram contrabandeados:

(...) Assim, por importação, foram apreendidos:

alparcatas, figos secos, pimentão, louça de barro ordinário, garfos em ferro, nozes, peixe fresco, enxadas de ferro, camisolas de algodão, bengalas de madeira, minério (cassiterite), forquilhas de ferro, vidros, véus de seda, navalhas de barba, cravagem de centeio, máquinas de cortar cabelo, folha de Flandres, alumínio em obra, pez, meias de seda, estampas religiosas, corda de pita, peixe em conserva, caixas de madeira, camisas de malha de seda, boinas de lã e garrafões de vidro.

Por exportação, foram apreendidos: açúcar, arroz, café torrado em grão, vinho fino engarrafado, centeio em grão, sucata de cobre, linhaça em grão, suínos, tabaco em fio, cintos de vidro sintético e tecidos de algodão.

Como a ideia era avaliar do reforço ou da existência de laços fronteiriços : «Segundo a professora e Antropóloga Paula Godinho, a identidade fronteiriça apoia-se em relações ilegais, de risco e em memórias (fulcrais) da fome.» (...)

Este tema tem muito mais que se lhe diga mas acho que por hoje chega.

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Fontes de Consulta: