Escreve
Daniel Teixeira
AS DIFERENÇAS DA VIDA
Conforme tem sido notório aquilo
que me tem interessado neste conjunto de crónicas e de uma forma geral noutros
locais e formas onde intervenho, seja sobre a forma de crónica ou simples
conversa, mesmo escrita que seja, o que me interessa, repito, é a história
contada e feita pelas gentes.
A parte edificada, monumental, de
arquivo secular, tem o seu interesse para buscar pontos de referência mas para
mim o seu interesse remete-se a isso mesmo, à mera referência, ao apoio ou
comparação através do escrito daquilo que é dito e sabendo-se que quem conta um
conto acrescente um ponto, serve também para ajustar esses desvios quase
naturais.
Cada pessoa tem (ou pode ter) a
sua forma de ouvir e depois de contar e uma das minhas preocupações tem sido
sempre analisar a divergência entre a «realidade» escrita e a realidade
contada, tendo também presente que a realidade escrita contém já em si ou pode
conter uma parte de imaginado ou de irrealidade.
Neste diferencial, entre aquilo
que terá eventualmente acontecido e aquilo que é contado anos depois e por
pessoas diferentes e que normalmente não é considerado científico, existe uma
riqueza no imaginado ou na fidelidade que corresponde em grande parte ao
desejado, ou seja, corresponde a uma posição ética sobre a realidade.
Eu explico melhor: a aceitação de
uma história tal como ela aconteceu (ou terá acontecido) é sinónimo de
aprovação dessa realidade, a desaprovação pelo menos parcial leva ao imaginado,
à ficção.
Será sempre difícil, senão
impossível, aquilatar da existência ou não desse diferencial memorial, do seu
volume, das suas características, dos desvios mais prováveis, enfim, é
«trabalhar» mesmo numa corda bamba, mas é um trabalho interessantíssimo que nos
diz muito sobre a psicologia colectiva.
Aqui há semanas publicámos neste
jornal um texto, com quadras, intitulado «Trêz Quadras
Dedicadas ao Crime dos Gorjões de Santa Bárbara de Nexe» resultando de
um folheto que tem o seu interesse analisar sumariamente aqui. O «ficheiro» que
ficou e que deu origem às quadras, embora faça referência á reprovação geral
pelo crime cometido sobre uma jovem recém casada pelo seu marido, encontra numa
amiga da «desventurada» morta (assassinada) o seu maior desenvolvimento.
Seria de esperar que fossem os
pais da rapariga os principais actores deste capítulo, mas existiu a
necessidade da parte do guionista, de colocar uma mulher, a sua melhor amiga,
neste papel. Porque não o pai? Como elemento protector deveria caber-lhe a ele
ser o arauto dos clamores de vingança e inclusivamente de a praticar. Não lhe
coube, contudo, esse papel porque cabia a Deus proceder a esse castigo.
Ora estas nuances (sem crimes à
mistura, felizmente) encontram-se um pouco por toda a história verbalizada e
mostram os diferentes graus de envolvimento ético nas sociedades.
Uma parte das histórias que tenho
contado têm uma valência razoável de humor, que é uma forma interessante, a meu
ver, de contar de forma favorável aquilo que algumas vezes pode ser reprovável
nos nossos tempos. Contudo, ainda que atenuada pelo humor, a história está lá,
todinha.
E vai continuar com mais alguma
que me lembre no próximo «capítulo».