domingo, 10 de fevereiro de 2013

Caçar com pau





Escreve

Gaspar Santos



Há quem diga: Quem não tem cão caça com gato! Mas também se pode dizer: Quem não tem espingarda caça com pau!

E é verdade, nos campos de Alcoutim caçava-se com pau. Munidos da respectiva licença, aqueles de que dei conta, pois é natural que muitos outros mais afastados da fiscalização o fizessem sem licença.

A caça é uma actividade das mais antigas do homem. Tal actividade, nas sociedades de hoje já não é necessária à sobrevivência das pessoas, mas o instinto predatório manteve-se nelas enraizado e, conse-quentemente, conduziu a um sector económico com algum peso.

A evolução económica e social, o aumento do número de caçadores, as boas armas e munições, e as boas estradas e automóveis que permitem aos caçadores a deslocação rápida e a longas distâncias, ditaram primeiro a escassez das espécies e depois o fim do regime livre e a redefinição do contexto em que a prática deste desporto se passou a enquadrar. O associativismo consciencializou os caçadores para práticas de caça mais racionais, que felizmente levou à preservação e à sustentabilidade das espécies cinegéticas.

Até meados dos anos 40 do século passado no concelho de Alcoutim havia muita caça: coelhos, lebres e perdizes. A reprodução destas espécies era enorme, conseguindo superar mesmo os maiores atentados que se possam imaginar à sua sobrevivência.

 Caçava-se todo o ano, ou numa grande parte do ano, todos os dias (!) assegurando uma fonte de alimentos a somar aos fracos recursos que o homem conseguia retirar das débeis e cansadas terras.

Caçava-se com furão para fazer sair os coelhos da toca. Caçava-se ao perdigão exactamente quando os casais de perdiz e perdigão estavam a organizar a procriação. Os pastores e os seus cães davam o seu contributo na destruição de ninhos, além das armadilhas que muitos colocavam nos sítios adequados. A reprodução era suficiente para tudo isto e as espécies não escasseavam!

Quem gostava de caçar, e não tinha espingarda, integrava-se nas quadrilhas de caçadores, tirando previamente a licença para caçar com pau! Munia-se de um potente varapau, um ou dois cães que possuía e, às vezes trazia mais coelhos e lebres do que os caçadores de espingarda.



Caçava de maneira simples dando uma cacetada com o pau ou atirando-o na direcção do animal em corrida. Ou surpreendia uma lebre deitada, que com o barulho produzido ficou amassada (deitada no chão) à espera que a tormenta passe. É muitas vezes o que acontece quando passa um rebanho de ovelhas mesmo com os chocalhos a vibrar e a lebre não foge. Também as perdizes depois de muito acossadas e de darem vários voos, sentindo-se cansadas pousam e, possuídas de grande inércia e medo, se amassavam e algumas vezes foram vítimas mortais de um destes paus.

Outras vezes o caçador de pau era ajuda/sócio de outro caçador de espingarda quando caçavam com furão. Metiam o furão na toca. Ele procurava os coelhos e os coelhos com medo saiam a toda a velocidade. O caçador de pau tinha a primeira oportunidade, intervinha logo à saída do coelho dando-lhe uma cacetada. Se esta falhava, intervinha o caçador a tiro com a espingarda quando o coelho já levava uma trajectória menos sinuosa e portanto mais fácil de alvejar.

Muitos caçadores de Alcoutim, antes de comprarem espingarda, que era cara, começaram por caçar com pau, auxiliados por um ou dois cães. Lembro-me do António Pandeireta e do Fernando Caleja.