Escreve
Gaspar Santos
Há quem diga: Quem não tem cão
caça com gato! Mas também se pode dizer: Quem não tem espingarda caça com pau!
E é verdade, nos campos de
Alcoutim caçava-se com pau. Munidos da respectiva licença, aqueles de que dei
conta, pois é natural que muitos outros mais afastados da fiscalização o
fizessem sem licença.
A caça é uma actividade das mais
antigas do homem. Tal actividade, nas sociedades de hoje já não é necessária à
sobrevivência das pessoas, mas o instinto predatório manteve-se nelas enraizado
e, conse-quentemente, conduziu a um sector económico com algum peso.
A evolução económica e social, o
aumento do número de caçadores, as boas armas e munições, e as boas estradas e
automóveis que permitem aos caçadores a deslocação rápida e a longas
distâncias, ditaram primeiro a escassez das espécies e depois o fim do regime
livre e a redefinição do contexto em que a prática deste desporto se passou a
enquadrar. O associativismo consciencializou os caçadores para práticas de caça
mais racionais, que felizmente levou à preservação e à sustentabilidade das
espécies cinegéticas.
Até meados dos anos 40 do século
passado no concelho de Alcoutim havia muita caça: coelhos, lebres e perdizes. A
reprodução destas espécies era enorme, conseguindo superar mesmo os maiores
atentados que se possam imaginar à sua sobrevivência.
Caçava-se todo o ano, ou numa grande parte do
ano, todos os dias (!) assegurando uma fonte de alimentos a somar aos fracos
recursos que o homem conseguia retirar das débeis e cansadas terras.
Caçava-se com furão para fazer
sair os coelhos da toca. Caçava-se ao perdigão exactamente quando os casais de
perdiz e perdigão estavam a organizar a procriação. Os pastores e os seus cães
davam o seu contributo na destruição de ninhos, além das armadilhas que muitos
colocavam nos sítios adequados. A reprodução era suficiente para tudo isto e as
espécies não escasseavam!
Quem gostava de caçar, e não
tinha espingarda, integrava-se nas quadrilhas de caçadores, tirando previamente
a licença para caçar com pau! Munia-se de um potente varapau, um ou dois cães
que possuía e, às vezes trazia mais coelhos e lebres do que os caçadores de
espingarda.
Caçava de maneira simples dando
uma cacetada com o pau ou atirando-o na direcção do animal em corrida. Ou
surpreendia uma lebre deitada, que com o barulho produzido ficou amassada
(deitada no chão) à espera que a tormenta passe. É muitas vezes o que acontece
quando passa um rebanho de ovelhas mesmo com os chocalhos a vibrar e a lebre
não foge. Também as perdizes depois de muito acossadas e de darem vários voos,
sentindo-se cansadas pousam e, possuídas de grande inércia e medo, se amassavam
e algumas vezes foram vítimas mortais de um destes paus.
Outras vezes o caçador de pau era
ajuda/sócio de outro caçador de espingarda quando caçavam com furão. Metiam o
furão na toca. Ele procurava os coelhos e os coelhos com medo saiam a toda a
velocidade. O caçador de pau tinha a primeira oportunidade, intervinha logo à
saída do coelho dando-lhe uma cacetada. Se esta falhava, intervinha o caçador a
tiro com a espingarda quando o coelho já levava uma trajectória menos sinuosa e
portanto mais fácil de alvejar.
Muitos caçadores de Alcoutim,
antes de comprarem espingarda, que era cara, começaram por caçar com pau,
auxiliados por um ou dois cães. Lembro-me do António Pandeireta e do Fernando
Caleja.