terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Carnaval





Escreve

António Afonso



Quando eu era miúdo o Carnaval era bastante festejado na Serra. Compreende-se o motivo! Em todos os montes existiam muitos jovens, embora alguns deles estivessem a trabalhar sazo-nalmente, nas ditas temporadas, noutras terras, mas quando chegava o Entrudo todos regressavam aos seus lares. Os grandes montes organizavam então os festejos, para divertimento da juventude, onde não faltavam os mascarados com roupas velhas, cabeleiras e máscaras, aqui chamadas caraças, fazendo todo o tipo de macacadas, correndo atrás das moças e das velhas, todas as brincadeiras eram aceites, em nome da quadra festiva. Tipo de representação semelhante, mas mais exuberante, ainda hoje tem lugar na aldeia de Podence, Bragança aos quais designam por Caretos. À noite, tinham lugar os bailes, aos quais acorria a mocidade das redondezas; era uma forma de convívio e diversão, sendo o lugar propício para dar início a um namorico ou fortalecer os que por ventura já existiam.

Aquele dia era diferente dos outros, não se trabalhava nos campos, o almoço era substancialmente melhorado em termos proteicos, com o abate de um galináceo em idade adulta, havia também muitos doces caseiros: - arroz doce, fatias douradas, azevias de batata doce, filhoses de vários tipos e formas, mas as minhas preferidas eram aquelas em forma de rosácea, sempre deliciosas, crocantes e estaladiças regadas com mel, evidentemente, que os adultos tinham direito a uma bebida fina (licor, porto ou anis ).

Desses festejos , recordo dois, que me despertaram os sentidos, um pelo espírito solidário natural daquelas gentes,  outro  pela  riqueza etnográfica dos trajes dos seus intervenientes.

O primeiro foi passado no monte do Pão Duro, quando eu teria cerca de 11 anos, não mais, acompanhei o meu primo Joaquim, cerca de dez anos mais velho, saímos à tardinha por um caminho péssimo, tivemos de atravessar a Ribeira da Foupana saltando sobre as passadeiras colocadas no leito da mesma, praticando equilibrismo para não cairmos e tomarmos banho nas águas gélidas; lá seguimos viagem em direcção à casa onde tinha lugar o baile, local onde convergiam todos os caminhos e caminhantes. Não existindo restaurantes e aproximando-se a hora do jantar, formava-se rapidamente uma onda solidária . Todos os rapazes e raparigas do monte, convidam três ou quatro forasteiros para jantar nas suas casas, onde eram recebidos com muita satisfação, pelos pais dos amigos e protectores, futuramente este gesto seria retribuído, a tradição falava mais alto!

Aspecto do Pão Duro. Foto JV
 O baile prolongava-se até o sol raiar, abrilhantado por um acordeonista de renome, havia pausas para rifar um ou outro objecto, leiloar um bolo oferecido à comissão, deste modo para angariar alguns trocos e fazer face  às despesas.

Depois de uma alegre noitada, regressávamos em bando, entoando esta melodia: “ Já lá vai o Entrudo pelo barranco da Nora, vai gritando em altas vozes, que a Quaresma o deita fora”…..

A povoação da Barrada. Foto JV
O outro acontecimento, teve lugar no monte da Barrada. Tratou-se de um desfile carnavalesco que percorria a povoação e terminava no grande armazém onde se realizavam os bailes. Os rapazes e raparigas resolveram revolver as arcas e baús das mães e avós onde desencantaram antigas roupas de ancestrais cerimónias de casamentos, aqui repousavam religiosamente guardadas, não vendo a luz do dia há décadas, no meio das quais se encontravam folhas de louro e cravinho para afastar as traças. O evento era realmente solene, os figurantes cheios de garbo envergando as suas indumentárias, eram surpreendidos com calorosos aplausos. Elas com saias compridas de cor escura, tendo algumas com barras de cetim, blusas brancas com alguns enfeites, lenços de ramagens coloridas sobre os ombros, meias brancas rendilhadas, digamos, actualmente, imitariam perfeitamente Isabel Silvestre dos Cantares de Manhouce.

Os rapazes envergavam calça, colete e jaqueta de cor escura, camisa branca e chapéu negro e um lenço com tom vermelho à volta do pescoço tipo faia.

O desfile obteve enorme sucesso, tornando-se notícia pelos montes vizinhos, pena foi, que não mais se repetisse nestas paragens, os ditos fatos jamais saíram à rua.

Há poucos anos, assisti através  da TV, ao desenrolar um casamento à moda antiga, em Santa Bárbara de Nexe, no qual os noivos envergavam estes tipo de fatos, sendo transportados em charretes puxadas por cavalos, desde casa até á Igreja Matriz.

Julgo que tiveram bom gosto, homenageando deste modo os costumes dos seus antepassados.

 Tempos idos, é certo! Todos demonstravam publicamente as suas emoções de alegria, embora a riqueza não reinasse, contudo, eram muito solidários.