Claudina Colaço Costa |
As nossas primeiras abordagens
viraram-se para a história, para os acontecimentos importantes que se passaram
onde as guerras foram muito notórias já que se trata de um lugar fronteiriço.
O ALCOUTIM LIVRE “obrigou-nos” a um maior aprofundamento de algumas temáticas, em especial a parte etnográfica que em outras publicações só referimos de uma maneira genérica.
O meu contacto mais assíduo com
as populações rurais durante mais de quinze anos levou-nos a efectuar perguntas
a muitas pessoas que verificava serem conhecedoras de matérias que eu gostava
de esclarecer e todo este conjunto de informações aliadas ao meu próprio
conhecimento, de ordem geral, originaram que construísse um modelo definido.
A procura em enciclopédias e
dicionários e em livros específicos deram mais robustez a esse modelo mas na
hora de explanar ideias e entrar na escrita, falta sempre qualquer coisa que
necessitamos para aclarar uma ou outra situação que nos está mais confusa. É a
altura de recorrer às minhas fontes de informação e D. CLAUDINA COLAÇO COSTA é
uma das principais a que recorro. Toca o telefone e do outro lado da “linha”
está sempre uma voz disposta a responder às nossas perguntas, a esclarecer esta
ou aquela dúvida.
Apesar dos seus quase 85 anos
mantém uma lucidez perfeita. Nasceu no “monte” de Afonso Vicente, freguesia de
Alcoutim sendo filha de lavradores locais, tomando em consideração que
lavradores eram aqueles que trabalhavam nas suas terras e que não tinham
necessidade de trabalhar à jorna para os outros o que acontecia com a grande
maioria das pessoas.
O pai era natural de Afonso
Vicente, enquanto a mãe nasceu na Corte da Seda.
O casal teve seis filhos, quatro rapazes e duas raparigas que se ocupavam de todo o trabalho e só excepcionalmente pagavam
jornas. Gente muito trabalhadora sabia fazer tudo o que era necessário naqueles
tempos para uma vida do campo.
Todas as tarefas do campo lhe
eram familiares, tendo em atenção que as havia especificamente para homens e
mulheres, ainda que fossem do conhecimento de todos. As que requeriam maior
robustez física naturalmente que eram destinadas ao sexo masculino.
Os animais indispensáveis no
auxílio do trabalho (machos, mulas e burros), o seu tratamento estava destinado
ao sexo masculino mas todos sabiam como se executava e quando necessário faziam
a substituição.
Começava-se bem cedo a guardar o
gado miúdo (ovelhas, cabras ou porcos) e era tarefa que competia aos mais
novos, de ambos os sexos. Constituíam um sustentáculo da economia familiar, tanto para venda como
para consumo próprio.
A vida de casa não lhes podia
passar ao lado como acontecia com a feitura semanal do pão, a confecção das
típicas refeições feitas quase só com o que se produzia, o tratamento das
carnes de porco e os enchidos ou a preparação e conservação dos figos secos ou
azeitonas.
Já não foi o tempo de aprender a
trabalhar no tear ainda que ele existisse em casa e usado pela mãe que além de
ter sido mestra de todas estas tarefas era também a parteira curiosa do monte.
Mondar e ceifar. Apanhar os
frutos (amêndoas, alfarrobas, figos azeitonas ou bolotas), regar as hortas a
caldeiro, toda a vida do campo era do seu conhecimento.
Lavar a roupa no barranco mais
próximo ou as mantas na ribeira. Tinha de saber algo de costura pois não havia pronto-a-vestir
e o dinheiro era escasso, não se podia mandar fazer, fazia-se como se sabia.
Quando aprendeu a ler já era
crescidota e aproveitou a existência no monte de um posto escolar. Foi sua
professora D. Clarisse Cunha. Fez a 3ª classe.
Foi assim até aos 33 anos de
idade em que parte para Lisboa à procura de melhores condições de vida e
possibilitar à filha o estudo que em Alcoutim não era possível, além do mais
pela sua não existência.
Conseguiu realizar as ideias que
a tinham norteado e após a reforma volta ao seu “monte” natal onde ainda
reside.
Depois desta descrição sumária é
fácil calcular que conheceu bem e executou todas estas tarefas. Segundo
informações de quem a conheceu, exercia-as com perfeição e desenvoltura.
Todos estes conhecimentos que
adquiriu ao longo dos anos, aliados a uma lucidez invejável fazem dela um poço
seguro de informação que frequentemente utilizo.
Nada que lhe pergunte fica sem
resposta dizendo – “no meu tempo e aqui, era assim”.Nos outros lados não sei.
Continua a confeccionar os
verdadeiros pratos regionais com uma qualidade invejável que não consigo igualar, falta-me qualquer coisa.
Chegou a altura de prestar a
minha simples homenagem a quem tanto me tem ensinado sobre a vida rural
alcouteneja da primeira metade do século passado.
Aqui manifestamos a nossa estima
e deixamos o devido agradecimento.
Muito do seu saber está explanado
em centenas de textos que assino.