quinta-feira, 31 de maio de 2012

Balança de braços iguais



O tipo de balanças de braços iguais, ainda que o princípio utilizado seja o mesmo pode apresentar formatos bem diferentes.

A sua composição obedece genericamente à existência de um travessão horizontal. Os pratos ou bandejas iguais suspendem-se por formas não uniformes nas extremidades do travessão ou barra que gira num ponto de apoio, travessão vertical, equidistante das extremidades.

Neste caso, os pratos são de alumínio, mas podiam ser de folha ou de metal amarelo que se apresentavam sempre muito bem areados. Moviam-se encaixados numa estrutura de ferro forjado.

Este indispensável instrumento destina-se (ou destinava-se) a determinar o peso dos corpos em relação a certa unidade aqui representada por pesos de ferro ou latão devidamente aferidos.

O objecto de massa desconhecida era colocado num dos pratos e no outro o peso (a massa conhecida) até se adquirir o equilíbrio que os niveladores apresentavam.

Esta balança foi utilizada durante muitos anos em Alcoutim para pesar carne.

Como é do conhecimento geral, existem muitos e variados tipos de balança, das mais às menos sensíveis, para objectos minúsculos aos mais volumosos pesos como acontece com as balanças basculantes.

Tencionamos ter oportunidade para aqui referir mais duas balanças muito usadas em Alcoutim, a balança de braços iguais para pesar peixe e a romana ou de vara para porcos e outros animais depois de abatidos e sacas com produtos agrícolas, nomeadamente, as amêndoas.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Ninho abandonado (Poema)

Pequena nota
O poeta sem saber explicar porquê, passou segundo confessa, um período vazio de ideias, nem uma só palavra aflorava à sua mente sensível!
Mas os poetas são mesmo assim, do nada sai este pequeno mas belo poema.

JV




Poeta

José Temudo







A minha cabeça está vazia

como balão furado e espremido

e brilha como lâmpada fundida

num quarto fechado, escurecido.

Nem uma só ideia, uma só que seja,

Neste deserto oco, cresce e viceja.

É um ninho abandonado

por um pássaro desencantado.

Tudo nele ecoa,

nada fica, tudo se escoa!

terça-feira, 29 de maio de 2012

Afonso Vicente foi um grande monte da Freguesia de Alcoutim [18]


FIGURAS MARCANTES

FRANCISCO GOMES
Molim e albarda, símbolos do albardeiro
Nasceu em 1813 e por voltas de meados do século era considerado albardeiro, uma profissão que admitimos não tivesse falta de ocupação.

Em 1840 exercia a função de cabo de polícia ou seja representante do Regedor da Freguesia, entidade policial.

Foi descobridor com outros, entre os quais, Justo António Torres que foi Presidente da Câmara de Alcoutim e Administrador do concelho e que era tio, entre outros de Manuel António Torres, em 1859 de uma mina na Herdade das Provenças, proximidades de Afonso Vicente que José Gato, morador nos Tacões, traz de foro à Santa Casa da Misericórdia de Alcoutim.(Sessão da CMA de 23 de Setembro de 1859)

Em 29 de Junho de 1850 é fiador de João Carlos de Freitas de Afonso Vicente que arrematou a “Renda do Ver do Limite de Baixo” por 204$000.

A referida “Renda” tinha a ver com a transgressão das pastagens. Os possuidores dos gados encontrados nessa situação eram acoimados revertendo para o arrematante a multa que aplicava. Tinha, por isso, de estar atento para cobrir a verba da arrematação recolhendo como produto do seu trabalho o excesso que alcançasse.

Em 1860 fazia parte da Junta de Paróquia de S. Salvador de Alcoutim juntamente com Bento Afonso do Montinho dos Balurcos, José Dias da Corte das Donas e Manuel Gomes, possivelmente da mesma família e de Afonso Vicente. Nesta altura Francisco Gomes estaria a residir nas Cortes Pereiras. (Sessão de 4 de Janeiro de 1860)

Em 29 de Junho de 1874 arrematou a “Renda do Ver do Limite de Baixo” por 250$000 réis.


MANUEL GOMES

Possivelmente familiar do anterior, talvez irmão. Em 1860 pertencia à Junta de Paróquia de Alcoutim e quando Francisco Gomes vivia nas Cortes Pereiras.

Em  1853 era considerado lavrador e foi fiador de Domingos Dias Sequeira, de S. Martinho que arrematou a “Renda do Ver do limite de baixo (do concelho)”.

Manuel Gomes manifestou-se na Câmara de Alcoutim como apoiante do Movimento do Minho (Maria da Fonte), pugnando pela Carta Constitucional. (Reunião Extraordinária de 23 de Outubro de 1846).

MANUEL BARTOLOMEU

Em 1836 e 1838 exerceu as funções de cabo de polícia.

Por ser considerado pessoa de conhecimentos de “rústica” foi nomeado com mais dois pela Câmara Municipal, para proceder à divisão da Herdade dos Coitos em courelas (1854.05.24) com vista a serem arrendadas, o que não veio a verificar-se pelo levantamento que o povo do Coito e Santa Marta originaram.

Um ano depois é nomeado informador louvado na freguesia de Alcoutim (avaliador oficial de propriedade urbana e rústica com intervenção nas matrizes prediais) funções que continuava a exercer em 1865. (Sessão da CMA de 3 de Setembro)

Em 1871 com outro foi fiador de José Martins Coelho de São Martinho da “Renda do Ver do Limite de Baixo”. (CMA, Sessão de 16 de Julho de 1871)


FRANCISCO RIBEIROS

Era em 1887 um dos maiores 40 contribuintes do concelho.

Pela cheia do Guadiana de 1876/77 foi o mais prejudicado proprietário do “monte” e a grande distância de todos os outros e isto devido às várzeas que possuía no rio.

Devia ter sido apoiante de D. Miguel Angel de Leon pois esteve sob a sua orientação o arranjo nos poços públicos de Cortes Pereiras, Afonso Vicente e Santa Marta, incluindo o pagamento adiantado que depois foi satisfeito pela Câmara. A cal e os ladrilhos do de Afonso Vicente montaram a 2.150$000 réis (21)


VIRGOLINO GONÇALVES
Afonso Vicente. Rua do Alto. Local onde se encontrava a casa onde morou o Ti Virgolino. Foto de JV, 1989

Por estas pequenas povoações ficam sempre retidas na memória de quem as conheceu determinadas pessoas que por qualquer circunstância faziam a diferença entre as demais.

Esta transmissão tinha lugar antigamente em duas ou três gerações mas com a desertificação em fase adiantada o corte de memória acontece mais cedo.




O Ti Virgolino é uma dessas figuras que ainda hoje é lembrada pelos poucos habitantes do “monte”.

Chamava-se Virgolino Gonçalves mas todos o conheciam por ti Virgolino. Nasceu por volta dos anos 80 do século XIX e teria falecido cerca de 1965.

E qual a razão para que isso aconteça?

Numa região que nunca foi vinhateira e onde o pouco vinho produzido não imperava pela qualidade, que deixava muito a desejar, o Ti Virgolino “fabricava” o melhor vinho conhecido nas redondezas e muito apreciado por caçadores vindos de fora, como era o caso do comerciante de Mértola, António Joaquim Pereira (Feio) que por aqui passavam dias na actividade cinegética.

Tinha lá o seu processo de feitura que não era revelado, sabendo-se, contudo, que, além de apanhar a uva bem madura a deixava uns dias ao sol, o que lhe eliminava parte da água que continha, aumentando assim o grau alcoólico. A reprodução das cepas fazia-o pelo sistema de mergulhia.

Um dos pedaços de vinha que possuía situava-se no Barranco da Lapa.

Solteiro, vivia com uma irmã, Custódia Castelhana, cujo marido era maioral em Espanha.

Sem descendentes directos, os sobrinhos que viviam no país vizinho venderam os poucos bens que possuía.

Ainda hoje se houve dizer: Vinho como o do Ti Virgolino, não havia outro por estes lados!


ALFREDO COSTA

É outra das poucas figuras ainda hoje lembrada pelos habitantes que restam do “monte”.

Chamava-se Alfredo da Costa e ainda o conhecemos. Era uma figura meã e sempre com um sorriso nos lábios.

Trabalhou, enquanto pôde, no campo, lavrando para semear o pão, apanhando mato, o combustível de então para a confecção das refeições e cozimento do pão. Conhecia bem todas essas tarefas, desde a lavra aos trabalhos da eira.
Afonso Vicente. Casa em ruinas que pertenceu e onde residiu Alfredo Costa. Foto JV, 2010

Cumpriu o serviço militar onde aprendeu a ler qualquer coisa. Estava no Porto quando se deu a tentativa de implantação da República. Quiseram-lhe arranjar um lugar para a “guarda” que declinou, mas que mais tarde se veio a arrepender, como confessava e justificava.

Casou, não teve filhos e enviuvou.

Todos os moços do monte eram amigos do Ti Alfredo pois gostavam de ouvir as suas estórias que transmitia com propriedade e que tinham sempre uma conclusão lógica e de onde se podia retirar um ensinamento.

Estavam nestas estórias toda a sua vivência e experiência de vida. Aplicava ajustadamente alguns rifões que tinha ouvido aos seus antepassados e aos velhos que escutava.

O Ti Alfredo era aquilo a que é hábito chamar um “filósofo barato”.

Eis algumas frases e pensamentos que o ti Alfredo transmitiu aos jovens quando já era entrado na idade:

O tempo passado esquece e mais tarde ao sentido vem e o erro só se conhece, quando remédio não tem.

Vive o homem no escuro, desde que nasce até que morre iludido no futuro e o melhor nunca o discorre.

Já dormi na tua cama e já mijei no teu penico e já lucrei os teus carinhos e nem por isso sou mais rico.

Vem a morte, acaba a vida, vem a tumba, leva o corpo e a fazenda para aí fica, faze-a um e estraga-o outro.

Não se arremata o tempo, porque o tempo os dá (produtos agrícolas) e o tempo os tira.



Duas “quadras” feitas e ditas pelo Ti Alfredo:


I

Sem faltas, ninguém nasceu

Sem faltas, não há ninguém

Quem julga que não tem faltas

É uma falta que tem.

II
A tua mãe não me quer

Porque não tenho fazenda,

Nem a tua mãe é tão rica

Nem tu és tão boa prenda.

Muitas mais existiram e se perderam e outras que desconhecemos.

Acabou os seus dias num lar em Vila Real de Sto. António esta figura ainda lembrada no meio.



MANUEL DO NASCIMENTO MESTRE

Este poeta popular nasceu em Afonso Vicente em 1908, filho de Manuel Mestre e de Florência Maria e faleceu no lar de Alcoutim aos 89 anos.

Pelo casamento fixou residência no Monte do Poço, nas Cortes Pereiras.

Afonso Vicente. "Morada de casas" que pertenceu a Manuel do Nascimento Mestre. Foto JV, 2012

Conhecê-mo-lo relativamente bem e por volta de 1987 esteve em nossa casa onde se deslocou no seu burrinho. Rondava assim os 80 anos e estava razoavelmente bem de saúde. Na altura, talvez a vista fosse fisicamente a parte mais em decadência.

Conseguimos recolher nesse dia os seguintes versos:


Mote a glosar.


Alcoutim já construiu

Uma obra de valor

Social e Humanista

P `ro homem trabalhador

I
Troncos velhos, carcomidos

Movem-se com lentidão

Da sala para o salão

E ficam aí reunidos.

Quase da vida vencidos

Da vida que os consumiu

Seus ais alguém ouviu

Para a morte esperar

E para conforto do LAR

Alcoutim já construiu


II

Eu não me importo de ser pobre

A riqueza nada me diz

Eu encontro-me Feliz

E ter uma alma nobre

Dinheiro que alguém encobre

É frio, não tem calor

O ódio não tem amor

Ter energia é ter virtude

É um lar com saúde

Uma obra de valor.


III

Qualquer pensionista

Se é homem do Povo

Deseja um Mundo novo

Mais fraterno e realista

E diz a qualquer fadista

Esta obra tamanha

Maior que uma montanha

P `ra esquecer horas amargas

Projectos de vistas largas

Social e humanista


IV

Nesta Serra de Sargaço

Algarve já nordeste

Terra pobre e agreste

A quem dou um abraço

Com estes versos que eu faço

Com ternura e com amor

Muito trabalho e suor

P`ra terra desbravar

E já tem um novo Lar

P `ro homem trabalhador


Tenho 80 anos de idade

E 70 de trabalhar

Já dei produto à nação

E agora sou sócio do LAR.

Manuel Mestre das Cortes Pereiras

Natural de Afonso Vicente

Foi o autor destas quadras

P `ra ler por aí muita gente.

Noutra ocasião fez as seguintes quadras:


I

Viva o nosso Presidente

Que entrou outra vez de novo

Nós damos-lhe os parabéns

Pois dá grande valor ao Povo.



II

A vila de Alcoutim estava morta

E agora tudo vai para a frente

E a quem tem de se agradecer

É ao nosso bom Presidente.

III
A estrada das Cortes Pereiras

Era um beco sem saída

Se não fosse este Presidente

Nunca mais seria feita na vida.

IV
Que fazia tanta falta

Já temos uma ponte

Já se pode ali passar

Seja de dia ou de noute.

V
Já temos prédios feitos

Cá na Vila de Alcoutim

E também estrada feita

Em certos caminhos ruins

VI
Viva o nosso Presidente

Criado no Marmeleiro

Foi ele que teve a dita

De contentar o concelho inteiro.


Não vamos comentar a rima e muito menos a métrica, interessa-nos sim dar a conhecer aquilo que alguém escreveu procurando transmitir, através do verso, mais ou menos bem conseguido, algo que o impressionou.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Canastreiro contador de estórias


Escreve



Gaspar Santos



Era do Álamo e veio a nossa casa fazer duas canastras. Destinavam-se, alternadamente, a servirem de contentor fixo de azeitonas, de azeitonas já moídas a “curtir” à espera de produzir azeite, e ainda para armazenar amêndoas ou alfarrobas.


Este homem, cujo nome já não recordo, era um mestre não só na arte de “tecer” cestos e canastras com ripas de cana, mas também na arte da palavra. Ele “tecia” as mais variadas estórias ficcionadas que contava cheio da maior convicção e repassadas de emoção, como se fossem verdadeiras. Era um actor. E eu, na inocência dos meus 10 anos, gostava de o ouvir. Chamo-lhe senhor José para abreviar.

Enquanto ele trabalhava no quintal eu ia para junto dele e, ou pedia que me contasse uma estória, ou fazia perguntas acerca de estórias que ele já contara. “Senhor José conte lá aquela, de quando passou para Espanha uma carga de contrabando”. E ele começava…

”Uma vez eu ia passar a nado uma carga de contrabando para Espanha. Ao sair da margem portuguesa, a Guarda-fiscal começou aos tiros quando eu já estava a nadar. A roupa que tinha ficado na margem, para vestir no regresso, passou para a posse deles.

Cheguei ao lado espanhol, satisfeito apesar de tudo, pois conseguira salvar a carga. Vejo surgir os carabineiros (o equivalente à guarda-fiscal). Comecei a correr com a pesada carga às costas, mas não aguentei muito. Tive que a largar. Fiquei desolado. Sem a carga, que passou para as mãos dos carabineiros, e sem ter que vestir, pois a roupa tinha ficado em Portugal.

Dirigi-me à localidade mais próxima. Ali havia um grande baile. Cheio de frio e fome, não havia outra alternativa senão pedir auxílio. Entrei no baile nu. Foi risada geral. Até que me deram uma roupa simples. Não conhecia ninguém. Mas as pessoas trataram-me o melhor que se possa imaginar possível, sem nenhuma hostilidade. Servi apenas de risota. Deram-me roupa, de comer e de beber.

Participei a seguir numa festa de arromba para a qual me convidaram. Eram as boas filhós. Eram as boas empanadilhas. E bons licores e Pedro Domec para aquecer. No outro dia regressei a Portugal só com prejuízo, mas satisfeito.”

Além desta, contou-me dúzias de outras. Essas estórias tinham como característica, serem bem-sucedidas, após um começo tumultuoso, perigoso ou pouco prometedor. Havia uma certa improvisação de cada vez que as contava, pois eu reconhecia diferenças entre a estória que estava a contar e a mesma estória que já lhe tinha ouvido: as palavras eram outras dentro da mesma estrutura narrativa.

Também lhe ouvi várias vezes estórias de um outro tipo, de final apenas ligeiramente diferente:

“Era uma vez, eu tripulava um barco no Guadiana. Ia para Vila Real e, no Alcaçarinho, o vento Norte deixou de soprar e a maré começou a correr para Norte. Havia que “fazer maré” e aguardar a mudança da corrente. Fundeámos eram 10 da noite. O camarada ficou no barco e eu ia a Alcoutim buscar vinho e comida.

No caminho, mesmo sem haver vento os canaviais começaram a varejar. Era de arrepiar. À medida que me aproximava do cemitério, as minhas pernas cada vez tremiam mais. Só via fantasmas enrolados em lençóis brancos, só com os olhos luminosos a sobressair. Saiam dos canaviais e vinham direito a mim, com umas gargalhadas e risadas que mais pareciam galinhas a cacarejar. No caminho, à minha frente e também atrás de mim, os fantasmas dançavam, rodopiavam, sei lá. E o cacarejar delas punha-me em pele de galinha. O medo que de mim se apoderou culminou, quando ao passar junto ao muro do cemitério ouço um homem nele debruçado dizer-me: Oh amigo, dá-me lume?

Ia morrendo de susto. Comecei a correr para Alcoutim, enquanto o homem que me falara desatava à gargalhada, e só parei uns metros depois do cemitério quando uma patrulha da Guarda-Fiscal me abraçou e tranquilizou: Oh homem não tenha medo, aquele homem é o coveiro que tem a residência no cemitério, é muito beberrão e gosta de brincar pensando que as pessoas já sabem dele e na verdade muitas já o conhecem. O que não era o meu caso.

“Bem, depois fui a Alcoutim aviar-me e ainda tive oportunidade de levar fósforos e uma garrafa do tinto para o coveiro me contar umas quantas piadas.”


As estórias ficcionadas do canastreiro tinham alguma parcela de realidade. Esta última, por exemplo, era usual os barqueiros contá-la, com pequenas variantes. Basta pensarmos, por um lado, que medo também os mais corajosos por vezes têm, e que por outro lado, os barcos tinham necessidade, com alguma frequência, de “fazer maré”, sempre que o vento e a corrente da água não permitiam navegar no sentido que eles queriam.

De facto o coveiro existiu, trabalhou na década de trinta no cemitério até morrer. Tinha o nome ou alcunha de Relego. Vivia e dormia no cemitério. Assustou muitas pessoas que ali passaram de noite, vindo ou indo para os Montes do Rio, quando ao Relego a bebedeira o fazia tocar a concertina ou para no silêncio da noite pedir lume para o cigarro.

O caminho nesse tempo era um carreiro de cabras já não utilizado hoje. Passava a nascente do cemitério tendo ao lado o precipício pendente para o rio como hoje se pode ainda observar.

Foi este Relego a quem Quaresma deu as cabeçadas descritas nos versos de José Francisco da Trindade, publicados por José Varzeano neste blogue em 22 de Abril de 2012.

Envolvendo a proximidade do cemitério, contam-se muitas estórias. Havia até quem apostasse, já com uns copitos a “bordo” e em ambiente de taberna, para provar a coragem de que era capaz de ir colocar de noite um lenço na porta do cemitério. Entretanto, outros que estavam presentes, sorrateiramente saiam a esconder-se na proximidade do cemitério e pregavam depois um grande susto ao corajoso fingindo-se de “almas do outro mundo”.



domingo, 27 de maio de 2012

Guerras de 1704 / 1713 - Da Sucessão de Espanha

O rei de Espanha, Carlos II, morreu sem descendentes. O testamento indicava como herdeiro, Filipe, neto de Luís XIV que foi aclamado rei em Madrid, mas o imperador Leopoldo da Alemanha não reconheceu a sucessão pois entendia pertencer a seu filho, o arquiduque Carlos.
Assim, estalou a guerra entre a Áustria e a França.
Portugal começou por aderir ao bloco francês, mas após dois anos de negociações passou para o lado do arquiduque, apoiado pela Inglaterra, nossa velha aliada. (1)
Em troca do nosso apoio, o arquiduque prometia, se subisse ao trono de Espanha, o aumento do nosso território com a cedência definitiva das praças de Albuquerque, Badajoz, Valência de Alcântara, Baiona, Tui e Vigo.
Fazendo-se aclamar rei de Espanha em Viana, Carlos III desembarca em Lisboa a 9 de Março de 1704.

Marquês das Minas
As tropas franco-espanholas atacam a Beira e o Alentejo, tomando praças e massacrando as populações rurais. O Marquês das Minas recupera praças perdidas, toma a ofensiva e entra triunfalmente em Madrid onde faz aclamar Carlos III, mas na retirada é vencido em Almansa.

Nos anos seguintes, arrastam-se as campanhas de desgaste. (2)
Em Alcoutim, como terra raiana que é e palco de lutas que foi, também se fizeram sentir estas guerras.

Diogo Lobo Pereira, fidalgo da Casa Real e Cavaleiro da Ordem de Cristo, louletano pelo nascimento, em 1707 passou ao Algarve, fazendo levas de gente para o exército e aqui acudiu com diligência quando o inimigo intentou acometer por este lado.(3)
A vizinha Sanlucar é apontada como tendo desempeñado un importante papel (...) en la Guerra de Sucesion, reinando en España Felipe V de Anjou. (4)

NOTAS
(1) – Curso de Hstória de Portugal, Fortunato de Almeida, 1945. p. 252
(2) – História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, Vol. V, 1980, p. 222.
(3) – Corografia do Algarve, J. Baptista da Silva Lopes, 1841, p. 420
(4) – Ayamonte – Geografia e História, Maria Luísa Diaz Santos, 1990, p. 45

sábado, 26 de maio de 2012

O Burro da Berlenga


Com este título chegou-nos recentemente às mãos esta colectânea de 21 temas abordados em forma de banda desenhada.

O título é sugestivo e recorda o velho animal que foi emblemático do pequeno ilhéu ao largo de Peniche e que tinha por missão fundamental transportar para o foral os mantimentos necessários à manutenção do faroleiro e o indispensável gasóleo.

A publicação original foi efectuada no Jornal de Peniche (on line), agora em extinção pelo falecimento prematuro do seu Director e onde colaboraram os nossos igualmente colaboradores Fernando Lino e José Miguel Nunes.

A banda desenhada tem texto de Fernando (Lino),de aguçada perspicácia e inaudito sarcasmo, bem acompanhado pelos traços também contundentes de Pedro.

Os temas abordados foram os seguintes: Sabores do Mar (01.06.2008), Plastimar (10.06.2008), Peniche, Capital do Cheirete (18.06.2008), Queixinhas (22.06.2008), 3º Segredo de Fátima (17.07.2008), Maravilhas da Natureza (17.09.2008), O Primo (14.10.2008), Obama (18.11.2008), Independência da Berlenga (31.01.2009), O casamento homossexual (25.02.2009), O Bezerro de Ouro do PS (30.03.2009), Sigamos o Cão de Água (21.04.2009), Gulag dos Farilhões (21.05.2009), O Natal dos Coitadinhos (20.12.2009), O Estandarte do Senhor Burro (23.12.2009), Somos todos Dinamarqueses (06.01.2010), Epifania Pré – Socrática (23.02.2010), Concursos Impúdicos (22.04.2010), As 7 Maravilhas (03.08.2010), Variações sobre o Amor (15.09.2010) e Cultura Insular (29.03.2011).

O volume de formato de 15X21 cm tem 54 páginas com capa a cores. É edição AR, Ed e foi-nos oferecido pelo nosso Amigo Fernando (Lino) com cativante dedicatória


sexta-feira, 25 de maio de 2012

Futebol "internacional" há mais de 50 anos!

Passou-se na Vila de Alcoutim tendo como palco o “Estádio da Fonte Primeira” topónimo centenário e hoje substituído pela praia fluvial.

Os contendores foram portugueses e espanhóis representados por jovens de Alcoutim e de Sanlúcar quando por essas paragens existiam jovens para jogar futebol.

Se as equipas jogaram completas, faltam pelo menos três elementos, possivelmente um deles foi o que tirou a fotografia.

É mais uma fotografia cedida pelo alcoutenense José Madeira Serafim que nos deu algumas “dicas” para nos ajudar a comentá-la.

Refere o nosso amigo que nesse tempo havia confraternização entre rapazes e raparigas de Alcoutim e Sanlúcar. Um encontro de futebol em que nós portugueses nem camisola tínhamos, segundo se pode constatar.

E continua o nosso informador: Quando era mais difícil ir a Sanlúcar os encontros eram mais fáceis. Lá diz o ditado “a dificuldade aguça o engenho”. Assim, fica a imagem e esta não desmente os factos.

Nós da foto só conseguimos identificar dois, o José Madeira Serafim e o último à direita do segundo plano, António Antunes.

Recorrendo às informações prestadas, iremos referir:-  o primeiro à esquerda e no segundo plano, não foi identificável. O segundo é um José Manuel da família Justo que morava em Faro e que no Verão ia sempre a Alcoutim. O terceiro, segundo informação recebida, é José Tiago, filho de uma das melhores pessoas que conheci em Alcoutim, Sabino Faustino. José Tiago, na década de setenta do século passado, era o mais habilidoso jogador de futebol de Alcoutim, vindo a ser destronado pelo Fernando, vulgo “Mealha”, um poço de habilidade a tratar a bola.

O quinto é José Madeira Serafim de que não conhecemos as habilidades futebolísticas.

O 7º é Arnaldo Rodrigues, primo direito do José Madeira Serafim e já falecido. Era filho de Arnaldo Madeira Rodrigues que foi funcionário de finanças em Alcoutim e que segundo dizia, com muito , foi o primeiro requerimento dirigido à Direcção Geral das Contribuições e Impostos a pedir transferência para Alcoutim e que na altura estava a exercer funções em Albufeira!. Era então informador fiscal e tecnicamente bom funcionário que ainda conhecemos no exercício das suas funções.

O 9º e pela mesma ordem é António Antunes, filho do guarda-rios Primo Antunes, cuja família se afastou da vila de Alcoutim regressando às suas origens do Azinhal, freguesia de Castro Marim.

No 1º plano, o segundo à esquerda é nem mais nem menos do que o nosso colaborador Amílcar Felício, que nunca conseguiriamos identificar. Certamente, mesmo que não tenha a foto, Amílcar Felício irá lembrar-se desta passagem e será capaz de construir, com a sua habilidade de tratar a escrita, uma panorâmica do acontecimento recorrendo igualmente à privilegiada memória que lhe conhecemos.

Irá ser para ele uma agradável “memória”?

O quarto, continuando no mesmo sentido, será um José ou António Eduardo filho de uma Ajudante de notário que viveu alguns anos em Alcoutim.

O 6º é Nelito Cunha, que mal conhecemos e filho do nosso saudoso Amigo Luís Cunha muitas vezes referido neste espaço.

Na 8ª posição aparece um José Manuel que não identificamos, é primo do Amílcar Felício e que segundo pensamos vive ou viveu em Vila Real de Santo António.

O primeiro do lado direito do primeiro plano é António Barão que não chegámos a conhecer, mas que minha mulher, das mesmas idades, identificou. Trata-se de um dos filho de Francisco Barão e de Almerinda Gonçalves.

Dos vizinhos espanhóis, José Serafim ainda conseguiu identificar ao lado de Amílcar Felício o filho mais novo do proprietário do “Bar Estrela”de Sanlúcar e à sua direita, German, filho do Secretário do “Ayuntamiento” de Sanlúcar.

AQUI FICA PARA RECORDAÇÃO DOS INTERVENIENTES E NÃO SÓ.



quinta-feira, 24 de maio de 2012

Fernando António Rainho Thomaz Ribeiro




Escreve

Gaspar Santos


 

Leitor assíduo deste blogue, Fernando deixou-nos em 15 de Março de 2012, com 73 anos de idade, no Hospital de São Luís em São Paulo, Brasil, depois de vários meses de sofrimento. Embora em Portugal, nós acompanhámos a sua doença com grande preocupação e, por fim, um enorme desgosto.

O Fernando depois de terminar a sua vida activa, viajava muito pela Europa em particular pela Espanha e por Portugal. Tinha as suas raízes em Vila Real.

Estando ligado a nossa família do Brasil, conhecemo-nos durante uma dessas viagens de dois meses a Espanha e Portugal. Tornámo-nos amigos e ele também nos distinguia com a sua amizade. Esteve na nossa casa de Alcoutim. Viu e gostou da nossa Feira de Artesanato, onde comeu tiras de carne grelhada, coelho bravo e perdiz, bebeu sangria e assistiu à tarde musical. Comeu ensopado de enguias nos Guerreiros do Rio. Viu o Castelo e alguns dos Núcleos Museológicos.

Antes tínhamos viajado pela Costa de Caparica, Cabo Espichel, Sesimbra, Portinho da Arrábida e Setúbal. Quando passámos pelo Azeitão para lhe mostrar as velharias ele ficou deslumbrado ao ver as Adegas. Disse: Que maravilha, belo passeio. Vi a adega do vinho Periquita que eu bebo no Brasil! Fizemos muitas fotos com ele a posar com a Maria José sua esposa, junto da Firma José Maria da Fonseca.

A última vez que o vimos foi na nossa casa do Douro. Era um seu grande desejo conhecer o Douro e nós ficamos felizes por lho termos proporcionado. Durante os nossos passeios mostrámos para ele aquilo que chamava de Vale do Douro profundo, ou seja o viver próximo dos residentes, aquilo que ele nas suas anteriores viagens turísticas não vira. S. Martinho de Galafura, Régua, Lamego, Casa de Eça de Queirós, Caves do Espumante Murganheira, foram alguns desses passeios.

Natural de Juiz de Fora, formado em Direito, foi um importante político na década de 70, quando foi secretário do Governo da Prefeitura e mais tarde Deputado Estadual. Foi professor de direito constitucional na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora e ajudou a fundar duas outras importantes escolas: Centro de Ensino Superior e Estácio de Sá de que foi reitor. Em 1977 integrou o Governo Mello Reis, na secretaria de Governo. Depois concorreu e venceu as eleições para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Foi ainda deputado estadual entre 1983-1987 pelo extinto Partido Democrático Social.

Além de inteligência robusta e cultivada, reconhecíamos nele uma elevada sensibilidade que teria herdado de sua mãe a escritora e poetiza amiga de Portugal Cleonice Rainho que foi professora da Faculdade de Letras de Lisboa na década de 60. Ainda hoje viva com 97 anos, também tivemos o privilégio de a conhecer.

Em blogues brasileiros vimos também como ele era apreciado pelas suas qualidades humanas, profissionais e políticas.


Gaspar Santos e Fernando Rainho
Pequena nota

Quero associar-me a esta pequena homenagem a Fernando Rainho que não conheci mas de quem recebi palavras que muito me sensibilizaram, que guardo e não esquecerei.
JV

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Afonso Vicente foi um grande monte da Freguesia de Alcoutim [17]


CENTRO CULTURAL E SOCIAL


Em 13 de Abril de 1981 é fundado o Centro Cultural Social e Recreativo de Afonso Vicente com sede própria adquirida por doze mil escudos e que tem sofrido várias alterações.

A associação tem por fim a promoção cultural e recreativa dos seus associados. (1)
Foram a alma da sua fundação o Doutor António do Nascimento Joaquim, Virgílio Joaquim Afonso e Manuel Joaquim Mestre Gomes, pois foram eles que se movimentaram no sentido de concretizar o objectivo.

Conheci-a em 1986 e onde se vendia uma cerveja, um sumo, um bagaço ou um café tirado por uma pequena maquineta rudimentar. Era, contudo, o ponto de reunião dos poucos habitantes.

Já existia um televisor.

Tinha duas divisões, na maior que era a da entrada havia uma janela. Existiam duas mesas, cadeiras e na parede um suporte onde estava colocado o televisor. Subindo dois degraus entrava-se na outra divisão mais pequena e que servia de bar. Já havia um frigorífico de apoio.

A direcção, na altura, era constituída por:- Presidente, Avelino Pereira Góis, Secretário, José Joaquim Mestre e Tesoureiro, Manuel Joaquim dos Santos. A jóia era de 500$00 e a quota mensal de 20$00.

Aspecto da Associação em 1989. Foto JV

Em 1993/94, com apoio da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia, fazem-se obras consideráveis com a feitura de um telhado novo, paredes rebocadas, uma pequena arrecadação de apoio ao bar, novo chão de mosaicos e a feitura de um pequeno bar na sala de entrada, funcionando a mais pequena como cozinha com chaminé e um armário para a documentação inerente à gestão.

Além disso, foi criada a indispensável casa de banho, havendo, naturalmente, água canalizada fornecida pelo município.

Em 1995 tinha este aspecto. Foto JV

Por outro lado, a parte fronteira à casa foi transformada num terraço que começou a funcionar como esplanada. Mantiveram-se duas parreiras que no Verão proporcionavam a sombra protectora.

Pode dizer-se que reunia um mínimo de condições e isto tomando em consideração o decréscimo acentuado de população.

Em 2005, o Centro efectuou candidatura ao programa Leader+ para obras de remodelação e ampliação do edifício sede o que se veio a traduzir num investimento de cerca de 117 mil euros (Fundos Comunitários) e 30 mil por parte da Câmara Municipal. (2)

Em 2006 as estruturas fundamentais estavam feitas (3) e a inauguração tem lugar no dia 15 de Agosto de 2009. (4)

Para se realizar esta obra, todas as estruturas então existentes foram demolidas.

Aspecto actual das instalações. Foto JV, 2007

O edifício é constituído por dois pisos. No rés-do-chão localizam-se as instalações sanitárias, sala polivalente, cozinha, copa, balcão e um pequeno arrumo de apoio. O primeiro andar constitui um salão amplo e sanitários.

Tem um fogão a lenha para aquecimento do ambiente quando necessário.

Máquina de café e as bebidas normais.

Jogos de dominó, de damas, baralhos de cartas e uma mesa de “matraquilhos”.

Edifício moderno com todas as condições, mas desfasado do ambiente que o cerca, principalmente a nível de volumetria.

A “associação” foi o motor das Festas-Convívio que tiveram lugar e vai participando nos torneios concelhios de Jogo de Cartas – Sueca, organizados pela Câmara Municipal.

Abre quando abre, depois de almoço para servir três ou quatro pessoas!


NOTAS

(1) – Diário da República nº 105 (III Série) de 8 de Março de 1981.

(2) – Documento colocado no placard do Centro para conhecimento dos associados.

(3) – Alcoutim, Revista Municipal nº 13, de Dezembro de 2006, p. 10

(4) - Alcoutim, Revista Municipal nº 16 de Março de 2010, p. 7

terça-feira, 22 de maio de 2012

80.000 visitas! Quando é que irá descer a média diária?


Há muito que esperamos que a média diária de visitas ao ALCOUTIM LIVRE venha a descer o que seria considerado inteiramente normal. Afinal, ainda não aconteceu nas últimas 10 MIL completadas no dia de ontem.

O record de tempo para alcançar 10 mil visitas tinha sido obtido na última contagem, cifrando-se em 3 meses e 10 dias. Na contagem das 70 para 80 que agora se verificou o tempo diminuiu 10 dias, sendo apenas necessário decorrer 90 dias ou seja 3 meses!

A média diária de visitas durante este período subiu de 100 para 111,11o que é muito significativo, registando-se um aumento de pouco mais de 11%.

O número de postagens foi de 89, praticamente, uma por dia.

A nível de número de TEMAS abordados, a Etnografia tem 103 (+ 8), a Câmara Escura 102 (+6), Escaparate 84 (+5), Ecos da Imprensa 72 (+4) e Especiais 55 (+2).

Neste período tivemos a visita de mais quatro países sendo o último a República de S. Tomé e Príncipe. Os outros foram Madagáscar, Malásia e Letónia.

Continuámos com o valioso contributo dos nossos colaboradores e deles foram publicados vinte e um texto cabendo 7 a Daniel Teixeira, 4 a Gaspar Santos e 3 a José Temudo, Amílcar Felício e José Miguel Nunes.

Estamos a caminho dos 4 anos de existência e se lá chegarmos tencionamos realizar um balanço abrangente.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Funil para chouriças


A primeira dificuldade foi saber o nome do objecto utilitário. Parecia-nos dever designar-se por funil para enchidos e esta designação teria todo o sentido na minha região de origem.

Para esclarecer a situação contactei telefonicamente  uma alcouteneja criada na terra em que nasceu e que sempre contactou com esta actividade.

Quando lhe perguntei como se chamava a peça a resposta foi rápida : FUNIL PARA FAZER AS CHOURIÇAS. Justifica-se plenamente a designação já que no concelho de Alcoutim aquele funil só serve (ou servia) para fazer chouriças de “carne” e de “sangue”, ou pretas.

Noutras regiões do país havia outros tipos de enchidos como farinheiras, morcelas, morcelas de arroz, negros, etc.

Em Alcoutim havia dois tipos de funil para esta actividade. Um, cujo cano final era mais largo, tinha sempre uma pega e destinava-se a ser utilizado nas tripas mais grossas; outro de cano mais estreito mas sem pega, para as delgadas. Eram feitos de folha pelos latoeiros locais.

Enquanto que para as chouriças de “carne” picava-se carne magra, proveniente das “mantas” e em tempos antigos mesmo do lombo, nas de “sangue” utilizava-se a carne com alguma gordura e ensanguentada como cachola e a que ficava junto aos ossos.

Pimentilha, substituída mais tarde por pimentão vermelho, alho esmagado ou moído, cravinho e pimenta preta constituíam os ingredientes sendo tudo amassado e quando necessário juntava-se um pouco de água ou vinho branco. Não podia faltar o sal.

Só se faziam cerca de quatro dias depois da massa preparada que ficava tapada com um pano em alguidar de barro.

As chouriças de sangue eram temperadas com cominhos.

A atadura fazia-se com liços (fios de linho).

domingo, 20 de maio de 2012

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações - XXVIII



 

 Escreve


Daniel Teixeira







FALAR DE MONTANHEIROS

Tenho lido amiúde e de forma dispersa no tempo e nos temas alguma coisa sobre as denominações e terminologia própria dos Montes do Interior algarvio e embora não tenha consultado o Dicionário do falar algarvio de Brazão Gonçalves e não sabendo portanto se esta terminologia que vou referir vem lá expressa e desenvolvida vou escrever esta crónica com base naquilo que conheço por ouvir dizer (pronunciar) e isto ainda sem dar uma atenção específica àquilo que li noutras fontes.

Não se trata de um exercício egoísta ou de desconsideração sobre aquilo que outros já escreveram sobre estes termos (que não são muitos na minha memória) mas trata-se sim de os manter enquadrados nos momentos próprios e ambientes em que eles foram ditos de forma isolada ou repetida na minha presença.

A minha avó por exemplo não sabia, não conseguia e não queria dizer «máquina» referindo-se a uma qualquer ou tão simplesmente à máquina de costura: para ela era «mánica» e nem as constantes correcções nossas a faziam demover da sua ideia: «é máquina que se diz avó!!» mas ela mantinha-se na sua, não por birra, conforme me fui apercebendo, mas porque fazia parte dela já esse termo.

Infelizmente não tive oportunidade (convenhamos, era uma criança...) de comparar com o que as outras mulheres, sobretudo, diziam sobre estes objectos mas lembro-me de que anos mais tarde ter ouvido que «as mánicas da tropa arranjaram alguns caminhos do Monte de Alcaria Alta» misturado com algumas «máquinas».

Tive de percorrer no Google um relativamente longo caminho para encontrar num sítio de anedotas sobre alentejanos alguma coisa que me desse para escrever mais umas linhas sobre este assunto. E é assim: «- Oh pai, isto éi uma mánica , daquelas muito sufisticadas para cortar as árvores , faz logo o trabalho todo . Fui agora mesmo buscá-la á do Fialho a Evora . Querem vê-la a trabalhari !?»

Há também em Italiano algumas coisas que referem esta terminologia mas com base diferente uma vez que se referem à posse: talvez minha = ma + coisa = nica sendo este conceito bem mais geral no sentido português do «é minha!!» com algum sentido também do conjunto «é minha e eu sou o que é meu», isto visto numa forma muito geral e só para ilustrar.

Ora embora se possa chegar à conclusão de que se trata de uma deturpação do termo base «máquina» (pelo menos a acreditar no falejar da anedota alentejana) certo me parece ser que a primeira vez que a minha avó deve ter visto «mánicas» foi precisamente nos períodos de ceifa nas Herdades do Alentejo.

A tentação de juntar estas coisas faz parte da natureza humana, certo, mas vamos admitir que esta propensão para a utilização do termo «mánica» em vez de «máquina» tenha a sua origem no calão alentejano, pelo menos neste caso.

«Pial» que eu tenho visto referido nalguns textos sobre os Montes do Concelho de Alcoutim não me lembro de o ter ouvido: sempre me foi referido «sente-se aí no poial» - por exemplo e embora se admita uma redução geral algarvia pelo «comer» de sonoridades de mais difícil pronúncia nunca ouvi. Arreata por exemplo é bem mais difícil de pronunciar do que rédea e não foi «comida» ou substituída pelo seu equivalente.

Há aqui uma questão de estatuto também, rédea é de animal nobre, cavalo, e arreata dá para os humildes burros e mesmo para os híbridos muares. Será a questão do estatuto suficiente para levar à separação das utilizações? Já «escaleiras» em vez de escadas vem nitidamente do espanhol e não me lembro de se utilizar o termo escadas.

Ora, comecei pelo termo «mánica» e por ele irei terminar, ainda que num outro plano: os animais, sobretudo os muares (e mesmo os cavalos) tinham de ser tratados com «pezinhos de lã» no que se refere a sustos ou coisas que os assustassem. Os asininos também sofriam de um descontrole em face do desconhecido que os fazia entrar em parafuso mas eram relativamente controláveis: baixinhos, bastava desmontar mesmo a salto e tratar do assunto depois.

Ora nos cavalos era preciso aguentar a parada (empinar e correria) e para isso era preciso ter experiência de montar e treino suficiente para não fazer asneira. Os muares, quando em carroça, neste caso em dupla, dos lavradores Vilão, que foi os que conheci neste plano entravam em processo de «espanto» (dizia-se espantaram-se) com aquilo que na altura achávamos ser uma coisinha de nada.

Como eram dois a puxar a gente parava o carro e virava-os de forma a que não vissem o objecto do potencial espanto, mas como eram dois bastava que um visse para que o processo fosse comum. Neste caso que vou contar, talvez o mais grave que nos aconteceu dado o acidentado do terreno da disparada dos dois animais, um indivíduo de Giões resolveu comprar uma «mánica» motorizada em vermelho vivo que até a mim me assustaria.


 
Ora um tio meu estava de férias no Monte e não havendo ainda telefone em Alcaria Alta e tendo ele um estabelecimento em Lisboa um dos empregados telefonou para Giões por uma questão qualquer que precisava de uma solução do proprietário.

Simpaticamente o tal homem da motorizada vermelha ofereceu-se para dar um saltinho a Alcaria Alta dizer-lhe que de lá tinham pedido para ele ligar para Lisboa.

Pois bem «apanhámos» (nós e os muares) a motorizada vermelha à nossa saída do Monte em frente à Cerca do Toril na parte que era da minha Tia Bia e as duas mulas entraram em disparada enveredando em direcção aos Farelos. Quem conduzia era o Manelito Vilão e cá atrás na caixa íamos três: a gente na nossa inocência achámos piada porque íamos num carro de corrida.

O carro dava saltos (eram ainda rodas de aro de madeira) e só nos apercebemos de que a coisa podia ser grave quando ele nos disse para nos deitarmos no fundo do carro porque o carro podia virar.

O Manelito Vilão (já falei do falecimento dele por ataque cardíaco aqui no Hospital de Faro) gaguejava um pouco mas a ordem de nos deitarmos e agarrarmo-nos bem veio toda sem gaguejo.

Ele lá conseguiu controlar os animais ao fim de bastante tempo, mas quando me relembro de tudo penso que o carro a virar-se era indiferente estarmos deitados ou de pé: os animais continuariam na sua correria arrastando a carroça e muito pouca coisa nos salvaria estando dentro dele.

O susto demorou a passar: ficámos ali um bom bocado a respirar fundo. Depois encetámos o caminho de regresso. Pois bem...felizmente que o nosso destino inicial era uma horta frondosa a cerca de 50 metros da estrada. Achei estranho ele meter o carro em maior velocidade minutos depois correndo-se em direcção às árvores da parte traseira da horta até que olhei para o Monte e para a serpenteada estrada. Lá ao longe vinha a «mánica» vermelha.

Chegámos mesmo a tempo de tapar da vista dos animais o até para mim insólito objecto. E lá ia ele, com o meu enorme e pesado tio na boleia quase arrastando os pés pelo chão.

Levámos muito mais tempo que o costume a regar a horta, a sachar, a limpar as árvores. Só faltou dar-lhes brilho...e só saímos dali depois do regresso do meu tio e do regresso a Giões do motociclista.