terça-feira, 29 de maio de 2012

Afonso Vicente foi um grande monte da Freguesia de Alcoutim [18]


FIGURAS MARCANTES

FRANCISCO GOMES
Molim e albarda, símbolos do albardeiro
Nasceu em 1813 e por voltas de meados do século era considerado albardeiro, uma profissão que admitimos não tivesse falta de ocupação.

Em 1840 exercia a função de cabo de polícia ou seja representante do Regedor da Freguesia, entidade policial.

Foi descobridor com outros, entre os quais, Justo António Torres que foi Presidente da Câmara de Alcoutim e Administrador do concelho e que era tio, entre outros de Manuel António Torres, em 1859 de uma mina na Herdade das Provenças, proximidades de Afonso Vicente que José Gato, morador nos Tacões, traz de foro à Santa Casa da Misericórdia de Alcoutim.(Sessão da CMA de 23 de Setembro de 1859)

Em 29 de Junho de 1850 é fiador de João Carlos de Freitas de Afonso Vicente que arrematou a “Renda do Ver do Limite de Baixo” por 204$000.

A referida “Renda” tinha a ver com a transgressão das pastagens. Os possuidores dos gados encontrados nessa situação eram acoimados revertendo para o arrematante a multa que aplicava. Tinha, por isso, de estar atento para cobrir a verba da arrematação recolhendo como produto do seu trabalho o excesso que alcançasse.

Em 1860 fazia parte da Junta de Paróquia de S. Salvador de Alcoutim juntamente com Bento Afonso do Montinho dos Balurcos, José Dias da Corte das Donas e Manuel Gomes, possivelmente da mesma família e de Afonso Vicente. Nesta altura Francisco Gomes estaria a residir nas Cortes Pereiras. (Sessão de 4 de Janeiro de 1860)

Em 29 de Junho de 1874 arrematou a “Renda do Ver do Limite de Baixo” por 250$000 réis.


MANUEL GOMES

Possivelmente familiar do anterior, talvez irmão. Em 1860 pertencia à Junta de Paróquia de Alcoutim e quando Francisco Gomes vivia nas Cortes Pereiras.

Em  1853 era considerado lavrador e foi fiador de Domingos Dias Sequeira, de S. Martinho que arrematou a “Renda do Ver do limite de baixo (do concelho)”.

Manuel Gomes manifestou-se na Câmara de Alcoutim como apoiante do Movimento do Minho (Maria da Fonte), pugnando pela Carta Constitucional. (Reunião Extraordinária de 23 de Outubro de 1846).

MANUEL BARTOLOMEU

Em 1836 e 1838 exerceu as funções de cabo de polícia.

Por ser considerado pessoa de conhecimentos de “rústica” foi nomeado com mais dois pela Câmara Municipal, para proceder à divisão da Herdade dos Coitos em courelas (1854.05.24) com vista a serem arrendadas, o que não veio a verificar-se pelo levantamento que o povo do Coito e Santa Marta originaram.

Um ano depois é nomeado informador louvado na freguesia de Alcoutim (avaliador oficial de propriedade urbana e rústica com intervenção nas matrizes prediais) funções que continuava a exercer em 1865. (Sessão da CMA de 3 de Setembro)

Em 1871 com outro foi fiador de José Martins Coelho de São Martinho da “Renda do Ver do Limite de Baixo”. (CMA, Sessão de 16 de Julho de 1871)


FRANCISCO RIBEIROS

Era em 1887 um dos maiores 40 contribuintes do concelho.

Pela cheia do Guadiana de 1876/77 foi o mais prejudicado proprietário do “monte” e a grande distância de todos os outros e isto devido às várzeas que possuía no rio.

Devia ter sido apoiante de D. Miguel Angel de Leon pois esteve sob a sua orientação o arranjo nos poços públicos de Cortes Pereiras, Afonso Vicente e Santa Marta, incluindo o pagamento adiantado que depois foi satisfeito pela Câmara. A cal e os ladrilhos do de Afonso Vicente montaram a 2.150$000 réis (21)


VIRGOLINO GONÇALVES
Afonso Vicente. Rua do Alto. Local onde se encontrava a casa onde morou o Ti Virgolino. Foto de JV, 1989

Por estas pequenas povoações ficam sempre retidas na memória de quem as conheceu determinadas pessoas que por qualquer circunstância faziam a diferença entre as demais.

Esta transmissão tinha lugar antigamente em duas ou três gerações mas com a desertificação em fase adiantada o corte de memória acontece mais cedo.




O Ti Virgolino é uma dessas figuras que ainda hoje é lembrada pelos poucos habitantes do “monte”.

Chamava-se Virgolino Gonçalves mas todos o conheciam por ti Virgolino. Nasceu por volta dos anos 80 do século XIX e teria falecido cerca de 1965.

E qual a razão para que isso aconteça?

Numa região que nunca foi vinhateira e onde o pouco vinho produzido não imperava pela qualidade, que deixava muito a desejar, o Ti Virgolino “fabricava” o melhor vinho conhecido nas redondezas e muito apreciado por caçadores vindos de fora, como era o caso do comerciante de Mértola, António Joaquim Pereira (Feio) que por aqui passavam dias na actividade cinegética.

Tinha lá o seu processo de feitura que não era revelado, sabendo-se, contudo, que, além de apanhar a uva bem madura a deixava uns dias ao sol, o que lhe eliminava parte da água que continha, aumentando assim o grau alcoólico. A reprodução das cepas fazia-o pelo sistema de mergulhia.

Um dos pedaços de vinha que possuía situava-se no Barranco da Lapa.

Solteiro, vivia com uma irmã, Custódia Castelhana, cujo marido era maioral em Espanha.

Sem descendentes directos, os sobrinhos que viviam no país vizinho venderam os poucos bens que possuía.

Ainda hoje se houve dizer: Vinho como o do Ti Virgolino, não havia outro por estes lados!


ALFREDO COSTA

É outra das poucas figuras ainda hoje lembrada pelos habitantes que restam do “monte”.

Chamava-se Alfredo da Costa e ainda o conhecemos. Era uma figura meã e sempre com um sorriso nos lábios.

Trabalhou, enquanto pôde, no campo, lavrando para semear o pão, apanhando mato, o combustível de então para a confecção das refeições e cozimento do pão. Conhecia bem todas essas tarefas, desde a lavra aos trabalhos da eira.
Afonso Vicente. Casa em ruinas que pertenceu e onde residiu Alfredo Costa. Foto JV, 2010

Cumpriu o serviço militar onde aprendeu a ler qualquer coisa. Estava no Porto quando se deu a tentativa de implantação da República. Quiseram-lhe arranjar um lugar para a “guarda” que declinou, mas que mais tarde se veio a arrepender, como confessava e justificava.

Casou, não teve filhos e enviuvou.

Todos os moços do monte eram amigos do Ti Alfredo pois gostavam de ouvir as suas estórias que transmitia com propriedade e que tinham sempre uma conclusão lógica e de onde se podia retirar um ensinamento.

Estavam nestas estórias toda a sua vivência e experiência de vida. Aplicava ajustadamente alguns rifões que tinha ouvido aos seus antepassados e aos velhos que escutava.

O Ti Alfredo era aquilo a que é hábito chamar um “filósofo barato”.

Eis algumas frases e pensamentos que o ti Alfredo transmitiu aos jovens quando já era entrado na idade:

O tempo passado esquece e mais tarde ao sentido vem e o erro só se conhece, quando remédio não tem.

Vive o homem no escuro, desde que nasce até que morre iludido no futuro e o melhor nunca o discorre.

Já dormi na tua cama e já mijei no teu penico e já lucrei os teus carinhos e nem por isso sou mais rico.

Vem a morte, acaba a vida, vem a tumba, leva o corpo e a fazenda para aí fica, faze-a um e estraga-o outro.

Não se arremata o tempo, porque o tempo os dá (produtos agrícolas) e o tempo os tira.



Duas “quadras” feitas e ditas pelo Ti Alfredo:


I

Sem faltas, ninguém nasceu

Sem faltas, não há ninguém

Quem julga que não tem faltas

É uma falta que tem.

II
A tua mãe não me quer

Porque não tenho fazenda,

Nem a tua mãe é tão rica

Nem tu és tão boa prenda.

Muitas mais existiram e se perderam e outras que desconhecemos.

Acabou os seus dias num lar em Vila Real de Sto. António esta figura ainda lembrada no meio.



MANUEL DO NASCIMENTO MESTRE

Este poeta popular nasceu em Afonso Vicente em 1908, filho de Manuel Mestre e de Florência Maria e faleceu no lar de Alcoutim aos 89 anos.

Pelo casamento fixou residência no Monte do Poço, nas Cortes Pereiras.

Afonso Vicente. "Morada de casas" que pertenceu a Manuel do Nascimento Mestre. Foto JV, 2012

Conhecê-mo-lo relativamente bem e por volta de 1987 esteve em nossa casa onde se deslocou no seu burrinho. Rondava assim os 80 anos e estava razoavelmente bem de saúde. Na altura, talvez a vista fosse fisicamente a parte mais em decadência.

Conseguimos recolher nesse dia os seguintes versos:


Mote a glosar.


Alcoutim já construiu

Uma obra de valor

Social e Humanista

P `ro homem trabalhador

I
Troncos velhos, carcomidos

Movem-se com lentidão

Da sala para o salão

E ficam aí reunidos.

Quase da vida vencidos

Da vida que os consumiu

Seus ais alguém ouviu

Para a morte esperar

E para conforto do LAR

Alcoutim já construiu


II

Eu não me importo de ser pobre

A riqueza nada me diz

Eu encontro-me Feliz

E ter uma alma nobre

Dinheiro que alguém encobre

É frio, não tem calor

O ódio não tem amor

Ter energia é ter virtude

É um lar com saúde

Uma obra de valor.


III

Qualquer pensionista

Se é homem do Povo

Deseja um Mundo novo

Mais fraterno e realista

E diz a qualquer fadista

Esta obra tamanha

Maior que uma montanha

P `ra esquecer horas amargas

Projectos de vistas largas

Social e humanista


IV

Nesta Serra de Sargaço

Algarve já nordeste

Terra pobre e agreste

A quem dou um abraço

Com estes versos que eu faço

Com ternura e com amor

Muito trabalho e suor

P`ra terra desbravar

E já tem um novo Lar

P `ro homem trabalhador


Tenho 80 anos de idade

E 70 de trabalhar

Já dei produto à nação

E agora sou sócio do LAR.

Manuel Mestre das Cortes Pereiras

Natural de Afonso Vicente

Foi o autor destas quadras

P `ra ler por aí muita gente.

Noutra ocasião fez as seguintes quadras:


I

Viva o nosso Presidente

Que entrou outra vez de novo

Nós damos-lhe os parabéns

Pois dá grande valor ao Povo.



II

A vila de Alcoutim estava morta

E agora tudo vai para a frente

E a quem tem de se agradecer

É ao nosso bom Presidente.

III
A estrada das Cortes Pereiras

Era um beco sem saída

Se não fosse este Presidente

Nunca mais seria feita na vida.

IV
Que fazia tanta falta

Já temos uma ponte

Já se pode ali passar

Seja de dia ou de noute.

V
Já temos prédios feitos

Cá na Vila de Alcoutim

E também estrada feita

Em certos caminhos ruins

VI
Viva o nosso Presidente

Criado no Marmeleiro

Foi ele que teve a dita

De contentar o concelho inteiro.


Não vamos comentar a rima e muito menos a métrica, interessa-nos sim dar a conhecer aquilo que alguém escreveu procurando transmitir, através do verso, mais ou menos bem conseguido, algo que o impressionou.