Escreve
José Miguel Nunes
Depois de quase duas décadas sem ir a Alcoutim, há cerca de
dois anos, após uns dias de férias no litoral Algarvio, decidi no regresso
passar por aquela vila que tantas recordações me traz. Foi uma visita de um par
de horas, mas que me fez perceber o quanto gosto daquela terra.
Ficou desde essa altura o propósito de lá voltar para passar
uns dias, pois as imagens que me invadiam o pensamento a cada travessa que
virava, a cada pessoa que encontrava, a isso quase obrigavam. A maneira como
fui recebido por aqueles com os quais fui criado faziam-me chegar as lágrimas
aos olhos, foi triste ter de partir novamente, sem ter a certeza de quando
voltaria, apenas que era inevitável que voltaria.
Foi este ano, e passados dois anos foi então possível planear
ir lá passar alguns dias, não propriamente a Alcoutim, mas sim ao monte de
Afonso Vicente, seria na semana da Páscoa. Convidei um casal amigo, e ficou
tudo combinado para partirmos dia 2 de Abril e voltarmos dia cinco, era este o
plano.
Andei nos dias que antecederam a partida mais inquieto que o
normal, nunca mais chegava o dia da partida. Finalmente lá arrancámos com
destino a Afonso Vicente para uma viagem de cerca de 340 Km. Ao chegar a
Mértola abri o vidro do carro e inspirei fundo, senti finalmente aquele cheiro,
senti finalmente o cheiro da minha terra, virei-me para a minha mulher e disse:
já cheira a Alcoutim.
Continuámos, estávamos já perto do nosso destino, e a partir
de certa altura tudo me começa a ser familiar, a bomba de gasolina em Mértola,
a ponte onde só cabe um carro, as curvas da estrada, os nomes dos montes… até
que finalmente aparece a placa a dizer: Afonso Vicente.
Quando chego ao monte e à casa dos meus avós, impecavelmente
restaurada pelo meu pai, preservando a identidade e cultura de quem a
construiu, bem como a do monte onde está inserida, e não deitada a baixo para
fazer um qualquer mamarracho desprovido de qualquer identidade, senti algo que
não consigo explicar, aquele monte, aquela casa, aquele sossego que eu adorava
quando era pequeno, e que tanto detestava na adolescência, pareciam-me agora as
melhores coisas do mundo. Adormecer sem o barulho dos carros a passar, e
acordar ao som do cacarejar do galo e do chilrear dos pássaros foi muito bom.
O primeiro passeio pelo monte, fi-lo sozinho, bem cedo,
andei por onde tanto tinha brincado, recordando cada brincadeira, cada
travessura. Lembrei-me do meu avô, e da sua burra, onde eu adorava andar, lembrei-me
de ir com ele buscar água ao poço…
A minha filha, com 5 anos, estava radiante, e eu também. Claro
que as razões são obviamente diferentes. Não se cansava de dizer que gostava
muito da terra da avó. Andava à vontade, a correr e a saltar no meio do monte,
a apanhar laranjas e limões, de quando em vez lá vinha mais chorosa que já se
tinha picado nas ortigas, mas isso também faz parte. Eu, porque ao vê-la
brincar onde tanto brinquei, junto das suas raízes, sentada no poial da casa da
chiba, que foi dos seus trisavós, e que um dia será dela, sentia que lhe estava
a transmitir algo que ela nunca esquecerá… Não se calava com os peixinhos que o
seu “bábá” tinha no lago, com os cabritinhos aos quais deu de mamar. O
Salvador, um dos filhos do casal que nos acompanhou, um pouco mais novo que a
Maria, um dia, num dos nossos passeios pelo monte virou-se para mim e disse: Oh
Zé, gostava tanto que a minha cidade fosse como esta.
Andei também por Alcoutim, corri a vila, a parte velha da
vila, aquela que ainda me traz belas recordações, subi o poste até dentro do
terraço da casa dos meus avós, o mesmo por onde tantas vezes desci a fugir da
minha avó para vir brincar para a rua. Sentei-me nas escadas do cais novo e
recordei tantos e bons momentos ali passados. Estive nos bancos da igreja, que
encerram tantas histórias de noites com vista para o Guadiana, enfim
recarreguei o baú das recordações.
A minha querida Belinha, que me trata de uma maneira que nem consigo descrever, a mim, e a todos os que estão comigo. Ainda continuo a ser o seu menino, é tão bom ser assim recebido.
A minha querida Belinha, que me trata de uma maneira que nem consigo descrever, a mim, e a todos os que estão comigo. Ainda continuo a ser o seu menino, é tão bom ser assim recebido.
Não voltei no dia programado, tive de aproveitar até ao
máximo, tive de ficar mais um dia, apetecia-me ficar mais, muito mais dias.
Até para o ano Alcoutim, terra do meu coração.
Até para o ano Alcoutim, terra do meu coração.