segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Farelos, o "monte" mais importante da Freguesia de Giões



Iremos hoje “visitar” o que consideramos o monte mais importante da freguesia de Giões, tanto pela sua população como pela actividade.

Tomando como ponte de partida a vila de Alcoutim, depois de percorrermos os 6 km do troço da E.N. 122-1, tomamos a nº 124 que nos vai levar à aldeia do Pereiro. Continuando pela mesma via, poucos quilómetros percorridos vamos encontrar à direita um entroncamento que nos indica Tesouro e que seguiremos.

Depois de passarmos por um monte abandonado e de tipo alentejano, que dá pelo nome de Herdadinha, encontramos o pequeno monte do Tesouro. Eram terrenos destinados pelas suas características à cerealicultura, entretanto completamente abandonada. Procura-se agora para rentabilizar as terras, a florestação já iniciada.

Depois de uma descida pronunciada, encontramo-nos no vale provocado pelo Barranco do Malheiro que ultrapassamos por ponte entrando por este lado na freguesia de Giões, tendo deixado o do Pereiro.


[Ponte no Barranco do Malheiro que liga a Freguesia do Pereiro à de Giões. Foto JV, 2009]

Naturalmente que agora se dá o inverso e temos de subir até encontrarmos a povoação que procuramos, os Farelos.

As casas branquinhas ,onde a cal, muitas vezes substituída pela tinta, impera, chamam a atenção pela alvura, tal como o matiz florido de abundantes gerânios.

Várias vivendas modernas, impondo-se uma pelas avantajadas dimensões.

O novo tipo de construção ou de reconstrução impõe-se, sendo já reduzido o número das antigas construções de xisto à vista, praticamente todas em ruína. Quem o reconstrói fá-lo à moderna como não podia deixar de ser.

Ainda que não apareçam placas toponímicas com esse sentido, os Farelos são divididos por dois montes, o de Cima, a norte da estrada e o de Baixo, a sul.

Como é vulgar em “bairros” próximos, aparecem por vezes algumas questiúnculas facilmente ultrapassadas.

Desconhecendo a actual situação, em tempos houve duas pequenas associações, uma no monte de Cima, outra no monte de Baixo!

A EM nº 507 continua dando ligação à sede de freguesia e o acesso ao concelho de Mértola. De Farelos parte um pequeno troço (nº 1044) que liga a Clarines. Existem dois caminhos, um que liga ao Monte das Velhas que em 1998 se percorria de automóvel com bastante dificuldade e outro em melhor estado que nos leva à Ribeira do Vascão, à chamada Água Santa, nascente junto da margem alentejana daquela ribeira e que é muito frequentada no Verão.

A grande maioria dos montes do concelho constitui “becos sem saída”, o que aqui não acontece.

Abordaremos agora o topónimo.

No Dicionário que normalmente consultamos (1), só encontrámos este Farelos e dois no singular, um no concelho de Sintra e outro no de Penela.

O linguista José Pedro Machado dá-o como derivado do substantivo masculino (2), que significa entre outras coisas e que é do conhecimento comum, a parte mais grossa que se separa da farinha depois da primeira peneiração. (3)

Atendendo às características locais, a explicação dada por este linguista tem hipóteses de ser consensual.

As Memórias Paroquiais de 1758 já referem o “monte” mas o pároco que responde ao questionário, quanto ao número de habitantes, indica os da aldeia e os dos montes no seu conjunto e que é superior ao da sede.

[Pequena lagoa de Farelos. Foto JV, 2009]

Silva Lopes em 1839 (4) atribui-lhe trinta fogos que a nível de freguesia e de monte só suplantado por Alcaria Alta com 43.

No censo de 1991 já é indicado como o monte mais populoso da freguesia com 87 habitantes, sendo igualmente o primeiro a nível de edifícios pois contava 56.

Em 1840 os terrenos do rossio eram demarcados com audiência do povo, segundo consta de uma acta de sessão da Câmara Municipal daquele ano.



Uma pequena lagoa, situada próximo e perto do edifício escolar, cria achigã e barbo.

A escola do ensino primário, construída na década de sessenta e que servia também as crianças de Clarines e das Velhas, foi encerrada em 1988 por falta de alunos. (5)

Foi adaptada anos depois a núcleo museológico que dava pelo nome de “Tecer e Usar”e que se encontra há muito encerrado tal como os outros espalhados pelos concelho. Aos meus familiares e amigos levo-os a Mértola, Vila Museu de onde saem admirados e satisfeitos. Como recentemente me foi dado ver, a própria vila medieval está a transformar-se num verdadeiro museu.

Depois da recolha de lixo e da distribuição de água por fontanários, estes foram eliminados e a água levada aos domicílios sem contudo existir o saneamento básico. As ruas foram pavimentadas em 1994. (6)

O painel de caixas de correio foi colocado em 1996. (7)


[A casa mortuária. Foto JV, 2009]

Em 2002 construiu-se uma casa mortuária (8) e no ano seguinte são edificados balneários públicos. (9)

É dos poucos montes que possui estabelecimento comercial.

É visível alguma azáfama diária com a saída de “carrinhas” para trabalhos a realizar em várias partes do concelho.

A pastorícia ainda há pouco tinha alguma expressão e havia um viveiro de plantas para florestação.

José Lopes, natural deste monte onde nasceu em 1889, tornou-se, devido à anormalidade do seu crescimento, uma figura pública. Ficou conhecido pelo Gigante dos Farelos, tendo falecido aos vinte e cinco anos, por isso em 1914.

A sua altura atingiu os 245 cm, o braço media 93, a mão 35 e o pé 45 de comprimento.

Filho de gente pobre, cedo motivou a atenção de vizinhos e conhecidos devido ao desenvolvimento que o seu corpo ia tomando.

As conjecturas do povo levaram alguns a atribuir o facto à circunstância de sua mãe, muito reinadia e ainda solteira, ter dito, quando mondava, que gostaria de ter um filho gigante.

O José Lopes alojou-se quando foi à inspecção militar em casa dos pais do Prof. Trindade e Lima, na vila, (10) naturalmente incapaz para qualquer actividade própria das gentes do seu monte, começou muito novo a vender a sua imagem em feiras e mercados do país, chegando mesmo a deslocar-se a Espanha.

Conta-se que empurrou, de joelhos, os zorrinhos da Mina de S. Domingos.

Ainda ouvi contar a gente de Martim Longo que, quando ia àquela aldeia a cabeça passava a altura dos beirais dos telhados.

As crianças choravam ao vê-lo e até os cães ladravam com ímpeto quando passava.

Foi sempre uma pessoa triste e havia mesmo quem dissesse que nunca tinha sorrido.
(11)
Apesar de ter falecido há noventa e cinco anos, por todo o concelho de Alcoutim há quem fale ainda no Gigante dos Farelos.

__________________________

(1)– Novo Dicionário Corográfico de Portugal, A.C. Amaral Frazão, Editorial Domingos Barreira, Porto, pág.319
(2) – Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Horizonte / Confluência, 1993, pág.620.
(3) – Dicionário da Língua Portuguesa, Fernando J. da Silva, Editorial Domingos Barreira, Porto, 1984.
(4) - Corografia do Reino do Algarve, 1841.
(5) - Boletim Municipal, nº 4 - Abril/89.
(6) - Alcoutim - Revista da C.M.A.- nº 1 - Maio/Junho - 1995.
(7) – Alcoutim, Revista da C.M.A. – nº 4 de Dez/96, pág. 12
(8) – Alcoutim, Revista Municipal nº 9, e de Dez/2002, pág.12
(9) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 10 de Dez/2003, pág. 10
(10) – “Pequenos Apontamentos”, Trindade e Lima, in jornal O Povo Algarvio - Tavira, de 18 de Maio de 1974.
(11) - “O Gigante dos Farelos”, Maria José M. Silva, - in Diário de Notícias de Set/Out. (?) de 1986.

domingo, 29 de novembro de 2009

Os judeus e Alcoutim

[Rua de Nª Sª da Conceição. Óleo de JV, 1987]

Quando de uma ida a Faro, adquiri um pequeno opúsculo, separata do jornal “Correio do Sul”, que tinha por título Breve notícia da presença dos Judeus no Algarve, 1978, de autoria de Mário Lyster Franco.

Foi por ele que tive conhecimento que entre as terras do Algarve onde se instalaram aljamias constava Alcoutim. Era muito sucinta a informação.

Nada na tradição oral encontrei sobre o assunto durante a minha presença em Alcoutim de mais de uma década, o que aliás, tantos anos depois ainda se mantém. Na documentação escrita que localmente consultei, também nada obtive. Contudo, duas inscrições epigráficas, uma numa pedra sepulcral da igreja matriz e outra num lintel de pedra de uma porta lateral da igreja da Misericórdia, indicam-nos a presença de familiares do Santo Ofício, cargo que muito se relaciona com a prática do judaísmo. Já aqui referimos vários alcoutenejos que sofreram a acção da Inquisição, pertençamente pela prática do judaísmo.

Em 1980 e então exercendo a minha profissão na vila de Coruche, adquiri a 2ª edição da História dos Cristãos Novos Portugueses, de J. Lúcio de Azevedo, Livraria Clássica Editora, 1975 onde Lyster Franco tinha recolhido a informação mas mais nada havia especificamente sobre Alcoutim, no entanto , dava-nos outras pistas.

Aljama ou aljamia são palavras de origem árabe que significam reunião, assembleia, congregação, sinagoga, bairro dos mouros ou judeus em Portugal, o que se pode encontrar em qualquer dicionário.

As judiarias surgiram por um lado pela intolerância dos cristãos, por outro pelo desejo dos judeus manterem a sua unidade. Eram bairros separados que mantinham um determinado isolamento. As casas utilizavam o ladrilho, o adobe e a madeira, tipo de construção que ainda conhecemos em Alcoutim, e as ruas eram pavimentadas com pedra, o que sempre vimos na vila e que nos mais antigos exemplos era um trabalho bastante tosco.

A comuna judaica de Alcoutim teria surgido, como muitas outras, a partir da segunda metade do século XV, segundo Veríssimo Serrão na sua História de Portugal, II Volume, pág.256 e baseado em Manuel Viegas Guerreiro “Judeus”, in Dicionário de História de Portugal.

O rendimento da judiaria de Alcoutim pertencia ao conde da mesma vila, conforme se deduz da leitura do Archivo Histórico Portuguez, Vol. II. Lisboa, 1904, pag, 119 e seguintes, num artigo de A. Braamcamp Freire.

Existindo comuna judaica, onde se situaria? A tradição oral, fonte muito usada nestes assuntos, como já dissemos, nada nos deixou. Será trabalho de historiadores e arqueólogos que espero se venha a realizar um dia.

Para mim e pelo conhecimento que tenho da estrutura urbana da vila, só a vejo situada na actual Rua de Nª Sª da Conceição, o local da vila de mais difícil acesso e consequentemente onde existiria um maior isolamento, próprio da comunidade e até o tipo de algumas construções que conhecia, de janelas altas que pouco mais constituíam do que pequenas aberturas se ajusta a uma possível reminiscência.

Além disso foi-me possível ver, ainda que muito rapidamente, um grande arco interior em pedraria e de formato ogival que de maneira nenhuma era próprio de uma habitação comum, principalmente em Alcoutim. Isto aconteceu nos finais da década de sessenta, princípios da de setenta do século passado. Ainda que tivesse sido tapado, está lá.

Com a aquisição de alguns conhecimentos que aqui deixo expressos e que fui adquirindo no decorrer dos anos, admito que ali estivesse a casa (sinagoga?) para prática do serviço religioso, o que na altura, não me passava pela cabeça.

Aqui fica este pequeno apontamento que servirá como ALERTA para novas situações que se venham a desenrolar.

sábado, 28 de novembro de 2009

A Casa Assombrada

Pequena Nota
Desconhecia completamente esta interessante "estória" que o nosso colega e colaborador nos transmite com tão realismo.
Igualmente nunca tinha ouvido falar como casa assombrada, ainda que conheça a "estória" de um capitão de nome Aragão que durante as "guerrilhas" foi assassinado perto de Afonso Vicente onde se lhe levantou um calvário já desaparecido, mantendo contudo a zona a designação de eira da CRUZ devido a esse facto.
JV

Escreve
José Temudo


[José Temudo, Secretário de Finanças]
A Repartição de Finanças, que o meu Pai chefiava, funcionava num edifício a que os alcoutenejos chamavam “a casa do Capitão-Mor”. Era uma construção relativamente grande, rectangular, de dois pisos. Foi levantada, assim o presumo, num período que se pode situar entre a segunda metade do século XVII e o primeiro quartel do século XVIII, para residência do comandante das forças aquarteladas no castelo. Tinha um aspecto sólido e digno, de harmonia com a condição de quem o ia habitar.

Diziam os habitantes de Alcoutim, e parecia acreditarem no que diziam, que a alma de um Capitão-Mor aparecia, de vez em quando, naquela casa. Já não me lembro da razão por que esta alma penava, o que terá feito ou deixado de fazer neste mundo para que não encontrasse descanso no além.

E vamos à “estória” que quero contar.

Em certas épocas do ano, por razões de serviço, o meu Pai costumava ir, depois do jantar, trabalhar para a Repartição, onde permanecia até tarde, por vezes, até para além da meia-noite. Como não acreditava em almas do outro mundo, sempre ouviu, divertido, os avisos dos que o desaconselhavam a ir sozinho, de noite, para a casa do Capitão-Mor. Um dia, porém, ... ... ...vejamos o que lhe aconteceu!

[A Casa do Capitão-mor onde funcionaram os serviços da Repartição de Finanças e da Tesouraria da Fazenda Pública. Foto JV, 1967]

Numa noite de Inverno, ainda nós não nos tínhamos deitado, o meu Pai irrompeu casa dentro, esbaforido, sem sobretudo, nem chapéu, e com uma tal expressão no rosto, que minha Mãe, sobressaltada, lhe perguntou:

“Que se passa contigo, homem, que parece que viste um fantasma?”

“Ver, não vi, mas ouvi passos e não vi quem caminhava”, respondeu meu Pai.

Já transido de medo, fui-me chegando a minha Mãe, enquanto o meu Pai ia contando o que se tinha passado:

“Já o serão ia a meio, quando bateram à porta; fui abrir. Era o Braz Lopes.” (Braz Lopes era o Tesoureiro da Fazenda Pública que, nessa noite, também tinha ido fazer serão na Tesouraria, situada no rés-do-chão do edifício).

“Vou para casa” disse ele. “Já chega de trabalho por hoje. Você ainda fica?”, perguntou.

“Fico”, disse-lhe, “vou acabar o serviço que tenho entre mãos. Amanhã é dia de correio e tenho de o mandar para Faro, que a Direcção já mo pediu.”

Conversámos ainda durante uns breves minutos. Quando nos despedimos, recomendei-lhe:
“Por favor, não se esqueça de bater a porta à saída.”

E voltei a concentrar-me no que estava a fazer. Passados uns minutos, a minha atenção foi desviada para o que me pareceu ser um rangido de porta a abrir-se.

Julguei que o Tesoureiro tivesse voltado a entrar e perguntei:

“Você voltou, Braz Lopes?” (*)

Como não tivesse obtido resposta, voltei a concentrar-me no que estava a fazer, na convicção de que o que ouvira podia ter sido causado pelos ratos no arquivo.



Mas, não tardou que a minha atenção fosse novamente perturbada. Desta vez, pareceu-me ouvir pessoa na sala grande, reservada aos outros funcionários.

“É o maroto do Braz Lopes a querer divertir-se à minha custa”, pensei. E já entre alguma intranquilidade e não menos irritação, fui dizendo:

“Deixe-se de brincadeiras, homem! Eu preciso de acabar isto e não quero ficar aqui a noite inteira.”

Não obtive resposta, mas deixei de ouvir os passos ou qualquer outro ruído. Porém, depois de uma breve pausa, o que passei a escutar, tirou o que me restava de tranquilidade; era como se alguém andasse de secretária em secretária, abrindo e fechando as gavetas. Já com o coração aos pulos, aproximei-me, receoso, da porta que dava para a sala onde tinha ouvido os ruídos. Ergui o petromax acima da cabeça e procurei vislumbrar a causa do barulho. Mas a luz a luz era fraca e o que vi foram sombras em movimento, fantasmagóricas. Foi quanto bastou para que todo o meu ser aceitasse o que, até àquele momento, recusara: a existência de almas do outro mundo, neste caso, a alma penada do capitão-mor. Entrei em pânico e, tão depressa quanto mo permitiram as minhas fracas pernas, atravessei a sala, larguei o candeeiro em cima do balcão e desci os degraus das escadas de pedra, a dois e dois, e só parei quando entrei aqui em casa e fechei a porta atrás de mim!

[Praça da República. Anos 60]

No dia seguinte, já mais calmo, caiu em si e riu, gostosamente, da situação ridícula por que tinha passado. E continuou a fazer serões na casa do Capitão-Mor, sem receio de nova aparição daquela alma penada.

O meu Pai era um homem inteligente e culto que não acreditava em almas do outro mundo. Mas houve aquele momento em que a conjugação de diversas circunstâncias abriu uma fenda na muralha das suas convicções, por onde irromperam, impetuosas e avassaladoras, provocando-lhe o desequilíbrio emocional, a superstição e a crendice populares, numa palavra, a irracionalidade.

A “estória” termina aqui.

Para além dela, gostaria de saber se o fantasma do Capitão-Mor continua a aparecer aos que, atrevidamente, frequentam, altas horas da noite, os domínios que são seus.

Vila do Conde, 16 de Novembro de 2009.

Nota do responsável pelo Alcoutim Livre (*) Braz Lopes era natural de Alcoutim tendo-se transferido para o concelho de Peniche em 1934. Foi promovido à 2ª classe e colocado no concelho de Lagos - D.G. nº 4-II Série, de 5 de Janeiro de 1935.Veio a falecer nesta cidade ainda novo.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

NRP Zaire


Esta fotografia foi tirada por mim em Agosto de 1987 quando este navio patrulha da Marinha Portuguesa se encontrava ancorado ao cais de Alcoutim.

O “Zaire” foi construído em Portugal, nos Estaleiros Navais do Mondego.

Posto a navegar em 1971, desloca 292 toneladas, tem 44 metros de comprimento e 7,7 de boca e pode atingir 20 nós de velocidade.

Encontra-se na Região Autónoma da Madeira em serviço de vigilância e de jurisdição das nossas águas, fiscalizando a pesca e reprimindo o contrabando.

Faz o controlo da poluição marítima e executa tarefas de busca e salvamento.

Tem a seu cargo a vigilância das Ilhas Selvagens.

TEMA
Câmara escura

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Três inscrições curiosas



A primeira vez que me desloquei a Afonso Vicente, tendo percorrido a pé os 8 km que separam este “monte” da Vila, foi em finais de 1967.

Nessa altura só havia o ramal de macadame que partindo da estrada nacional nº 122 chegava ao monte do Sol.

Dei uma volta pelo “monte” onde dormi duas noites e não me passou despercebida a inscrição que encontrei num prédio então em ruína. Essa inscrição é a seguinte, conforme a Fig. apresenta: M.EL (Manuel) / FR.co (Francisco) 1742.

Admitimos que o senhor Manuel Francisco desejasse ver marcada a data da construção da sua casa que pelas ruínas apresentava umas paredes largas e bem construídas, aliás aproveitadas há poucos anos no restauro que se operou.


Mais de quarenta anos depois foi-me chamada a atenção para outra inscrição do mesmo tipo e igualmente situada numa casa em ruínas e hoje restaurada.

Como o nosso desenho apresenta, a pedra possuía só uma data, com caracteres de um tipo um pouco diferente. Estava marcada a era de 1787.



Houve uma tentativa da preservação da inscrição mas tendo-me sido possível observá-la no seu novo lugar, a inscrição está praticamente desaparecida admitindo eu que tal se poderá atribuir à sua exposição solar, virada a Norte ou a qualquer outro agente climatérico.

Possivelmente a intenção desta gravação teria sido a mesma do sr. Manuel Francisco.

A terceira e última inscrição foi-me revelada muito recentemente (2007), é a gravada com maior nitidez como se pode verificar pelas fotografias juntas e que se encontra na parte interior de uma casa em ruínas e daí não me ter chamado a atenção.



Ao contrário das outras duas, esta gravação epigráfica foi realizada em duas ou três pedras, parecendo-nos que a primeira hipótese se torna mais racional pois parece-nos que houve uma fractura da pedra onde se gravou uma data. Além de apresentar as mesmas características, se repararmos bem o pedaço mais pequeno, se o invertermos, ajusta-se bem notando o complemento do traço do 4. A reconstituição dará a era de 1742, a mesma que tem a primeira referida.



Teria sido o mesmo artista a executá-la? É natural que sim pois os dígitos têm a mesma característica.

A outra gravação, trata-se da letra R e possivelmente representará a primeira letra do nome do proprietário.

Esta casa continua em ruína.

São as três gravadas em xisto e do século XVIII, as de 1742 do reinado de D. João V e a de 1787 já no de sua neta D. Maria I, com regência do Príncipe D. João.

Desconheço se existem inscrições semelhantes em qualquer outro monte do concelho mas é natural que sim.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O Celeiro da Comenda


Faz hoje precisamente 134 anos que o celeiro de Martim Longo foi vendido em praça, em Faro e arrematado por Zeferino Guerreiro da aldeia.

Na relação que Silva Lopes anexou à sua Corografia do Algarve, 1841 e referente à avaliação dos Bens Nacionais existentes no Algarve, consta- Celleiro da Commenda em Martim Longo, avaliado em 60$080 reis.

Por carta de 2 de Maio de 1302, D. Dinis doara à Ordem de Santiago o padroado da Igreja de Alcoutim e das que viessem a ser construídas no termo sob a jurisdição da mesma. (1)

A Ordem de Sam Tiaguo (...) tem a metade das remdas destas terras e Igrejas de Caçella e de Castro Marim e d`Alcoutim e de suas capelas e irmidas asy de dízimos como de oblações e pee d`altar segundo tem per sua com (-) posiçam feita, a metade a dita Ordem e a Igreja de Sylves. (2)

As visitações às igrejas e capelas do concelho de Alcoutim foram feitas pela Ordem de Santiago até 1587, altura em que essa missão passa a pertencer aos Bispos do Algarve. (3)

No Arquivo da Sé de Faro existiam as Contas do Celeiro de Martim Longo de 1826 e 1827.

Relativo ao ano de 1797, este Celeiro, que tinha um rendimento de 1601$000, só era ultrapassado pelo do conjunto das freguesias de Sta. Maria, Stº Iago e de Stª Catarina (Tavira) com 1852$000, enquanto o de Alcoutim se cifrava em 610$100. (4)

Na antiga Rua Direita de Martim Longo, hoje Rua Dr. Antero Cabral, encontra-se um documento epigráfico, na fachada de uma habitação e aí colocado pelo menos à volta de 50 anos, não sabendo nós de onde foi retirado ou encontrado.

Admitimos que este documento tivesse indicado o CELEIRO DA COMENDA, da Ordem Militar de Santiago, de que foi Grão Mestre D. Paio Peres Correia.


NOTAS

(1)-“A Antiguidade das Freguesias do Algarve”, Arnaldo Casimiro Anica, in Jornal do Algarve de 27 de Janeiro de 1994.

(2)-Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio, Hugo Cavaco, 1987.

(3)-A Escultura de Madeira no Concelho de Alcoutim do séc. XVI ao séc. XIX, Francisco Lameira e Manuel Rodrigues, Faro, 1985, pág.19.

(4) – A Catedral do Algarve e o Seu Cabido, José António Pinheiro e Rosa, II Volume, Faro, 1983, págs.179, 214 e 215.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os aguadeiros em Alcoutim

Pequena Nota
Dentro do que é peculiar no nosso Amigo e colaborador Eng. Gaspar Santos, faz chegar a quem não conheceu, como se praticava em Alcoutim o fornecimento domiciliário do precioso líquido.
Permita-me o nosso colaborador que faça aqui uma pequena referência mas que consideramos bastante elucidativa. A rede subterrânea pouco depois da sua instalação, deixou de funcionar por falta de manutenção, ficando “calcinadas as torneiras de ligação.
Constou-me igualmente que o esquema da rede tinha desaparecido da Edilidade e quando existia, ninguém a sabia interpretar. Isto dava origem a que quando havia qualquer rotura, fechava-se o depósito e pronto, ficava a vila totalmente sem água pois pelos motivos referidos não era possível fazer os cortes adequados, reduzindo as limitações.
O poço do Pego do Corvo foi um total fiasco e cedo se recorreu ao velho poço das Figueiras que ia aguentando o fraco consumo da vila.
Lembro-me que num ano de seca, também este falhou e então recorreu-se à nora da família Soeiro que com altruísmo cedeu a água à vila mas que a Câmara cobrou com a agravante do próprio dono da água a ter de pagar.
Isto não é anedota, é verídico pois o caso passou pelas minhas mãos!
Não estava em causa a quantia, mas a acção.
O Eng. Gaspar já não vivia por estas alturas em Alcoutim.

JV





Escreve
Gaspar Santos






No dia de todos os Santos falei com um dos últimos aguadeiros de Alcoutim. É o Barão. Não por título mas de sua graça. Até 1965 o Pai Francisco Barão, ou a Mãe Almerinda Lopes, ele ou os irmãos transportaram água do Poço das Figueiras até nossas casas. Mas não foi só esta família que se dedicou a esta tarefa. Também os irmãos António e José Brandão e o Manuel Afonso assim fizeram.

Sobre o dorso de uma besta colocavam umas zangarilhas metálicas com quatro cântaros de folha zincada para 25 litros de água cada. Depois de enchidos no poço, eram transportados pelo animal até cada um dos seus clientes certos. Cobravam dois escudos e cinquenta centavos por cada carga, contando com o despejo para as vasilhas do freguês. Este preço era, portanto, de 25 escudos por m3. Esta actividade não era desconhecida do fisco a cuja colecta estavam sujeitos.

Sem disporem de animal e equilibrando um cântaro à cabeça havia ainda algumas mulheres que exerciam esta tarefa da venda de água ao domicílio. Lembro-me da Tia Mariana dos Ramos e da filha ainda viva Maria Tomásia, mas é possível que houvesse mais.


[Aguadeiro]

No ano de 1965 a Vila passou a ter fornecimento de água às suas casas e esta actividade acabou, excepto para alguns mais tradicionalistas que não aceitaram imediatamente a água vinda por canos.

Antes disso as pessoas sacrificavam-se a ir buscar a água potável ao poço ou compravam-na aos aguadeiros. Em períodos normais tínhamos o Poço das Figueiras.

Havia outros poços em que a água, por diferentes motivos, não era tão boa. Eram o Poço Novo e o Poço do Cemitério que hoje não existe e se localizava no sítio onde está a ETAR.

O Poço das Figueiras, cuja água as pessoas consideravam muito boa, não reunia as melhores condições higiénicas. Tinha mais de quatro metros de diâmetro a céu aberto, onde podiam cair folhas, poeira e até excrementos de pássaro. Era aquilo que se designa por fonte de chafurdo. A água era retirada por meio de caldeira atada a uma corda e levantada directamente a braço. Mais tarde, alguns anos antes de haver saneamento básico, o poço foi coberto por placa de betão e equipado com uma bomba manual. Teve que esperar pela Revolução de Abril e pela falência do novo poço aberto na confluência das Ribeiras de Alcoutenejo e de Cadavais, para ser equipado com motor eléctrico e, associado a alguns outros furos, integrado no sistema de abastecimento de água à Vila.

Para águas sanitárias e outros usos menos exigentes as pessoas recorriam ao Rio Guadiana ou a um ou outro poço de que pudessem dispor mais perto.

Com alguma frequência, quando a água das marés vivas era mais elevada e permitia a navegação das lanchas até junto donde hoje é a Praia Fluvial, havia barqueiros como o Senhor Alfredo, ou os irmãos Balbinos que iam abastecer-se de água. Levavam rapazes e raparigas que também iam buscar água ou que aproveitavam o transporte por simples passeio ou pela galhofa.

Seja como for, de barco, a pé ou “a cavalo” em besta, ir ao poço era sempre divertido para os mais novos. A custo içavam o balde de água, mas das bocas e das línguas jorrava facilmente um caudal de risos, ditos ou canções. Era o convívio. Era muitas vezes o pôr a conversa em dia, era o namorico.

Também me lembro de um ano, salvo erro 1953, em que choveu com muito pequena intensidade mas continuamente durante cerca de três meses. As pessoas já choravam porque era um dilúvio que lá vinha. Uma grande cheia do Guadiana inundou todas as hortas da Ribeira e todos os poços. Qual foi o recurso para abastecimento da Vila?
A seguir às portas de Mértola, os buracos de escoamento, no muro onde hoje estão os lindos desenhos do Carlos Luz, transformaram-se quase todos em bicas. E bastava colocar neles uma folha de piteira, para com facilidade canalizar a água para os recipientes. Quem mais exigisse na qualidade da água ia um pouco mais adiante e abastecia-se em qualquer buraco nas rochas que afloravam ao lado da estrada logo a partir do celeiro do trigo.

[Poço das Figueiras. Foto JV, 1973]

No entanto, não era necessária uma grande enchente do Guadiana para que o Poço da
Figueiras ficasse submerso de água turva ou “ludra”, como lá se diz. Uma simples subida da água da Ribeira ou uma enxurrada do Barranco das Figueiras, no leito do qual se situa o poço e a água logo ficava turva e imprópria para consumo. Então as pessoas iam abastecer-se do precioso líquido a uma várzea em frente do poço, pertencente ao Senhor Robalo ou, se esse também estava coberto de água suja, as pessoas iam abastecer-se a uma nora, em cota mais alta, pertencente ao Senhor José Peres, situada no mesmo Barranco das Figueiras.

Assim era, nesses tempos mais recuados. Depois, a partir de 1965 com o início do abastecimento domiciliário de água, as coisas melhoraram. Como infra-estruturas havia um sistema de Poço próximo da confluência das duas Ribeiras de Cadavais e do Alcoutenejo, um depósito no Serro da Eira, canalizações entre eles e ainda linha e motor eléctricos. Ainda tínhamos alguma intermitência no abastecimento, pois o sistema eléctrico não foi equipado para arrancar automaticamente, quando o depósito baixava de nível. Por isso, se o depósito esgotava a horas a que o encarregado José Rosa Pereira não podia deslocar-se ao distante poço, para carregar no botão de reabastecimento, estava-se durante a noite e até parte do dia seguinte sem água.

Depois do 25 de Abril a Câmara Municipal melhorou o abastecimento à custa de vários furos e da Barragem próximo de Corte Tabelião (que parece não ter provado muito bem do ponto de vista da qualidade da água).

Agora, desde há uns três anos, estamos bem servidos com boa água, na Vila e creio que em todo o concelho. Ela provém da Barragem de Odeleite que, associada à Barragem do Beliche, abastece todo o Sotavento do Algarve. Habitando um concelho onde chove pouco, os alcoutenejos podem no entanto orgulhar-se de a maior parte da boa água da Barragem de Odeleite resultar de chuva que se precipita no seu concelho.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A patrona



O uso pelas mulheres portugueses de uma espécie de algibeira atacada à cintura espalhou-se de uma maneira geral por todo o País, ainda que essa algibeira (bolsa) possa apresentar diferenças muito consideráveis de região para região, tanto na forma e confecção como na colocação.

Alguns dicionários que consultámos referem o termo como um provincianismo e cuja definição se ajusta. Assim, o Dicionário (Francisco Torrinha), Editorial Domingos Barreira, Porto, 1946, diz: Algibeira solta usada por mulheres, enquanto o Lello Universal, Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro, Porto, 1975, acrescentou-lhe a palavra “Grande”.

Mais preciso é o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa – Verbo, 2001, que define como Algibeira solta utilizada por mulheres normalmente presa à cintura.
Naturalmente o que nos interessa é definir a “patrona” usada pelas alcoutenejas de antanho.



As mulheres de meia-idade ainda têm uma leve noção para que serviam essas bolsas mas desconhecem completamente o nome que as designava, como recentemente confirmei. Algumas idosas mantiveram na sua memória a designação usada e souberam descrevê-las em pormenor.

A primeira vez que ouvimos falar e vimos uma patrona foi há cerca de dez /doze anos quando nos foram oferecer uma, precisamente a que está representada fotograficamente. Foi nos referido o seu uso que desconhecíamos.

O exemplar deverá ter hoje perto de um século e foi feito pela ofertante quando era jovem.

Tudo executado à mão com o formato de um sobrescrito que no “bico” do fecho tem uma “casa” onde entra um botão de osso.



Duas molas, uma de cada lado, ajudam a fechar com mais segurança a patrona.

Como se verifica pelas imagens apresentadas, é toda forrada tendo interiormente uma divisão para a separação que for julgada suficiente. Igualmente essa divisão possui molas para uma maior segurança.

Também são visíveis as tiras de pano (ourela) sendo uma muito mais comprida e que se atava à cintura.

Ficava sempre por baixo da saia e muitas vezes mesmo por baixo das cuecas.

Restará dizer que servia para colocar o dinheiro com a segurança possível ou seja, eram as carteiras do antigamente.

O termo patrona parece-nos relacionado com protectora e sem dúvida quando convenientemente abastecida dava protecção.

As actuais patronas dão pelo nome de cartões de Multibanco!

Pensamos que este pequeno apontamento ajuda a conhecer melhor o passado alcoutenense.

sábado, 21 de novembro de 2009

Luís Guerra dos Reis Nunes



Faleceu hoje em S. Martinho do Bispo, arredores de Coimbra, com 78 anos este meu primo, o quinto a partir dos dez netos que tiveram os meus avós paternos.

Ainda que nos tivéssemos criado distantes um do outro, mantivemos sempre uma relação afectiva.

Teve sempre residência de férias na aldeia de origem da nossa avó, situada no concelho de Arganil.

Irá ser sepultado no cemitério da freguesia onde residia, deixa viúva, três filhos e quatro netos.

Aqui fica o meu abraço angustiado a estes familiares.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Alcoutim não vem no mapa

Pequena Nota
Apresentamos mais um belíssimo texto deste nosso colaborador que além de algo para nós completamente desconhecido, revela outra faceta importante da sua escrita.
Penso que posso em nome dos visitantes/leitores apresentar-lhe o nosso agradecimento pelo conteúdo e beleza do texto.
J.V.

Escreve
José Temudo

Alcoutim era, em meados da década de trinta do século passado, uma vila semelhante a tantas outras do interior, de norte a sul do País.

Vila pequena, rural e pobre, viu o tempo e o progresso passarem-lhe ao lado sem lhe deixarem marcas visíveis.

Alcoutim era o retrato levemente retocado do que fora no século XIX. As mesmas casas, as mesmas vias de comunicação, os mesmos meios de transporte, a mesma iluminação pública e doméstica, a mesma falta de saneamento básico e de distribuição de água ao domicílio, a mesma falta de oferta cultural e de animação social.

[Praça da República, anos 60]

Sem indústria, com um comércio primário e uma agricultura não mecanizada e relativamente pobre, esquecida pelo poder político e sem meios próprios capazes para modificar fosse o que fosse, a vila de Alcoutim, abúlica, parecia dormitar.

Conscientes deste estado de coisas e certos de que as instâncias políticas superiores continuavam surdas aos seus apelos e petições, um pequeno grupo de pessoas gradas do concelho resolveu montar uma pequena e ligeira “farsa” na convicção de que, brincando, os seus queixumes pudessem surtir melhor efeito. Assim, resolveram escrever e enviar a um jornal de Faro a notícia de que o povo do concelho, não suportando mais o isolamento e o atraso em que vivia, se revoltara e se mobilizara, concentrando-se, com grande alarido, em frente do edifício camarário, para onde acorreram, sem demora e com manifesta preocupação, as autoridades e as figuras mais representativas dos diversos serviços civis e paramilitares (Guarda Fiscal e Guarda Nacional Republicana). Estabelecido o contacto e iniciado o diálogo com uma deputação de manifestantes, ouvidos os motivos da revolta e os seus anseios, as autoridades entenderam solidarizar-se com o povo e, em seu nome, proclamaram a independência do território de Alcoutim.

[Paços do Concelho, des. de J.V.]
A notícia era acompanhado de fotografias mostrando um grande aglomerado de pessoas em frente dos Paços do Concelho (fotos tiradas no dia da feira anual) e outras mostrando as chamadas autoridades, às varandas da Câmara, evidenciando os gestos que acompanham a retórica apaixonada própria da solenidade de um acto daquela transcendência.

Tudo isto me foi contado por meu Pai, já eu era um homenzinho. Desafortunadamente, não retenho na memória nem o nome do jornal, nem a data em que a notícia foi publicada, mas julgo ter sido Alcoutim não vem no mapa o título que a encabeçava.

Ganhou o concelho de Alcoutim algum proveito resultante da publicação desta inocente “farsa” ? Nada ganhou, a não ser a previsível irritação do poder político que bem depressa se manifestou.

[O redactor da notícia]

Por ter sido o redactor da notícia, o meu Pai terá sido o primeiro a sofrer-lhe as consequências: foi chamado a Faro e asperamente repreendido pelo seu superior hierárquico distrital. O que, com toda a probabilidade, terá acontecido, embora revestindo formas diferentes, a todos os participantes referenciados na notícia. E boa sorte tiveram em não terem sofrido castigo mais severo. O Estado Novo não gostava mesmo nada deste tipo de brincadeiras!

E não se falou mais no assunto. Alcoutim continuou, placidamente, a contemplar S. Lúcar, a mirar-se no Guadiana e a ver um ou outro navio de maior calado em viagem para o Pomarão ou de regresso a Vila Real de Santo António, com o porão carregado com o precioso minério de cobre.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Enfraqueceu a memória viva alcouteneja

(Jornal Escrito Nº 34 de Setembro de 2001, p. IV, encarte do Diário do Sul de 15.07.2001)

Se a história se escreve com base em documentação fidedigna de origens diversas e nem sempre fácil de obter e classificar, o conhecimento de um povo em que tem de se considerar variadíssimos aspectos, hábitos, costumes, tradições e muitos mais, nem sempre constam dos arquivos locais, se a palavra arquivo se lhes pode empregar, os poucos existentes onde a humidade ataca e a bicharada lavra, isto para não contar com a destruição pura de documentação importante e motivada pelos mais variados aspectos.
Como pequeno exemplo, ainda hoje por todo o país e se nos reportarmos ao período liberal é fácil verificar a falta de fólios em muitos tombos e nomes e palavras aspadas, tudo isto para evitar provar determinadas situações que se pretendiam encobrir.

Se é possível fazer desaparecer tal documentação, a memória viva de um povo permanece pois, ainda que vá sofrendo a deturpação natural do vivente, transmite-se (ou transmitia-se) de pais para filhos (quando os pais falavam com os filhos e estes os ouviam), de geração em geração.


É claro que nestes exemplos há pessoas mais notórias do que outras, o que tem a ver com a sua capacidade de memorizar, a permanência prolongada, o espírito de observação e de crítica, o apego à terra, a desinibição ou a frontalidade.

Todas as pequenas terras do país ainda contam (por quanto tempo?) com pessoas destas que nos ajudam a compreender melhor situações do presente relacionando-as com o passado.

Na minha experiência de assuntos deste tipo tem-me sido possível algumas vezes confirmar a memória do cidadão através do documento o que me tem ajudado, noutras situações, a compreendê-las. O grau de fidelidade na informação é muito variável e tenho encontrado gente com grande poder de imaginação que divaga conforme a disposição de momento pelo que são poucos aqueles que me merecem ou mereciam alguma confiança, o que testei ao longo de trinta anos.

O título deste escrito diz que ENFRAQUECEU A MEMÓRIA VIVA ALCOUTENEJA e para nós assim efectivamente aconteceu. No passado dia 1 de Junho, aos noventa anos e na vila onde nasceu e que acrisoladamente amou, finou-se o nosso amigo Francisco Mateus Xavier.

Conseguimos na última fase da doença, visitá-lo duas vezes o que muito nos sensibilizou. Mantendo-se lúcido, quando lhe perguntámos se nos conhecia e não podendo falar, respondeu com um leve sorriso, como quem diz, então não havia de conhecer!

Senão a mais, era sem dúvida das pessoas mais conhecidas em todo o concelho não sendo ignorado nos concelhos limítrofes. Tinha a preocupação de conhecer toda a gente e quando a sua vila era um beco sem saída e pouco frequentada, quem lá aparecesse tinha que pagar um certo tributo pois Francisco Xavier convicto que era pessoa do concelho ou de familiares daqui oriundos, logo as procurava para saber de quem se tratava e se não conhecia os pais, tinha conhecido os avós, as relações de parentesco, se tinha havido casamento ou ajuntamento, começava a desbobinar factos alguns desconhecidos de quem os ouvia. Aquelas pessoas já não saíam da sua memória e quando as voltasse a ver lá estava ele a cumprimentá-las a perguntar por este e por aquele e transmitindo as últimas notícias.

Assisti a muitas situações destas e quando estávamos perto não nos deixava de meter na conversa, fazendo a nossa apresentação nos termos que entendia.

Passando quase toda a sua existência na terra natal, em novo não deixou de dar umas voltas pelo País, principalmente com ligações à vida marítima. Falava com precisão das terras onde tinha estado e das pessoas com quem mais tinha contactado, referindo nomes e datas com segurança.

Fez o serviço militar lá para os lados de Lisboa e relatava-nos factos passados no seu regimento que estavam em conexão com os do País.

De uma memória privilegiada, ajudou-nos a esclarecer muitas situações e deu-nos pistas que nos levaram ao conhecimento de outros assuntos. Tive várias oportunidades para confirmar as suas informações através da documentação e se nalguns casos havia pontos menos precisos, noutros eram puras fotocópias.



Francisco Mateus, que era filho de alcoutenejos e de que conheci dois irmãos, não teve vida fácil e desempenhou um sem número de actividades, sempre auxiliado pelo precioso labor da sua Angelina, mãe dos seus quatro filhos. Casal de poucos recursos mas de grande coração pois criaram com o mesmo amor dos filhos uma neta e uma sobrinha que não distinguiam.

A sua alma grande passou pela perda do filho mais novo que pereceu no Guadiana muito novo e da filha. Quis também o destino que acompanhasse na morte a sobrinha que criou, falecendo no mesmo dia.

Foi estivador, vendedor pelos montes de peixe do rio que transportava num burrinho, pescador, embarcadiço, trabalhou na construção civil e na agricultura, foi caiador possivelmente ainda teria tido mais actividades – era o que calhava.

O seu temperamento nunca deu azo a uma vida estável que podia ter usufruído. Quando as coisas por qualquer motivo não corriam bem, era o primeiro a tomar decisões pedindo contas ao patrão e partindo para outro lado procurando novo rumo.

Frontalidade e irreverência foram sempre seu apanágio. Ainda que em moldes diferentes, deixou cá sucessor.

Não admitia a ninguém que falasse mal da sua terra, a melhor do Mundo!

Dirão os alcoutenejos que nos lerem, mas eu não conheço o Francisco Mateus Xavier! Pois não, mas conhecem certamente o Afonso Costa, epíteto que lhe ficou da infância quando na praça da vila deu vivas até enrouquecer ao político republicano, alcunha que sempre aceitou sem qualquer contrariedade. Ainda hoje a grande maioria das pessoas só o conhecem por esse nome. Sabendo eu que ele era o destinatário, nunca tive dúvida em fazer-lhe pagamentos nesses termos.

AFONSO COSTA é um alcoutenejo a não esquecer.

Aqui ficam em sua homenagem estas simples palavras.

domingo, 15 de novembro de 2009

Manta "premedeira"


Esta manta totalmente de lã e que era confeccionada nos antigos teares espalhados por todo o concelho e com especial incidência na freguesia de Giões, era, quando tinha dois “ramos” considerada uma manta de trabalho como iremos tentar explicar.

Cada “ramo” tinha cerca de cinquenta centímetros de largura, sendo o cumprimento de 2 metros. O seu desenho era praticamente monolítico, listas horizontais, estreitas ou largas, ora em branco, ora em castanho.

Eram tecidas “ramo” a “ramo” pois por este sistema, tornavam-se mais encorpadas.

Ao fazer a junção dos “ramos”, o que se realizava com linha, as listas praticamente nunca coincidiam.

Esta manta de trabalho tinha uma área de dois metros quadrados o que era considerada suficiente para as necessidades de um homem de trabalho.

Esta manta era a companheira indispensável do trabalhador agrícola alcoutenejo.
A sua utilização é variada como iremos explicar.



Punha-se ao ombro quando se ia para os trabalhos de campo e se o frio apertava ou a chuva chegava, punha-se pelas costas, pegavam-se pelas extremidades originando assim a protecção ao corpo, o que era secundado pelo uso do chapéu de feltro.

Quando a água da chuva se acumulava na manta, o alcoutenejo sacudia-a com um movimento brusco e muito característico.

O alqueive era um trabalho duro dos alcoutenejos que se

realizava pelos meses de Fevereiro/Março, altura propícia ao frio e à chuva. Nessa circunstância, o homem não podia desperdiçar tempo e a lavra tinha de se efectuar. Era então que o homem para se proteger e poder ter os braços livres para a sua tarefa, dobrava a manta fazendo passar um cordel de maneira que as suas pontas se pudessem atar, libertando os braços do homem.

Mas a manta não servia só para proteger do frio e da chuva e numa altura em que estávamos distantes dos oleados e dos plásticos.

Enquanto as moças dormiam em casa, os irmãos tinham como destino o palheiro onde havia necessidade de tratar dos animais. Além disso, estavam libertos do cumprimento de horários por esses tempos muito rígidos, o que lhes agradava.

Era na manta que se enrolavam.

Além do crescimento da barba, a manta constituía a peça de luto do homem, enquanto a mulher usava a mantilha.




Tudo isto naturalmente pertence ao passado e quem tem mantas “premedeiras” pode considerar que tem peças de puro artesanato e merecedoras de um museu.

Quanto estas mantas tinham três “ramos”, sem deixarem de serem “premedeiras”, eram mantas para cama.

Aqui deixamos este pequeno apontamento etnográfico que os mais velhos ainda sabem descrever mas que os novos desconhecem totalmente.

Pequena Nota
Quero agradecer a disponibilidade do meu amigo António Mestre, moço do meu “ano”que toda a vida trabalhou no campo, de tudo fazendo mas sendo considerado principalmente um bom enxertador.
Apanhou a manta no seu declínio mas lembrando-se perfeitamente do seu uso. Ainda possui a que sua mãe lhe deu quando foi trabalhar para uma casa do Balurco, dormindo naturalmente no palheiro. Era com ela que se tapava.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Festim dos abutres no Pereiro

Pequena nota
Mais um interessante facto que o nosso colaborador e Amigo, Eng. Gaspar Santos rebuscou na sua privilegiada memória e que transpôs para o papel.
Vários ensinamentos se colhem deste texto, conforme os parâmetros pelo qual o pautamos.
Se tivesse tido conhecimento do facto não o deixaria de referir no nosso trabalho, “A Freguesia do Pereiro (do concelho de Alcoutim) «do passado ao presente»”, Edição da Junta de Freguesia do Pereiro, 2007.






Escreve
Gaspar Santos




Castro Fernandes regressava das aldeias com os sacos do correio na bicicleta. Pedalava suavemente nas rectas da achada. Numa das primeiras curvas em que uma mudança no relevo do terreno anuncia a descida para o barranco a poente da aldeia do Pereiro deparou com uma dança de dezenas de abutres que, inchados e pesados, ensaiavam umas corridas e bater de asas tentando levantar voo no meio da estrada como se fossem máquinas voadoras. Castro Fernandes teria 14 ou 15 anos. Assustou-se com o cenário e o grasnar destes necrófagos. Fez barulho, tocou a campainha do velocípede. Não se atreveu a passar pelo meio deles. Saiu da estrada com a bicicleta à mão, e cheio de medo fez um grande desvio e retornou à estrada mais adiante.

Quando chegou a Alcoutim disse a seu Pai. Este pegou na espingarda e foi dar-lhes caça. Mas já não os encontrou. Tinham conseguido levantar voo.

O abutre sendo uma ave carnívora de grande porte, não ataca animais vivos. Mas tem uma admirável capacidade olfactiva para detectar os animais mortos. Basta que se dê no campo a morte de ovelha, porco ou outro animal e os abutres começam logo a pairar no alto por cima do cadáver. Comparecem no local na quantidade estritamente necessária para não ficarem com fome. Não caçam pulgas com espingarda! Se o morto é um coelho para quê virem três abutres?

Como necrófagos prestam um bom serviço eliminando fontes de epidemias que as moscas podem transmitir.

O que se tinha passado para haver tantos abutres na estrada?



Nesse tempo, ao contrário do que se passa nos dias de hoje, ainda se tosquiavam as ovelhas. Tosquiavam as ovelhas porque a lã era uma fonte de rendimento para os agricultores. Isso ocorria uma só vez por ano, no início do Verão, para que os animais não tivessem tanto calor. Antes da tosquia, com a lã já crescida, os animais ao passarem pelo mato denso ou quando se coçavam nos troncos das árvores deixavam grandes madeixas de lã no campo.

Constatando este “prejuízo” um proprietário de rebanho pensou: “eu posso aumentar o rendimento da minha lã, evitando o desperdício daquelas madeixas se fizer duas tosquias no ano, uma em Março e outra em Setembro”. E se bem o pensou melhor o fez.

Como é costume a partir de meados de Março e durante toda a estação quente, muitos deixam centenas de ovelhas a dormir ao ar livre cercadas por rede, que se vai mudando periodicamente para fertilizar todo o terreno com os excrementos que elas produzem de noite. E este agricultor manteve esta prática mesmo depois desta tosquia extemporânea. Não contou com o fenómeno climatérico do arrefecimento nocturno que em Março ainda acontece nas achadas do Pereiro e que se sobrepôs à falta de agasalho dos animais após a tosquia.

E as ovelhas, com o frio, morreram todas.

Os abutres compareceram para desempenhar o seu papel com os máximos meios de que puderam dispor. E fizeram o seu festim! Tão farto ele foi que levantar depois voo se revelou muito difícil!

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

História de Portugal, IV Volume [1580-1640]



O IV Volume da História de Portugal de Joaquim Veríssimo Serrão, Editorial Verbo abrange o GOVERNO DOS REIS ESPANHÓIS, tem 490 páginas e foi publicado em 1979.

Nele podemos encontrar três referências a Alcoutim e que passamos a indicar:

Pág. 136

Tumultos no Reino (1637/1639)
Foi no Sul do Pais que mais se fez sentir a reacção dos povos, na determinação de se oporem aos excessos fiscais do governo, (…) O duque de Medina-Sidónia, governador militar da Andaluzia, estabeleceu guarnições, nas terras sublevadas, para o que procurou aquietar as populações, não usando de violência para castigar os responsáveis (…) Outras povoações se levantaram como Castro Marim, Cacela e Alcoutim (…) Mas fez-se sentir a força da coroa, também ali se estabelecendo o imposto do real d` água.

Pág. 272

População das vilas e lugares do Reino em 1639 (Quadro)
Alcoutim (entre muitas constam Punhete (actual Constância), Porto de Mós, Porto de Muge, Salvaterra de Magos, Coruche, Ouguela, Noudar e Juromenha (as três últimas terras fronteiriças)

Nº de vizinhos ……………..300–200
População…………………………..(400–800)

Pág.368

Sal e pescarias
(No mapa apresentado, Alcoutim é considerada zona de pesca fluvial em 1639)
Eram pontos fulcrais do labor piscatório: (…) e no Guadiana (Monsaraz, Juromenha, Moura, Alcoutim)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Miscelânea Cultural


[Gaspar Santos e José Varzeano abrindo a água-pé, Alcoutim Livre]

A circunstância do Eng. Gaspar Santos e de José Varzeano se encontrarem no concelho de Alcoutim, proporcionou um encontro convívio agendado pelo colaborador do ALCOUTIM LIVRE.

O dia escolhido de acordo com as disponibilidades de cada um foi o 1º de Novembro.

Tendo como isco comer umas castanhas, originou uma jantarada confeccionada com primor e esmero pela Esposa, Dra. Maria de Lurdes.

Às seis horas e com pontualidade inglesa, começou o agradável convívio que durou até às 24!

Falar de Alcoutim para quem conhece e sente e é completamente LIVRE, torna-se tarefa inacabada. A privilegiada memória, hoje muita vez traduzida com um sentido técnico, de Gaspar Santos, “dá pano para mangas” e quando existe alguém curioso que só conhece os temas “por ouvir falar” vai provocando o aparecimento esclarecedor dos assuntos.

Por outro lado, sou alvo de perguntas em diversos campos e isto por se saber que me tenho dedicado à investigação em diversas áreas sobre Alcoutim.

Gostaria de pesquisar a correspondência entre a Concelhia local da União Nacional e a Direcção Nacional e que segundo o que apurei, é vasta.

Como se sabe, esses conteúdos não estão por Lei para já à disposição dos investigadores mas espero que um dia apareça alguém que o faça para o devido esclarecimento político e histórico, a que os vindouros têm direito.

Estavam representadas três culturas diferenças e que representam bem o País, uma do norte, Beira – Alta (Duriense), outra do centro, Ribatejo (Bairro) e como não podia deixar de ser, o sul representado pelo Algarve (Serra).

Se existem usos e costumes semelhantes ou com pequenas diferenças, há outros completamente desconhecidos de região para região. Tudo isto tem razões que se perdem no recuar dos tempos e têm a ver com as raízes que se foram prolongando e se vão esbatendo com o andar dos anos pois os contactos entre as pessoas são mais intensos e de uma rapidez cada vez mais acelerada.

Apareceram as castanhas assadas e cozidas, próprias da região nortenha mas que se generalizou por todo país. Ainda que existam castanheiros em Monchique, a castanha em Alcoutim não aparecia nas lojas e era substituída por bolotas doces que provei assadas e sabiam bem.

Enquanto na Beira Alta as castanhas são (ou eram) assadas na caruma, assim as comi na então Vila de Tondela, e acompanhadas de jeropiga, no Ribatejo usa-se para o seu acompanhamento a água-pé.

Acabo de chegar da Vila de Alcoutim onde li num pequeno cartaz que o S. Martinho vai ser comemorado com castanha assada e vinho!

A água-pé de graduação entre 6/7 graus é uma bebida alcoólica que nunca teve a mínima expressão em Alcoutim onde se pretende que o vinho seja o mais graduado possível. Até hoje, nunca consegui beber água-pé em Alcoutim pois os alcoutenejos não a sabem fazer, pelo menos que eu saiba.

Há vários anos que a “fabrico”em Alcoutim, no meu pequeno lagar e até hoje com êxito, com uvas produzidas em Alcoutim mas com casta originária do Ribatejo e que aqui se adaptou bem e isto junto a outras de carácter local.

Ao convite formulado antecipei a abertura da água-pé o que normalmente acontece no dia 11, dia de S. Martinho, esteja ou não em Alcoutim.

Todos os anos dou um nome à pequena quantidade de vinho e água-pé que produzo e este ano a água-pé foi “baptizada” com ALCOUTIM LIVRE!, como demonstram as duas fotografias que ilustram o texto.

[Água-pé Alcoutim Livre, 2009, é um produto natural que não sobe à cabeça nem faz mal à "barriga"]

Abrir a ALCOUTIM LIVRE junto do mais prolífero colaborador do ALCOUTIM LIVRE e de sua Esposa, era uma oportunidade que não podíamos desperdiçar.

O prato apresentado pela anfitriã estava ligado à gastronomia nortenha onde a carne se liga à couve e ao arroz, fazendo uma junção que muito aprecio.

A presença da Serra era feita entre outras coisas com o pão e as fantásticas azeitonas “maçanilha” britadas e com o tempero regional.

Entre a doçaria alguma adquirida numa feira local e que não considero de raiz alcouteneja, ainda que o tentem fazer passar por isso.

Daqui renovo os meus agradecimentos ao casal anfitrião e amigo pelas horas de excelente convívio que nos proporcionaram.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Recordar um alcoutenejo - João Baltazar Guerreiro

Estatura média, para o forte. Barriga um pouco saliente. Feições gradas, olhos grandes, cabelo preto e hirto. Um timbre de voz não vulgar e inconfundível.

Devia de andar na casa dos quarenta.

O cachimbo e as fumaças caracterizavam o seu porte. Vestia sempre fato completo.

Conheci-o logo que cheguei à vila de Alcoutim em 1967. Já lá vão uns bons anos!

Era natural do concelho, mais propriamente do monte de Alcaria Alta, onde nasceu em 1926.

É na sede da sua freguesia, a aldeia de Giões, que faz a 4ª classe sendo sempre bom aluno.

As dificuldades em todo o país eram muitas e em Alcoutim, pelo que se conhece, ainda era pior. Poucos conseguiam fugir da ocupação agrícola ou do pastoreio para a casa ou para o patrão.

Quem possuía uma arte já estaria um pouco melhor mas a diferença não era muita. João Guerreiro aprendeu com os pais a arte de tecelão. Teciam linho com que se faziam toalhas de rosto, lençóis, colchas, etc. A lã dava origem a belíssimos cobertores e mantas, entre outras peças.

Nesta altura a freguesia de Giões era a mais têxtil do concelho com teares rudimentares espalhados por todos os montes, havendo igualmente na aldeia grande actividade nesta arte artesanal como já tenho tido oportunidade de referir noutras ocasiões.

Depois, como pessoa sempre interessada em saber coisas novas, aprende a técnica da destilação e instalou um alambique no monte natal onde destila principalmente medronho e figo.

Pelos 24 anos procura companheira, com quem casa e foi buscar a um monte relativamente perto, mas da freguesia de Vaqueiros. Foi a mãe de seus filhos e um pilar onde sempre se apoiou.

Chegou à Vila de Alcoutim para tomar posse do lugar de Aferidor de Pesos e Medidas da Câmara Municipal o que veio a acontecer em 21 de Julho de 1952 e onde vencia uma ridícula importância mensal. Verdade seja que não cumpria o horário normal do funcionalismo, pois não ganhava para isso por um lado e o trabalho igualmente não o justificava. Ia à Câmara quando era preciso e não mais.

Tinha contudo o serviço anual de aferição que se realizava no princípio do ano, se não estou em erro e que naturalmente efectuava percorrendo todo o concelho.

Deslocava-se diariamente de Alcaria Alta, à vila e só por volta de 1958 se fixou na sede do concelho com a família. Monta entretanto uma pequena relojoaria, consertando e vendendo relógios em nome da esposa já que como funcionário não a podia possuir. Isso acontece numa pequena casa situada na Rua Portas de Mértola e onde paga 60$00 de renda.

Cerca de um ano depois muda-se para a Rua do Município onde é hoje o Bar Miragem e parte do Minimercado Soeiro, onde igualmente fixa residência.

Tendo sido posto em venda o edifício comercial que foi desde tempos imemoriais a chave do comércio da vila, sendo no século XIX propriedade da Família Torres, passando depois para a Família Serafim, foi a esta que João Baltazar Guerreiro o adquiriu.

[JBGuerreiro no seu estilo inconfundível despachando um café no seu estabelecimento comercial. O cachimbo lá estava]
Quando conheci o estabelecimento comercial compunha-se de mercearia e venda, vendendo também relógios, rádios, balanças e fogões a gás, que eu me lembre.

Como já aqui informei, numa pequena divisão que tinha porta para a Rua Dr. João Dias, montou um pequeníssimo café com duas ou três mesas e em que a máquina só tirava um café de cada vez.

O Café veio pouco tempo depois a motivar toda a reorganização do espaço comercial, pois foi o ramo que passou a ocupar maior espaço, já com uma máquina moderna e com dez ou doze mesas.

Se não estou em erro, pertenceu a João Baltazar Guerreiro, que usava muito na escrita e na palavra JBGuerreiro, a iniciativa de mostrar a televisão acabada de chegar, o que não era fácil devido a muitos condicionalismo, que já aqui referi, de ordem técnica e geográfica. Funcionava nessa altura na parte alta da vila, na Rua D. Sancho II, em casa que foi de Leopoldo Martins um aparelho de TV, havendo cadeiras para as pessoas se sentarem, pagando-se por isso 1$00 que revertia a favor da Santa Casa da Misericórdia. A imagem era naturalmente muito deficiente mas mesmo assim tinha sempre casa cheia.
Fui lá duas ou três vezes, uma delas para ver o famoso Zip Zip, com Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz. A instalação deste aparelho teve por base o interesse e desenvolvimento de JBGuerreiro.


[Carteira de fósforos que me ofereceu JBGuerreiro, cuja capa reproduzia o seu jovem filhote que todos conheciam por Guerreirinho e que mantenho intacta]
Ainda há poucos anos tive conhecimento que também tinha sido ele que no moinho da Pateira, perto de Afonso Vicente, instalou antena e aparelho dando assim oportunidade às pessoas desta zona, que na altura eram muitas, de ver pela primeira vez imagens televisivas. Pagavam, segundo o meu informador, 1$00.

Numa destas tarefas, vieram jantar à vila para depois continuar a sessão. Por precaução, decidiram tapar o gerador com uma serapilheira. Ao regressarem para continuar o trabalho, como o motor estava quente, a saca ardeu queimando a máquina. Ficou realizada a sessão da noite!


João Guerreiro teve sempre tendências para estas coisas: relógios, máquinas fotográficas, rádios, televisores, fogões, etc.


[Velho Fiat de JBGuerreiro]
Dos seis automóveis então existentes na vila, um deles era o seu Fiat .



Foi João Guerreiro que teve a iniciativa nos primeiros anos da década de 60 de fomentar a edição de uma colecção de postais representativos da vila, o que até aí nunca tinha acontecido

[Postal de Alcoutim editado por iniciativa de JBGuerreiro]

Ainda que a escolaridade fosse a própria da época (4ª classe), João Guerreiro gostava de ler e com isso ia aprendendo, já que era uma pessoa inteligente. Depois punha em prática o que aprendia para admiração dos outros. Dizia muitas vezes:- Isso é fácil de fazer, é preciso é ter as coisas que por vezes não se arranjam. Era um “engenhocas” no sentido positivo do termo.

Tinha também outros interesses, talvez menos conhecidos e de que eu me apercebi com alguma admiração. Gostava de saber as coisas do passado, interessava-se pela história, arqueologia, pelas lendas, pelos monumentos, velhas minas, etc. e algumas pistas sobre determinados assuntos foram-me dadas por ele.

Como já aqui referi foi na sua mão que vi pela primeira vez uma parte do livro do Visconde de Sanches de Baêna, Famílias Nobres do Algarve, 1900, que eu então desconhecia completamente. Mostrou-me também um código de justiça que penso ser do começo do período liberal e outras velharias que agora não posso precisar.

Não era fácil encontrar nessa altura na vila uma pessoa que se interessasse por estes assuntos.

Era no seu estabelecimento comercial, por deferência do casal Guerreiro, que para o efeito me mandavam chamar e que eu ia atender as chamadas da minha então namorada.
Os telemóveis estavam ainda muito distantes!

Era um “bon vivant”, adorando um petisco com os amigos e que tinha muitas vezes lugar na rua, frente à porta do primitivo café. Tudo servia para a petisqueira para se beber um copo e onde nunca faltava, porque também era admirador, as cantorias, ora os cantares alentejanos que praticava, ora o fado tanto de Lisboa como de Coimbra, conforme os convivas se ajeitavam e havia sempre quem fizesse uma perninha. Isto por vezes entrava pela noite dentro, com os naturais protestos da D. Cesaltina.

João Guerreiro era um homem solidário e não me esqueço que em 1970 quando fui levar a minha mulher para nascer o meu filho, no regresso, nas descidas da ponte da Foupana, saltou uma roda ao táxi e se nada de grave aconteceu, foi porque não calhou.

Tendo-se sabido isto na vila, João Guerreiro meteu-se no carro com o Dr. João Dias e foram ao nosso encontro para o que fosse necessário. Encontrámo-nos ao Celeiro. Nunca me esqueci disto.

Em conversas recatadas, mostrou sempre a sua discordância com o regime político vigente.


[Estabelecimento comercial na Praça da República e pertencente aos Hºs de JBGuerreiro, 2009]

Exerceu durante alguns anos as funções de tesoureiro da Santa Casa da Misericórdia de Alcoutim.

Foi correspondente do jornal diário O Século.

Em 1972 e após a saída do Dr. João Lopes Dias, de quem era amigo, para S. Brás de Alportel, resolveu pedir a sua transferência para a Câmara Municipal de Loulé, onde já tinha um vencimento compatível e possibilidades para os filhos continuarem os estudos.

Aqui se reformou em 1990, tendo falecido nove anos depois.

A última vez que com ele contactei foi no Convívio de Naturais do concelho de Alcoutim na Amora, penso que em 1986, onde me desloquei a convite da organização e onde ele tinha ido também com o Dr. João Dias.

Recordar aqui este alcoutenejo é uma pequena e justa homenagem que lhe prestamos.



Nota Breve
Agradeço à Família, nomeadamente a sua filha Odília e viúva D. Cesaltina, a colaboração prestada.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

EN 122-1 - Acesso à Vila de Alcoutim



Esta foto, tirei-a em 1972.
Representa, como o título indica, o acesso à vila de Alcoutim.
A estrada nº 122-1 terminava junto às antigas Portas de Mértola e o pouco trânsito existente percorria a Rua Portas de Mértola e a da Misericórdia para chegar à Praça da República.

Cedo se conclui que tinha de ser encontrada uma alternativa a esta situação já que a nova camioneta de transportes públicos, de trinta e quatro lugares, não podia passar por tais ruelas medievais que não foram construídas para tal tráfego.

A solução era o acesso fazer-se pelos “Trases”, uma azinhaga por ali existente e que servia de uma maneira geral os quintais pertencentes aos edifícios das ruas que já referimos.

Em 1951 começam os trabalhos com algumas demolições e segundo nos informaram encontravam-se concluídos em 1956.

A casa, que se vê em frente e que tem sofrido várias transformações com os restauros operados, foi mandada construir por Paulo José Lopes que foi presidente da Câmara e exerceu outras funções político-administrativas. Conheci-a na posse de sua neta, D. Belmira Lopes Teixeira.

Paulo José Lopes, ainda que autorizado para efectuar a obra, teria de se entender com o Governador da Praça, visto tal casa ser junto à muralha da vila.

Como se vê, nesta altura o estacionamento era muito fácil, o que hoje não acontece.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A Casa da Roda em Martim Longo

Já fizemos as referências gerais quando escrevemos sobre a Casa da Roda da vila e no último período do tema dissemos mesmo que em Martim Longo também tinha existido Roda de Expostos.

Sabemos que pelo menos existia casa da roda na aldeia em 1839, pois nesse ano exercia a função de rodeira, Joaquina Gertrudes, mulher de Baltazar Carrilho e de ama de leite, Maria Joaquina Alho, mulher de Manuel Guita. (1)

Em 22 de Janeiro de 1841 é exposta nesta roda, uma criança do sexo masculino e a que foi dado o nome de Vicente.

Sabe-se também que em 1842 a casa da roda de Martim Longo já tinha sido extinta.
De carácter oral, nada nos chegou ao conhecimento.

Sabemos que em 1817 o cirurgião do Partido da Vila de Alcoutim, João Manuel Revés, informava em 19 de Janeiro não haver “Casa de Expostos”, mas logo que aparecesse algum, era entregue a uma ama para o criar, sendo-lhe dado todo o apoio e olhando-se muito por ele.(2)

Haverá na aldeia quem saiba por tradição onde se situava a Casa da Roda?

Uma investigação cuidada no Arquivo Paroquial podia-nos levar ao conhecimento de mais dados sobre este assunto. Haja quem a faça.

NOTA

(1) “Coisas Alcoutenejas - A Casa da Roda”, José Varzeano, in Jornal do Algarve/Magazine, de 30 de Dezembro de 1993.

(2) – Jornal de Coimbra, 1817, p. 35

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A bilha para água



Vaso de barro, mais ou menos bojudo e de gargalo estreito.

Ainda que a base seja esta, a forma pode ser muito diferente, dependendo das suas regiões de origem onde as “escolas” de olaria, hoje quase todas extintas, faziam transmitir as formas de geração em geração, muitas vezes passando de pais para filhos.

O exemplar apresentado foi adquirido em Martim Longo há vinte e três anos e tem as características da louça do Redondo.

Na primeira metade do século passado e como aqui já dissemos, a louça chegava aos “montes” transportada em burros, cada um trazia o que podia, e acondicionada em palha.

Com a evolução dos tempos esse sistema extinguiu-se e nos anos setenta lembro-me bem de chegar à vila uma camioneta de caixa aberta carregada de louça de barro e onde fazia o seu negócio.

Ainda possuo algumas peças adquiridas nessa altura.

As peças então feitas naturalmente que caíram em desuso e por consequência os oleiros viraram-se para confecções de cariz diferente, mais destinadas à decoração.

Raramente nas feiras e mercados das redondezas aparece uma bilha de barro à venda, pois os compradores são muito reduzidos, adquire-se com facilidade uma vasilha de plástico que não se parte, é muito mais leve e... muitíssimo mais barata.

As bilhas eram quase sempre tapadas com uma pequena laje fininha de xisto a que se procurava dar o tamanho aproximado do seu gargalo.

As bilhas quando eram pequenas tomavam o nome de infusas.

Era o que se utilizava para recolha e fornecimento do precioso líquido, sendo muitas vezes colocadas em piais (poiais) e pilheiras para mais fácil manuseamento.

Pelo que me diz respeito, a água para beber ainda é colocada em três bilhas deste tipo.