segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Farelos, o "monte" mais importante da Freguesia de Giões
Iremos hoje “visitar” o que consideramos o monte mais importante da freguesia de Giões, tanto pela sua população como pela actividade.
Tomando como ponte de partida a vila de Alcoutim, depois de percorrermos os 6 km do troço da E.N. 122-1, tomamos a nº 124 que nos vai levar à aldeia do Pereiro. Continuando pela mesma via, poucos quilómetros percorridos vamos encontrar à direita um entroncamento que nos indica Tesouro e que seguiremos.
Depois de passarmos por um monte abandonado e de tipo alentejano, que dá pelo nome de Herdadinha, encontramos o pequeno monte do Tesouro. Eram terrenos destinados pelas suas características à cerealicultura, entretanto completamente abandonada. Procura-se agora para rentabilizar as terras, a florestação já iniciada.
Depois de uma descida pronunciada, encontramo-nos no vale provocado pelo Barranco do Malheiro que ultrapassamos por ponte entrando por este lado na freguesia de Giões, tendo deixado o do Pereiro.
[Ponte no Barranco do Malheiro que liga a Freguesia do Pereiro à de Giões. Foto JV, 2009]
Naturalmente que agora se dá o inverso e temos de subir até encontrarmos a povoação que procuramos, os Farelos.
As casas branquinhas ,onde a cal, muitas vezes substituída pela tinta, impera, chamam a atenção pela alvura, tal como o matiz florido de abundantes gerânios.
Várias vivendas modernas, impondo-se uma pelas avantajadas dimensões.
O novo tipo de construção ou de reconstrução impõe-se, sendo já reduzido o número das antigas construções de xisto à vista, praticamente todas em ruína. Quem o reconstrói fá-lo à moderna como não podia deixar de ser.
Ainda que não apareçam placas toponímicas com esse sentido, os Farelos são divididos por dois montes, o de Cima, a norte da estrada e o de Baixo, a sul.
Como é vulgar em “bairros” próximos, aparecem por vezes algumas questiúnculas facilmente ultrapassadas.
Desconhecendo a actual situação, em tempos houve duas pequenas associações, uma no monte de Cima, outra no monte de Baixo!
A EM nº 507 continua dando ligação à sede de freguesia e o acesso ao concelho de Mértola. De Farelos parte um pequeno troço (nº 1044) que liga a Clarines. Existem dois caminhos, um que liga ao Monte das Velhas que em 1998 se percorria de automóvel com bastante dificuldade e outro em melhor estado que nos leva à Ribeira do Vascão, à chamada Água Santa, nascente junto da margem alentejana daquela ribeira e que é muito frequentada no Verão.
A grande maioria dos montes do concelho constitui “becos sem saída”, o que aqui não acontece.
Abordaremos agora o topónimo.
No Dicionário que normalmente consultamos (1), só encontrámos este Farelos e dois no singular, um no concelho de Sintra e outro no de Penela.
O linguista José Pedro Machado dá-o como derivado do substantivo masculino (2), que significa entre outras coisas e que é do conhecimento comum, a parte mais grossa que se separa da farinha depois da primeira peneiração. (3)
Atendendo às características locais, a explicação dada por este linguista tem hipóteses de ser consensual.
As Memórias Paroquiais de 1758 já referem o “monte” mas o pároco que responde ao questionário, quanto ao número de habitantes, indica os da aldeia e os dos montes no seu conjunto e que é superior ao da sede.
[Pequena lagoa de Farelos. Foto JV, 2009]
Silva Lopes em 1839 (4) atribui-lhe trinta fogos que a nível de freguesia e de monte só suplantado por Alcaria Alta com 43.
No censo de 1991 já é indicado como o monte mais populoso da freguesia com 87 habitantes, sendo igualmente o primeiro a nível de edifícios pois contava 56.
Em 1840 os terrenos do rossio eram demarcados com audiência do povo, segundo consta de uma acta de sessão da Câmara Municipal daquele ano.
Uma pequena lagoa, situada próximo e perto do edifício escolar, cria achigã e barbo.
A escola do ensino primário, construída na década de sessenta e que servia também as crianças de Clarines e das Velhas, foi encerrada em 1988 por falta de alunos. (5)
Foi adaptada anos depois a núcleo museológico que dava pelo nome de “Tecer e Usar”e que se encontra há muito encerrado tal como os outros espalhados pelos concelho. Aos meus familiares e amigos levo-os a Mértola, Vila Museu de onde saem admirados e satisfeitos. Como recentemente me foi dado ver, a própria vila medieval está a transformar-se num verdadeiro museu.
Depois da recolha de lixo e da distribuição de água por fontanários, estes foram eliminados e a água levada aos domicílios sem contudo existir o saneamento básico. As ruas foram pavimentadas em 1994. (6)
O painel de caixas de correio foi colocado em 1996. (7)
[A casa mortuária. Foto JV, 2009]
Em 2002 construiu-se uma casa mortuária (8) e no ano seguinte são edificados balneários públicos. (9)
É dos poucos montes que possui estabelecimento comercial.
É visível alguma azáfama diária com a saída de “carrinhas” para trabalhos a realizar em várias partes do concelho.
A pastorícia ainda há pouco tinha alguma expressão e havia um viveiro de plantas para florestação.
José Lopes, natural deste monte onde nasceu em 1889, tornou-se, devido à anormalidade do seu crescimento, uma figura pública. Ficou conhecido pelo Gigante dos Farelos, tendo falecido aos vinte e cinco anos, por isso em 1914.
A sua altura atingiu os 245 cm, o braço media 93, a mão 35 e o pé 45 de comprimento.
Filho de gente pobre, cedo motivou a atenção de vizinhos e conhecidos devido ao desenvolvimento que o seu corpo ia tomando.
As conjecturas do povo levaram alguns a atribuir o facto à circunstância de sua mãe, muito reinadia e ainda solteira, ter dito, quando mondava, que gostaria de ter um filho gigante.
O José Lopes alojou-se quando foi à inspecção militar em casa dos pais do Prof. Trindade e Lima, na vila, (10) naturalmente incapaz para qualquer actividade própria das gentes do seu monte, começou muito novo a vender a sua imagem em feiras e mercados do país, chegando mesmo a deslocar-se a Espanha.
Conta-se que empurrou, de joelhos, os zorrinhos da Mina de S. Domingos.
Ainda ouvi contar a gente de Martim Longo que, quando ia àquela aldeia a cabeça passava a altura dos beirais dos telhados.
As crianças choravam ao vê-lo e até os cães ladravam com ímpeto quando passava.
Foi sempre uma pessoa triste e havia mesmo quem dissesse que nunca tinha sorrido.
(11)
Apesar de ter falecido há noventa e cinco anos, por todo o concelho de Alcoutim há quem fale ainda no Gigante dos Farelos.
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(1)– Novo Dicionário Corográfico de Portugal, A.C. Amaral Frazão, Editorial Domingos Barreira, Porto, pág.319
(2) – Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Horizonte / Confluência, 1993, pág.620.
(3) – Dicionário da Língua Portuguesa, Fernando J. da Silva, Editorial Domingos Barreira, Porto, 1984.
(4) - Corografia do Reino do Algarve, 1841.
(5) - Boletim Municipal, nº 4 - Abril/89.
(6) - Alcoutim - Revista da C.M.A.- nº 1 - Maio/Junho - 1995.
(7) – Alcoutim, Revista da C.M.A. – nº 4 de Dez/96, pág. 12
(8) – Alcoutim, Revista Municipal nº 9, e de Dez/2002, pág.12
(9) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 10 de Dez/2003, pág. 10
(10) – “Pequenos Apontamentos”, Trindade e Lima, in jornal O Povo Algarvio - Tavira, de 18 de Maio de 1974.
(11) - “O Gigante dos Farelos”, Maria José M. Silva, - in Diário de Notícias de Set/Out. (?) de 1986.