quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Duas jovens



Apresentamos hoje na Câmara Escura uma foto cheia de passado e simbolismo.

Trata-se de uma fotografia dos anos 30 do século passado e que representa duas jovens, então estudantes no liceu de Faro.

Eram esbeltas e estavam na força da vida!

Ambas foram vítimas da doença, na altura incurável e que atacava muito os jovens.

A que está sentada é Cristina Lopes, em memória da qual foi erguido, no cemitério de Alcoutim, o único jazigo lá existente e hoje apresentando alguma degradação.

Não a conhecemos, mas falámos muito dela com sua mãe, D. Belmira Lopes, que nos dedicou sempre a sua estima. Já no declínio da vida e quando íamos a Alcoutim não a deixávamos de visitar.

Todas as conversas que tínhamos iam habitualmente parar à sua única filha e encontrávamos sempre sobre um móvel, na “casa de entrada”, uma foto que ainda hoje nos parece estarmos a vê-la.

Constava que era a moça mais bonita da vila.

A outra jovem, vítima da mesma doença, não faleceu em Alcoutim e chamava-se Ricardina Temudo, era irmã do nosso Colega, Amigo e Colaborador, José Temudo.

Foto gentilmente cedida pela alcouteneja, nossa Amiga, Doutora Marina Ramos Themudo.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Afonso Vicente foi um grande monte da freguesia de Alcoutim [5]

ACTIVIDADE DOS HABITANTES

AGRICULTURA

Não podia deixar de ter sido a actividade basilar das suas gentes, nomeadamente, a cultura cerealífera.

O trigo constituiu sempre a base da alimentação deste povo. Além dele, semeava-se o centeio, a cevada e a fava.

A arborização era quase nula, procurando-se transformar por enxertia os zambujeiros em oliveiras, pois o azeite era indispensável na sua alimentação. As árvores encontravam-se principalmente nas margens do Guadiana, onde a propriedade era muito dividida e altamente taxada pelo fisco.

Os amendoais apareceram muito depois.

Iremos, seguidamente, referir os principais trabalhos efectuados.

APANHA DA AMÊNDOA



No 3º quartel do século passado a amêndoa possibilitava aos já pouco trabalhadores agrícolas, principalmente para as mulheres, o vencer uns dias de jorna.

Quando os terrenos dos amendoais ficavam brandos através da humidade, o proprietário aproveitava para contratar mulheres para irem apanhar o “relvão” ou seja o mato novo, (esteva, xaragoaço (1) e outras plantas daninhas) que acabava de despontar, evitando assim a infestação dos terrenos.

O mês de Agosto era o destinado à apanha. As mulheres partiam em grupo ao raiar da manhã para os campos acompanhadas do proprietário que levava um ou dois animais de carga, conforme as circunstâncias.

Se algumas das amêndoas já se encontravam no chão, outras ainda se encontravam na árvore, pelo que tinham necessidade de serem varejadas, o que se fazia com uma cana.

Cada mulher levava uma cesta de cana para onde ia deitando as amêndoas que apanhava. Quando cheia era despejada para um saco feito de pano tecido num tear local e depois ia para sacas de linhagem que começaram a aparecer e que foram sendo substituídas por sacas de plástico normalmente originárias do transporte do adubo.

Quando havia carga suficiente para o animal, duas ou mais sacas, dependendo do seu tamanho e do animal que as irias transportar, o patrão ou o seu representante, quando este não podia fazer o trabalho, carregava o animal e lá ia a caminho do “monte” onde tinha o armazém.

Uma vez descarregada a carga voltava ao local da apanha onde se encontrava quase sempre amêndoas suficientes para um novo carrego.

Antes do almoço regressava todo o pessoal a casa para se alimentar e dormir a folga pela hora do calor. Depois desta dedicavam-se em casa do patrão a pelar as amêndoas que punham ao sol para ficarem bem secas. Depois eram novamente ensacadas e ficavam prontas para vender.

A venda dependia do mercado e sofria por vezes oscilações consideráveis. Nessa altura dizia-se que a amêndoa pagava bem a despesa dando ainda um lucro considerável.

Hoje nem dadas as querem apanhar! É a mudança dos tempos.

APANHA DA AZEITONA



Esta tarefa era realizada com fases semelhantes ao que acontecia com a amêndoa, ainda que haja, naturalmente, diferença, principalmente no que respeita à preparação da mesma, tendo por fim a feitura do azeite.

A época própria da apanha para o azeite realiza-se no mês de Novembro, havendo por vezes pequenas oscilações, tendo em conta o decorrer do ano, mais ou menos chuvoso, que influenciam a maturação do fruto.

A azeitona para conserva e para “britar” era a primeira a ser apanhada, sendo a maçanilha a preferida.

As apanhadeiras contratadas deslocavam-se com o patrão ou seu substituto nos mesmos moldes dos da amêndoa, com a diferença que devido à época saiam mais tarde, agasalhavam-se melhor e não vinham a casa almoçar o antigo “jantar”, quando havia ceia. A pouca duração dos dias a isso obrigava.


O varejar fazia-se igualmente com uma cana e debaixo da árvore colocavam-se panos (depois substituídos por redes de plástico apertadas) e que das cestas passavam para as sacas com as mesmas características das que transportavam as amêndoas.

Ao chegar a casa, a azeitona era deitada para grandes canastras e salgada a fim de se conservar. Após a safra, desenrolava-se a feitura do azeite.

Além das britadas, preparavam-se retalhadas, para água e as de sal, para as quais se escolhiam as azeitonas do tipo maçanilha roxa após amadurecerem.

APANHA DO FIGO



As figueiras hoje estão perdidas por falta de tratamento, mas em meados do século passado eram muito acarinhadas pelos alcoutenejos.

Depois de secos, os de melhor qualidade serviam para a alimentação das pessoas, principalmente, quando iam trabalhar para os campos e os piores destinavam-se ao alimento dos animais como bestas e porcos.

Era junto ao rio que existiam as melhores figueiras e na época da apanha (meados de Agosto e meados de Setembro) os proprietários com os familiares dirigiam-se para as várzeas do rio onde as figueiras eram mais abundantes e de maior porte. Levavam os porcos consigo para poderem aproveitar aqueles de pior qualidade e que iam ficando pelo chão.

Era tempo de calor. Comiam-se gaspachos e dormia-se numa cabana quando não ao relento.

Os figos eram varejados com uma cana e postos a secar num caniço ou passeira (palha de centeio ou junco).

Depois de secos eram transportados em sacos no dorso dos animais para o monte e a seguir serem escaldados e colocados às camadas em canastras, quando não se dispunha de arcas de castanho, o melhor sítio para os conservar juntando-se-lhe ervas doces e funcho.

Só depois da apanha dos figos e da sua secagem, a família regressava a casa onde alguém tinha ficado para tratar dos animais que ficarm e para cozer a amassadura semanal que ia alimentando toda a família.

N.B. – A cultura cerealífera já foi abordada neste espaço e em tema próprio pelo que nos escusamos de a repetir.

NAS VÁRZEAS



As várzeas do Guadiana são os terrenos mais ubérrimos do concelho de Alcoutim e como tal muito disputados e repartidos. A proximidade da água e os terrenos de aluvião, aqui designados por “fango” proporcionavam boas culturas.

As melhores oliveiras, muitas centenárias, encontravam-se por aqui, tal como as vinhas, as figueiras e mesmo na margem os marmeleiros e as romãzeiras que com o seu raizame suportavam as terras.

O milho, o feijão e outras leguminosas eram aqui semeadas, as abóboras (frades) desenvolviam-se com facilidade e atingiam grandes dimensões.

Mesmo distantes, não deixavam de ser convenientemente trabalhadas pelos seus proprietários, que assim faziam face a algumas das suas necessidades.

HORTEJOS



Situavam-se mais próximo das residências, junto a um barranco cuja margem era desbravada com o abate dos loendreiros, o aproveitamento da pouca terra existente que para seu suporte construíam paredes de pedra solta pretendendo, assim, defendê-los das barrancadas, como chamam à força das águas que trazem as chuvadas invernosas.

Construíam sempre um pequeno poço para poder efectuar a rega, muito doseada aos poucos produtos hortícolas que lá semeavam.

Batatas, alfaces, uma ou outra couve, uma leirinha de alhos, meia dúzia de tomateiras, como cá dizem, um ou outro pimenteiro e os indispensáveis coentros.

Quando a canícula apertava, ao cair da tarde, lá iam as moças com o caldeiro no braço regar as primícias, já que era trabalho que lhe estava destinado. Aproveitavam para trazer para casa algo que necessitavam e estivesse capaz de colher.

Os terrenos junto aos montes eram destinados a ferragiais indispensáveis para prender os animais que iam pastando.

Aqui tinha que se produzir, pois além de não haver dinheiro para comprar, não havia quem vendesse.

PASTORÍCIA



Esta actividade andou sempre ligada à cerealicultura, complementando-a ora como principal, ora como subsidiária, contudo, estranhamente, não encontrámos nos Registos de Arrolamento de Gados da Câmara Municipal, no século XVII, ninguém de Afonso Vicente, o que não é fácil de perceber, já que em todos os “montes” das proximidades houve vários manifestos.

Enquanto uns se dedicavam às cabras, outros faziam-no em relação aos ovinos e ainda outros ao gado vacum.

Em 1891 um natural e morador em Afonso Vicente, umas vezes designado por Francisco Afonso e outras Francisco Lourenço, é encarregado pelo então Administrador do Concelho de ir vender à Feira de Aljustrel gado constituído por mais de uma dezena de cabeças de gado vacum.(2)

De uma maneira geral todos tinham as suas cabeças, já que além do leite e da carne vendiam sempre exemplares, principalmente borregos, o que lhes possibilitava obter dinheiro para despesas indispensáveis. Algum café ou açúcar, os infalíveis impostos, as botas, caçoilas, tigelas e pelanganas, alguma sardinha e pouco mais. Alguns destes produtos, nomeadamente, as sardinhas e a louça de barro, eram trocados por ovos e trigo, isto até ao primeiro quartel do século passado.


Ainda são visíveis, espalhados pelos terrenos circunvizinhos, vários currais em pedra solta onde o gado era recolhido.

As transacções dos animais tinham lugar normalmente nas feiras de Garvão, Almodôvar ou Aljustrel. Que eram os melhores mercados da região e a distância vencida a pé.

Ainda hoje o “monte” possui um rebanho de cerca de uma centena de cabeças de gado ovino.

Quase todos criavam o seu porquito que engordavam com produtos que colhiam e onde não falta o figo de tuna que, segundo dizem, dava à carne um gosto especial.

Hoje no monte, já não há ninguém que mate porco! Já são poucos os pocilgos existentes.

Os mais abastados, os chamados “lavradores”, matavam mais do que um exemplar, pois as necessidades eram maiores.

N.B.A relação entre o pastor e o patrão, os proventos e obrigações irá ser publicada em tema próprio e de carácter geral em relação ao concelho.

COMÉRCIO


O dado mais antigo que conhecemos de uma actividade comercial, ainda que ela não fosse exercida no”monte” mas sim na vila, é o facto de Manuel Madeira ter arrematado na vila o corte de carnes verdes dependente de cinco cláusulas que aceitou e onde era fixado o número de cortes semanais e os preços que variáveis em diferentes épocas do ano. E isto teve lugar em 1844. (3)

Os seus habitantes nunca estiveram virados para esta actividade.

Existiram, no “monte”, duas vendas (tabernas), a mais antiga pertencente a José Dias, a outra propriedade de Diogo Mestre. Esta vendia também riscados e cabedais, pois na altura trabalhavam no “monte” dois sapateiros.

No primeiro quartel do século XX, era vulgar as mães mandarem as filhas à venda com dois ovos para trocar por petróleo. (4)

Havia também um vendedor ambulante de loja às costas. Vendia o que podia (riscados, linhas) aceitando muitas vezes ovos como moeda de troca. Igualmente um alfaiate exercia a sua profissão trabalhando, principalmente, aos dias em casa de quem solicitava a sua actividade.

Estas duas vendas extinguiram-se em meados do século passado.

Mais tarde apareceu outra do sr. Diamantino Afonso, igualmente sapateiro, que fechou em meados dos anos 70 do século passado, pois mudou residência para o concelho de Beja, onde ainda se encontra.

É muito velha esta quadra que se cantava com frequência nas vendas e que tem sido transmitida de geração em geração.

Viva o Venâncio da Palma,
José Dias, sapateiro
Manuel José de Marrocos, (5)
António da Costa, solteiro.

ARTESANATO



Além dos já indicados sapateiros, no século XIX exercia a actividade um albardeiro.

Como era tradicional, algumas tecedeiras, igualmente, exerciam a esta profissão subsidiária, sendo lembrada como a última, Maria Custódia Dias, que ainda conhecemos. Faziam coisas simples, como mantas de trapos, sacos e toalhas.

Fazer cestos e canastras era apanágio de quase todos os homens, tal como cadeiras de loendro e tecer os seus fundos com junça ou tabua. Fazia parte da cultura dos homens da região.

CONTRABANDO

Ainda que seja uma actividade ilegal não a queremos deixar de referir, já que foi própria de toda a zona raiana, onde Alcoutim se insere.

Se o concelho de Alcoutim, durante a existência de um século da Guarda Fiscal deu grande contributo no seu recrutamento e se é verdade que alguns afonso-vicentinos fizeram parte deste Corpo de Fiscalização, também não o deixa de ser no campo oposto e por vezes da mesma família.

Contrabandistas existiam em todos os “montes” da freguesia de Alcoutim e em muitos do seu concelho, onde nos locais mais afastados existiam “armazéns”.

Contrabandistas não eram só os que faziam o transporte das mercadorias, pois tinham por trás alguém com algum capital que era o investidor.

Documentado temos o caso do levantamento de um auto pelo Administrador do Concelho pelo crime de contrabando e fuga praticado do J.L. e outro de Afonso Vicente.

O auto foi remetido ao Delegado do Procurador Régio na Comarca de Tavira pelo ofício nº 95 de 30 de Setembro de 1874.

Um amigo de Afonso Vicente, não há muitos anos falecido, contou-nos algumas das peripécias de que passou por causa do contrabando, isto realizado no segundo quartel do século passado.

Muitas “estórias” de contrabando ainda se vão contando sobre homens desta povoação, algumas com recortes pouco ou mal definidos como aconteceu com Constâncio Costa desaparecido de maneira enigmática, o que deve de ter acontecido por circunstâncias políticas e não por contrabando como é vulgar ouvir.
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NOTAS
(1) – Xaragoaço, de xara (esteva), do árabe xa ´ara.
(2) - Ofícios nºs 95 e 97 de 7 e 15 de Julho do Administrador do Concelho de Alcoutim.
(3) - Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 25 de Maio de 1844
(4) - Contado por minha tia Maria Catarina Costa que executou essa tarefa bastantes vezes.
(5) – Bisavô de meu filho.

(CONTINUA)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Rastrilho



Quando chegámos a Alcoutim ouvimos pelas primeira vez pronunciar, entre muitas outras, as palavras rast (r) ilho, cepilho ou garlopa cujos significados desconhecíamos completamente.

Fácil foi verificar que rastilho (como se diz em Alcoutim) para o alcoutenejo era o mesmo que para nós ancinho.

Procurando na meia dúzia de dicionários de que dispúnhamos acabámos por encontrar num só
(Dicionário da Língua Portuguesa, Fernando J. da Silva, Editorial Domingos Barreira, Porto, 4º Edição, 1984) um significado que se ajusta: - grade ou ancinho cujas pontas espicaçam e ao mesmo tempo limpam a terra.
Os outros omitem o termo e quando o trazem não tem este significado.

O exemplar representado na foto é muito antigo e foi-nos oferecido por um amigo que já não está entre nós, faltando-lhe colocar o cabo de madeira, habitualmente de zambujeiro.

Pensamos que será obra de um ferreiro dos vários espalhados pelo concelho, tendo havido uma forja no monte de S. Martinho (Cortes Pereiras).

Este utensílio agrícola serve para retirar da terra objectos de alguma dimensão que prejudicam a sementeira e ao mesmo tempo para aplanar o terreno para a mesma se poder efectuar em condições.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Mais uma meta alcançada!


Mais uma meta alcançada!
No passado dia 21,o ALCOUTIM LIVRE chegou às 70.000 VISITAS e nestas últimas 10 MIL fê-lo em tempo recorde. Bastaram 3 meses e 10 dias para que isso acontecesse, retirando à melhor performance oito dias e que tinha ocorrido no último balanço.

Acontece que durante o período referido estão precisamente as férias que o ALCOUTIM LIVRE gozou, espaço em que o número de visitas foi consideravelmente menor cifrando-se na média diária de 51. Mas tal facto não evitou a subida para 100/dia nestas últimas 10 Mil visitas, verificando-se assim, um aumento de 5,66 em relação à última contagem. Significa isto que no restante período de tempo as visitas diárias foram bastante superiores a 100.

O número de postagens desceu de 138 para 68, o que é bastante considerável,mas que não foi suficiente para que o número de visitas tivesse diminuído.

Neste período tivemos a visita de mais treze países, pelo que o número actual é de 97.

O contributo do Brasil desceu ligeiramente,sendo importante o número de visitas efectuadas.

Os quatro temas mais abordados continuam a ser Câmara Escura (96) Etnografia (95), Escaparate (79) e Ecos da Imprensa (68) aparecendo agora na 5ª posição, Especiais (53) em substituição do Geral, tendo muito perto Gastronomia/Culinária (52).

Significativa é a contribuição dos nossos colaboradores, que com a sua diversidade de assuntos são uma mais valia para este espaço, continuando assim ao nosso lado na procura de contribuir para o CONHECIMENTO REALISTA DE ALCOUTIM E DO SEU CONCELHO DANDO DESTE MODO A CONHECER ASPECTOS IMPORTANTES DA SUA VIDA.

O agradecimento aos nossos fiéis visitantes / leitores é algo que não podemos esquecer, já que são o suporte deste espaço. Sem eles não havia razão para existir.

O NOSSO AGRADECIMENTO.

Juntamos, como é habitual, um gráfico explicativo.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Recordação da Casa da Esperança




Escreve

José Temudo




INTRODUÇÃO
É singular a relação que mantenho com as minhas recordações; decididamente, não sou eu que as procuro, são elas que vêm ter comigo, depois de despertas e arrancadas ao mundo misterioso em que permanecem esquecidas, por um qualquer evento do meu dia-a-dia, por mais insignificante que seja.

Foi o que aconteceu, há dias, quando passeava, como é meu hábito, na avenida junto ao mar. Ao passar por uma mulher que caminhava em sentido contrário ao meu, cruzei os meus olhos com os dela, por um brevíssimo instante.
Mas foi quanto bastou para trazer de volta à minha vida um pequenino episódio ocorrido há algumas anos atrás, que passo a contar-vos, sob o título



AQUELA POBRE MULHER, DE ROUPÃO AZUL

Passei o dia em que fui internado no hospital, alternadamente, entre a enfermaria, onde fui sendo preparado para a operação a que ia ser submetido no dia seguinte, e a sala de convívio, onde procurei, com algum sucesso, lendo jornais e vendo televisão, afastar de mim a natural preocupação que se experimenta numa situação destas.

Depois do jantar, que para mim não foi além de uma chávena de chá, servida na sala de convívio, fiquei assistindo, atentamente, como é meu hábito, ao noticiário das oito, num dos canais da TV.

Em dado momento, quando estava a ser transmitida uma notícia que se revestia de pouco interesse para mim, a minha atenção foi perturbada e desviada por um persistente sussurro. A meu lado, mas um pouco afastadas de mim, três senhoras falavam entre si. Uma delas, já entrada nos anos, de aspecto fino e voz educada, falava, com doçura mas de forma veemente, para uma outra, vestida com um roupão azul:

- Porquê esse desânimo, essa tristeza? Não lhe disse o srn. dr que ia correr tudo bem?
- “Pois disse”, respondeu de modo brando, a do roupão azul, mulher do povo, dos seus quare3nta anos. E acrescentou, como que a desculpar-se:
- “É que eu tenho um pressentimento, um pressentimento ruim, aqui”, disse ela, colocando a mão sobre o coração. “Sinto que vou morrer.”
- “Ora, ora”, retrucou a senhora fina. “Deixe-se disso. Medos e pressentimentos ruins, todos nós temos antes de uma operação. Nisso, somos todos iguais. Isso é que é natural. Mas vai ver que tudo vai correr bem. Vamos, anime-se. Lembre-se dos seus filhos e do seu marido.”

-“É por eles que eu tenho medo, não é por mim”, disse a mulher do roupão azul. Vi, então que ela chorava. Havia lágrimas no seu rosto sem cor, de aspecto doentio. Era um choro que se via, contido e tranquilo, e que só se ouvia na tremura da voz com que interrogava:

-“Que vai ser deles, senhora, se o mais velho ainda agora fez dez anos?
O pai não pode olhar por eles, que a vida dele é só trabalhar, de manhã à noite, para que nada lhes falte. Então, perguntava ela, levantando os olhos tristes das mãos cruzadas sobre o regaço, quem vai cuidar deles?”

- “Vai ser a senhora, como sempre tem feito até agora”, respondeu a senhora fina. Depois, dando-lhe um lenço para que limpasse as lágrimas, continuou:

- “Com a graça de Deus, tudo vai correr bem. E, daqui a alguns dias, quando estiver de novo em casa, junto dos seus meninos, ainda se vai rir dos medos que agora tanto a estão a atormentar.”

Estas eram boas e sensatas palavras, mas aquela pobre mulher parecia não as ter ouvido. O desânimo e a tristeza continuavam estampados no seu rosto lívido. O seu pressentimento era tão forte que não consentia que a mais insignificante réstia de esperança penetrasse na sua atormentada alma e iluminasse, por um segundo que fosse, o seu triste rosto.

Eu próprio, que tinha entrado no hospital determinado e resolvido a sujeitar-me à operação para acabar com o mal que me afligia e tirava o sossego, comecei a ficar inquieto e a lembrar-me de casos recentes em que os pacientes tinham ficado nas mãos dos anestesistas. Felizmente para mim, uma jovem enfermeira entrou na sala e pediu-me que a acompanhasse à enfermaria para fazer não sei já o quê. Nessa noite, já não tornei à sala de convívio. Os meus intestinos, estimulados por um purgante, não me davam descanso. Às seis da manhã do dia seguinte, acordaram-me, lavaram-me, desinfectaram-me e levaram-me para a sala de operações. Depois, no seguimento de uma breve conversa com a anestesista, apaguei-me, sem sequer ter tido consciência de ter sido anestesiado. Umas horas depois, abri os olhos. Alguém a meu lado, não sei se médico, se enfermeira, levemente inclinada sobre mim, procurava tranquilizar-me:

- “Pronto sr. José, já acordou. A operação correu bem. Está tudo bem consigo. Agora, vai ser levado para a enfermaria.”

Não dei conta. Afundei-me, novamente, num sono profundo, absoluto, quase mortal. Voltei à “superfície”, já na enfermaria, horas mais tarde, sentindo que chamavam por mim. A custo, fui abrindo os olhos e, mais custosamente ainda, fui tomando consciência do sítio onde me encontrava e do que me tinha acontecido. Enquanto isto, alguém, de pé, aos meus pés da cama, falava para mim, de um modo brando, a raiar a ternura:

- “Então, como se sente?”

Foi só então que tive uma imagem clara da minha interlocutora. Era aquela pobre mulher, de roupão azul, que, umas horas antes, na noite anterior, eu vira na sala de convívio, com a alma amarfanhada por um pressentimento ruim a seu próprio respeito. E era ela, tão merecedora da minha compaixão uma horas atrás, que ali estava a confortar-me com a sua presença e as suas palavras. Confesso que a sua presença ali, mais do que qualquer outra, por ser de todo tão inesperada, me comoveu muito. Quis agradecer-lhe a visita, mas não consegui articular uma só palavra que fosse, tão pedrado ainda estava pela acção da anestesia. O mais que consegui fazer foi um expressivo gesto com uma das mãos. Parecendo não ter sido efectada pelo meu silêncio, ela continuou:
- “A senhora enfermeira disse-me que a operação tinha corrido bem. O que eu lhe desejo é que possa voltar para junto dos seus o mais depressa possível”.

Durante uns segundos, ficou olhando para mim, sorrindo – um sorriso pouco iluminado, sobre um fundo toldado pela tristeza. Depois, como eu continuasse calado, despediu-se:
- “Bem, o melhor agora é eu ir-me embora. O senhor precisa é de descanso. Então, boa tarde.” Ao sair já à porta, virou-se para mim, sorrindo; vi que me disse qualquer coisa, mas já não entendi o quê, o sono tinha tomado conta de mim novamente.



Não tornou a aparecer, o que não me surpreendeu. Ela própria estava para ser operada. Com toda a probabilidade, a operação teria já ocorrido. Três ou quatro dias depois, logo que os médicos me autorizaram a sair da cama e me recomendaram que andasse, fui procurá-la. Não queria ir-me embora sem lhe manifestar a minha simpatia e expressar-lhe a minha gratidão pela visita que me fizera e que tanto me sensibilizara. Percorri as enfermarias de uma ponta a outra do corredor e não a encontrei. Falei dela às enfermeiras que me tratavam que nada me souberam dizer sobre a mulher do roupão azul – este era a única referência que tinha dela. No dia em que tive alta, na secretaria do hospital onde fui chamado para o cumprimento de uma qualquer formalidade, perguntei por ela, pela última vez. Nada me disseram, porque nada sabiam sobre a mulher do roupão azul. Era como se ela nunca tivesse passado por ali. Não quis acreditar no que me diziam. E a suspeita instalou-se insidiosamente, em mim:”terá batido certo o pressentimento ruim de que a mulher falava? Será que estão a esconder a sua morte para evitar que os outros doentes entrem em pânico?” Saí da secretaria intranquilo e , de certo modo, perturbado com aquele mistério. Porém, ainda não tinha cruzado a porta de saída do hospital e já uma outra suspeita me atormentava: “ E se ninguém me está a mentir? E se a mulher do roupão azul já mais existiu e tudo não passou de um sonho vivido dentro de um pesado sono provocado pela anestesia? Como vou eu saber, agora?”

Já em casa, no decurso de uma refeição, ainda falei na mulher do roupão azul. Como era de esperar, ouviram-me com atenção, mas a emoção com que eu contei o pequeno episódio não contagiou ninguém. E não se falou mais dele. Com a passagem dos anos, eu próprio o esqueci.

Antes de colocar o ponto final nesta tão pequenina “estória”, vou antecipar a resposta à pergunta que necessariamente me irão fazer:” mas que relação há entre a mulher com quem te cruzaste quando passeavas à beira mar e a mulher do roupão azul?”

Honestamente, respondo: ao certo, não sei; talvez, a mesma sombra de tristeza no olhar, ou a mesma palidez nas faces, ou, ainda, o mesmo ar sereno, quase grave, do seu rosto; ou, sei lá, qualquer outra coisa. Sei, apenas, que naquele dia, eu passeava à beira mar, que cruzei os meus olhos com os de uma mulher que passeava em sentido contrário ao meu, e que, de repente, vivi de novo tudo o que vos acabo de contar.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

D. Jorge de Lencastre, 2º Duque de Aveiro e neto do 2º Conde de Alcoutim, 3º Marquês de Vila Real, D. Pedro de Meneses

Nasceu em 1548 e faleceu a 4 de Agosto de 1578 na desastrosa batalha de Alcácer-Quibir, por isso, um jovem de 30 anos.

Era filho do 1º Duque de Aveiro, D. João de Lencastre e da Duquesa D. Juliana de Lara, filha de D. Pedro de Meneses.

Casou com D. Madalena Giron, filha do 4º Conde de Ureña, sendo irmã do importante 1º duque de Ossuna.

Desta união nasceu uma única filha, D. Juliana de Lencastre, que assim foi buscar o nome próprio à avó, D. Juliana de Lara.

Antes de receber o título e Casa de seu pai, já D.Jorge usava o título de Marquês de Torres Novas e é nessa qualidade que assistiu às Cortes de 1562 (Lisboa, menoridade de D. Sebastião, sendo eleito D. Henrique para Governador e Regedor do Reino) e de 1568, em que D. Sebastião tomou o Governo do Reino.

Após D. Sebastião ter conferenciado com Filipe II em Guadalupe e a que o Duque assistiu, acompanhou o seu rei numa viagem preparatória a África em 1574.

Igualmente embarcando com o rei na expedição saída a 15 de Julho de 1578.

No dia 2 de Agosto foram vistos ao longe os primeiros inimigos e o Rei indicou o Duque de Aveiro para ir com trezentos cavalos observá-los e reconhecer a situação e deu-lhe deu o seu próprio Guião, honraria que muito reconheceu beijando-lhe a mão e o estribo. Parece que D. António, Prior do Crato, não ficou muito satisfeito com a situação.

O reconhecimento foi feito e as informações transmitidas ao monarca que reúne o conselho de guerra para tomar directrizes.

Na batalha de Alcácer-Quibir travou-se dois dias depois, a 4 de Agosto e nela comandou um corpo de cavalaria organizado à sua custa, tomando parte na carga dada pelo próprio rei, para livrar a artilharia que os inimigos tinham quase tomado, caiu morto com muitos fidalgos.

Antes de partir para África fez o seu testamento na então Vila de Setúbal a 10 de Julho de 1578 e nele declarou como sua vontade que a sua filha única, D. Juliana de Lencastre (não tinha varões) viesse a casar, em caso de sua morte, com o primo Senhor D. Jorge, sendo esta a mesma opinião da Duquesa.

Esta situação veio originar conflitos e confusões jurídicas que se prolongaram por algum tempo, já que seu tio, D. Álvaro de Lencastre, se julgava com direito ao título.

Tendo afirmado continuadamente que não casaria com o tio, veio a fazê-lo em 1588.

Filipe II pôs fim a este negócio informando D. Juliana que tinha determinado que casasse com seu tio D. Álvaro, não o fazendo deixaria de ser Duquesa de Aveiro.

Com o sim de D. Juliana o rei cumulou o casal com novas doações.

Em breve passaram a entender-se vivendo sempre em recíproca e estimada união, tendo deixado numerosa descendência.

D. Juliana sobreviveu-lhe dez anos tendo falecido em 23 de Agosto de 1636, jazendo com o marido na Igreja de Nossa Senhora da Arrábida.



[Ruínas do Palácio dos Duques de Aveiro em Azeitão. Retirado com a devida vénia de http://ruinarte.blogspot.com]

Em Azeitão, então considerado um lugar de veraneio, foi construído pelos anos de 1521 / 1537 sobre os alicerces de uma casa contígua ao Convento de S. Domingos, um sumptuoso palácio, edifício dos melhores exemplares de arquitectura renascentista portuguesa, de inspiração italiana e de grande envergadura.

A casa de Aveiro foi uma das mais ricas em bens, direitos e honrarias em Portugal.

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História Genealógica da Casa Real Portuguesa, António Caetano de Sousa, Edição QuidNovi/Público – Academia Portuguesa da História, 2007
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
Portugal, Dicionário histórico (Transcrição de Manuel Amaral)
http://ruinarte.blogsopt.com

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Cruzar la raya - Portugueses en la baja Andalucía



Com formato 17X22,5 e 221 páginas recebemos oportunamente este trabalho de História editado no país vizinho pela Fundación Pública Andaluza Centro de Estúdios Andaluces, Consejería de la Presidência, Junta de Andalucia e em Maio de 2011.

É autor do trabalho António Luís López Martinez, licenciado em Filosofia e Letras, especialidade de Historia General (1974) e Doutor em História pela Universidade de Sevilha (1990) onde se leccionou.

Pertence à Associação Portuguesa de História Económica e Social (APHES).

O trabalho está dividido em cinco partes, abordando 1. Aspectos generales, 2 – La emigración portuguesa a Andalucía em el Antiguo Régimen, 3 - La emigración portuguesa hacia Andalucía en el siglo XIX y comienzos del XX, 4 – La presencia portuguesa en España em la actualidade e 5 – Aspectos sociales de los movimentos migratórios.

Apresenta fotos de Portugueses emigrados nas Minas de Rio Tinto, de Pescadores Portugueses cosendo redes em Isla Cristina (anos 70), Portuguesas trabalhando na indústria conserveira em Isla Cristina, e Trabalhadores Portugueses em trabalhos de construção, na actualidade.

Elucidativos mapas ajudam-nos a compreender melhor a origem e o sentido emigratório.

Entre as actividades onde se empregavam e em tempos mais recuados, contam-se a mineração, agricultura nomeadamente os cereais, a pesca e a indústria conserveira.

Aparecem alguns dados referindo Alcoutim.

Resta-nos referir que este valioso trabalho de investigação nos foi oferecido com comovente dedicatória pelo nosso Amigo Carlos Vieira, cidadão espanhol residente em Cádiz, que tem ascendência portuguesa de que se orgulha, tendo nascido, vivido e falecido alguns dos seus elementos em Alcoutim.
Aqui fica o nosso agradecimento pela oferta.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Afonso Vicente foi um grande monte da freguesia de Alcoutim [4]

SANEAMENTO BÁSICO

ÁGUA

É natural que comecemos pelo precioso líquido sem o qual nas proximidades as pessoas não se podiam fixar.

Sabemos que o poço do monte foi arranjado em 1876 a mandado do Presidente da Câmara, Miguel Angel de Leon. Francisco Ribeiros tomou o cargo de orientação do mesmo e era um dos maiores quarenta contribuintes do concelho. A importância que despendeu de 2.150 réis

para cal e ladrilhos só lhe foi paga em 1879. (1)

Em 1935. a Câmara deliberou conceder um subsídio de 675$00 para a abertura de um poço, tendo sido encarregado para o efeito o comerciante João Mestre. (2)

Anos depois na década de 60 do século passado, foi apetrechado de uma bomba manual elevatória de água.

Situado, como é próprio numa zona baixa, o caminho que o servia era difícil, além de íngreme era escabroso.

Nessa altura havia muitos burros e competia-lhes acarretarem a água em cântaros de barro ou zinco colocados em cangalhas próprias.

Outros poços particulares situados na periferia tinham boa água, como acontecia a um próximo do monte e junto à estrada de acesso, de que nos servimos durante quinze dias em Agosto de 1977, por deferência do seu proprietário, Francisco Valadas da Palma. O nosso burro era o automóvel, onde na mala e banco traseiro se arrumavam os cântaros.

Numa cerca do Rabilongo existia um poço de que as mulheres se serviam para lavar a roupa. Os proprietários, já que eram dois, acabaram por mandar entulhá-lo.

Afonso Vicente foi o primeiro monte do concelho a beneficiar de distribuição de água por fontanários (sete) o que aconteceu em 1980. O sistema de distribuição era diferente de todos os outros, pois aqui existia um depósito para onde era bombeada a água e posteriormente distribuída. Esta obra deveu-se à “Comissão de Moradores”, apoiada em afonso-vicentinos residentes na área de Lisboa que concretizaram, além deste, outros melhoramentos.

Por esta razão e a habitantes de outras povoações vizinhas, ouvimos-lhe chamar Vila Nova de Alcoutim!

A água começou a ser bombeada do poço do monte, mas por pouco tempo, pois os consumos começaram a aumentar e a nascente não era suficiente, pelo que foi aberto, nas suas proximidades, um furo artesiano com um maior potencial.

Entretanto e a partir da chegada da energia eléctrica foram-se abrindo variadíssimo furos artesianos, talvez dez, que na sua grande maioria dão pouca água.

Em 2004, a Câmara Municipal, por administração directa, abriu valas levando a água a casa de quem desejou pagar os respectivos “ramais”, (3) aproveitando a cobrança da água para o lançamento de uma taxa que funciona como de recolha do lixo.

O sistema eliminou o depósito situado na parte mais alta do monte, sendo a água impulsionada através de bombas. Agora, quando falta a energia eléctrica, falta a água, enquanto no sistema anterior o depósito aguentava largas horas o seu fornecimento.

Presentemente, Afonso Vicente é abastecido por água do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água do Algarve, com reservatório situado na aldeia do Pereiro, tendo sido desactivado o furo subterrâneo no monte. (4)

ENERGIA ELÉCTRICA

[Técnicos rondando de helicóptero poste base da EDP em Afonso Vicente]
Lembramo-nos perfeitamente que pouco antes do 25 de Abril houve um movimento neste monte e pensamps que na grande maioria dos da freguesia, no sentido das populações se quotizarem para a construção da “cabina da electricidade” do seu monte, na qual participámos. Esse dinheiro veio a ser depositado em nome da Câmara e julgamos que foi a mesma que motivou isso pois não tinha verbas para tal. Estamos em crer que o fornecimento de energia devia ter ocorrido em 1976 ou próximo disso.

ESGOTO

O sistema de esgoto é inexistente, cada qual que resolva o seu problema. Ainda há poucos anos os dejectos eram deitados para pequenos barrancos, hoje são recolhidos e tratados em local próprio.

O projecto de rede de esgotos e ETAR já está aprovado, (10) quanto à sua execução é que não sabemos quando terá lugar. Talvez nunca.


NOTAS

(1) - Acta da Sessão da C.M.A. de 17 de Julho de 1879
(2) - Acta da Sessão da C.M.A. de 5 de Setembro
(3) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 11 de Janeiro de 2005, p. 9
(4) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 16, Março de 2010, p 9
(5) – Alcoutim, Revista Municipal nº 13, Dezembro de 2006, p 12

(CONTINUA)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A cana na vida alcouteneja

(PUBLICADO JORNAL DO BAIXO GUADIANA Nº 78 DE AGOSTO DE 2006)

[Canavial na Ribeira de Cadavais. Foto JV]

Quando há dias me foi pedido a feitura de um canudo de cana, objecto que tinha sido visto em utilização, por um amigo, numa visita rápida quando me encontrava na minha casa do monte, ao realizar o trabalho daquele e de mais dois para familiares, comecei a pensar na utilização da cana pelos alcoutenejos, aquilo que fui vendo e observando em mais de três décadas de contacto.

Dizia-me o meu amigo quando verificou a utilização do objecto:- Como de uma coisa tão simples se pode fazer um objecto tão útil e eficiente e que nunca tinha visto. Respondi-lhe que a mesma reacção e conclusão tinha passado por mim uns bons anos antes.

Só anos depois e procurando explicações para o que ia vendo e sentindo tirei as minhas conclusões.

A cana (arundo donax, L.) é uma planta rizomatosa cultivada e espontânea em Portugal, de colmo elevado, folhas lanceoladas e de inflorescência composta, de tipo panícula. O caule torna-se lenhoso, com entrenós ocos. (1)

Numa zona árida como a que ocupa o concelho de Alcoutim, onde a florestação era praticamente inexistente, com algumas azinheiras e poucos sobreiros, zambujeiros e pouco mais, só depois e nalgumas zonas, nomeadamente nas freguesia de Alcoutim e de Vaqueiros se começou a semear amêndoas nos pequenos sulcos com que os arados de madeira iam rasgando o terreno delgado de xisto, constituindo hoje os abandonados amendoais.

Só recentemente se tem procedido à florestação, predominantemente de pinheiros e azinheiras com resultados que não posso calcular.

Num concelho, quase isolado do Mundo até meados do século passado, com uma única
estrada que ligava a sede do concelho à aldeia de Pereiro, fazia as suas trocas comerciais através da auto-estrada aquática existente que constituía o Rio Guadiana, nomeadamente para a vila e zonas bordejantes.

Significa isto a grosso modo que as pessoas tinham que se governar com aquilo que possuíam, que a natureza lhes dava ou que conseguiam produzir.

Na margem do Guadiana existiam e existem grandes canaviais já que aí encontram condições para o seu desenvolvimento, com a indispensável presença da humidade. A sua existência era benéfica pois além do mais, defendia os terrenos adjacentes, fixando-os.

As ribeiras e barrancos são também locais do seu habitat e aí lutava com os loendreiros pela ocupação do espaço, quando não com o homem que pretendia aquele lugar mais fresco para poder desenvolver um pequeno hortejo onde não faltava uma ou outra oliveira, dois pés de parreira que transformava em parrões, uma figueira ou um albricoqueiro.

O alcoutenejo no decorrer dos séculos foi tirando partido da sua existência e assim procurando manter a espécie.

[Típico caniço. Foto JV]

Não tinham madeira para forrar as casas, como acontecia noutras regiões e estavam distantes as técnicas actuais usadas em toda a parte. O alcoutenejo pensou que usando as canas, relativamente fáceis de obter, podia tornar mais confortável a sua habitação, acabando por utilizá-las, bem encostadas umas às outras por intermédio de um laço próprio dado em corda de sisal, pregadas aos paus, tudo feito com uma técnica sui generis que começa a desaparecer por falta de aplicação. Não esquecer que as varas do loendro, um produto expontâneo local, são absolutamente indispensáveis nesta feitura.

Se uma casa feita de pedra não tem comparação à feita de tijolo, na nossa modesta opinião, em Alcoutim, além deste facto, se tiver caniço, que é como se chama ao forro das casas com canas, tem enormes vantagens no aspecto ambiental, a qualquer outro sistema, nomeadamente aos feitos com betão.

Aqui deixo o meu lamento ao facto de considerável número de alcoutenejos, augurarem-se em paladinos da sua terra, defenderem o caniço no “paleio” e quando chegam à prática, substituem-no pelo betão!

Quantos exemplos querem?

É que isto dá jeito dizer em determinadas circunstâncias, principalmente quando o nosso ganha pão está relacionado com estas coisas.

Continuando em casa iremos enumerar algumas das utilizações da cana.

[Caniço para queijos. Foto JV]

Além dos caniços dos telhados, indicaremos os caniços para secar os queijos, feitos de maneira semelhante e que se penduram para evitar outros contactos.

Para atear o fogo, o típico canudo com que iniciámos este escrito. Furado interiormente nos nós, é tapado numa das extremidades com cortiça que se fura com um pequeno ferro em brasa. Na parte oposta, arredonda-se a cana para melhor se assoprar e a concentração do ar se poder fazer com eficiência, o canudo deve de ter um cumprimento adequado.

Quando se mata (ou matava) o porquito e se faziam as chouriças, era numa cana, suportada por arames, que se dependuravam no fumeiro, para curarem.

A cestaria de cana tinha no concelho grande expressão, não a nível de exportação, mas para consumo local. Ainda que existissem profissionais desta arte e alguns eu conheci, o alcoutenejo, pelo menos até aos princípios do século passado, para se poder classificar como um homem completo e capaz de constituir família, tinha de saber pegar na rabiça do arado, saber fazer uma cadeira e um cesto! O lavrar para produzir o pão, a cadeira para se sentarem e os cestos para recolher e transportar os mais variados produtos!

Canastras de variadíssimos tamanhos, cestas, cestos, condessas e cabazes constituíam as designações mais vulgares, mas a arte e a imaginação do artista podia dar origem a peças fora do comum e em consonância com as necessidades de cada um.

As canastras, caracterizadas por terem duas asas no rebordo, usavam-se nas mais variadas situações, desde o transporte do estrume (localmente esturme) à recolha da amêndoa passando pelo transporte de roupa suja ao rio, barranco ou pego, a fim de ser lavada, isto entre muitas das utilizações. Também era a cestaria de cana que caracterizava os tejadilhos das camionetas de transportes públicos que chegavam à capital do País – aquelas camionetas vinham do Algarve, ninguém tinha dúvidas. Depois era o regresso ... canastras vazias.

Não existe uma diferença bem marcada entre cesta e cesto, ainda que a primeira tenha de ter sempre uma asa arredondada e suficientemente grande para meter num braço, enquanto o cesto normalmente não a tem.

O cesto é mais pequeno e quanto tem tampo, também tem asa. Quando assim é, chamam-lhe condessa. Empregava-se muito para transporte de ovos e coisas mais melindrosas, daí a tampa para protecção.

Cestos baixos e ovalados destinavam-se à roupa depois de passada a ferro.

Para recolha de papéis, todas as repartições públicas possuíam cestos de cana de pé e receptáculo, há muito substituídos por de plástico e outros materiais, por vezes oriundos do Oriente.

As costuras eram pequenas e achatadas cestas das alcoutenejas que recolhiam linhas, agulhas, dedal, elástico, nastro, tesoura e ovo de madeira para coser as peúgas, na altura um luxo pois o tradicional era utilizar um seixo liso e arredondado

Mas não acabava aqui o uso da cana!

Se nos virarmos para a pesca, vamos encontrar a cana nos covos, nos cabos das fisgas e rodiscas. (2) e nas antigas canas de pescar.

Na vida do campo vamos encontrar as canas para varejo de frutos, principalmente a azeitona, a amêndoa e a alfarroba e na utilização de rocas destinadas não ao varejo mas a apanha cuidada de frutos, como os figos.

Para evitar a acção do dente roedor do gado, protegem-se os enxertos com canastras, especificamente feitas para o efeito.

As árvores novas e as parreiras têm na cana um bom suporte depois de devidamente seguras.

Os ceifeiros usavam-nas para proteger os dedos de eventuais golpes da foice, constituindo dedeiras ou galapos.

Para se conhecer a direcção do vento fazem-se moinhos de cana de vários formatos e tamanhos chegando a produzir sinais sonoros, tudo dependendo da habilidade e disposição do artista. (3)

Tenho visto gaiolas feitas de cana.

Os mais ligados à música faziam pífaros de cana, obtendo os buracos com um ferro em brasa.

Até para estender a roupa, para secar, se usa uma cana para levantar o arame ou corda a fim de suportar o peso.

Depois de utilizadas e meio podres, mesmo assim são excelentes para acender o fogo.

Certamente que muitas aplicações nos escaparam e outras não as conheceremos.

Não terá sido a cana um valioso auxiliar do alcoutenejo, ao longo dos tempos? Pensamos que sim.


NOTAS
(1)– Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa – Verbo, 2001.
(2) – Arco circundado de rede, em tipo de funil e com um cabo, normalmente de cana, in Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (subsídios para uma monografia), José Varzeano, 1985, pág. 83.
(3) – O Sr. José Pereira, das Cortes Pereiras, é um habilidoso nesta arte.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Cadernos eleitorais da freguesia de Alcoutim - Anos 40 e 50




Escreve


Gaspar Santos




(*) Nestes anos, os cadernos eleitorais da freguesia de Alcoutim, eram “preparados” no celeiro e a versão final era batida por mim na velha máquina Remington lá existente.

Eram cadernos de dois tipos: Um servia para as eleições do Presidente da República e dos Deputados à Assembleia Nacional; outro, listava os chefes de família, que elegiam os membros da Junta de Freguesia.

Os cérebros desse trabalho eram Justo António Marques, regedor da freguesia, Leopoldo Vicente Martins, secretário da Junta de Freguesia e um outro elemento da mesma.

Todos estes homens tinham um percurso de vida que nada devia à União Nacional (UN). Mas por terem sido eleitos em lista única da UN para esses cargos políticos, ou nomeados como era o caso do regedor, defendiam quanto podiam a situação política. Penso que, com apenas a honra e a vaidade de pertencerem à “situação” e sem qualquer remuneração.

As reuniões faziam-se em torno da mesa grande existente no lado direito à entrada do celeiro, no lado oposto àquele onde existia o escritório de madeira.

[Antigo Celeiro de Alcoutim. Foto JV]

Quando reuniam, a equipa já tinha recebido notas de várias entidades. Do Registo Civil com os óbitos verificados no intervalo entre a última actualização e esta. Das várias entidades que tinham funcionários públicos a residir na freguesia de Alcoutim, dando nota dos seus funcionários que tinham direito a votar (as mulheres apenas as licenciadas). Da Repartição de Finanças com os contribuintes com direito a voto por terem rendimento colectável acima de determinado valor. Ou um requerimento, o que era raro, de particular que desejava ter o seu nome inscrito como eleitor.

O Senhor Leopoldo tinha na mão o caderno eleitoral anterior com os nomes por ordem alfabética, que ia ser actualizado por intercalação de novos eleitores ou por supressão de eleitores antigos. Mas esta equipa, ao fazer esta actualização, tinha em conta critérios que por vezes nada tinham a ver com a democracia.

Sobre cada nome lido, existente no velho caderno ou a inscrever de novo, ponderavam se era afecto ao regime vigente ou não. Se não era afecto ao regime, pura e simplesmente não seria inscrito. Havia porém excepções: se era eleitor da oposição mas tinha peso político era tolerada a inscrição, pois daria muito nas vistas e daria origem a possíveis reclamações sérias que qualquer dos homens desta equipa não tinha coragem pessoal para afrontar.

Era assim que eles não se atreviam a cortar dos cadernos qualquer membro da família Rosário, mesmo sendo público e notório que eles eram todos, nesse tempo, afectos confessos ao antigo Partido Republicano Português. Mas não inscreveriam qualquer uma outra pessoa que não fosse afecto ao regime e não tivesse peso político e reivindicativo ou que tivesse faltado a eleições anteriores, daquelas em que era só para dizer amem.

Assim, interiormente, em silêncio e com os meus botões, muito me diverti durante aquelas reuniões, com ditos como: “Fulano. Não vota em nós. Não se inscreve nos cadernos!”;“Este não votou na última eleição. Não é de confiança. Não se inscreve! “; “Beltrano é amigo de J que é amigo do Rosário. Não se inscreve!” ; Ou então, “é da oposição mas é perigoso excluí-lo. Vamos inscrevê-lo!”. E por aí adiante até à feitura dos ditos cadernos eleitorais.

No entanto, sobre aquilo que ali se passava, embora eu fosse um adolescente, tive sempre o cuidado de guardar a maior reserva.

Foi assim que desta forma tão pragmática, comecei a fazer a minha formação cívica e democrática, sem simpatia por tais critérios eleitorais. E até penso hoje, que as ditaduras não se eternizam mais no poder, para além de umas dezenas de anos, exactamente porque não conseguem aumentar os seus aderentes nas camadas mais jovens quando estas se dão conta de tais critérios.


(*) Retirado com a devida vénia de htpp://smeira.blog-prev.terra.com.br

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O topónimo Alcoutins


[Retirado com a devida vénia de http://casa.sapo.pt/Terreno-Venda-Lisboa-Lumiar-Quinta dos Alcoutins]

O topónimo Alcoutim não é exclusivo da vila algarvia na margem direita do Guadiana, abrangendo outras povoações de menor importância como acontece nos concelhos de Leiria e Sertã, pelo menos.

Aparece também como apelido ou alcunha.

Em 1605 um Francisco de Alcoutim tinha dois filhos, Tomé de Alcoutim, trabalhador, casado com Joana de Almeida, natural de Évora e Maria de Alcoutim, de cerca de 50 anos, solteira e igualmente natural de Évora, são ambos acusados pelo Tribunal do Santo Ofício Inquisição daquela cidade, de judaísmo. (1)

Em 10 de Dezembro de 1726, o Bacharel Francisco de Faria Alcoutim recebe Carta de Mercê do lugar de Juiz de Fora de Olivença e em 19 de Agosto de 1732 o Alvará de Mercê do Cargo de Provedor da Comarca de Castelo Branco, por Mercês de D. João V.

Todos sabemos que por esse país fora existem famílias Lisboa, Porto, Coimbra, Faro, Beja, Évora, etc. e que se estende também a nomes de pequenas povoações.

Ainda que hoje não tenhamos conhecimento de famílias Alcoutim, a verdade é que elas existiram, estando de uma maneira geral ligadas numa primeira fase às terras onde foram buscar o nome.

Em Évora existia ou existe a Rua de Alcoutim e em Elvas a Rua das Alcoutinas.

Em Lisboa, freguesia do Lumiar, existiu um lugar designado por Alcoutins. A Gazeta de Lisboa de 10 de Setembro de 1832 traz a seguinte notícia: Na Praça Pública dos Leilões se há-de arrematar, com o abatimento da quinta parte do seu valor, o domínio útil de hum prazo que consta de terras no sítios dos Alcoutins, na Freguesia do Lumiar avaliado em 153$340 réis, o seu rendimento em 10$000 réis, paga de foro 1$333: he Escrivão da arrematação Negreiros.

Um Amigo que reside em Lisboa e que passa frequentemente por esta zona, hoje fortemente urbanizada com várias indicações de lazer quando foi no século XIX zona de cultivo, perguntou-nos se eu sabiamos alguma coisa sobre o assunto.

Já conhecíamos o topónimo através do Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Horizonte / Confluência, 1993, I Vol., de José Pedro Machado, mas desconhecíamos a amplitude que alcançou.

Apesar das grandes transformações operadas, o topónimo foi mantido, o que é interessante verificar. Manter os nomes tradicionais é na nossa opinião um dever.

Tal como José Pedro Machado parece-nos que a origem do topónimo estará na fixação de gente originária de Alcoutim e por isso, conhecidos pelos “Alcoutins”, que aqui se teriam dedicado ao amanho da terra, que possivelmente desbravaram.
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NOTA
(1) – ANTT-Tribunal do Santo Ofício – Inquisição de Évora, Procº 2741

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações - XXI




Escreve


Daniel Teixeira




A ESPINGARDINHA

Durante o tempo em que andei por Alcaria Alta já naquilo a que chamo a segunda volta, com cerca de 25/30 anos, eu dava as minhas voltas, muitas mesmo, pelos campos munido de uma espingarda de pressão de ar. Raramente apanhava pássaros em número de jeito, mas gostava de andar por ali, esgueirando-me entre as folhagens nas hortas, perto dos poços no calor do meio dia do verão, ou deitado nas palhas das eiras, apontando e quase nunca acertando.

De acrescentar, só para que o meu ego não fique desde logo destruído, que tive uma média razoável a tiro na tropa e que em princípio se deve à agilidade dos pássaros, ao seu tamanho inflacionado pelas penas e ao vento e a outros factores naturais o facto de eu ter uma percentagem de falhanços elevada: uma vez um tio meu - residente na cidade havia muitos anos - foi-me «fiscalizar» na viagem aproveitando para dar ele também uma voltinha pelas hortas. Levei uma descasca de todo o tamanho nesse dia. Apanhei um pássaro perante vinte ou trinta em posição ao longo dos caminhos.

[Eu e a "espingardinha". Sentado no poial da casa.]

De reparar no ar quase impecável da caiadura e da pintura na porta. O chapéu é o mesmo de há 20 anos atrás. De referir que a parreira acima tinha uvas «coração de galo» (enormes) que eram protegidas das bicadas dos pássaros enfiando os cachos em meias.

Bem, mas o que interessa aqui é denotar uma coisa (não é para fugir à conversa sobre os falhanços como se irá notar): toda a gente, incluindo mulheres, achavam piada por eu andar com uma «espingardinha» e referiam-se á minha «máquina» com ar de gozo.

Na sua grande parte em casa deles e delas não havia espingarda de verdade (era muito cara e «desporto» de ricos) e nem sequer os seus filhos tiveram alguma vez uma pressão de ar como a minha pelo que era de supor que eu e a minha máquina fossemos respeitados pelo menos por estarmos um degrau que fosse acima das suas possibilidades. Nada disso...era a espingardinha e pronto!

Chegavam ao ponto de me dizer que os pássaros sentiam «o cheiro a pólvora» por isso debandavam quando me viam: ora a pressão de ar é mesmo isso, trabalha a pressão de ar e a pólvora ou outro produto explosivo emanando cheiro ou não estão ausentes no processo.

Claro que reconheço que não existe comparação possível entre o meu vestir e andar à desportista e os caçadores de facto que pela época enchiam o rossio de carros logo pelo final da noite. Nem sequer os víamos de manhã, víamos os carros e jipes estacionados e lá pelo meio dia o seu regresso em direcção aos carros com paragem na taberna da Ti Inácia.

Devidamente apetrechados de camuflados, cartucheiras pesadas e repletas, quando chovia vinham num pingo...mas era caça, era assim mesmo. Peças apanhadas quase sempre poucas mas regressavam repletos de histórias: o caçador tem uma afinidade grande com o pescador; não podendo efabular com os tamanhos das peças efabula sobre as quantidades. Mas ao contrário da minha sinceridade que esclareci acima (falhava mesmo eu, re-confesso) estes por princípio não falhavam: os animais é que passavam quase em fila indiana ou em rebanho fora do alcance do tiro...

Eu e outros ouvíamos estas histórias: por vezes aparecia gente conhecida de Faro e sabendo das praxes e dos gozos fui sabendo que a caça tem duas fases: uma a realidade e outra a parte imaginária com alargamento. Nesta última e na sua primeira fase o que conta é a credibilidade e possibilidade mesmo remota de coerência entre eles, caçadores. Trata-se da história imaginária sem descolamento aéreo pronunciado.

Quando a assistência se junta procede-se então ao despique pelo maior barrete que seja credível para quem está de fora do processo da caça passada no terreno ou que não sendo credível se torne de tal forma apoiada que nem pio de contestação seja de ouvir: fulano diz que viu e corrobora a história que beltrano contou e depois sicrano não viu nada mas acredita porque é gente honesta que fala nisso e ao apoiar (por o selo) quem somos nós (montanheiros) para contestar?

Por isso, em dias de caça no Monte, eu sentia-me de facto ainda mais deprimido pelo facto da minha «espingardinha» ser destronada no seu pequeno e merecido prestígio por uma série de aldrabices. Dói mesmo...



Para desanuviar temos a Manuela com a sobrinha, filha da sua irmã Fernanda, sentadas no poial de uma casa que me parece ser a da Ti Delerinda (é mesmo assim) que dava continuidade final ao renque que começava na casa do João Baltazar terminando o quarteirão.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Missa campal (2)



A Câmara Escura de hoje apresenta a última fotografia sobre a visita efectuada pela Imagem peregrina de Nª Sª de Fátima a Alcoutim.

A missa campal teve lugar, como já se disse, no cais novo (rodoviário) no dia 23 de Fevereiro de 1947, segundo as informações recebidas, por isso, em pleno Inverno. Irá fazer 65 anos!

Pelo que nos é dado observar, a assistência encheria o cais e na parte superior é visível muita gente.

A igreja matriz que se vê ao fundo estaria em ruínas e sobre o pórtico pode ver-se uma janela rectangular que veio a ser substituída pelo actual óculo circular protegido de um gradeamento.

É a última fotografia que apresentamos do evento e graças à importante colaboração prestada pelo alcoutenejo, José Madeira Serafim.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Tabuleiro para pão



Apresentamos hoje nesta rubrica um utensílio, haverá 50 anos fora do activo. Na década de 60 do século passado ainda era utilizado pelos que já com alguma idade não se sentiam em condições de acompanhar os mais jovens para a cintura industrial de Lisboa e Setúbal, para o litoral algarvio e muito menos para o estrangeiro, nomeadamente, França e Alemanha.

Os que ficaram eram obrigados a semear algum trigo, que transformado em farinha constituía a base do seu sustento e isto numa altura em que bem poucos podiam contar com uma reforma, ainda que fosse pequena. Mesmo estes não podiam dispensar alguma actividade agrícola como complemento dessa reforma.

Por outro lado as vias de comunicação eram inexistentes, o que se veio a alterar após 1974. Logo que a mudança política teve lugar, todas as pessoas começaram a receber uma pequena reforma. Tanto pela idade como por esse pequeno sustentáculo e ainda pelo seu espírito de economia, pois sempre viveram consoante a pobreza da região, principiaram a adquirir o pão no comércio ambulante que começou a chegar após a construção das pequenas vias de acesso e uma vez que passaram a possuir algum dinheiro já lhes possibilitava tal aquisição.

Os velhos fornos dos “montes”, ora individuais ora comunitários, a pouco e pouco foram deixando de funcionar e os que poderão existir, bem poucos serão, estão, salvo raras excepções, em completa ruína. Muitos foram derrubados e desapareceram para criação de novos espaços com destino diversas utilizações.

Depois do intróito, que foi mais dilatado do que originariamente pensávamos, iremos abordar o móvel deste escrito: “O tabuleiro para pão”

O exemplar que apresentamos na foto foi-nos cedido para este fim e está há muitos anos desactivado, ainda que por motivos sentimentais o preservem.

Pelo que conhecemos da zona, constitui o modelo regional, que possivelmente será comum, pelo menos, aos concelhos limítrofes.

Duas tábuas largas como fundo (tamanho variável conforme as necessidades do agregado familiar) de formato rectangular. Cada uma das larguras é constituída por uma tábua em forma de trapézio isóscele, tendo a altura do mesmo cerca de 15 a 20 cm.

[Arrumando o pão para cozer em tabuleiro de novo modelo. Foto JV, Páscoa de 2005]

Em face desta circunstância, as guardas laterais que na figura geométrica correspondem ao comprimento, de forma rectangular e que se ajustam à altura das que correspondem à largura, tornam-se um pouco inclinadas. As guardas rectangulares ultrapassavam um pouco o comprimento do fundo, como se pode ver na foto apresentada.

Para forrar o tabuleiro existia o tendal, pano branco que nos tempos antigos era de linho e com uma área sensivelmente ao dobro do tabuleiro.

Depois do pão tendido, o que era feito numa tábua comprida de formato rectangular e que numa das extremidades era em forma de círculo com um buraco para pendurar na parede.

Colocava-se o tendal ajustado às paredes do tabuleiro. Colocavam-se a seguir sobre ele, ordenadamente, os vários pães tendidos, depois tapavam-se com a parte sobrante do tendal para sua protecção.

Depois era transportá-lo para o forno, que normalmente estava próximo, debaixo do braço ou à cabeça e que tinha sido previamente aquecido, de uma maneira geral, com esteva que foi acarretada na época própria para o monturo.

Após a cozedura, o pão regressava ao tabuleiro e voltava a casa, constituindo assim a “amassadura” que geralmente era feita todas as semanas.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Afonso Vicente foi um grande monte da freguesia de Alcoutim [3]

VIAS DE COMUNICAÇÃO

[Estrada Municipal nº 507. Foto JV, 2010]

Durante o domínio árabe, nos arredores de Alcoutim, os caminhos existentes serviam principalmente os povoados que estavam associados a explorações mineiras, como acontecia com as Cortes Pereiras. (1)

Em 1935 o vogal da Comissão Administrativa da Câmara Municipal, José Francisco Ginja, apresentou em reunião de Câmara a seguinte proposta: - Que a Comissão Administrativa contratasse um agente técnico para proceder ao estudo e levantamento da planta de uma carreteira que partindo da vila e passando pelos montes de Cortes Pereiras e Afonso Vicente, fosse ligar à estrada que vindo de Mértola, passa próximo do monte de Santa Marta. (2)

A proposta foi aprovada por unanimidade, desconhecendo-se houve alguma acção posterior nesse sentido. A verdade é que as actas seguintes nada referem sobre o assunto, tal como não indicam nenhum pagamento para esse fim.

Só passados cinco anos (1940), o vereador, António Gomes Alves, residente nas Cortes Pereiras, vem a intervir na reunião da Câmara da seguinte maneira: - (...) conforme é do conhecimento de toda a gente, o caminho que desta vila segue par aos montes de Cortes Pereiras, Afonso Vicente e Vascão, está em péssimo estado, encontrando-se mesmo alguns lugares, de todo intransitáveis. E continua aquele autarca: Que é conhecido que os habitantes dos aludidos montes estão fazendo uma subscrição para procederem à reparação do caminho. Em face disto, propunha que a Câmara subsidiasse os mesmos com a quantia de dois mil e quinhentos escudos, o que foi aprovado por unanimidade (3).

Em 1960, com saída ao quilómetro 78 da E.N. nº 122 e chegando ao Monte do Sol, é construído o troço da estrada municipal nº 507 que não teve por base o interesse das populações, já que esse era chegar à sede do concelho. Continuou-se,assim, depois do Monte do Sol, a seguir o velho caminho que conduzia à vila e com o problema de no Inverno nem sempre a ribeira dar passagem.

Existem vários exemplos de morte por afogamento na tentativa de passar a ribeira, algumas ainda hoje lembradas.

Em 1980/81, alargou-se a estrada e construiu-se o que restava para chegar à vila, procedendo-se ao alcatroamento com conclusão da ponte sobre a ribeira de Cadavais em 1984/85, ficando assim o acesso concluído.

[Troço de acesso ao monte. Foto JV]

O pequeno troço de acesso ao “monte” (550m) foi feito depois de 1975 e antes de 1980. Em 1997 encontrava-se em muito mau estado e necessitado de arranjo o que só veio a acontecer em 2008, situação que me obrigou ter de esperar 2 h e 40 m para poder chegar ao “monte” e isto para que o empreiteiro pudesse realizar a pavimentação com mais rapidez havendo, consequentemente, menor despesa com mão-de-obra.

Anteriormente já tinha beneficiado da colocação de postes de iluminação pública o que ajuda a fazer o trajecto até ao refúgio para passageiros, principalmente durante o Inverno.

[Caminho do monte para o Cerro da Machada. Foto JV]

A nível de caminhos agrícolas, existem para o Cerro da Machada, com bifurcação para a Corte Miguel e Santíssima (Ribeira do Vascão), para os Medronhais, para as Murtosas, para as Provenças e para o Lavajo.

Actualmente estes caminhos são utilizados por caçadores e a nível de florestações, já que nada se semeia, os amendoais e olivais estão completamente abandonados por falta de rendimento e de quem faça o trabalho.

Relacionado com este assunto encontrei referência a um conflito, pois Francisco Ribeiros e Manuel Domingos, moradores no monte, apresentam na Câmara um requerimento datado de 25 de Junho de 1878 em que pedem providências contra o acto praticado por José Lourenço do mesmo monte pois tapou um caminho que os requerentes classificam de vicinal. A Câmara em Sessão de 22 de Agosto seguinte deliberou que o Presidente tomasse as necessárias informações e procedesse consoante as mesmas.

Certamente porque a situação se mantinha, cerca de um ano depois e na Sessão da Câmara de 19 de Setembro de 1879 compareceram Francisco Ribeiros, Manuel Frederico, Francisco Lourenço, Manuel de Orta Gato, Manuel Domingos e António Gonçalves, todos de Afonso Vicente, queixando-se de José Lourenço do mesmo monte, por ter feito um cercado próximo do monte, por dentro do qual passa um caminho público que ele tapou, ficando os habitantes daquele monte privados da sua utilização, a não ser passar por cima de terrenos de outros vizinhos. A Câmara prometeu justiça mas não encontrei mais notícias sobre o assunto.

[Caminho para os menires do lavajo. Foto JV]


NOTAS
(1) – “O Algarve Oriental durante a ocupação islâmica”, Helena Catarino, al-ulyã, Revista do Arquivo Histórico Municipal de Loulé, nº 6, 1997/98.
(2) – Sessão da CMA de 11 de Julho.
(3) – Sessão de 29 de Março de 1940.


(CONTINUA)