Através de investigação feita em documentação da Câmara Municipal de Alcoutim e a que me deram acesso, organizei um pequeno opúsculo a que dei o título Saúde e Assistência em Alcoutim no séc. XIX que a edilidade editou em 1993.
Passadas que são quase duas décadas foram aparecendo aqui e ali mais alguns dados por vezes contraditórios.
D. João VI a solicitação da Câmara Municipal permite a criação de um PARTIDO para um médico. O Despacho do Desembargo do Paço é de 15 de Abril de 1818 e a PROVISÃO foi registada na Câmara de Alcoutim em 15 de Junho do ano seguinte. (1)
Contrariando esta data, encontrei a seguinte indicação: José Manuel Revés, Cirurgião do Partido da Villa de Alcoutim, no Algarve, na sua carta de 19 de Janeiro do ano corrente (1817), participa não haver na mesma villa convento nenhum, nem hospital, nem casa de expostos mas que logo que aparece algum exposto, é entregue a uma ama para o criar, dando-lhe todo o preciso, e olhando-se muito por ele. (2)
No trabalho que realizei e já referi, o primeiro médico que encontrei e a que aludi é o Dr, Jacinto Chapella, de nacionalidade espanhola, com o qual e por não haver facultativo se celebra um ajuste, isto em 8 de Setembro de 1835.
No ano seguinte a Câmara apresenta bastantes dificuldades para cumprir monetariamente estes ajustes e entretanto põe por duas vezes a concurso o partido de medicina que não é preenchido.
Em tais circunstâncias recorre-se a um médico estrangeiro, o Dr. Pedro Faure de nacionalidade francesa, com o qual se celebra um contrato do partido de medicina e cirurgia em 1 de Novembro de 1842 e que obedece ao cumprimento de 8 cláusulas.
Em 31 de Março de 1845 é deliberado em sessão de Câmara mandar pôr a concurso o partido de medicina que fica novamente deserto.
Recorre-se novamente ao Dr. Faure, aprovado em medicina e cirurgia em França e também em Portugal, onde reside desde 1825 e a Câmara estar certa do seu bom comportamento moral, civil e político (não se tratará de um mercenário liberal que entretanto vieram para o nosso país?) bem como do bom desempenho das suas obrigações, o que comprovou por louvores atestados que lhe foram passados onde tem residido e exercido a sua profissão. (3)
Esta situação não foi aprovada superiormente visto tratar-se de um francês e se ter recusado a naturalizar-se, como foi afirmado em sessão de Câmara de 1 de Abril de 1846.
Apesar desta circunstância e devido ao facto dos concursos ficarem desertos e quando isso não acontecia os médicos ou não tomarem posse ou em caso disso abandonarem pouco tempo depois o lugar, alegadamente por falta de condições para exercer a profissão, onde e muitas vezes não haver botica, o Dr. Pedro Faure continuou a exercer o cargo pois é isso que me sugere o facto de ter falecido em Alcoutim no dia 22 de Abril de 1847, sendo sepultado no cemitério local.
Nesse assento de óbito refere-se complementarmente que havia nascido a 25 de Maio de 1786 em Chambéry, Império de França (5), ser médico cirúrgico do Partido da Vila de Alcoutim e que segundo a sua declaração se julga ser viúvo de D. Adelaide de Torres, também francesa. (4)
[Chambéry (França) terra natal de Pedro Faure]
Ainda que se afirme que D. Adelaide de Torres fosse francesa e que se compreenda o aportuguesamento de Adelaide, já temos dúvidas quanto ao Torres que nos parece ser português ou espanhol. No marido houve a tradução para Pedro mas o Faure ficou como é natural.
Acontece que por estas alturas dominava em Alcoutim politica, administrativa e economicamente uma família Torres que veio de Castro Marim para Alcoutim e que tinha antecedentes em Espanha. Terá D. Adelaide de Torres algo a ver com esta família? Aqui deixo a pergunta.
Faleceu, por isso, com 61 anos e devia de ter exercido em Alcoutim durante cerca de cinco anos.
Esta última parte veio compor o pouco que sabíamos deste médico francês.
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NOTAS
(1) Saúde e Assistência em Alcoutim no séc. XIX, José Varzeano, 1993, p.6
(2) Jornal de Coimbra, 1817, pág. 35
(3) Saúde e Assistência em Alcoutim no séc. XIX, José Varzeano, 1993, p.11
(4) Assento de óbito daquela data e lançado pelo P. António José Madeira de Freitas, responsável pela paróquia de Alcoutim.
(5) É uma comuna francesa, capital do departamento de Sabóia, na região Rhôno-Alpes.