sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Perseguidos políticos em Alcoutim




Escreve


Gaspar Santos


Em 1937 Alcoutim já tinha perseguidos políticos por delitos de opinião. Falo hoje de três pessoas que não conheci pessoalmente. Apenas da última ouvi falar há muitos anos. As suas existências e as perseguições de que foram vítimas foram-me relatadas pelo meu cunhado Arnaldo Madureira que, por acaso, encontrou essas informações no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, quando investigava a história desses tempos do Ministério do Interior e da PIDE/DGS.

No Arquivo Geral do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, maço 492 PV/DF-2, respeitante ao ano de 1937, encontra-se uma informação do Governador Civil de Faro (GCF) dirigida ao Ministro do Interior. Aí refere dois funcionários do Estado, que pensa terem culpas de lesa Estado Novo, denuncia as suas práticas e propõe para elas determinados procedimentos. São as seguintes pessoas:

Júlio Cordeiro Peres – Aspirante de Finanças – Informação GCF: “desafecto sem grande actuação” – e adianta a proposta: “bastaria não ser admitido ou não ser classificado no concurso a que quer ir para Secretário de Finanças”.

Martinho António Diogo de Andrade – Agente Fiscalizador das Moagens de Ramas – Informação GCF: “Desafecto à situação, tendo chegado a fazer referência que lastimava que o atentado contra o Chefe do Governo não tivesse dado resultado”. E propõe: “ Deve ser demitido”.



Quando comparamos essas informações com outras do mesmo teor de outros concelhos, ressalta uma lacuna. Nesta o Governador Civil não diz em quem se fundamenta, quem o informou. Noutros concelhos o Governador Civil diz fundamentar-se em informações do Administrador do Concelho, do Presidente da Câmara ou da Comissão Administrativa da Câmara Municipal, dos Directores de Finanças e dos Inspectores Escolares dos respectivos distritos, etc., a quem a solicitou previamente.

No caso de Alcoutim não é assim. Não está esclarecida a fundamentação das acusações. Mas, ao propor medidas tão drásticas, afectando as carreiras e até o emprego destes homens, o Governador Civil de Faro ou tinha um grau elevado de conhecimento sobre estas pessoas, ou quis conservar o anonimato do informador.

Também não há qualquer esclarecimento, nem sabemos por outra via, se tiveram ou não continuidade estas propostas, isto é, se as pessoas foram castigadas ou não.

No dossier sobre a PIDE/GDS do ano de 1937, encontra-se a descrição das investigações e diligências em torno do alcoutenejo Sebastião da Encarnação Júnior, que culminaram com a sua prisão quando já residia em Beja.

Todas estas perseguições se reportam ao mesmo ano de 1937. Porquê? Se nem antes nem depois, apenas membros da família Rosário são incomodados a este ponto dentro de Alcoutim?

E porque Alcoutim não nos parece ter politicamente uma importância relevante para preocupar o regime, coloca pelo menos duas questões.

O Movimento de 28 de Maio tinha ocorrido em 1926. A Ditadura já tinha vários anos. No ano anterior tinha havido no Tejo uma sublevação de marinheiros. Decorria do outro lado da fronteira a Guerra Civil. Será que se procedia cá dentro a uma limpeza, especialmente na proximidade da fronteira? Ou era simplesmente para as entidades locais e regionais mostrarem serviço?