terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Sanlúcar visto do lado de Alcoutim







Escreve
Gaspar Santos







No blogue A Moura do Castelo Velho, Odília Guerreiro uma professora natural de Alcoutim que não esquece a sua terra escreve:

[Brasão de Sanlúcar]

Muitas das minhas recordações de infância e adolescência estão ligadas também a SANLUCAR del GUADIANA. Cresci convivendo com eles e tenho um carinho especial por este povo que é uma extensão do meu. A música de Espanha teve, desde sempre, muita influência em mim. Quando canto para o espelho, nunca o faço em português, que me perdoe o nosso cancioneiro! Nem consigo ficar quieta, ao som dumas SEVILHANAS!
Também eu partilho dessas recordações. De minha casa ouvia-se falar as pessoas de Sanlúcar quando falavam em voz mais alta. Sevilhanas, “flamenco”, passo dobles foram as músicas a que os nossos ouvidos se habituaram e, isso marcou-nos. Era frequente ouvir no Areeiro ou na Lourinhã um camponês no caminho da outra margem, montando uma besta e a cantar uma dessas toadas dolentes acompanhada ou não com viola.

Nesse tempo as duas localidades, aparentemente, estavam de costas voltadas. Por isso o nosso convívio não foi tão grande como veio a acontecer anos depois. Só podíamos ir a Sanlúcar pelas Festas de Nossa Senhora de La Rábida. E os Sanluquenhos vinham a Alcoutim só em Setembro por altura da Feira, ou a partir de 1948 às Festas de Alcoutim. As fronteiras guardadas de ambos os lados, só davam passagem a médicos, padres, à Guarda-fiscal, às autoridades administrativas, e a alguém com poderosas razões para convencer o comandante local da Guarda-fiscal.

Por isso, do nosso lado limitávamo-nos a observar o que se passava do outro. E quando se falava alto ouvia-se, como se ouvia a música ou a cantar.

Mesmo assim, com uma só visita anual nos habituámos a ver Sanlúcar mais avançado do que nós. Foi assim que durante as festas de Nª Sª de La Rábida tínhamos acesso a sabonetes, perfumes e lindas camisas de seda. Ou que comemos pela primeira vez frutas e legumes fora de época (alfaces e tomates) e conservadas em calda (pêssego, peras, pimentos morrones etc).

[Sta. Virgem de La Rabida]

No âmbito dessa Festa anual, os nossos vizinhos tinham sempre um gesto de simpatia, fazendo uma arruada em Alcoutim com a Banda de Música. Era sempre a banda da Casa Cuna (Casa Mãe) uma instituição que educava órfãos e crianças abandonadas. Muitas vezes em Alcoutim a garotada ao mesmo tempo que acompanhava a Banda e apreciava a sua música, tentava descortinar pela fisionomia parecenças com mulheres de Alcoutim que se dizia terem deixado filhos na roda. E que divertidos bailes os nossos vizinhos realizavam na noite dessa festa! Mas o padre passava por lá à meia-noite para recordar a hora às raparigas. Ficavam poucas, apenas as mais independentes ou menos devotas.

[Recordando o velho comércio. Foto GS, 2009]

Havia uma actividade comercial quiçá mais moderna e mais desenvolvida do que em Alcoutim. Entrando no cais de Sanlúcar encontrávamos em frente à esquerda o Bar Estrella (onde pela primeira vez provei cerveja, na primeira festa a que permitiram passagem a seguir à Guerra Civil), depois o Casino ou Cassino e, na rua principal íamos encontrando sucessivamente o Miguel Ferreira, o Domingos Montez e uma outra loja cujo nome não recordo. Nestas três últimas casas comerciais encontrávamos de tudo. Desde arreios para animais, cordas, ferramentas agrícolas, mercearia, pólvora e cartuchos para armas de fogo, perfumaria e artigos de drogaria, bem como para vestir. Muitas senhoras, quando era possível passar, iam a uma das duas cabeleireiras existentes em Sanlúcar, um serviço que ainda hoje Alcoutim não possui.

Da actividade económica sanluquenha saliento a indústria de carvão vegetal por vê-la anunciar nos cartazes das festas. E também a cestaria de cana. Observávamos uma intensa actividade agrícola nas várzeas e nas eiras, a criação de gado cavalar que aparecia solto e a pastar de dia e de noite nas encostas à volta de Sanlúcar, (a prado como eles dizem) e as cavalhadas durante a festa.

Mas antes da Guerra-civil (1936/39) Alcoutim participava da actividade comercial com um armazém/entreposto de ovos. O Senhor Francisco do Rosário comprava ovos no concelho de Alcoutim que eram exportados para as grandes cidades andaluzas de Sevilha e Huelva via Sanlúcar. Ele até dizia alguns anos depois de cessar esse negócio, que pagava mais à empregada do armazém do que recebia a sua mulher que era Professora do Ensino Primário.

Também nesse tempo, nos mercados de gado, de Alcoutim e Sanlúcar se negociavam animais. Os bois e os cavalos atravessavam o Guadiana a nado, enquanto os animais de mais pequeno porte viajavam de barco.

[Sanlúcar. Gado de trabalho. Foto JV, 1973]

Na Sanlúcar dos anos 40 e 50, havia um artesanato com um bom peso económico, a cestaria de cana. A atestá-lo vê-se ali hoje, e nós fotografámos, o monumento ao canastreiro. Havia grande consumo de canastras para o acondicionamento do pescado nos portos de Ayamonte e Huelva. Aproveitavam, para a sua manufactura, a matéria-prima dos canaviais que tão bem se dão nas várzeas banhadas pelo Guadiana.

Após serem colhidas, as canas eram atadas inteiras, em feixes reunidos formando uma jangada, que no rio a maré favorável se encarregava de trazer para Sanlúcar. Um homem viajava em cima dessa jangada para a guiar sem muito afastamento da sua margem.

Já no Século XV os portugueses tinham usado este método. Lançavam ao rio grandes troncos de sobro ou de azinho. Eles desciam com a maré até serem capturados antes de saírem a barra. Constituíam as proas e quilhas das caravelas depois de afeiçoados nos estaleiros de Santo António de Arenilha.

[Canastreiro. Foto GS, 2009]

Em Sanlúcar as canas eram peladas e cortadas longitudinalmente em delgadas tiras para a manufactura dos cestos. Mas antes de os cestos serem tecidos, as tiras de cana eram colocadas de molho no rio com uma pedra em cima, pois a cana, entretanto, secara tornando-se quebradiça e pouco domável. Demolhar as canas era uma tarefa de jovens sanluquenhas que iam em alegre grupo até ao cascalho de Sanlúcar ou em frente ao Castelo Velho. Assisti a grande galhofa e risinhos dessas jovens que reagiam assim, neste último cascalho, à aproximação a um nadador de Alcoutim que namorava uma delas.

No princípio dos anos 40 vimos aparecer em Sanlúcar os camiões Pegaso de fabrico espanhol. Um camião que veio a evoluir para um bom veículo e a ser um orgulho espanhol. Mas a sua tecnologia, como é natural, não esteve de princípio completamente dominada e, muitas vezes, avariavam em Sanlúcar e era necessário deslocar lá mecânicos para os desempanar.

[Cais de sanlúcar. Foto de JV, 1986]

Lembramo-nos também da construção do cais de Sanlúcar no início dos anos 40. É do tipo muralha. Nem os seus objectivos nem o local escolhido, que é pouco profundo, o projectavam para a atracação de grandes navios. Mas impressiona, por mostrar dois aspectos importantes. A sua imponência que o elevam à cota da baixa da vila; e lhe permite a operacionalidade em caso de grandes cheias. Para manobrar pequenas cargas em condições de marés normais dispõe de grua.

Hoje a travessia de barco entre Alcoutim e Sanlúcar custa apenas um euro, a qualquer hora do dia.

Não posso deixar sem registo a algazarra, que algumas vezes ouvimos. Ouvia-se “perro dañado” e de seguida via-se uma correria de homens, nos campos em frente, com a espingarda pronta a atirar, mobilizados para dar caça a um cão que punha em perigo as populações. O alarido parecia-nos grandioso e até algo a despropósito e por isso em Alcoutim já sabiam do que se tratava e num encolher de ombros diziam mais um cão raivoso… Provavelmente não se levava muito a sério, no outro lado, a vacina contra a raiva que Pasteur tinha descoberto já havia alguns anos.


Pequena nota
Mais um interessante texto que este colaborador nos oferece retratando pelo menos uma visão de mais de sessenta anos!
As coisas nem sempre foram iguais como nos pretende mostrar através da sua privilegiada memória, do seu olhar atento e da singeleza da sua escrita.

JV

domingo, 27 de dezembro de 2009

Montes desaparecidos ou despovoados na freguesia de Giões

[O Monte do Viçoso depois do abandono]

Na continuação do que fizemos em relação à freguesia do Pereiro vamos hoje abordar a mais pequena do concelho, a de Giões.

São poucas as situações verificadas.

As Memórias Paroquiais (1758) referem a existência como habitado o monte da Cacelinha que segundo informa fica próximo da aldeia sede de freguesia. Quinze anos depois sabemos que lá vivia, certamente com a família, António Gonçalves que na Câmara fez o manifesto de seis reses.

Nos Anuários Comerciais dos princípios do século passado são indicados como povoações da freguesia: Minhova, Cacela e Mingordo.

Aqui Cacela deve estar por Cacelinha, palavra de origem árabe que significa prado ou pastagem de gado.

Na Minhova, em 7 de Setembro de 1841, ainda é exposta uma criança do sexo feminino.

O Monte de João Velho e que presumo localizar-se nesta freguesia é referido em actas das Sessões da Câmara Municipal da segunda metade do século XIX.

Outro dos montes indicado como povoado é o de Mingordo que deve ser elisão de “Moinho Gordo” e que penso se localizaria nas proximidades da ribeira do Vascão e talvez relacionado com algum moinho na ribeira. Nas suas proximidades uma mina de cobre registada em 1878.

Gordo porquê? Pela alcunha ou nome do proprietário? Ou seria pelo seu volume? Seria pela “gorda” produção do mesmo?

Navegamos no campo das hipóteses e até porque desconhecemos o local onde se situaria e de que julgo ainda existirem ruínas.

Outro dos montes indicados como habitado era designado por Carrascal não tendo eu mais qualquer elemento para poder referir.

As maiorias destes montes eram constituídas por um único fogo, quando muito por dois ou três e daí o seu desaparecimento. Nessas alturas, viver num monte grande ou num monte pequeno e isolado era muito semelhante. Estes montes tinham inspiração nos conhecidos montes alentejanos que acabaram por sofrer transformações parecidas ainda que as suas dimensões como domínio da terra fossem muito maior e mais produtiva.

Há uma investigação a fazer nesta vertente mas a verdade é que até agora ninguém a fez.

É muito pouco o que aqui fica referido mas este pouco será desconhecido da maioria dos alcoutenejos.

Deixámos para o fim a abordagem do último monte que se despovoou na freguesia. A sua deterioração tem sido veloz e o saque levou o pouco que existia numa povoação de gente trabalhadora.

Em 1976 ainda o habitavam 11 pessoas, número muito semelhante ao que têm hoje a maioria dos montes do concelho. Penso que os últimos moradores teriam saído na década de oitenta. Isto pode-nos levar a concluir que dentro de vinte anos grande número de montes do concelho estará em igual situação.

Em 1839, Silva Lopes, no final do seu trabalho (Corografia do Algarve) apresenta um mapa com os fogos existentes, quando se refere à freguesia de Giões não indica os deste monte que já existia certamente.

O monte era constituído por três núcleos populacionais que sumariam dez ou doze fogos. Situava-se numa pequena elevação circundada pelos barrancos dos Paus e de Cacela que iam dar à ribeira do Vascão.

Como era próprio da época, chegaram a realizar-se simultaneamente dois bailes e isto porque havia no monte cerca de dezasseis moças e só com elas se podia contar pois dos outros montes só vinham os rapazes e não raparigas o que nessa época era impensável.

sábado, 26 de dezembro de 2009

A candeia



Apresentamos hoje mais um utensílio completamente caído em desuso e que se usou por todo o País, nalguns locais há menos de um século.

Destinava-se à iluminação e era constituído por um pequeno vaso onde se deitava um óleo, normalmente azeite que alimentava uma torcida pela combustão e que saía de um bico.

Este tipo de iluminação já era utilizado pelos romanos e pelos árabes aparecendo com muita frequência em escavações feitas por arqueólogos e conhecidas por lucernas.

Aproveitámos o sistema mas naturalmente fizemos evoluir o utensílio.

Feita de barro, lata ferro ou de qualquer outro material, era indispensável e usou-se no concelho de Alcoutim pelo menos até ao primeiro quartel do século passado.

Penduravam-se normalmente na parede.

Acompanhou depois o uso do petróleo, primeiro usado pelo mesmo sistema em pequenos depósitos de lata. Os candeeiros com chaminé de vidro vêm muito depois e tiveram igualmente uso simultâneo. Utilizavam-nos quando se iam deitar.

Não esquecer que Alcoutim recebeu a electricidade em 1965 e os montes cerca de dez ou mais anos depois.

Os dois exemplares que apresentamos, um de ferro e outro de lata, tiveram uso efectivo e hoje, depois de embelezados, servem de objectos decorativos.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Estórias e Opiniões sobre o surf em Peniche



[A ofertante num carvão de Isabel Cordeiro, 2009]

Fui este NATAL contemplado pela minha neta, com um exemplar deste trabalho de 164 páginas e formato A/5 que reúne treze estórias e trinta artigos de opinião que o autor, José Miguel Nunes, publicou entre Setembro de 2007 e Dezembro de 2009 no Jornal de Peniche On-line, onde colabora desde a sua fundação e mantém a coluna “História e Estórias do Surf Penicheiro”.

Primeiro como praticante desde tenra idade e depois como analista, tem dedicado muitas horas de trabalho à temática que sempre o apaixonou, defendendo os seus pontos de vista com equilíbrio, ponderação e frontalidade, sem ser serviçal e não andando a reboque de ninguém.

Ainda que este tema esteja fora do meu “mundo de interesses”, não deixei de fazer a minha leitura atenta. As “estórias”, reais e em que não deixa de referir os amigos com quem partilhou, estão contadas com graça, num português fluido sem deixar de utilizar termos de uso local e o linguajar próprio da sua época.

Naturalmente que nas “opiniões”o tipo de escrita é completamente diferente como não podia deixar de ser.

Este primeiro ensaio, com muito bom aspecto gráfico, poderá, ser melhorado numa segunda edição que desejo se concretize mas em moldes diferentes.

Primeiro temos que respeitar as prioridades.

Este “livro” faz falta a Peniche.

Além de colaborador do ALCOUTIM LIVRE, José Miguel Nunes é meu filho como muitos visitantes já saberão e teve a amabilidade de me dedicar este seu primeiro trabalho, o que faz nos seguintes termos:



Pequeno apontamento...

Desde sempre me lembro de te ver rodeado de livros, desde sempre lembro de te ver a escrever artigos para diversos jornais e revistas sobre a tua paixão, História Local.

Lembro-me do teu primeiro livro ser todo “batido” na velhinha máquina de escrever, na mesa da casa de jantar lá de casa. Depois desse já publicaste mais dois, estes já não à máquina, mas sim à frente de um computador, que entrou inevitavelmente na tua vida com tal fulgor, que se tornou um instrumento inseparável, nem na mesa da casa de jantar, pois mudaste-te de armas e bagagens para o teu refúgio mais prezado, o escritório, que montaste assim que tiveste possibilidades para isso, e no qual te rodeaste dos bens mais preciosos que possuis, as muitas centenas de livros que tens vindo a adquirir ao longo da tua vida.

Talvez por tudo isto, também eu a certa altura, nem sei bem como, acabei por começar a escrever qualquer coisa sobre a minha paixão, o surf.

Ainda não escrevi nenhum livro, nem sei se algum dia escreverei, poderá nunca se proporcionar, e mesmo que se proporcione, não sei se tenho capacidade para o fazer, pelo menos com a qualidade que os teus apresentam, no entanto queria deixar-te uma espécie de livro, uma compilação dos meus artigos, que de algum modo acredito terem também a tua marca, pois a frontalidade com que escrevo aquilo que penso foi algo que aprendi contigo.

Não querendo de modo algum ser pretensioso, se porventura esta “compilação”, não lhe chamarei livro, ganhar lugar na tua estante, lado a lado com os, esses sim, livros, da tua autoria, é algo que me deixará imensamente satisfeito e honrado.

Em 1985, dedicaste-me o teu primeiro livro, com a frase que nunca esqueci: “onde pulula sangue alcoutinense”, vinte e quatro anos depois, apesar de o teu sangue não ter o travo a sal que o meu por força das circunstâncias acabou por adquirir, chegou a minha vez,

para ti PAI.

Peniche, Dezembro de 2009


Pequena nota

Peço desculpa aos meus visitantes/leitores pela publicação deste Pequeno apontamento..., que tem muito de pessoal mas que considerei de interesse partilhar convosco pelos valores que encerra.
Passados 24 anos foi-nos dada a resposta mais apetecida, mas confesso que só muito recentemente julguei ser possível
O beijo de agradecimento ao “meu menino de oiro”.

JV

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Boas Festas


terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O Ensino Primário na Freguesia de Giões


O Administrador do Concelho, em 1845, transmite à Câmara, reunida em Sessão no dia 14 de Setembro, o manifesto e grande vontade que os habitantes da aldeia de Giões lhe transmitiram de mandar ensinar seus filhos, mas que sendo pobres na sua maioria, lhes faltavam os meios para pagarem ao mestre. Se a escola fosse do Estado e não tivessem de pagar, de boa vontade mandariam os filhos aprender a ler e a escrever.

Alvitrava por isso o Administrador que fosse pedida a “Sua Magestade humma Escola Régia” para aquela aldeia que tinha a população restante da freguesia a pequena distância. Aprovada a sugestão da Câmara, logo foi redigida a petição e enviada ao Governador Civil.

Parece não ter dado os resultados desejados pois a Junta de Paróquia em 20 de Agosto de 1854, pressionada pelos seus habitantes, volta a insistir no sentido de ser criada uma escola de ensino primário para aquela aldeia.

Em sessão camarária de 1 de Janeiro do ano seguinte “...foi lida e assinada a representação que a Câmara em sessão de 20 de Agosto último deliberou se dirigisse a Sua Magestade pedindo o estabelecimento de humma Escola Régia na aldeia de Giões”.

Desta vez sim, os gionenses viram satisfeitas as suas aspirações e no Diário do Governo nº 92, de 20 de Abril de 1855, pode ler-se o seguinte:- Atendendo ao que me representou a Câmara Municipal de Alcoutim sobre a necessidade de ser criada uma cadeira de ensino primário na aldeia de Giões, daquele concelho; considerando quanto importa promover e difundir a instrução primária em um concelho, onde existem povoações distantes e separadas por serranias. Hei por bem, em Nome d’El-Rei, criar uma cadeira de ensino primário, primeiro grau, na aldeia de Giões. - Paço das Necessidades, em 7 de Março de 1855.
Estávamos no reinado de D. Pedro V com regência de seu pai, D. Fernando.

[Escola desactivada de Alcaria Alta]

A escola começou por funcionar em casa do prof. Joaquim Pedro Teixeira, mas como o número de alunos cresceu consideravelmente, passou em 1864 para a “casa da Fábrica destinada à residência do sacristão,” funções que o mesmo professor acumulava. A casa tinha 6,86 m de comprimento, 3,47 de largura e 2,30 de altura, sendo frequentada por vinte e dois alunos.

Na sessão da Câmara de 11 de Agosto de 1883 é deliberado, por ser de grande utilidade pública, pedir a criação de uma escola de sexo feminino para esta aldeia. Entretanto, o vereador da Câmara, António Joaquim Teixeira, é nomeado professor interino em Giões.

Em 1887 a Câmara insiste na criação da escola feminina mas os gionenses só vêem esta sua aspiração concretizada após a implantação da República. Na sessão camarária de 13 de Março de 1911 é deliberado criar uma Escola feminina em Giões, onde havia, segundo o recenseamento, 67 crianças do sexo feminino.

[Antiga Escola de Farelos]

Em 1929 a escola masculina funcionava numa casa de João Gomes Delgado a quem a Câmara pagava a renda anual de 48$00.(1)
Na vigência do Estado Novo foi pedida a criação de dois postos escolares (1934), um em Alcaria Alta (2) e outro em Clarines/Farelos (3), mais tarde transformados em escolas, sendo mesmo construídos edifícios para o efeito, isto na década de sessenta.

A escola de Farelos encerrou por falta de alunos em 1988 e o mesmo já tinha acontecido à de Alcaria Alta.

As poucas crianças existentes passaram a ter escola na sede de freguesia onde se havia construído um edifício, presumo que na década de sessenta.

Em 1991 e pelos mesmos motivos é encerrada a escola da sede da freguesia. (4)

Hoje, as crianças frequentam a Escola Básica Integrada de Martim Longo.

[Escola Básica Integrada de Martim Longo]

PEQUENO QUADRO DE ALGUNS PROFESSORES
QUE EXERCERAM FUNÇÕES NA ESCOLA DE GIÕES

1913............... Maria da Glória Faria
1915............... Gertrudes Pinto Quaresma
1915............... Carlos Rafael Pinto (*)
1916............... Beatriz de Matos
1916............... Victória das Dores Pontes
1939............... Ana Teresa de Freitas (**)

(*) Foi transferido para o concelho de Loulé em 1917.
(**) Sepultada no cemitério de Giões (1892-1978)

NOTA

(1) - “Um século de ensino escolar no concelho de Alcoutim (1840-1940)”, José Varzeano, in Jornal do Algarve de 4, 11 e 18 de Abril de 1991.
(2) – Actas da C.M. de Alcoutim de 12 de Janeiro de 1932 e de 7 de Janeiro de 1934
(3) – Acta da C.M. de Alcoutim de 29 de Novembro de 1934.
(4) – Boletim Municipal, nº 9 de Dezembro de 1991, pág.10

Rancho de Alcoutim


Esta fotografia acaba por não ser novidade para ninguém pois já foi incluída em Alcoutim, Revista Municipal.

É importante que exista a fotografia mas o seu conteúdo não deve ficar esquecido.

Fiz uma pequenina referência ao “rancho” mas principalmente aos versos de autoria do seu ensaiador, João Madeira, vulgo João Ricardo.

Não conheço nada escrito sobre o assunto e já fiz alguns contactos no sentido de que alguém que dele fez parte escrevesse algo sobre o assunto, como a identificação dos elementos na fotografia, das actuações efectuadas e tudo o mais que lhe diga respeito.

O mais que consegui foi receber algumas achegas ao assunto mas insuficientes para a elaboração de um texto elucidativo.

Sabemos que a sua vida foi bastante efémera mas algo existiu e é importante preservar na escrita.

Ter a fotografia do Rancho e o estandarte, é para mim manifestamente pouco. Há que conhecer a sua história, as suas vicissitudes.

Lanço daqui um repto aos conhecedores da “matéria” para passarem ao papel os seus conhecimentos e publiquem-nos em qualquer parte, incluindo neste blogue, se o desejarem.

Se o não quiserem fazer, pelo menos disponibilizem os dados a alguém que o faça.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Os primeiros automóveis em Alcoutim

Pequena Nota
Depois do interessante texto que aqui inserimos e de autoria do nosso colaborador José Temudo, que entre outras coisas descreve o primeiro “carro” que viu em Alcoutim, é a vez de outro dos nossos apreciados colaboradores fazer o mesmo e ao mesmo nível sobre os primeiros que viu no sua terra natal, isto, uns anos depois.
São muito curiosas as informações que nos dá que só o seu espírito de bom observador consegue reproduzir.
JV






Escreve
Gaspar Santos




Um dos primeiros automóveis ligeiros de passageiros que vi em Alcoutim no início dos anos 40 pertencia ao Dr. João Francisco Dias. Era a viatura que ele utilizava para se deslocar a qualquer local do Algarve, mas, sobretudo, para as suas visitas domiciliárias. Que nós podemos imaginar, hoje, como seriam nesse tempo, por caminhos de cabras.
Segundo José Temudo escrevia neste blogue no passado dia 5 de Dezembro de 2009, o primeiro automóvel que viu em Alcoutim pertencera a uma pessoa de nome Xavier. Tive oportunidade de confirmar que assim é. O Manuel Guilherme confirmou-mo, pois viajou nesse automóvel entre a Corte da Seda e Alcoutim. Ele e o seu pai aceitaram a boleia que o Senhor Xavier de Martinlongo lhes oferecera.

As estradas, que então serviam o concelho de Alcoutim, são hoje EN122 ligando a Vila Real Sto António e EN124 ligando a Pereiro, Martinlongo, Barranco do Velho e até Porto de Lagos no concelho de Silves (Monchique). Estas estradas eram ruins, de terra batida (MacAdme), com muitos buracos e poeira, mas permitiam o acesso a todo o Algarve. Para o interior do concelho só serviam algumas aldeias e poucos montes. Quando o Dr. Dias se deslocava para ver um doente grave, na generalidade servia-se de caminhos que no máximo uma carroça já teria utilizado.
No princípio dos anos 40 quando comecei a observar estas coisas, penso que o Dr. Dias já usava o segundo automóvel. Julgo que o primeiro teria chegado ao fim da sua vida útil. Na fábrica de foices foi cortado em dois pedaços. A parte traseira com o banco estufado e rodas pneumáticas foi adaptada a charrette puxada por cavalo. Era muito utilizada, então, pelo Senhor Francisco do Rosário nas suas idas à sua moagem do Pereiro.

[Chevrolett de 1928]

O automóvel seria um Chevrolett. Tinha habitáculo de lona encerada, e dava para cinco lugares. Umas rodas bastante grandes e um degrau para se subir. Consumia gasolina, mas não tinha motor de arranque. Para pôr o motor a trabalhar havia duas alternativas. Ou se dava umas voltas à manivela, que exigia muita força nos braços e era perigosa quando o operador, por falta de força, deixava desandar a manivela em sentido contrário, podia partir braços. Ou pegava de empurrão, o que era mais eficaz. Era um problema quando o motor ia a baixo, pois para arrancar exigia o concurso de duas pessoas, uma a dar à manivela e outra aos comandos.
Dai que o Dr. Dias tivesse dois ajudantes o Afonso Costa (relembrado neste blogue dia 17 de Novembro de 2009) e, outro homem, de nome Bernardino, um pouco mais entendido em motores e que sabia conduzir. O Bernardino viera da Guerra Civil de Espanha e gostava de exibir o que ele considerava um rico palmarés. Gabava-se de durante a guerra ter extorquido presuntos em casas isoladas de camponeses espanhóis, e quando não lhos davam “a bem” matava os camponeses.

A garagem para recolha e oficina de manutenção do carro era no edifício da antiga cadeia, ao lado do gradeamento, mas independente. Era aqui que procediam à substituição do óleo, atestavam de gasolina, montavam e desmontavam pneus, remendavam e enchiam as câmaras-de-ar etc. Imagine-se o que exigia de preocupação com o abastecimento, dado que a bomba de gasolina mais próxima era em Vila Real Sto António.
[Actual Rua Dr. João Dias e onde se estacionava o veículo.Foto JV]

Mais tarde o Francisco Serafim Nunes também adquiriu um destes automóveis. A aprendizagem fê-la nas ruas de Alcoutim, com muita dificuldade e sem instrutor.
Hoje que se generalizou o uso do automóvel, que se tem uma bomba de combustíveis a cada passo, custa talvez imaginar como era nesse tempo. Limpeza, manutenção, gestão dos combustíveis e óleos, câmaras-de-ar, remendos e o arranque. Que dores de cabeça! Quem valia muitas vezes era a garotada que se divertia a empurrar o carro de marcha atrás pela Rua Dr. João Dias até quase à Estação dos Correios, para ele pegar embalado rua abaixo.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Mértola, O último porto do Mediterrâneo


Trabalho em três volumes de 19X27 cm, sendo o I de 481 páginas, de autoria de Santiago Macias e que adquiri na minha última visita a Mértola.

Trabalho de grande fôlego e de esmerada edição do Campo Arqueológico de Mértola, Mértola, 2005, merecendo vários apoios, teve uma tiragem de 2000 exemplares.

Os mapas e ilustrações de técnica evoluída fazem parte dos restantes volumes.

Nas espaçadas leituras e consultas que já efectuámos, encontrámos algumas referências a Alcoutim, como não podia deixar de ser.

Será que o trabalho existe na chamada “Biblioteca da Casa dos Condes”?

sábado, 19 de dezembro de 2009

Malfrade, um "monte" da freguesia de Vaqueiros


[Vista parcial do Monte de Malfrade. Foto JV, 2009]

Voltamos hoje a abordar um monte da freguesia de Vaqueiros cuja criação data, segundo Silva Lopes, de 1583. (1)

Conhecê-mo-lo de passagem numa das primeiras vezes que fomos à freguesia e isto a seguir ao 25 de Abril de 1975.

Toda a freguesia, até essa data, tinha apenas cerca de seis quilómetros de estrada de macadame, fazendo a ligação entre a aldeia de Vaqueiros e a de Martim Longo.

As dezenas de montes que a constituem encontravam-se ainda relativamente povoados apesar do seu isolamento.

Uma das primeiras medidas tomada pela Comissão Administrativa da Câmara foi enviar para o local maquinaria que possibilitasse a abertura de caminhos de maneira a facilitar a passagem pelo menos de um jipe, um camião e até uma motorizada. Até então os trajectos eram feitos a pé ou em animais de sela, principalmente em asininos.

Deu-se a circunstância que duas colegas de curso de minha mulher, acabado de concluir, terem sido colocadas na escola do Zambujal. Quando a minha mulher mostrou interesse em visitar as colegas, tive a necessidade de junto do presidente da Comissão Administrativa, a quem tinha sido fornecido um jipe que ele próprio conduzia, de me informar se era possível com o meu carrito chegar àquele monte (Zambujal).

Entusiasmado com o trabalho realizado disse-me então que sim, agora já era possível, ainda que com dificuldade e não para todos os veículos. Metemo-nos na aventura e não foi fácil lá chegar. As visitadas, quando deram pela nossa presença, foi uma alegria.

[Placa toponímica. Foto JV, 2009]

Hoje, saindo da vila e para alcançar Malfrade, o trajecto é outro e na altura impensável. Não precisamos de ir a Martim Longo como então aconteceu. Tomando a estrada nº 124 passamos pelo Pereiro e poucos quilómetros andados encontramos um entroncamento à esquerda que nos indica Alcaria Cova. É por ele que seguimos passando a ribeira da Foupana através de ponte já construída depois do 25 de Abril, entramos assim na freguesia de Vaqueiros. Após a subida tomamos a direita e depois de vermos Alcaria Queimada com a sua Capelinha em honra de S. Bento, vamos alcançar a estrada nº 505 e pouco depois a placa toponímica que nos situa em Malfrade.

A localidade mais importante da chamada Serra de Vaqueiros, concelho de Alcoutim, era a Alcaria (Aldeia) de Vaqueiros, ainda assim chamada no século XVII. Os árabes chamavam-lhe Alcaria, os cristãos chamavam-lhe Aldeia (de Vaqueiros) pois a pastorícia era nesses primórdios longínquos a actividade quase única e que mantinha a sobrevivência destas gentes.

Os caminhos serrenhos iam naturalmente dar a esta aldeia e eram proporcionados pelos cursos de água, aqui designados por ribeiras e barrancos.

Como ponto de encontro de algumas dessas rotas funcionava uma horta que um velho camponês “amanhava” para seu sustento e da prole. A localização do hortejo justifica-se pela proximidade dos cursos de água, terrenos mais frescos e que os detritos depositados pelas enxurradas tornam mais produtivos.

Depois dos seus afazeres na Alcaria (dos vaqueiros) regressavam aos refúgios de origem espalhados por toda a Serra e combinavam numa futura ida à aldeia o encontro na tal horta.

Quem chegava primeiro esperava pelo amigo. mantinha com o hortelão algum diálogo e naturalmente perguntava-lhe como ia a horticultura a que invariavelmente o hortelão respondia: Bem de abóboras e mal de frades!
Sendo a resposta igual para todos, estes começaram a designar o local como MALFRADES ou MALFRADE.

É esta a lenda que o povo arquitectou com a sua sabedoria para justificar o nome da povoação.(2)

A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira diz que se trata de uma expressão medieva, alusiva talvez a um freire de Sant’ Iago, (3) Ordem Militar que dominou esta zona.

Tomando em consideração de que frade no Algarve é principalmente uma variedade de abóbora (4), pode estar aqui a explicação da origem do topónimo, já que a grande maioria tem origem no reino vegetal. Claro que isto nada tem a ver com a lenda que contámos.

Nos dicionários que habitualmente consulto, não encontrei qualquer outra povoação com este nome.

A notícia mais antiga que conhecemos do monte de Malfrade e não no plural, é a que nos dá as Memórias Paroquiais (1758) que o indicam no singular e que lhe dá apenas dois vizinhos, ou seja, dois fogos. Enquanto isto o vizinho Zambujal é apresentado com 31, na altura o maior da freguesia.

[Uma vista do monte. Foto JV, 2009]

Não admira que a maioria dos montes tivessem dois, três fogos, como acontecia com Madeiras, Monchique, Vargem (Várzea), Montinho (da Várzea), Preguiça, Jardos, Bemposta, Casa Nova e Ferrarias que tinha então quatro. Esta situação justifica-se pelas dificuldades de transporte, do acidentado do relevo o que com outros factores levaram o homem a estabelecer o seu fogo junto das suas terras, disseminando-se forçosamente o habitat. De todos eles penso que foi este o que mais se desenvolveu.

Oitenta anos depois (1839) e socorrendo-nos do sempre consultado Silva Lopes (5), é apresentado como possuindo 8 fogos.

No censo de 1991 são indicados 28 ainda que oito só fossem habitados esporadicamente, sendo quarenta e seis o número de habitantes.

Presentemente, Novembro de 2009 e segundo informação recolhida junto de moradores eram trinta, tendo mais um do que o monte do Zambujal, conforme referiram.

[Antigo poço do monte. Foto JV, 2009]
O desenvolvimento do “monte” deu origem à existência de um pequeno estabelecimento comercial misto que de tudo vendia, desde o arroz e a massa, passando pelos copos de vinho e aguardente até motores de rega, charruas, fogões, adubos e o mais que se possa imaginar.

Conta-se que numa tentativa de provar que não havia de tudo, o freguês teria pedido barbilhos para chibos! Não é que a proprietária passado pouco tempo apresenta o que o freguês pediu!

Esta “estória” feita, a primeira vez que a ouvi contar foi quando eu era bem pequeno, a meu pai e a centenas de quilómetros de Malfrade. O objecto a adquirir é sempre o mesmo! Contudo e quando o estabelecimento comercial já estava no fim, um amigo que na vila e arredores tinha procurado adquirir, sem encontrar, remendos para a sua motorizada, acabou por resolver o problema em Malfrade, segundo ainda hoje conta.

O proprietário deste “comércio” era Manuel António Guerreiro natural do monte e que conheci após o 25 Abril já que fez parte da Comissão Administrativa da Câmara Municipal como representante da sua freguesia.

[Caminho do poço. Foto JV, 2009]

Veio a ser vereador da mesma Câmara nas 1ªs eleições democráticas após o 25 de Abril.

Já no ocaso da vida, passei um dia por Malfrade e fui cumprimentá-lo. Ainda que não me reconhecesse depois de tantos anos passados, quando lhe disse quem era, fez-me grande festa e apesar da avançada idade referiu alguns factos passados.

Além do dinamismo do monte que originou a criação deste comércio útil para ambas as partes, em 1976, aproveitando as mudanças políticas verificadas instalou-se uma moagem. Fazia farinha em rama e rações. Laborou durante 20 anos e ainda existe inactiva.

Havia também tractores de aluguer e debulhadora.

Nas redondezas houve uma mina de cobre cujo manifesto teve lugar em 26 de Janeiro de 1887. (6)

Num pequeno cerro, no lado esquerdo da estrada, entre o Montinho da Revelada e este monte, são visíveis alinhamentos de paredes e fragmentos de telhas do período pós-islâmico. (7)

Segundo indicação recolhida, existe no “monte” um curioso poço subterrâneo que não conhecemos. (8)


[Aspecto de uma das ruas]

Recebeu o fornecimento da energia eléctrica no dia 14 de Junho de 1984, ao mesmo tempo que os seus vizinhos (9) e a estação elevatória construída para fornecer o precioso líquido por fontanários tem a data de 1988.

O primeiro alcatroamento das ruas teve lugar em 1989 (10) com renovação em 1992. (11)

As crianças de Malfrade frequentavam a escola do Zambujal que foi encerrada por falta de alunos em 1990. (12)

A instalação do painel de caixas de recepção do correio operou-se em 1996. (13)

Aqui fica o que conseguimos obter sobre este monte da freguesia de Vaqueiros.

Nota rectificativa após a publicação

O nosso Amigo e Colaborador do Alcoutim Livre, Eng. Gaspar Santos, leitor assíduo e atento, teve a amabilidade de nos chamar a atenção para o facto de a ponte que se refere no texto sobre a ribeira da Foupana ter sido efectivamente construída uns dez antes do 25 de Abril, a estrada que se lhe segue é que foi depois.
Apresso-me a fazer a devida rectificação, pedindo desculpa aos meus leitores pelo erro cometido.
JV



NOTAS
(1) – Memórias para a história ecclesiastica do bispado do Algarve, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1848, pág. 357
(2) –Aprendida recentemente.
(3) –Vol. pág. 160
(4) - Vide Dicionário do falar Algarvio, Eduardo Brazão Gonçalves, 2ª Edição, 1996
(5) – Corografia do Algarve, 1841 (Relação Anexa)
(6) – Livro de Registo de Minas de 1885 a 1889.
(7) – “O Algarve Oriental Durante a Ocupação Islâmica”, Helena Catarino in Revista do Arquivo Histórico Municipal de Loulé, nº 6, 1997/98.
(8) - Moçarabe em Peregrinação a S. Vicente , Associação Caminus, 1990, pág.5
(9) - Jornal do Algarve de 15 de Junho de 1984.
(10) - Boletim Municipal nº 5 de Setembro de 1989.
(11) – Boletim Municipal nº 11 de Setembro de 1992.
(12) – Boletim Municipal nº 7, de Abril de 1990, pág. 2
(13) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 4, de Dezembro de 1996, pág. 12.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Referências ao "ALCOUTIM LIVRE"


Em 6 de Novembro último coloquei um “post” com o seguinte título:

RECORDAR UM ALCOUTENEJO – JOÃO BALTAZAR GUERREIRO

Rapidamente LUNAPLENA reage referindo na “postagem” do dia 10, no seu blogue “ALCARIA ALTA, UM MONTE DO INTERIOR ALGARVIO, nos seguintes termos:

O sr. José Varzeano, no seu blog, Alcoutim Livre, publicou um artigo sobre um alcoutenejo nascido em Alcaria Alta, João Baltazar Guerreiro. Apesar de ser meu avô, desconhecia alguns interessantes aspectos que foram referidos, nomeadamente o de ter sido correspondente do jornal O Século, de entre tantas outras ocupações que teve.
Obrigado pela homenagem das suas palavras.


Mais tarde (2009.12.08) é a vez de reagir a moura do castelo velho, que no seu blogue A MOURA DO CASTELO VELHO DE ALCOUTIM, refere:

Agradeço ao Sr. José Varzeano a homenagem que faz ao meu Pai, no tão prestigiado Blogue.

É de facto, gratificante tomar conhecimento de “episódios que desconhecia” e, sabendo que o Sr sempre se pautou pela verdade, o orgulho que sinto pelo meu Pai, ao ler o que escreve, é imensurável
Obrigado e bem haja.
Maria Odília

No outro blogue de que é responsável, OLHARES SOBRE ALCOUTIM, faz os mesmos comentários.

Em ambos transcreve todo o texto que tem o título que acima refiro, pelo que agradeço a gentileza.

Não posso também deixar de agradecer as palavras simpáticas que me dirigiram.

Como já afirmei por outro meio, tive muito gosto em escrever o que escrevi. Pretendi apenas dar a conhecer a muita gente um homem sobre alguns aspectos pouco conhecidos ou mesmo desconhecidos.



Se para mim é gratificante fazê-lo perante o cidadão comum, mais o é quando familiares chegados os desconheciam por completo pois quando as coisas se passaram eram muito jovens e esses assuntos passavam-lhe naturalmente ao lado, o que agora não acontece.

Tudo o que descrevo é a VERDADE pois pautei sempre a minha vida e a minha escrita pela VERDADE.

Nunca me venderia por um Audi ou Mercedes e muito menos por um prato de lentilhas, só a VERDADE me compra.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O pau da censura







Escreve
Gaspar Santos


Servia de banco. Foi para isso que ali foi colocado pelo Senhor Rosário. Estava encostado à parede, entre a porta do seu quintal e o início do edifício da velha cadeia. Do lado Sul da Praça, onde mais tarde, foi construído um edifício residencial com lojas por baixo. O quintal tinha oliveiras frondosas que davam ampla sombra. Era agradável estar ali sentado na parte da tarde quando a canícula mais apertava. O pau, um grosso tronco de eucalipto com cerca de 8 metros de comprimento e 60 cm de diâmetro. A superfície superior do tronco tornou-se polida e limpa de tanto ser surrada pelos traseiros. Em geral eram mais os homens que lá tomavam assento. As mulheres chegavam ao ponto de até evitar por ali passar, quanto mais se sentarem.

Começou com o propósito de constituir um apoio para repouso ou lazer das pessoas, mas estas quando se juntam falam. E essa fala acompanha e anima o “filme” da passagem de outras pessoas na sua frente.

Alguém depois, que até pode ter sido o mestre Carlos Sapateiro, muito a propósito, chamou-lhe Pau da Censura. Nada tinha a ver com a censura que o Estado Novo exercia. Constatava e comentava a realidade.

[A desparecida cadeia. Des. de JV. À esquerda situava-se o muro junto do qual se encontrava o pau.]

Nesse tempo não havia televisão. Escasseavam os programas de rádio. Raros os aparelhos para entretenimento. Os Jornais Nacionais chegavam um ou dois dias depois da sua publicação. Recorria-se ao “jornal local” que era de viva voz. As notícias locais eram faladas. E esse “jornal” não se editava só aqui. Outras edições havia no Poço da Figueiras e na Ribeira na lavagem da roupa.

O alcoutenejo não é mal intencionado na sua crítica social. É naturalmente intolerante para com os outros. Mas não é intriguista. Tem mesmo uma faceta interessante. Quando critica alguém, outros ouvem e podem continuar a cadeia de divulgação. Mas raro é aquele que vai dizer à parte criticada ou aos seus familiares o que o outro falou ou quem falou. O “diz-se” não é em curto-circuito.

No Pau da Censura as observações que se faziam eram muitas, mas quase inocentes. Tipo: “aquela tem os tacões muito altos, nem pode andar!” Ou... tem uma saia verde … vai à Sporting! Mas também se entrava em pormenores mais íntimos: esta fulana namora fulano…

Um tesoureiro de finanças de então, de nome Ferreira, passava às vezes muito tempo lá sentado nas horas de serviço. O pau ficava mesmo em frente da janela da Tesouraria. Quando uma pessoa se aproximava ele ia a correr atendê-la.

O Pau da Censura acabou, sendo removido, quando foram construídos os actuais edifícios da Praça. A substituí-lo passou a estar um ou dois bancos, encostados ao edifício do lado poente da praça, agora com mesas e cadeiras onde se pode tomar um refresco mas não me consta que tenha as antigas funções.


Pequena nota

Já não conheci o “pau da censura” ainda que o refira no meu trabalho,” Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio...” a pág. 312, nos seguintes termos:- “Não conheci, mas ainda me chegou aos ouvidos a fama do «tronco da má língua» que se estendia junto ao muro do quintal da antiga cadeia, tudo já desaparecido.
O tesoureiro Ferreira, mais propriamente Vitoriano César Ferreira, exerceu funções em Alcoutim de 1943/47 tendo-se transferido para Alfândega da Fé, seu concelho natal e onde se reformou.
Vinte e anos depois, quando cheguei a Alcoutim, ainda me lembro de ouvir falar nele como guarda-redes da equipa local, futuro Grupo Desportivo de Alcoutim.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Os "montes" desaparecidos ou despovoados da freguesia do Pereiro

[Freguesia do Pereiro. Terrenos próximos da Ribeira da Foupana. Foto JV, 2009]

Já tinha abordado este assunto quando organizei parte da 2ª edição daquilo a que é vulgar impropriamente chamar “Monografia de Alcoutim” e que na 1ª edição só aqui e ali referi alguma destas pequenas povoações desaparecidas ou despovoadas.

Como entretanto adquiri mais conhecimentos sobre o assunto, resolvi escrever um novo texto que agora inicio com a freguesia de Pereiro.

As Memórias Paroquiais (1758) indicam-nos três montes com apenas um vizinho ou seja um fogo: Herdadinha, habitada por cinco pessoas, Cascalhão (quatro), Alcaria do Velho (uma) e Casa Nova (uma). Com dois fogos apresenta o monte de Matos e a Silveira tinha então 7 fogos com dezassete pessoas.

Cerca de quinze anos depois encontramos referida a Casinha da Portela onde viviam com as suas famílias pelo menos Gregório Miz (Martins), Gregório Dias e João Manuel e que manifestavam os seus gados na Câmara Municipal.

O Cascalhão mantinha-se e onde vivia Sebastião Ribeiro.

Em 1839 Silva Lopes na Corografia do Algarve refere a “Portella” como possuindo 9 fogos. Teria a Casinha da Portela por deslocação dado origem à Portela que se veio a desenvolver? É que nos aparece primeiro a Casinha e só muito depois a Portela.

Os Anuários Comerciais do princípio do século passado ainda indicam como habitados os montes de Matos, Silveira e Cortelha.

A G.E.P.B, Vol. 21, pág. 231 faz notar como montes habitados na freguesia: Matos, Portela e Silveira, entre outros.

Como refiro a pág. 149 do meu trabalho, A Freguesia do Pereiro (do concelho de Alcoutim) «do passado ao presente» o “monte” dos Matos ainda forneceu três mancebos para a Guerra Colonial iniciada em 1961 e terminada depois do 25 de Abril, acontecendo o mesmo com a Silveira e a Cortelha, igualmente indicados.

Recorrendo novamente a este nosso trabalho refiro o monte da Portela que se alcança por um caminho que sai da Fonte Zambujo de Baixo.

Em 1882 frequentava a escola do Pereiro, José Martins, natural e residente neste monte que em 1939 ainda dava mancebos para o recenseamento militar.

Tentando fazer uma análise final e actual sobre cada um dos montes indicados, diremos:

HERDADINHA – Próximo do monte do Tesouro. Passei por lá em Novembro último e parte do telhado já abateu restando as paredes. Era ali que se levavam em meados do século passado as bestas ao “lançamento” informação que recebi oralmente. O “monte” seria a residência da pequena herdade e daí o topónimo.


[A Herdadinha. Foto JV, 2009]

CASCALHÃO – É referido nas Memórias Paroquiais (1758) e em 1771 no manifesto dos gados. Foi só o que até agora encontrámos escrito. Por via oral nada conseguimos obter nem sequer a sua localização. Pelo termo e seu significado local leva-nos a pensar que se situaria junto de um curso de água, onde existisse cascalho.

ALCARIA DO VELHO – A única referência escrita que encontrámos é a que nos dá as Memórias Paroquiais (1758). Admitimos sob reserva que seja a Alcaria das Alcarias Covas, como eram indicadas sem distinção. Ainda há pouco ouvi dizer em Alcaria Cova de Baixo, “além, no outro monte” dando a ideia que é próximo e não é verdade. Faziam contudo um todo, hoje mais separado.

CASA NOVA – Penso que este monte será o que pertence hoje à freguesia de Vaqueiros e está situado no limite da freguesia com a de Odeleite. Ainda que só tenha conhecimento da mudança de Soudes entre Pereiro e Vaqueiros, a não indicação deste pequeno monte referido só com um fogo (1758) poderá estar na sua insignificância.

[Indicando o monte dos Matos. Foto JV, 2007]
MATOS – É indicado nas Memórias Paroquiais (1758) como tendo dois fogos e aparece referido nos vários Anuários Comerciais da primeira metade do século passado e na G.E.P.B., Vol. 21, pág. 231, tendo fornecido elemento para a Guerra Colonial como já indicámos. Ficou desabitado em meados do século passado, possuindo contudo casas com telhados, havendo caminho de acesso.

CASINHA DA PORTELA – Situada próximo da Portela, só existem leves vestígios segundo uma moradora nos informou na Fonte Zambujo de Baixo, que lhe fica relativamente próximo.

PORTELA – Avista-se da Fonte Zambujo. Chegou a ter cerca de uma dúzia de fogos, ficou despovoada nos anos setenta do século passado. Mantém algumas casas de pé.

CORTELHA – É um monte que tinha gente não há muitos anos e que se situava na margem esquerda da ribeira da Foupana, havendo do lado de lá da ribeira outro monte com a mesma designação mas já na freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim. Ainda existem ruínas. O topónimo significa “casinhoto”, casa pobre.

SILVEIRA - Monte que em 1758 como já dissemos, tinha sete fogos e dezassete pessoas está despovoado há umas dezenas de anos.

Foi importante no contexto da freguesia sendo considerado um monte de lavradores.

Recorrendo ao nosso trabalho sobre a freguesia, transcrevemos: Em 19 de Fevereiro de 1847 falece aqui Custódia Marques, viúva do Capitão de Ordenanças, Baltazar Roiz Cavaco.
Um ano depois, Manuel Cavaco possivelmente da mesma família, era membro substituto do Conselho Municipal e dos maiores contribuintes do concelho. Em 1852/53 foi juiz eleito da freguesia e em 1868/69 nomeado pela Câmara Municipal membro da Junta de Paróquia.
Certamente da mesma família dominante, António Cavaco que de 1850 a 1853 pertenceu à Junta de Paróquia.


[O monte da Silveira]

Entretanto mais montes se preparam para efectuar este trajecto, pois o número de habitantes diminui assustadoramente. Não os referimos para não assustar as pessoas que ainda lá vivem.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Tesouraria da Fazenda Pública

[Edifício onde funcionou a Tesouraria da Fazenda Pública. Foto JV, 1967]

Era obrigatória a existência, pelo menos de uma Tesouraria da Fazenda Pública em cada concelho, funcionando paralelamente à Repartição de Finanças. Enquanto as Tesourarias pertenceram primeiro à Direcção Geral da Fazenda Pública e depois à Direcção-Geral do Tesouro, as Repartições de Finanças dependiam da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, hoje Direcção Geral dos Impostos.

Cada um dos departamentos locais, tinham chefias próprias, equiparadas a nível hierárquico e de vencimento.

As tesourarias cobravam impostos e outras receitas públicas e pagavam as despesas do Estado, além de terem praticamente o exclusivo do pagamento dos vales do correio que só em condições muito especiais podiam ser pagos noutros locais.

Também vendiam os chamados valores selados (estampilhas fiscais, papel selado, letras de câmbio, etc.) e os impressos relacionados com os serviços fiscais.

Por imposição legal e em concelhos de pouco movimento, igualmente lhes competia a execução de exactoria da Câmara Municipal e da Caixa Geral de Depósitos, como acontecia em Alcoutim.

Com a autoliquidação dos principais impostos e a sua informatização, foram abertos aos contribuintes vários meios e principalmente locais de pagamento a que se seguiu o pagamento por intermédio das caixas Multibanco, o que veio facilitar a vida ao contribuinte.

Com a evolução e implementação informática, quem o fez começou a necessitar de um menor número de trabalhadores o que depois de ter acontecido com os particulares, chegou naturalmente aos serviços do Estado, resultando na actual situação.

Várias estampilhas foram abolidas, nomeadamente as de Fundo do Desemprego e da Previdência Social, o que aconteceu igualmente às licenças de trânsito e de venda de Tabaco. Depois foi o Papel Selado até chegar às estampilhas fiscais.

Não se pense que na maioria dos casos os impostos foram abolidos, não, passaram a ter novas formas de incidência, liquidação e cobrança.

Para não nos alongarmos mais, pois não se justifica, diremos que as Tesourarias da Fazenda Pública transitaram para a Direcção-Geral dos Impostos (Dec.-Lei nº 158/96). Em 1999, pelo Dec. Lei nº 366 passaram a ser denominadas tesourarias de Finanças, sendo integradas nos serviços de finanças, passando a constituir uma das suas secções.

Nesta brevíssima nota damos a conhecer as principais transformações operadas.

Os lugares de Tesoureiros da Fazenda Pública foram durante muitos anos lugares políticos, situação que se alterou com a reforma do Estado Novo.

Passando a lugar de carreira no funcionalismo através de prestação de provas públicas, por este concelho passaram muitos funcionários que de uma maneira geral aqui permaneciam o mínimo tempo possível e que se cifrava num ano.

A partir de Dezembro de 1977 e após a transferência a pedido do titular do lugar, o mesmo nunca mais foi preenchido, sendo as funções desempenhadas de carácter interino até à extinção.

Durante muitos e muitos anos funcionou numa pequena divisão do edifício conhecido pela residência do Capitão-Mor, enquanto a Repartição de Finanças ocupava parte do 1º andar. O restante do edifício era ocupado pelo posto da GNR.

O edifício era particular acabando a Câmara por adquiri-lo por volta de 1970.

[Antigas instalações da Guarda Fiscal que foram adaptadas aos Serviços Fiscais. Foto JV]

Com a passagem dos serviços locais de finanças após a extinção da Guarda Fiscal para as instalações que esta ocupava e após obras de adaptação, as antigas instalações pelo que me tem sido dado ver, têm servido de armazém.

A partir do momento em que o lugar começou a ser de carreira profissional, organizámos um quadro com os dados que conseguimos obter.

Alguns nomes poderão ser recordados pelos alcoutenejos mais idosos.

De todos estes, só um era natural do concelho, precisamente o primeiro indicado.

Que seja do meu conhecimento só houve mais um tesoureiro da Fazenda Pública natural do concelho mas que exerceu essas funções no concelho de S. Brás de Alportel e depois na Tesouraria da Fazenda Pública de Quarteira, como tesoureira de 2ª classe e se chamava Maria Angelina Gonçalves Ribeiros e que faleceu ainda bem jovem, no exercício destas funções.



(*) O único colocado a seu pedido e por transferência. Era já casado com uma alcouteneja.
(**) Durante a sua estada, casou com uma alcouteneja e foi o que permaneceu mais tempo no exercício das funções.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O velho candeeiro



Esta Câmara Escura podia ter além deste outros títulos, entre os quais RUA DO MUNICÍPIO, VENDA DE PEIXE DO RIO, A CASUARINA ou mesmo SANLÚCAR.

Este postal penso que fazia parte da 1ª colecção editada por diligência de JB Guerreiro e quando cheguei a Alcoutim, já não existia à venda.

Este foi escrito e enviado em 22 de Setembro de 1966 e tinha o sentido de dar os parabéns a uma jovem alcouteneja pois fazia 21 anos.

A fotografia devia ter sido tirada de uma das sacadas dos Paços do Concelho, apanhando em primeiro plano um velho candeeiro que, se a memória não me atraiçoa, tem no medalhão, o ano de 1876 mas que na foto não se consegue ler.

Este candeeiro, dos poucos existentes na vila, foi alimentado até 1965 por petróleo, depois e bem, electrificado e colocado no local onde penso que ainda se encontra.

Não deixa de ser curioso o P.S (post-scriptum) que apresenta:- Para que não esqueças os costumes da terra, cá estão o “Não me asses” e o Melão a vender peixe e tomates.

“Na me asses” (Manuel Agostinho Fernandes) era um casto-marinense que se fixou em Alcoutim e que teve sempre uma actividade relacionada com o comércio de peixe e o Melão que conheci como pescador do rio faleceu em finais do década de sessenta do século passado.

O meu opúsculo “Alcoutim, Visto através das Posturas Municipais (1834-1858)”, 1989, faz a sua reprodução na contracapa.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Joaquim Gomes


Faleceu hoje e vai a sepultar amanhã no cemitério da Vila de São Brás de Alportel, Joaquim Gomes, vulgo Relógio, de 92 anos, natural de Balurcos-Deserto, freguesia e concelho de Alcoutim.

Residiu durante muitos anos nesta vila algarvia onde exerceu a sua profissão e se aposentou.

Deixa três filhos, vários netos e um bisneto.

Depois de terem feito a viagem todos os meus tios por consanguinidade, e eram sete, este é o último a fazê-la dos que o eram por afinidade.

Já não tivemos forças para o ir acompanhar, como era nosso desejo. As distâncias parecem cada vez maiores.

As condolências aos seus.

[Monte do Deserto, Balurcos, 2009]

sábado, 12 de dezembro de 2009

Uma caçada às raposas





Escreve
Gaspar Santos





Antigamente não se pensava nem se agia, como agora, na protecção da natureza. Hoje, muitas vezes, exagera-se nessas preocupações, outras vezes tende a descurar-se a ecologia. Há legislação, um Ministério do Ambiente e entidades oficiais e grupos para a protecção da natureza e da biodiversidade.

Há 50 ou 60 anos as raposas, os lobos e outros predadores da caça eram perseguidos e mortos até pelas entidades oficiais. Os zelosos guardas da caça colocavam no campo, estrategicamente, carne envenenada para matar estes predadores e impedir assim que eles comessem a caça. Também os populares sempre que apanhavam uma raposa andavam de monte em monte e nas sedes de freguesia a mostrá-la e, na oportunidade, recebiam dinheiro dos particulares por terem cometido a façanha de capturar um “inimigo”. Deve acrescentar-se que estes predadores quando faltava a caça vinham às capoeiras ou atacavam as ovelhas e até o homem. Às crianças contavam-se as histórias mais impressionantes e sangrentas de ataques de lobos a pessoas.


Os caçadores como parte interessada, também não perdiam o ensejo, sempre que ele surgia, de fazer o gosto ao dedo, quando deparavam com um destes animais pelo caminho. E organizavam caçadas às raposas. Não com o aparato dos ingleses, mas como uma caçada normal, quanto muito com um chumbo mais grosso e a ajuda de muitos cães.

Dois dos locais que se prestavam para isto lindamente eram os buracos duma mina abandonada situada no Serro da Mina frente à Vila.

A metodologia era simples. Colocavam-se vários caçadores de arma aperrada em torno do buraco da mina. Para espantar as raposas e colocá-las no ângulo de tiro dos caçadores, um batedor, acompanhado de vários cães, ia para dentro da mina.

Recordo uma caçada dos finais dos anos 40 ou princípios dos anos 50 do século passado. Para dentro da mina foi o António “Pandeireta”.

Havia outras minas mais labirínticas, com vários percursos possíveis, que davam a hipótese à raposa de escolher uma das saídas mas…ficava sempre ao alcance dos caçadores. Prepararam esta caçada para aquela mina em que o buraco é único, tem mais de 100 m de comprimento, cerca de 1,5 m de largura por 2 m de altura e desenvolve-se sempre ao mesmo nível. Não deixa, portanto, qualquer possibilidade de fuga ao animal, que neste dia até tinha sido visto a entrar para lá.

Assim, a raposa foi-se sorrateiramente escapando até ao fundo da mina, à frente do homem que estava munido de uma lanterna. A raposa sentindo-se “acuada” no extremo da mina, teve como alternativa inverter a marcha, e saltar por cima do perseguidor. António “Pandeireta” agarrou-a pelo pescoço. Ela estrebuchava e arranhava-o. Ele ainda pensou libertá-la, tais eram as dores que sentia nos braços. Reflectiu: se a liberto ela morre com um tiro dos caçadores e o resultado da caçada (a pele da raposa) é dividido por todos; se não a liberto a pele é só para mim.

Prevaleceu esta última solução. Pois a pele vale mais quando não está furada pelo chumbo.

A longa espera preocupou os caçadores. Eles estavam habituados a que rapidamente a raposa saísse do buraco. E começaram a surgir dúvidas sobre se teria acontecido alguma coisa ao homem. E, quando se dispunham a ir ver o que se passava, surgiu o António “Pandeireta” todo arranhado mas feliz a exibir a “fera” morta.

[Cerro da Mina, Foto de JV, 1973]

Há aspectos na evolução dos últimos anos que importa sublinhar, como sob a ecologia se humanizou (e muito bem) o tratamento dos animais. Por vezes com algum exagero na própria legislação. Leva-se longe de mais a legislação tanto na protecção da fauna como da flora.

Estou a lembrar-me de queixas de agricultores de Alcoutim e de outros pontos da serra algarvia. Dizem ser proibido limpar as estevas e as silvas nos barrancos e até debaixo de árvores para se poder apanhar os frutos. Para se roçar esse mato têm que o fazer às escondidas. Antigamente os Guarda-rios obrigavam a desmatar os barrancos para facilitar o escoamento das águas. Hoje essa protecção exagerada das espécies vegetais parece ser um convite aos fogos, à desertificação humana dos campos e ao desincentivo à agricultura.

Pelo contrário em Cinfães, onde vou com alguma frequência, qualquer proprietário de campo, que recebe um subsídio de apoio ao desenvolvimento rural em terras desfavorecidas, é obrigado pela fiscalização a cortar as silvas, os fetos e todo o mato e feno que a terra produz e além disso a semear produtos agrícolas.

O comportamento contraditório a que são obrigadas as pessoas destes dois concelhos, levou-me a procurar esclarecer o porquê disto e concluí que é por Alcoutim e os outros concelhos vizinhos constituírem a REN (Reserva Ecológica Nacional).

Pelos vistos na Serra Algarvia caminhamos para o deserto. Por causa das alterações climáticas e, pasme-se, com o apoio da legislação.



Pequena nota

Mais um interessante episódio que através da pena deste nosso colaborador podemos apreciar.
Conheci bem o Sr. António um caçador inveterado.
Em 1967/68 um homem apareceu junto da janela da repartição onde eu trabalhava e a minha colega de trabalho, olhando para uma canastra que o homem trazia, abriu o porta-moedas, tirou uma moeda de que fez entrega.
Chamou-me perguntando se eu não queria ver. Cheguei-me à janela e perante o meu espanto vejo dentro da mesma, tapada por forte rede, uns tantos raposinhos, muito vivos, de orelha bem arrebitada.
Nunca tinha visto tal coisa e o homem lá seguiu o seu trajecto. Foi então que perguntei o que é que andava fazendo e foi-me explicado aquilo que o autor aqui refere e que eu desconhecia completamente.
Ora este caçador que tinha desenvolvido a sua acção nas covas do Cerro da Mina, aqui referidas, era nem mais nem menos este Sr. António, que todos conheciam por António “Pandeireta”.
A última vez que o vi, e já não o via há uns bons anos, foi por altura de umas Festas da Vila sendo ele que me reconheceu primeiro e recordei o episódio que na altura tanto me admirou.

JV

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A cabaça


Este interessante fruto de uma das variadíssimas espécies de abóbora e designada por cabaceira, tem uma forma que faz lembrar o algarismo “8”.

Que eu saiba e pelo menos em Portugal, só tinha uma utilização, depois de seca e devidamente preparada usava-se para o transporte de líquidos, nomeadamente água ou vinho.

Depois de seca, no local do pé, era cortada, formando um pequeno orifício pelo qual se ia retirando com paciência o seu conteúdo onde avultavam as sementes, sensivelmente rectangulares. É um trabalho de paciência mas que não deixa de ser interessante efectuar, existindo várias técnicas para o fazer, conforme o uso de cada região, já que era vasilha usada do norte ao sul do país.



Junto do orifício de entrada e saída do líquido, que se arrolhava, fazia-se um outro mais pequeno, quadrangular que era tapado com um pauzinho facetado, normalmente de esteva. Destinava-se, quando se afrouxava, à entrada do ar o que permitia mais facilmente a saída do líquido.

Uma corda de sisal atava-a com segurança e por seu intermédio o homem colocava-a à cintura, transportando-a assim para onde se dirigisse

Podendo transportar grande parte de líquidos, era usada principalmente para a água e menos frequentemente para vinho.



Ainda que o formato tenha a base que indicámos, existem exemplares muito diferentes.

Como deixaram de ser usadas, praticamente ninguém as semeia.

Muito recentemente pediram-me sementes pois há muito que as procuravam e não as encontravam.

Uso-as como objecto decorativo, envernizando-as. Servem também para explicar aos jovens a utilização que tiveram.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Foi na Palmeira ...





Escreve

José Miguel Nunes




Há muito que não escrevia sobre Alcoutim, apesar de pensar nisso, mas é difícil. Ao ler o artigo “A Escola ... e o que vem a reboque”, da autoria do Sr. José Temudo, recordei eu também os meus primeiros anos de escola, mais precisamente na escola da Palmeira, onde frequentei a antiga segunda e terceira classes.

Não me lembro já quantos alunos éramos, poucos, talvez uns nove ou dez no máximo, os únicos nomes de que me lembro são os da Ilda, Isabel, Henrique, António e o irmão Carlos, acho que era assim que se chamava, e é só.

A escola da Palmeira ficava situada à entrada do “monte”, do lado direito, no sentido de quem chega. Era um edifício pequeno, com um hall de entrada e uma única sala. A professora, era a minha mãe, que dava as classes todas, duas coisas impensáveis hoje em dia, ser aluno da mãe, e a professora leccionar os anos todos na mesma sala ao mesmo tempo.

[Na escola da Palmeira, ano lectivo de 1977/78. O autor do texto é o do meio no primeiro plano e o Henrique o da esquerda, no segundo. Foto JV]

A recordação mais viva que tenho daquele tempo, para além do episódio que tentarei descrever mais à frente, é o de irmos brincar para o pequeno riacho que passa lá em baixo, apanhar rãs e claro, fazer-lhes as judiarias próprias de miúdos daquela idade.
O Henrique era mais velho do que eu, aliás eram todos mais velhos do que eu, mas o Henrique já andava se não me engano na quarta classe, e de vez em quando dava-me uns carolos, talvez mais do que só “de vez em quando”, e eu, que nunca fui muito de me queixar aos meus pais, virava-me para ele e dizia-lhe: “qualquer dia pagas-mas”, ao que ele muito maior do que eu, naturalmente ria-se, e aproveitava para “molhar a sopa” outra vez.

Um dia, depois de levar mais uns cascudos do Henrique, deixei-o virar-me as costas e afastar-se, não disse nada, ele seguiu o seu caminho, descendo o morro até à estrada para ir para casa, e eu fiquei cá em cima. Agarrei numa pedra, e com toda a força que tinha lancei-a na sua direcção, ainda hoje tenho pontaria, mesmo em cheio na cabeça, “já mas pagaste”, pensei eu.

O pior foi que o resultado, não foi bem aquele que eu estava à espera, e fiz-lhe um buraco de todo o tamanho na cabeça, de tal forma que a minha mãe teve de agarrar nele e levá-lo ao hospital de Alcoutim para ser visto, pois a coisa estava mesmo feia, mas antes de ir disse-me: quando voltar logo conversamos. Fiquei aflito, primeiro pelo que tinha feito, mas acho que mais com a conversa que teria de ter.
Quando voltaram, chegou inevitavelmente a hora da tal conversa…, bem, esta resumiu-se a uma sova daquelas que nunca mais esqueci, provavelmente merecida, no entanto do Henrique não me lembro de nunca mais levar carolos.

A quarta classe já não a fiz na Palmeira, pois no ano seguinte mudámo-nos para o Cadaval, e assim a minha mãe deixou também de ser a minha professora. O Henrique nunca mais o vi, mas gostaria de um dia voltar a ver, possivelmente ainda se lembrará do dia em que lhe parti a cabeça.


Pequena nota
Lembro-me bem de toda esta “estória”, excepto dos “carolos”, de que só agora tive conhecimento pois o rapaz foi sempre ensinado a não ser “queixinhas” e a resolver os seus problemas. Resolveu um, mas criou outro!
O Henrique, que nunca mais vi é, segundo me informaram agente policial e certamente também não teria esquecido este acontecimento.
Nunca foi do nosso agrado o rapaz ser aluno da mãe mas na altura era a única hipótese que considerámos viável.

JV