quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Foi na Palmeira ...





Escreve

José Miguel Nunes




Há muito que não escrevia sobre Alcoutim, apesar de pensar nisso, mas é difícil. Ao ler o artigo “A Escola ... e o que vem a reboque”, da autoria do Sr. José Temudo, recordei eu também os meus primeiros anos de escola, mais precisamente na escola da Palmeira, onde frequentei a antiga segunda e terceira classes.

Não me lembro já quantos alunos éramos, poucos, talvez uns nove ou dez no máximo, os únicos nomes de que me lembro são os da Ilda, Isabel, Henrique, António e o irmão Carlos, acho que era assim que se chamava, e é só.

A escola da Palmeira ficava situada à entrada do “monte”, do lado direito, no sentido de quem chega. Era um edifício pequeno, com um hall de entrada e uma única sala. A professora, era a minha mãe, que dava as classes todas, duas coisas impensáveis hoje em dia, ser aluno da mãe, e a professora leccionar os anos todos na mesma sala ao mesmo tempo.

[Na escola da Palmeira, ano lectivo de 1977/78. O autor do texto é o do meio no primeiro plano e o Henrique o da esquerda, no segundo. Foto JV]

A recordação mais viva que tenho daquele tempo, para além do episódio que tentarei descrever mais à frente, é o de irmos brincar para o pequeno riacho que passa lá em baixo, apanhar rãs e claro, fazer-lhes as judiarias próprias de miúdos daquela idade.
O Henrique era mais velho do que eu, aliás eram todos mais velhos do que eu, mas o Henrique já andava se não me engano na quarta classe, e de vez em quando dava-me uns carolos, talvez mais do que só “de vez em quando”, e eu, que nunca fui muito de me queixar aos meus pais, virava-me para ele e dizia-lhe: “qualquer dia pagas-mas”, ao que ele muito maior do que eu, naturalmente ria-se, e aproveitava para “molhar a sopa” outra vez.

Um dia, depois de levar mais uns cascudos do Henrique, deixei-o virar-me as costas e afastar-se, não disse nada, ele seguiu o seu caminho, descendo o morro até à estrada para ir para casa, e eu fiquei cá em cima. Agarrei numa pedra, e com toda a força que tinha lancei-a na sua direcção, ainda hoje tenho pontaria, mesmo em cheio na cabeça, “já mas pagaste”, pensei eu.

O pior foi que o resultado, não foi bem aquele que eu estava à espera, e fiz-lhe um buraco de todo o tamanho na cabeça, de tal forma que a minha mãe teve de agarrar nele e levá-lo ao hospital de Alcoutim para ser visto, pois a coisa estava mesmo feia, mas antes de ir disse-me: quando voltar logo conversamos. Fiquei aflito, primeiro pelo que tinha feito, mas acho que mais com a conversa que teria de ter.
Quando voltaram, chegou inevitavelmente a hora da tal conversa…, bem, esta resumiu-se a uma sova daquelas que nunca mais esqueci, provavelmente merecida, no entanto do Henrique não me lembro de nunca mais levar carolos.

A quarta classe já não a fiz na Palmeira, pois no ano seguinte mudámo-nos para o Cadaval, e assim a minha mãe deixou também de ser a minha professora. O Henrique nunca mais o vi, mas gostaria de um dia voltar a ver, possivelmente ainda se lembrará do dia em que lhe parti a cabeça.


Pequena nota
Lembro-me bem de toda esta “estória”, excepto dos “carolos”, de que só agora tive conhecimento pois o rapaz foi sempre ensinado a não ser “queixinhas” e a resolver os seus problemas. Resolveu um, mas criou outro!
O Henrique, que nunca mais vi é, segundo me informaram agente policial e certamente também não teria esquecido este acontecimento.
Nunca foi do nosso agrado o rapaz ser aluno da mãe mas na altura era a única hipótese que considerámos viável.

JV