sábado, 12 de dezembro de 2009

Uma caçada às raposas





Escreve
Gaspar Santos





Antigamente não se pensava nem se agia, como agora, na protecção da natureza. Hoje, muitas vezes, exagera-se nessas preocupações, outras vezes tende a descurar-se a ecologia. Há legislação, um Ministério do Ambiente e entidades oficiais e grupos para a protecção da natureza e da biodiversidade.

Há 50 ou 60 anos as raposas, os lobos e outros predadores da caça eram perseguidos e mortos até pelas entidades oficiais. Os zelosos guardas da caça colocavam no campo, estrategicamente, carne envenenada para matar estes predadores e impedir assim que eles comessem a caça. Também os populares sempre que apanhavam uma raposa andavam de monte em monte e nas sedes de freguesia a mostrá-la e, na oportunidade, recebiam dinheiro dos particulares por terem cometido a façanha de capturar um “inimigo”. Deve acrescentar-se que estes predadores quando faltava a caça vinham às capoeiras ou atacavam as ovelhas e até o homem. Às crianças contavam-se as histórias mais impressionantes e sangrentas de ataques de lobos a pessoas.


Os caçadores como parte interessada, também não perdiam o ensejo, sempre que ele surgia, de fazer o gosto ao dedo, quando deparavam com um destes animais pelo caminho. E organizavam caçadas às raposas. Não com o aparato dos ingleses, mas como uma caçada normal, quanto muito com um chumbo mais grosso e a ajuda de muitos cães.

Dois dos locais que se prestavam para isto lindamente eram os buracos duma mina abandonada situada no Serro da Mina frente à Vila.

A metodologia era simples. Colocavam-se vários caçadores de arma aperrada em torno do buraco da mina. Para espantar as raposas e colocá-las no ângulo de tiro dos caçadores, um batedor, acompanhado de vários cães, ia para dentro da mina.

Recordo uma caçada dos finais dos anos 40 ou princípios dos anos 50 do século passado. Para dentro da mina foi o António “Pandeireta”.

Havia outras minas mais labirínticas, com vários percursos possíveis, que davam a hipótese à raposa de escolher uma das saídas mas…ficava sempre ao alcance dos caçadores. Prepararam esta caçada para aquela mina em que o buraco é único, tem mais de 100 m de comprimento, cerca de 1,5 m de largura por 2 m de altura e desenvolve-se sempre ao mesmo nível. Não deixa, portanto, qualquer possibilidade de fuga ao animal, que neste dia até tinha sido visto a entrar para lá.

Assim, a raposa foi-se sorrateiramente escapando até ao fundo da mina, à frente do homem que estava munido de uma lanterna. A raposa sentindo-se “acuada” no extremo da mina, teve como alternativa inverter a marcha, e saltar por cima do perseguidor. António “Pandeireta” agarrou-a pelo pescoço. Ela estrebuchava e arranhava-o. Ele ainda pensou libertá-la, tais eram as dores que sentia nos braços. Reflectiu: se a liberto ela morre com um tiro dos caçadores e o resultado da caçada (a pele da raposa) é dividido por todos; se não a liberto a pele é só para mim.

Prevaleceu esta última solução. Pois a pele vale mais quando não está furada pelo chumbo.

A longa espera preocupou os caçadores. Eles estavam habituados a que rapidamente a raposa saísse do buraco. E começaram a surgir dúvidas sobre se teria acontecido alguma coisa ao homem. E, quando se dispunham a ir ver o que se passava, surgiu o António “Pandeireta” todo arranhado mas feliz a exibir a “fera” morta.

[Cerro da Mina, Foto de JV, 1973]

Há aspectos na evolução dos últimos anos que importa sublinhar, como sob a ecologia se humanizou (e muito bem) o tratamento dos animais. Por vezes com algum exagero na própria legislação. Leva-se longe de mais a legislação tanto na protecção da fauna como da flora.

Estou a lembrar-me de queixas de agricultores de Alcoutim e de outros pontos da serra algarvia. Dizem ser proibido limpar as estevas e as silvas nos barrancos e até debaixo de árvores para se poder apanhar os frutos. Para se roçar esse mato têm que o fazer às escondidas. Antigamente os Guarda-rios obrigavam a desmatar os barrancos para facilitar o escoamento das águas. Hoje essa protecção exagerada das espécies vegetais parece ser um convite aos fogos, à desertificação humana dos campos e ao desincentivo à agricultura.

Pelo contrário em Cinfães, onde vou com alguma frequência, qualquer proprietário de campo, que recebe um subsídio de apoio ao desenvolvimento rural em terras desfavorecidas, é obrigado pela fiscalização a cortar as silvas, os fetos e todo o mato e feno que a terra produz e além disso a semear produtos agrícolas.

O comportamento contraditório a que são obrigadas as pessoas destes dois concelhos, levou-me a procurar esclarecer o porquê disto e concluí que é por Alcoutim e os outros concelhos vizinhos constituírem a REN (Reserva Ecológica Nacional).

Pelos vistos na Serra Algarvia caminhamos para o deserto. Por causa das alterações climáticas e, pasme-se, com o apoio da legislação.



Pequena nota

Mais um interessante episódio que através da pena deste nosso colaborador podemos apreciar.
Conheci bem o Sr. António um caçador inveterado.
Em 1967/68 um homem apareceu junto da janela da repartição onde eu trabalhava e a minha colega de trabalho, olhando para uma canastra que o homem trazia, abriu o porta-moedas, tirou uma moeda de que fez entrega.
Chamou-me perguntando se eu não queria ver. Cheguei-me à janela e perante o meu espanto vejo dentro da mesma, tapada por forte rede, uns tantos raposinhos, muito vivos, de orelha bem arrebitada.
Nunca tinha visto tal coisa e o homem lá seguiu o seu trajecto. Foi então que perguntei o que é que andava fazendo e foi-me explicado aquilo que o autor aqui refere e que eu desconhecia completamente.
Ora este caçador que tinha desenvolvido a sua acção nas covas do Cerro da Mina, aqui referidas, era nem mais nem menos este Sr. António, que todos conheciam por António “Pandeireta”.
A última vez que o vi, e já não o via há uns bons anos, foi por altura de umas Festas da Vila sendo ele que me reconheceu primeiro e recordei o episódio que na altura tanto me admirou.

JV