sábado, 23 de fevereiro de 2013

A "Landainas"



  
Escreve

José Temudo



 Uma outra figura, aliás, de mulher, também de muito baixa condição social, era muito conhecida e, direi mais, até estimada na cidade. Chamava-se Maria, mas era vulgarmente conhecida por LANDAINAS, ou, mais comummente, por MARIA LANDAINAS, que era alcunha, mas desconheço o seu significado ou a razão porque lha puseram.

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A LANDAINAS não era propriamente uma pros-tituta, ou, como vulgar-mente se dizia, uma puta. Não figurava no registo policial, não estava sujeita à “exe-mina” semanal na dele-gação de Saúde, não residia naquela ruela estreita e sombria junto do Hospital da Miseri-córdia, onde as outras viviam. Para além disso, ela manteve durante a sua longa vida uma actividade honesta de que sempre viveu. Como já disse, não era propriamente uma puta, mas fazia os seus “favores”, ou, mais precisamente, ela aceitava pagamento pelos “serviços” que prestava, com os cuidados sanitários que se impunham. E mais: ela era, à sua maneira, uma educadora sexual, eficaz e confiável. Gerações sucessivas de adolescentes, foi nos seus braços robustos e nas coxas roliças da LANDAINAS que tiveram a sua primeira aventura carnal. Quando a conheci, andaria pelos seus quarenta e cinco anos de idade. Já tinha perdido, há muito, a frescura e o ar fanchonaço de melhores tempos. Era já um mulherão, grossa e feia, Mas era, ainda, uma mulher alegre, vigorosa, faladeira, simpática. Ah, e por sobre tudo isso, era uma talentosa bailarina popular. Era um espectáculo vê-la dançar nas Verbenas do Jarim Público, nas zonas menos iluminadas, com o seu par preferido, o João Fanado, bem mais novo do que ela, um tango, uma valsa, um “paso-doble”, fosse o que fosse. Para os ver dançar, juntava-se sempre à volta deles, uma pequena e divertida multidão de admiradores que não deixavam de sublinhar com palmas e olés um ou outro passo, uma ou outra volta mais arrojada os “salerosa”.

Contava-se na cidade, e julga-se que a “estória” era verdadeira, que a Maria, ainda mulher dos seus vinte e poucos anos, teria ido para Coimbra como governanta de uma “república de estudantes”, levada por um moço de Chaves. Mulher dos sete ofícios, terá estudo e servido na “república” como sopa no mel. Cozinhava, limpava, arrumava, lavava e passava a ferro, divertia e consolava os rapazes, a todos eles, sem excepção, que a Maria não era mulher para desconsiderar ninguém!

Antes de terminar, quero referir duas facetas da Maria (assim a tratávamos) que muito contribuíram para a simpatia que a cidade tinha por ela.

A Maria era foliona, mas foi sempre uma mulher de trabalho, jamais vivendo exclusivamente da prostituição. Nos últimos anos da sua vida, ela era a encarregada da limpeza da Igreja Matriz, o que significa que, nem para os moralistas mais exigentes, a Maria era considerada uma mulher perversa. Admito que a Maria se tenha zangado, uma vez por outra ao fazer o seu serviço de limpeza na Igreja Matriz, e dito o que não devia dizer naquele lugar sagrado que ela muito respeitava. Se isso aconteceu, e disseram-me que sim, presumo que os santos e os anjos, ainda que de pau e de pedra, devem ter corado de vergonha e indignação com o que ouviram saindo da boca da Maria, pois a sua linguagem, muito ao gosto popular, não era própria para ouvidos delicados!

A segunda faceta respeita ao facto da Maria ter aceitado filhas de outras prostitutas, que criou, que protegeu e educou com o mesmo zelo e carinho como se fossem filhas suas, que não teve, ou por mera sorte ou porque teve os cuidados necessários.

Não nos admiremos, pois, que muitos dos seus amigos e simpatizantes, tenham organizado uma Verbena  no Jardim Público para ajudar a Maria, então a viver a situação em que a velhice e a falta de saúde já não lhe permitiam ganhar o seu sustento.

Já depois do que ficou escrito, chegou-me ao conhecimento que o reputado pintor flaviense NADIR AFONSO lhe fez o retrato que se encontra exposto no Museu Municipal de Chaves.

É assim esta tão antiga cidade de Chaves: por vezes, rude: mas sempre generosa para aqueles de quem gosta, sejam ricos, sejam pobres!