terça-feira, 23 de novembro de 2010

Novo e interessante "desporto" para o qual muito se presta a região de Alcoutim

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE Nº 847, DE 16 DE JUNHO DE 1973)





Escreve

Luís Cunha




Muitos dos nossos avós de Alcoutim eram analfabetos, porque só existiam escolas nas sedes das freguesias. O único processo de não esquecer e perpetuar o repositório de lendas e tradições, bem como as próprias experiências, era a transmissão por via oral. Daí o grande desenvolvimento da memória e riqueza de pormenores de seus curiosos relatos.

Vamos reavivar um deles, interessante narrativa que nos é sugerida pela notícia de um novo desporto em voga nos Estados Unidos e que com ela tem alguns pontos de relação. Por meio de pequeno detector portátil, os americanos entretêm-se a buscar tesouros ocultos; a prática é de sempre mas a novidade e fazerem dela um desporto.

Vejamos o que a velhice de Alcoutim tem a dizer-nos, relacionado com isto: O Remechido deambulou cerca de 10 anos pelas serras do Algarve que martirizou de uma ponta a outra. Quando em 1838 foi preso pelas forças fiéis a D. Maria II, a maior parte dos que o acompanhavam não o fazia por motivos políticos; eram camponeses de vários bandos de salteadores que de há muito infestavam as serras, desde Monchique às margens do Guadiana, e se lhe haviam agregado.

Aos políticos foram perdoados os delitos, pelo que regressaram às suas terras, mas os outros, com crimes e pilhagens imperdoáveis às costas, viram-se em sérios apuros porque a batida em forma lhes não deixava em toda a serra buraco ou esconderijo seguro. Um dos seus últimos e até aí invioláveis redutos, era a região quase inacessível de Vaqueiros a Odeleite, onde se acoitaram, por fim; mas nem aí acharam a desejada segurança, porque algumas designações locais a eles referidas despertaram a atenção dos batedores.

[O monte do Tesouro. Foto JV, 2009]

Acossados nessa guerra sem quartel e na ânsia de libertar-se de estorvos e compromissos, os vários bandos do grupo, que se espiavam mutuamente, trataram de esconder nos lugares ínvios da serrania onde o ferro do arado não meteu dente até hoje, o fruto das pilhagens de muitos anos, Com a pressa, esqueceram ou menosprezaram o montanheiro que de perto se espreitava e, lesto, se apossou de quanto viu esconder.

Muitos foram mortos e outros presos, pelo que, diz-se, há ainda tesouros por encontrar. São em grande parte conhecidas as rixas e desavenças a que deram lugar as partilhas entre os que dos primeiros se apossaram. Houve famílias que carregando com tudo o que o monte lhe propunha dividir, desapareceram sem deixar rasto. Outras vezes criaram-se desentendimentos de tal ordem que ainda se mantêm.

A um amigo, digno de todo o crédito, ouvimos há pouco que assistira em garoto a uma dessas partilhas de libras que se mediam aos sacos e, por entre muitas outras peripécias, os velhos apontavam o caso de um saco cheio, desenterrado à noite por um grupo e guardado na casa de um deles, ter sido encontrado na manhã seguinte com metade das libras e a outra metamorfoseada em pedras.

Mais recentemente, o ferro da charrua esbarra de quando em vez com cestos e panelas de barro velho cujo conteúdo os achadores não publicam. Curiosamente, um dos montes do concelho ostenta o nome de Tesouro, desconhecendo-se se o que lhe deu tal nome foi ou não algum achado.

[Alcoutim, porto acostável. Foto JV, 2010]

Mencionámos outras vezes como o Guadiana e suas margens se propõem complementar o turismo balnear fornecendo-lhe elementos em falta: a panorâmica contrastante e sempre vária do rio, desportos náuticos praticáveis todo o ano, pesca desportiva do barbo e outros, em represas a construir para isso, pousadas de descanso ou recuperação em locais apropriados e caça das espécies para o turismo de Inverno. Onde tudo o mais falta. Isto seria uma achega, talvez insuficiente para contentar por muito tempo o espírito aventureiro dos moços de hoje, os “mangas de camisa” que, estuantes de vida e ávidos de correr seus riscos, enjeitam todo o paternalismo e caminhos traçados, preferindo meter pelas veredas e atalhos do desconhecido. Há, por isso, que dar-lhes outras oportunidades, e era oferecendo a essa juventude irrequieta o aliciante do novo0 “desporto” que Alcoutim ajudaria a rebater a enervante arguição de que o Sotavento algarvio, além da amenidade climática e benignidade dos espaçosos areais, nada mais tem para dar ao turista.

Comum aos dois sexos – escusado é dizê-lo – o referido “desporto” abre-se ao cultivo das energias físicas e virtudes da alma, como um ilimitado campo de experiências.

Do alto das serranias, olhai a vastidão da Natureza, virgem de poluição. E enquanto o fizerdes, achareis outro, o maior dos tesouros: a cura repousante do espírito pela distracção de preocupações activas e das agruras do dia a dia.