domingo, 18 de dezembro de 2011

Vicissitudes nas ligações fronteiriças Alcoutim / Sanlúcar

(PUBLICADO NO JORNAL DO BAIXO GUADIANA nº 88, DE AGOSTO DE 2007)

[Barca de passagem. Desenho de JV, 1993]

A ligação entre os povos é indispensável às suas vivências e ao seu progresso, mas situações políticas e de saúde, por exemplo, dão origem à rotura da ligação, motivando o encerramento temporário ou definitivo da fronteira.

Temos algumas indicações dessa situação que vêm do último quartel do século XIX.
Por comunicação de 3 de Julho de 1875, a autoridade sanitária de Sanlúcar informa que “aquela povoação vai fechar os portos com esta vila” cerca das doze horas do dia seguinte.

Felizmente, escreve o Administrador do concelho de Alcoutim, pelas seis da tarde do dia 5 já a fronteira estava aberta. (1)

Tratava-se certamente de um caso de peste, pretendendo assim evitar o contágio.

Em 1884 o Administrador do Concelho oficia ao Alcaide Constitucional de S. Lucar do Guadiana informando que desde a altura em que receba esta comunicação, ficam cortadas as comunicações e encerrados os portos dessa com esta nação no que toca aos limites deste concelho.

Apresenta como razão, o achar-se declarado sujo de cólera desde o dia 20 do corrente o porto de Huelva e suspeitos os demais portos desde Cádiz a Ayamonte, acrescentando que está cumprindo ordens superiores. (2)

O cordão sanitário que se organizou na margem do Guadiana e em relação ao território alcoutenejo foi levantado em 1 de Agosto seguinte. (3)
A fronteira veio a ser reaberta em 21 de Janeiro de 1885. (4)
Poucos meses depois, mais precisamente em 15 de Junho, o Administrador do Concelho informa o Alcaide de S. Lucar que ao pôr do sol desse dia ficam interrompidas as comunicações entre as duas povoações e isto para cumprimento de ordens superiores, como não podia deixar de ser. (5) Não apanhámos na documentação consultada a sua reabertura.

Passaram-se cerca de cinco anos para se verificar outro encerramento da fronteira, o que aconteceu em 1890 devido a ter-se desenvolvido em Espanha as epidemias de cólera e febre-amarela. Encerraram os portos às seis da tarde do dia 22 de Junho. (6) Entretanto a situação normalizou-se.

Em 1893, devido ao convénio assinado entre os dois países fica livre a ligação entre as duas povoações, deixando por isso de haver a barca de passagem que vem pelo menos do tempo do foral manuelino a Alcoutim, de 20 de Março de 1520, com capítulo próprio intitulado “BARQUA” que estipulava preços e condições.

O Administrador do Concelho responde ao Governador Civil nos seguintes termos:

Sobre o 1º e 2º ponto constante da mesma circular, tendo em vista as disposições contidas nos tratados e convénios ali citados, cumpre-me informar a V. Eª que não encontro conveniente ficar inteiramente livre a navegação do Rio Guadiana e sim para comodidade dos povos de Portugal e Hespanha, a sustentação de barcos de passagem, sendo este serviço explorado por municípios e ayuntamientos e no caso de abolição dos referidos barcos, sou de parecer que as Câmaras devem ser indemnizadas por quem de direito dever.
Relativamente ao 3º ponto declaro que continuando a existência dos barcos actuais, convém estipular que o rendimento público o haja em este e outro reino.


A verdade é que a barca de passagem para Sanlúcar, nos termos em que existia foi extinta, tendo sido o último arrematante da mesma, José Domingos Rodrigues no período de 1893/94, o que fez por 15$020 réis. (7)

O Administrador do concelho, em 1893 oficia ao Governador Civil nos seguintes remos: …parecendo-ne haver qualquer disposição na Lei que autoriza o nosso facultativo a exercer a sua clínica em Espanha, venho consultar V.Exª sobre o ofício que acabo de receber do Alcaide de S. Lucar do Guadiana e no caso afirmativo, rogo se digne esclarecer-me sobre o assunto para poder responder àquela autoridade.

Não encontrámos o ofício oriundo de Espanha nem a resposta do Governador Civil mas sempre ouvi dizer na pequena vila raiana que o médico e o padre de qualquer dos lados estavam autorizados a deslocar-se ao país vizinho.
Nunca ninguém me mostrou ou indicou a disposição legal. Penso que o hábito e a tradição teriam acabado por fazer lei. (8)

NOTAS
(1) Of, nº 30 de 6 de Julho de 1875, do Administrador do Concelho.
(2) Of. Nº 131 de 26 de Julho de 1884 do Administrador do Concelho ao Alcaide Constitucional de S. Lucar do Guadiana.
(3) Of. Nº 137 de 2 de Agosto de 1884 do Administrador do Concelho ao Chefe da Delegação de Faro.
(4) Of. Nº 14 de 21 de Janeiro de 1885, do Administrador do Concelho ao Alcaide Constitucional de S. Lucar.
(5) Of. Nº 54 daquela data.
(6) Of. Nº 126 de 22 de Junho de 1890 do Administrador do Concelho ao Alcaide Constitucional
(7) “Coisas Alcoutenejas – A Barca de Passagem”, José Varzeano, in Jornal do Algarve – Magazine, de 27 de Janeiro de 1994.
(8) Saúde e Assistência em Alcoutim no séc.XIX, José Varzeano, Edição da C.M.Alcoutim, 1993.