sábado, 12 de julho de 2008

A PALMEIRA

(Os seus filhos para descansar, arrancavam pedras!)

À memória de
Hilário Ventura


Começamos a abordar a temática deste monte, talvez por onde havíamos de terminar! Já assim o fizemos uma vez. (1)

Como havíamos de arranjar um título, e um título deve ser o mais significativo possível, escolhemos este.

Já lá vão umas dezenas de anos que o ouvimos pronunciar à boca fechada: “Os da Palmeira, para descansar, arrancam pedras!”

Eu penso que os palmeirenses se devem orgulhar deste dito popular, visto os classificar como pessoas excepcionalmente trabalhadoras. Há ditos, noutras terras, que os seus naturais não os gostam de ouvir, visto serem mais ou menos ofensivos e aos quais se prende sempre uma história real, deturpada ou fictícia.

Iremos agora como é nosso hábito indispensável, localizar a pequena povoação.

Quem percorrer a estrada nacional nº 122, no sentido norte-sul, depois de passar pelo Balurco de Baixo, encontrará, já próximo das conhecidas curvas da Ribeira da Foupana, um entroncamento, à direita, cuja placa toponímica nos indica que, seguindo por ali, iremos encontrar a povoação da Palmeira a 3 km.

A construção desta estrada de longo curso, teve lugar em meados do século passado e o seu traçado levantou várias questões localmente, chegando eu a ouvir, muitos anos depois e a nível de segredo, as razões porque a estrada não tinha passado por aqui ou por ali, conforme interessava aos homens do poder local. A estrada levava ladrões, a estrada partia e devassava as propriedades, ouvia-se dizer!

Isto foi assim em qualquer parte do País e se num ou noutro caso foi um facto, na maioria não teriam passado de suposições, transformadas em boatos.

O monte da Palmeira também passou por estas falácias.

Mas não foi sobre a E.N. 122 que nos propusemos escrever, mas agora que o IC 27 lhe irá roubar parte do seu tráfego, pode acontecer que venhamos a abordar, um dia, tal temática. (2)

Esta pequena estrada municipal, estreita e com declives pronunciados recebeu o nº 1059 e foi construída nos anos setenta, antes de 25 de Abril de 1974, e serve exclusivamente esta povoação. Foi recentemente repavimentada se tomarmos em consideração o que se informa em Alcoutim – Revista municipal. (3)

A Palmeira é composta por três pequenos agregados populacionais. O primeiro que encontramos é conhecido por Palheto ou Palma, o Barranco e o Cerro.

Sugere-nos que tivesse sido este o núcleo embrionário da povoação já que Palma é sinónimo de Palmeira, o topónimo que acabou por prevalecer, possivelmente por ser o mais antigo, já que os restantes, Barranco e Cerro têm a ver com o local da sua instalação.

As subdesignações que indicamos serão só conhecidas, quando muito, pelos locais, o que acontece igualmente com outros montes, como por exemplo as Cortes Pereiras. O caso de Balurcos já é diferente, as subdesignações, devido à distância que os separa, impõem-se com mais facilidade.

O topónimo é naturalmente de origem vegetal, devido a qualquer particularidade da espécie botânica, da família das palmáceas, que provocou o nome: o porte, a idade, a produção, o defeito, a escassez, etc. É esse o facto que desconhecemos.

Vou dar um exemplo, entre outros que conheço, de como nasce um topónimo de origem vegetal.

Entre as Cortes Pereiras e a vila de Alcoutim há um local que todos identificam como o sítio da alfarrobeira. Quem conhece a zona não tem qualquer dificuldade em identificar o local. Dizem-me os idosos com quem tenho falado que desde sempre conhecem naquele lugar uma única alfarrobeira que terá mais de um século – Se quando eu era moça pequena já ela era daquele tamanho, veja lá que idade não pode ter? Observavam-me

Nas suas redondezas não existe qualquer outra árvore.

Há poucos anos um incêndio no mato que a envolve, consumiu-a mas nem por isso o local deixou de ser conhecido por essa designação.

A velha raiz resistiu ao calor, já rebentou e vai por ali acima!

Se por qualquer motivo nas suas proximidades se viesse a construir, formando um aglomerado populacional, não era necessário arranjar-lhe nome. Aqui sabemos as razões, na Palmeira, as razões não chegaram aos nossos dias, perderam-se no decorrer dos anos.

Existem em Portugal treze povoações com este nome. (4)

Palmeira também é antropónimo, mas não o conheço no concelho de Alcoutim enquanto Palma, sendo-o também, é extremamente vulgar em todo o concelho, incluindo a própria Palmeira.

Os terrenos circunvizinhos constituíram, na sua maior parte, a herdade da Palmeira. Deve ter pertencido ao alcaide-mor de Alcoutim, João Freire de Andrade, aposentador-mor de D. Afonso V, cuja filha e herdeira, D. Maria Freire de Andrade, veio a ser 1ª Condessa de Alcoutim (1496) ao ter casado com D. Fernando de Meneses.

Estes bens vieram a ser confiscados ao 6º e último Conde de Alcoutim, D. Luís de Noronha e Meneses que foi decapitado no Rossio, em Lisboa, a 29 de Agosto de 1641, por ter entrado na conjura contra D. João IV e constituíram com outros de proveniência semelhante, a Casa do Infantado, criada a favor dos segundos filhos do rei.

Extinta esta Casa em 1834 pelo Liberalismo, os bens foram integrados na Fazenda Nacional e adquiridos pela burguesia local.

Neste caso, a herdade pagava um foro anual de seis alqueires de trigo que veio a ser remido em 1859 por José Mestre, das Soudes. (5)

Parece-me que teria sido esta herdade, e existem mais casos, que teria dado origem à pequena povoação.

A chegada da energia eléctrica dá-se em fins da década de setenta em data que não podemos precisar.

Para a fixação do homem, a existência de água é um factor fundamental.

Afirma-se que a fonte do Barranco foi fundada em 1874 e reedificada em 1920. (6) A nossa investigação, indica-nos que em 1887 os moradores da Palmeira requerem à Câmara Municipal que lhe fosse concedido um subsídio no montante de treze mil e quinhentos réis para procederem à reconstrução do poço público do monte, acabando por só lhe serem concedidos nove mil réis. (7)

Em 1989 o monte tinha distribuição de água por cinco fontanários, um furo artesiano e um poço público e quatro furos privados.

Em 2001 colocam-se mais fontanários (8) para dois anos depois serem eliminados devido ao fornecimento de água ao domicílio (9) esperando-se agora que seja feita a competente rede de esgotos.

Os arruamentos do monte foram pavimentados em 1993. (10)

A Palmeira é dada como tendo dezanove fogos em 1839, ao nível dos que tinham o S. Martinho (20), Laranjeiras (20), Guerreiros do Rio (22), Álamo (21) e Torneiro (17). (11)

Situa-se próximo da ribeira da Foupana, sendo por isso no limite do concelho, tendo como montes mais próximos os Balurcos, a que recorriam para o comércio e as crianças à escola, e as Cortes, Velha e Nova (antigas Cortes de S. Tomé), sendo vulgares os cruzamentos sanguíneos.

Em 1976 tinha oitenta e oito habitantes e no Censo de 1991 apresenta ainda quarenta, em vinte e oito edifícios. Em fins de 2004 devem rondar a dezena.

A pastorícia e a cerealicultura foram actividades fundamentais e temos conhecimento que a partir de 1771 os maiores manifestantes de gados eram Miguel Pereira e Manuel Vaz Colaço, que arrolavam gado bovino, caprino e ovino. (12)

Nos meados do século passado os palmeirenses começaram a arborização dos seus terrenos, principalmente com a plantação de amendoais e alfarrobais já que a oliveira por enxertia dos zambujeiros, é muitíssimo mais antiga.

Recentemente, Verão de 2004, um violento incêndio flagelou toda a zona, consumindo todo o arvoredo e mato, chegando mesmo a pôr em perigo a diminuta população.

O Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de então (1932) propõe, que tendo sido aprovado pelo Governo da Ditadura Nacional, um decreto sobre o estabelecimento de postos (escolares) de ensino e sendo este concelho um dos de maior analfabetismo, que se requeresse ao Ministro da Instrução, a imediata criação de dez postos distribuídos por todo o concelho, devendo um deles situar-se neste monte. (13)
O pedido formulado não devia ter produzido os resultados desejados, já que idêntico é feito para este monte em 1935. (14)

O edifício escolar de uma só sala, veio a ser construído na década de setenta do século passado no monte Palma, em posição elevada e numa altura em que a desertificação já era um facto irreversível. Funcionou cerca de uma dezena de anos, se a memória não me falha

Em 1998 a Câmara Municipal manda-a pintar e electrificar, (10) desconhecendo eu a sua actual utilização.

Recuando mais no tempo, é-nos possível dizer que em sessão de Câmara realizada na Capela de Nª Sª da Conceição e que para o efeito foram convidados os principais cidadãos da freguesia, a Palmeira fez-se representar por Manuel Dias. Foi nesta reunião deliberado por unanimidade construir um cemitério na vila (o actual), obras que se iniciaram em 1844. (15)

A quando dos trabalhos de construção da primeira estrada do concelho que ligava a vila à aldeia de Pereiro, ocorreu pelas seis horas da manhã do dia 11 de Julho de 1878, próximo da eira do Garrocho, um desabamento de terras que soterrou nove trabalhadores, dos quais quatro foram retirados já sem vida, três mutilados e dois contusos.

Um dos feridos, era José Pereira, desta povoação que esteve internado no hospital de Mértola desde 14 até 23 do referido mês. (16)

Outro facto de curiosidade histórica é a circunstância do morador, Silvestre Madeira, de 1869 a 1878, ano em que foi abolida tal função, ter sido o rendeiro do ver (verde) do limite de cima, tendo sido a renda da última arrematação, de 143$500 réis. Esta função tinha a ver com a aplicação de coimas motivadas pelos estragos cometidos pelo gado e aplicadas em função das posturas municipais, sendo absolutamente proibido aos arrematantes contratar-se ou avençar-se com os senhorios dos gados ou deles receberem bolos. (17)

Acontecimento que apanhei na tradição oral e da boca de um descendente de palmeirenses, foi a circunstância da pneumónica ter ali causado muitas vítimas, fechando mesmo algumas casas.
Informações prestadas por tecedeiras a entrevistas orientadas pela professora e conduzidas por uma aluna da 4ª classe de então (1977) confirmavam a existência de teares de tipo artesanal e que ainda funcionavam esporadicamente. (18)

Ao longo dos anos, não me consta ter havido aqui qualquer estabelecimento comercial.

NOTAS:

(1)Alcoutim – Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma monografia) – 1985
(2)Já publicamos na imprensa regional, Jornal do Algarve (Magazine) de 1994.07.28 em “Coisas Alcoutenejas, A Estrada Real Alcoutim-Pereiro”.
(3)Nº 8 de Setembro de 2001.
(4)Novo Dicionário Corográfico de Portugal, e de A.C. Amaral Frazão, Editorial Domingos Barreira / Porto, 1981
(5)Livro de Registo de Rendas dos Prédios e Juros de Capitais pertencentes à Fazenda Nacional no concelho de Alcoutim, termo de abertura de 13.03.1867.
(6)Alcoutim – Revista Municipal nº 6, Janeiro de 1999, pág. 11
(7)Acta da Sessão da C.M.ª de 29 de Agosto.
(8)Alcoutim – Revista Municipal nº 8 – Setembro de 2001 – pág. 14
(9)Alcoutim – Revista Municipal, nº 10 de Dezembro de 2003.
(10)Boletim Municipal, nº 12 de Abril de 1993.
(11)Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do reino do Algarve, João Baptista da Silva Lopes, 1841.
(12)Manifeztoz Arolam tozda Camera doz Gadoz , 1771 (?)
(13)Acta da Sessão da C.M.A. de 7 de Janeiro.
(14)Acta da Sessão da C.M.A de 29 de Fevereiro.
(15)Acta da Sessão da C.M.A. de 22.de Dezembro de.1843.
(16)Livro de Registo de Correspondência Expedida, ofício de 11 de Julho de 1878 do Administrador do Concelho ao Governador Civil.
(17)Da Arrematação de 27 de Junho de 1874.
(18)Professora Isabel Nunes, cujo um dos seus costado passa por este monte; aluna Ilda, actualmente responsável pela venda de artesanato no Castelo de Alcoutim.