quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Os arelhos


(Publicado no Correio do Ribatejo, Santarém, de 8 de Junho de 2007, pág. 10)

Foi entretanto enviado para o Jornal do Baixo Guadiana com a nota que se segue. Como não veio a ser publicado por razões que desconheço, faço-o agora aqui.

Nota do Autor:
No jornal “Correio do Ribatejo”onde modestamente colaboro, no seu número de 8 de Junho último e englobado na minha rubrica TEMAS VARZEENSES, publiquei um escrito (LIX) a que dei o título, OS ARELHOS.
Atendendo a que me refiro aos arelhos da Várzea e que na serra do Caldeirão, nomeadamente no concelho de Alcoutim, são conhecidos e designados por alhos-areios, circunstância que igualmente abordo, pensei que não seria descabido a sua publicação neste jornal.
Se os leitores do Correio do Ribatejo que desconheciam os alhos-areios, os deste jornal que igualmente possam desconhecer, ficaram a saber o que são os arelhos.


Há quase um ano que não escrevo sobre a freguesia da Várzea devido a vários factores que vão desde a falta de tempo até à lembrança de um assunto que me desperte a atenção e possa construir com aquilo que a memória foi acumulando no decorrer dos anos e uma análise simplista que nos reporte aos dias de hoje.

Do norte a sul do País o homem em períodos de crise, motivados por intempéries e situações políticas complicadas, recorreu muitas vezes às plantas espontâneas para uso alimentar o que acabou, nalguns casos, por dar origem a hábitos e usos gastronómicos que se foram transmitindo no decorrer dos anos, mesmo àqueles a que a vida corria melhor.

Celgas, labaças, cagarrinhas (cardos de folha larga que depois de esfolados se aproveita a nervura central), beldroegas, espargos, túberas, míscaros e outras espécies de cogumelos, serralhas, leitugas, agriões e arelhos, são algumas das espécies utilizadas, cozidas, fritas, guisadas ou cruas, mais propriamente em saladas.

Além disso não podemos esquecer o tempero aromático dos orégãos, da hortelã da ribeira, da erva das azeitonas, do funcho, do alecrim, do poejo e da carqueja, entre muitas outras.

Tenho verificado que a mesma planta tem utilizações diferentes, conforme a região. Enquanto na Várzea só conheço o uso das beldroegas (vulgo valdoregas) em salada, na Serra algarvia utilizam-na na sopa e nos “jantares” que constituem uma espécie de cozido. Por outro lado, as celgas que os varzeenses utilizam em sopas de feijão, naquela zona do sul do país comem-se cozidas.

Vem isto a propósito de há cerca de dois meses ter recebido telefonicamente um convite nos seguintes termos:- Então não quer vir amanhã comer uns arelhos com bacalhau, feitos por um conterrâneo para um grupo de amigos, igualmente varzeenses? Só não são comidos na Várzea, mas numa zona bem próxima.O convite era tentador, primeiro porque ia saborear um prato que muito aprecio e que já não comia à volta de quarenta anos, segundo porque ia ter a oportunidade de conhecer alguns conterrâneos, que me conheciam de nome, através deste jornal, convivendo com outros já conhecidos, trocando impressões sobre a nossa terra e procurando enriquecer os nossos conhecimentos, já que a oralidade é sempre uma via importante de transmissão.

Além dos arelhos guisados com bacalhau e batatas, sou apreciador de sopa de feijão (ou feijoca) com celgas e todos os anos mato o gosto, porque me é fácil apanhá-las, e sei confeccionar a sopa. Neste caso, não substituo as celgas pelas melhores couves do Mundo! Para a sua adequada confecção, é necessário conhecer algumas passagens que nem todos praticam ou conhecem.

Com os arelhos, não acontece o mesmo. Nunca apanhei tal coisa, ainda que saiba, porque o meu pai mo dizia, criavam-se bem nas vinhas, local onde os procurava.
Nos dicionários que consultei, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Francisco Torrinha, 1946, Lello Universal – Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro, Porto, 1975, Dicionário da Língua Portuguesa, por Almeida Costa e Sampaio e Melo “Editora”, 5ª Edição, 1977 e por último o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa – Verbo, 2001, não encontrei o substantivo arelho mas sim alhos-porros e alhos da vinha (espontâneos nas vinhas), entre outros. Estas duas designações presumo que sejam sinónimas de arelhos.

Existe o topónimo Foz do Arelho que José Pedro Machado pretende significar areia (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Horizonte /Confluência, 1993) e a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol 3, pág 172 refere o mesmo topónimo existente no concelho de Caldas da Rainha e de uma ribeira que nasce na Serra de Montejunto que se junta à de Arnoia, próximo da lagoa de Óbidos.

Vim a encontrar os mesmos alhos espontâneos na Serra Algarvia, igualmente utilizados na alimentação, mas aqui com um desenvolvimento muito inferior devido às terras serem mais delgadas e conhecidos por alhos-areios, designação que igualmente não encontrei nos dicionários que já referi



Enquanto na Várzea e zonas circunvizinhas só se aproveita a “cabeça”, na Serra Algarvia aproveitam igualmente a rama (folha) e cozinham-nos de uma maneira totalmente diferente da do Ribatejo, com sopa de pão e fatias de toucinho. Constituem igualmente um bom petisco!

Até hoje nunca encontrei o bacalhau guisado com arelhos em qualquer restaurante que diz servir pratos regionais o que sempre me admirou, pensando eu que seria um prato típico da região completamente perdido.

Pelo que me foi dado ver, meia dúzia de conterrâneos fazem gala de manter a tradição gastronómica dos “arelhos” confeccionando-os com prazer e mestria, mantendo a sua originalidade.

Não compliquem com adicionamentos que possam desvirtuar ou lhe tirar a pureza. É só necessário manter o tradicional, o que por vezes não é fácil.
Procurem transmitir aos vossos descendentes as tradições gastronómicas.
Agradecido pelo convite.

Satisfizemos o estômago e a mente.

Muitos anos de vida para a “Confraria dos Arelhos”.