quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Como era o Entrudo nas Cortes Pereiras há 75 anos


Para
Maria Antónia.

Como já tivemos ocasião de escrever em várias ocasiões, o Entrudo ou Carnaval foi a época festiva por excelência de toda a Serra Algarvia.

Ninguém trabalhava e quem semeasse nessa altura já sabia que não colhia nada pois era comida para os ratos que dela davam conta, era a afirmação dos velhos sabedores destas coisas e que se impunha.

Pela manhã comia-se uma fritada proveniente do porco morto em Dezembro e como era tradicional feita em manteiga, como aqui ainda se chama à banha.

Por volta das duas horas, comia-se o galo, que se tinha guardado com esse fim, de cabidela ou guisado com batatas.


Quem não tinha o galo de Entrudo, matava uma galinha de que faziam canja e cerejavam (1) a carne, isto é, depois de cozida e partida, passavam-na por uma frigideira com banha ou azeite, tostando-a.

Para a noite estava destinado o grão cozido com pé de porco, na panela de barro e em lume brando. Havia que ter o cuidado de pôr uma pedra a ela encostada para evitar que tombasse e a comida se entornasse. Conta-nos a nossa informadora que, segundo a avó dizia, uma panela sem pedra, é uma panela de merda!
Outros optavam pela couve cozida no mesmo recipiente com chouriça e toucinho.

As filhós de canudo, passadas por mel, já estavam feitas e constituíam o doce apetecido.

A solidariedade neste período de festa era igualmente uma tradição manifestada na ajuda a quem não tinha. Levavam-se aos mais necessitados uma chouricinha e um bocado de toucinho e o pouco de cada um junto a outros, proporcionava igualmente nesses dias uma mesa melhor.

A nível de folguedo, mascaravam-se em grupos que percorriam as casas do monte e onde pretendiam não ser conhecidos, o que algumas vezes acontecia, pois os visitados diziam que o farranchão (2) era um e afinal era outro.

Para se mascararem procuravam muitas vezes roupas antigas que estavam guardadas nas velhas arcas de castanho e que só nesses dias saíam.

O baile de Entrudo, há sessenta ou setenta anos, tinha lugar na Eirinha, o sítio mais adequado e até porque, quando chegava à noite e o frio apertava, passava-se ao salão do comerciante que ficava em frente, José Martins.



Começando por serem bailes de roda ao som dos cantares que passaram de geração em geração, introduziram-lhe primeiro a gaitinha de beiços e depois o fole ou concertina, passando depois aos pares “agarrados”

Cantava-se e dançava-se, pulando toda a noite!

Enquanto os moços dos montes vizinhos deixavam por vezes a folia local e enquadravam-se nesta, as moças não arredavam pé dos seus montes, organizando os bailaricos e tentando cativar os jovens de fora.

Na Quarta-Feira de Cinzas, era o enterro do Entrudo, com o defunto no esquife e o chorar lamuriento com grande alarido, como convinha, de farranchões e farranchonas.

Depois, até para o ano, eram os votos formulados.

Seguia-se o merecido descanso, dormia-se até se recuperarem as forças, pois o trabalho que tinha ficado por fazer, urgia.

O Monte do Vascão, ainda que pequeno, tinha um bom grupo de moças que se organizavam bem, disputando os moços das redondezas.


NOTAS

(1) Vide Dicionário do Falar Algarvio, Eduardo Brazão Gonçalves, Algarve em Foco, Editora, 1996, p. 66.
(2) – Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio, Subsídios para uma monografia, António Miguel Ascensão Nunes (José Varzeano), 1985, p. 277.