sábado, 11 de outubro de 2008

Lembrando os verdes anos

Escreve:

José Miguel Nunes

Tendo sido eu possivelmente um dos principais responsáveis pela entrada do meu pai neste mundo das novas tecnologias, ou se preferirem, das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), primeiro no uso do computador como ferramenta indispensável para os seus escritos, e agora mais recentemente com a ligação ao mundo, através da Internet, não poderia deixar também de participar nesta nova aventura que é o seu blog.
Outra das razões, e esta muito mais sentimental, é bastante simples de explicar: atender a um seu pedido, já lá vão os tempos em que quase fazia questão de não o fazer, hoje faço todos os possíveis para corresponder o melhor possível àquilo que me pede, será possivelmente o peso dos anos a fazerem alguma diferença.

Tenho então de escrever qualquer coisa que se relacione com Alcoutim. Não é tarefa fácil, pois apesar de falar quase diariamente sobre Alcoutim, há cerca de uma década que lá não vou. Corro ainda o risco de escrever uma série de coisas que pouco ou nada interessarão a quem eventualmente as vier a ler, mas como em tudo aquilo que escrevo, o importante é que o faça com prazer, e este texto, acreditem, é sem duvida um dos que mais prazer me está a dar, pois será publicado no blog do meu pai.


Há poucos dias recebi uma visita inesperada: A Belinha e o Carlos tinham vindo a Peniche propositadamente para conhecerem a minha filha, que já tem quase dois anos e meio. Estava no meu local de trabalho quando recebi um telefonema do meu pai a dizer que eles lá estavam em casa. Claro que consegui um tempinho para os ir cumprimentar. Ao chegar, e depois dos cumprimentos do costume, tive oportunidade de reparar nos olhos ligeiramente aguados da Belinha, reacção própria de alguém que estava emocionada por rever um amigo há tantos anos ‘desaparecido’.

Fui criado com a Belinha, fui o seu bebé, fui o seu brinquedo, fui se calhar também o seu irmãozinho mais novo. Fui criado pela avó da Belinha.

Nessa noite, quando me fui deitar, o meu pensamento estava nostalgicamente ocupado por Alcoutim. Recordei o dia em que tive de me vir embora da única terra que conhecia, da minha terra, para vir morar a mais de 300 km de distância. Tinha oito anos, chorei, chorei muito, não me queria vir embora de Alcoutim.

A visita da Belinha fez-me recordar uma pessoa de que gosto como se fosse família, e que nunca irei esquecer, a “Ti” Angelina. Sempre ouvi o meu pai dizer que quando era bebé, se a “Ti” Angelina estivesse por perto, era para ela que eu queria ir e para mais ninguém.

A visita da Belinha fez-me recordar o Zezinho, não o Zezinho em si, pois era muito miúdo quando ele faleceu, mas a sua fotografia, sempre presente na parede da sala da casa da “Ti” Angelina, a primeira casa que eu visitava quando chegava de férias a Alcoutim, e a última quando tinha de me vir embora. A despedida terminava invariavelmente com a frase: “para o ano já cá não estou para te ver”, até que um ano foi mesmo o último. Tenho pena de a “Ti” Angelina não ter conhecido a minha filha, seria mais uma bisneta, pois para mim a “Ti” Angelina era uma avó, e eu possivelmente para ela seria também mais um neto.

A visita da Belinha fez-me lembrar do Jorge e do Luís Canelas, que moravam ao pé da casa dos meus avós, e eram os meus companheiros de brincadeira. Fez-me lembrar do Mica (Amílcar), que morando cá mais para baixo, não deixava também de se juntar a nós nas descidas de carrinho pela rua da barbearia abaixo, e que não raras as vezes provocaram uns valentes arranhões quando se perdia o controlo da máquina. Recordei o Zé António, que no seu jeito muito particular sempre foi muito meu amigo, aliás, ainda hoje não há dia em que o meu pai se desloque a Alcoutim que ele não pergunte por mim, e repita sempre: “então esse ‘gajo’ nunca mais cá vem, já se esqueceu disto?”.

A visita da Belinha fez-me lembrar do Sr. João Ricardo da barbearia, onde eu ia ter com o meu avô para o ver jogar às cartas, fez-me lembrar do Sr. Reganha e do Sr. Felício, Guardas-republicanos, que se metiam sempre comigo quando ia ter com o meu pai à tesouraria.

A visita da Belinha fez-me recordar muito mais coisas sobre Alcoutim, mas acima de tudo fez despertar em mim o sentimento de ser Alcoutenejo, não de nascença, mas de coração, de ser aí que tenho as minhas raízes, de ser aí que a minha filha tem as suas raízes, de como o meu pai uma vez escreveu ao me dedicar o seu primeiro livro: “… onde pulula o sangue alcoutenejo”.

Frequentemente digo e escrevo, que sou penicheiro do coração, pois é em Peniche que vivo quase há três décadas, foi onde cresci e me tornei homem, mas Alcoutim também está no meu coração, talvez tenha sido por isso que fiz questão, que na minha capa de estudante figurasse o emblema de Alcoutim, juntamente com os de Peniche e de Loulé, terra onde por acaso nasci.

Obrigado pela visita.