quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Dr. José Cunha - 40 anos ao serviço dos alcoutenejos



(Publicado no Jornal do Baixo Guadiana nº 100, de Agosto de 2008, Pág. 23)
O Partido Médico de Alcoutim é criado por D. João VI, pedido formulado pela Câmara da Vila de Alcoutim pois para os seus problemas de saúde mandavam buscar auxílios à distância de quatro e mais léguas e às vezes os pobres pereciam ao desamparo.

O despacho do Desembargo do Paço é de 15 de Abril de 1818 e a Provisão foi registada na Câmara de Alcoutim em 15 de Junho do ano seguinte. A quantia destinada para o efeito foi de cento e cinquenta mil réis.

Na mesma altura e como complementaridade é criado um Partido de Boticário com direito a trinta mil réis.

A vila de Mértola já possuía PARTIDO pelo menos desde 1807, por isso uns bons anos antes. (1)

Até 1836 não temos conhecimento da existência de médico, estando o lugar vago, recorreu a Câmara a um ajuste com o médico espanhol, Dr. Jacinto Chapella, por cem mil réis, para que dê assistência às populações.

Em 1842 é o francês, Dr. Pedro Faure (2) que assume com a Câmara um contrato anual de cem mil réis, servindo a população, tendo mais tarde recusado naturalizar-se. Durante este período, dois médicos portugueses, o Dr. Abel da Cunha, formado pela Universidade de Coimbra e o Dr. Luiz Serrão pretenderam exercer as suas funções neste concelho mas não tomaram posse ou abandonaram-no de imediato.

Entretanto mais um médico espanhol assegura, por algum tempo, a assistência às populações, mas acaba por não cumprir o contratado, trata-se do Dr. João Carvalho Diaz.

Em 1857 já recebia 130$000 réis anuais e os habitantes da vila em sessão municipal procuram que a importância seja elevada a 200$000 pois consideram só assim haver possibilidades de ter um médico que ocupasse o Partido.

Em 1858 é novamente um espanhol, o Dr. Miguel Perez Ortega, residente nesta vila, a ocupar-se da saúde pública do concelho, vencendo os cento e trinta mil réis anuais.

Depois da importância a vencer passar para 250$000 e depois para 300$000, o lugar continuava sem concorrentes. Em sessão de Câmara de 20 de Setembro de 1865 é resolvido aumentá-lo para 400$000 réis, mesmo assim, só quatro anos passados aparece o médico Dr. José Maria Alves Cardoso, que vindo de Vila Real de Santo António aqui permanece cerca de nove anos, acabando por se transferir para Castro Verde.

Em 1882 mais dois médicos se candidatam mas nenhum acaba por tomar posse e o lugar veio a ser ocupado pelo Dr. Júlio César de Cayres Camacho, cirurgião médico pela Escola Médica do Funchal, curso que concluiu em 1879, tomando posse em 2 de Outubro de 1882 e não chegando a completar dois anos de trabalho no concelho.

Em 1885 aparece a concorrer um jovem médico, acabado de formar pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto, o Dr. Tito de Bourbon e Noronha que após um mês de serviço, pede a exoneração do cargo em 3.de Setembro de.1885.

Só sete anos depois o lugar volta a ser ocupado e desta vez pelo Dr. José Pedro Cunha, com o curso da Escola Médica do Funchal, concluído em 1889. (3)

(Cidade do Funchal da época)

É nomeado por alvará de 10 de Outubro de 1892, do Presidente da Câmara, Comendador Manuel da Palma, iniciando funções em 10 de Novembro seguinte.

No dia 24 é proposta a sua nomeação para o lugar de Subdelegado de Saúde do concelho. (4)

Antes de exerceu este lugar, o Dr. Cunha, segundo informação de uma das suas filhas, foi médico a bordo da embarcação “Vega”.

A Comissão Administrativa Republicana da Câmara, e “devido ao estado financeiro lastimável em que se encontra o cofre municipal, resolve reduzir-lhe o vencimento, tal como ao farmacêutico. (5)

Tratando-se de uma ilegalidade, veio a ser reintegrado em 25 de Maio de 1911 e abonado desde a data da demissão ilegal. (6)

Em 1918 sendo o único médico em todo o concelho e fazendo-se sentir a acção da “pneumónica”, veio a ser auxiliado por um quintanista de medicina que de Loulé se deslocou para aqui.

Os números oficiais de mortes causados pela epidemia, são relativamente reduzidos mas na realidade pensa-se que foram muito maiores. O isolamento e a falta de técnicos para o diagnóstico fez-se sentir neste aspecto. A primeira vítima ocorreu na vila em 23 de Outubro de 1918 e foi um padre de trinta e nove anos. (7) Este facto, agora confirmado foi-me referido pela filha mais velha do Dr. Cunha, D. Conceição Maria.

Casou com uma senhora aqui radicada e a solicitação de familiares residentes na Pérola do Atlântico, fixa-se com toda a família na vila de Santana onde passa a exercer também funções municipais (1925).

Devido à falta de adaptação da esposa, dois anos depois regressa a Alcoutim onde ainda não tinha sido exonerado nem demitido.

O vereador da Comissão Administrativa da Câmara Municipal, José Teixeira, propõe e é aprovado por unanimidade que o Dr. Cunha reassuma as suas funções tendo em vista que durante o larguíssimo número de anos que exerceu a sua profissão neste concelho, conseguiu obter pelos seus serviços e cuidados com os doentes a maior das simpatias e estima de todos, que reclamam a sua permanência como facultativo. (8)

À sua habilidade de parteiro se ficou devendo muitas vidas de alcoutenenses de então. O primeiro parto que efectuou aqui foi o do nascimento de D. Belmira Lopes Teixeira, segundo a própria nos revelou.

Em 1931 e devido à sua idade, o vice-presidente da Câmara, José Francisco Ginja, de Martim Longo, propõe à Câmara a criação de um novo partido médico, mas para isso seria necessário o lançamento do imposto de prestação de trabalho. (9)

Para resolver a situação, a Câmara Municipal consegue que por despacho de 25 de Junho de 1932, do Ministro do Interior, autorização para nomear provisoriamente um médico, com carácter interino, para desempenhar as funções de facultativo até à aposentação do titular, lugar que vem a ser ocupado pelo Dr. João Francisco Dias.

O Dr. José Pedro Cunha aposentou-se em 1934 por limite de idade, com cerca de quarenta anos de serviço no concelho.

Homem extremamente habilidoso e de grande sensibilidade, desenvolveu actividade teatral organizando récitas e ensaiando peças, algumas da sua autoria, no Teatro Recreativo Alcoutinense.

(Edifício onde funcionou o teatro)

Pertenceu à Comissão que edificou as antigas escolas de ensino primário, parte em tempos ocupada pelo Grupo Desportivo de Alcoutim.

Foi pedra influente na criação da Cooperativa Alcoutinense, de que foi presidente.

Natural da freguesia da Sé da cidade do Funchal, onde nasceu a 1 de Agosto de 1864, faleceu em Alcoutim a 11 de Março de 1943 e jaz no cemitério local.

Deixou três filhos e três filhas, tendo estas vivido e falecido em Alcoutim.

(Casa onde faleceu o Dr. Cunha)

Recordar este Homem que durante cerca de quarenta anos deu todo o seu esforço e saber na área da medicina e não só, à população do concelho de Alcoutim, sua terra de adopção e dá-lo a conhecer aos alcoutenejos mais jovens representa a nossa simples homenagem.

NOTAS

(1) - Saúde e Assistência em Alcoutim no séc. XIX, José Varzeano, 1993. Pág.6
(2) - Residia em Portugal desde 1825 e parece-nos tratar-se de um mercenário. Aprovado em medicina e cirurgia em França, fez a sua equiparação em Portugal.
(3) - A Antiga Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, P. Fernando Augusto Silva, Funchal, 1945, pág. 43.
(4) - Of. Nº 140 de 24 de Novembro de 1892 ao Governador Civil de Faro.
(5) - Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 10 de Novembro de 1910.
(6) - Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 31 de Julho de 1917.
(7) - A pneumónica no Algarve ,Paulo Girão, Caleidoscópio, Novembro de 2003.
(8) - Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 28 de Maio de 1927
(9) - Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 29 de Outubro de 1931.