segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A aldeia de Martim Longo no decorrer dos tempos


Há mais de trinta e quatro anos assinámos num semanário do Algarve um pequeno escrito que se referia a esta aldeia e à freguesia de que é cabeça (1) e posteriormente mais um ou dois a ela dedicados.

Em todos os outros que tenho escrito e que se referem ao concelho em geral, seja em que aspecto for, a referência à aldeia de Martim Longo e à sua freguesia é certa e indispensável.

O escrito de hoje é-lhe inteiramente dedicado.

A aldea de Martim Longo é o primeiro lugar que se ofrece nesta volta que fazemos pelo sertão, do levante para poente; é lugar grande e abastado, porque tem boas terras de pão e de criações. É termo da vila de Alcoutim, nove léguas dela pela serra dentro. Haverá nela como quatrocentos vizinhos, muitos deles homens ricos pêra a terra e que acodem a qualquer rebate de Mouros não com menos concerto que os que moram na cidade. É a descrição que conhecemos mais antiga da aldeia e do último quartel do século XVI. (2)

Pouco depois e da autoria de Henrique Fernandes Sarrão, aparece-nos o seguinte: De Alcoutim para o ocidente cinco léguas está o lugar de Martim Longo. É de setenta moradores, muito aprazível, de muita caça. Tem dous poços d` água muito boa e muitas terras de pão. (2)

Em 1712 o P. António Carvalho da Costa informa: he lugar de muyto gado, colmeas , recolhe algum azeyte e muyta cevada. (4)
Mais de um século passado vamos encontrar a descrição que nos oferece Silva Lopes: Martim Longo, aldeia grande e rica, de 36 fogos com boas casas menos mal arruadas, situada a igual distancia de duas ribeiras, Vascão ao N., e Foupana ao S. já fora da serra, sobre huma collina, dominada de todos os lados por grandes alturas das quaes se descobrem várias povoações, a quatro léguas e meia O. do Guadiana. (5)

O Eng. Francês Charles Bonnet, escreveu (1850): Entre as aldeias situadas sobre este planalto (Cumeada do Pereirão) merece especial destaque Martinlongo, que é a principal, com uma população de 1855 habitantes. Este planalto produz muito trigo, mas não se encontra nele nenhuma árvore, sendo também rara a água potável. (6)

Passemos agora ao sempre consultado Pinho Leal que no Vol. 5 do seu Dicionário, escreveu: Martim-Longo, é uma grande e rica aldeia, com boas casas, e menos mal arruada, situada a egual distância de duas ribeiras; Vascão ao N., e Foupana ao S.
Está assente em uma collina, já fora da serra do Algarve, dominada de todos os lados por grandes alturas.
(7)
É notório que Pinho Leal se limitou a transcrever quase tudo o que já tinha dito Silva Lopes.
Pereira de Sousa (1919), navegando nas mesmas águas, escreveu: Aldeia grande, assente sobre os terrenos de Culm e situada numa colina, cercada de todos os lados por grandes alturas. (8)

Já nos nossos dias, (9) afirma-se: A aldeia desenvolveu-se a partir de dois pólos, situados quase nos extremos – a igreja paroquial (Nª Sª da Conceição) e a capela de S. Sebastião.
A capital desta região é a grande aldeia de Martim Longo (refere José Victor Adragão) (…) a povoação estende-se para os dois lados da estrada em alongada cruz e, em cada extremo, um núcleo de casas organiza-se em torno dos dois mais importantes templos: a Capela de S. Sebastião e a Matriz, dedicada à Senhora da Conceição. Um e outro patrono ocasionam festas de certa monta, com procissões que atravessam todo o povoado e que atraem camponeses e habitantes das aldeias vizinhas. No entanto, a grande festa é a do Corpo de Deus.
(…)
No meio da aldeia, onde alternam as grandes chaminés fronteiras à maneira alentejana e as platibandas em que o sotavento algarvio é tão próspero, ergue-se a capela do Espírito Santo, objecto de grande devoção popular
. (10)

Depois destas referências que fomos encontrando no decorrer dos tempos, teremos de dar a nossa visão.

Conhecemos a aldeia de Martim Longo há quarenta anos ficando com a ideia de se tratar de uma aldeia relativamente grande no seio da serra algarvia e principalmente da sua efervescência comercial, notada e mantida através dos tempos.

Na sua maioria com ruelas características da idade média, já se tinha transformado a Rua Direita na Rua Dr. Antero Cabral.

Operou-se esta iniciativa na década de cinquenta do século passado e por acção do dinâmico presidente da Junta de Freguesia, Artur de Moura, que sentiu grande apoio no Governador Civil de então e daí a colocação do seu nome na placa toponímica.

Às pequenas casas típicas da serra do Caldeirão e algumas ainda existentes, opunham-se os grandes edifícios demonstrativos de alguma opulência próprios de vilas e cidades e pertencentes de uma maneira geral aos comerciantes mais prósperos.

Naturalmente as pequenas casas de xisto foram-se modificando nestes últimos quarenta anos com a utilização de novos materiais e sistemas de construção, onde o saneamento básico causou forte impacto, hoje amplamente demonstrado.

Recentemente e na estrada nº 124 foram criadas duas rotundas que lhe dão um aspecto moderno.

No tocante à toponímia, a antiga Rua Direita, já assim a encontramos designada em 1843 e onde Pedro Matheus, capitão-mor, tinha uma arramada. Foi deliberado nessa altura que os poiais aí existentes fossem feitos com asseio e caiados, devendo ser demolidos todos os que de futuro não estivessem desta forma. Igualmente foi deliberado fazer-lhe a competente calçada com a colaboração dos proprietários que à sua conta faziam uma vara em frente das suas casas. (11)

Além desta rua havia a Rua das Lajes, referida em 1848, 1854 e 1858, a da Ladeira (1843) onde em 1879 é feita a calçada, (12) a Rua do Forno, cuja calçada foi feita em 1843 e que pelo menos em 1889 ainda era assim conhecida, a Azinhaga e a Travessa do Celeiro da Mitra, sendo reparada a calçada da mesma em 1858, as Ruas da Alagoa e do Espírito Santo (1870).

Além destes topónimos é referido com frequência o Sítio do Forte.

Em1979 uma rua mereceu tomar o nome de Coronel Figueiredo Valente, cuja placa elucida como grande amigo do progresso da sua terra e dos seus conterrâneos. No ano seguinte é a vez de Agostinho Francisco Ferreira, 1º cabo da G.N.R., assassinado no desempenho das suas funções.

Por volta de 1994, a Junta de Freguesia procedeu à colocação de placas toponímicas nas restantes ruas da aldeia, para o que, segundo nos informaram, convidou a população a pronunciar-se.

Só encontrámos a utilização de um antropónimo, a Rua Francisco Manuel Paulino. Enquanto nos dois casos já referidos se indica o tipo de figura homenageada, aqui isso não acontece. Parece-nos, se a memória não nos atraiçoa, que se trata de um antigo presidente da Junta de Freguesia que não era martim-longuense pelo nascimento. (13)



Preservaram-se certos nomes tradicionais, alguns que já referimos e assim, aparecem-nos as ruas da Ladeira, com travessa do mesmo nome, Poço Novo, igualmente com travessa, Poçanco (referência a um pequeno poço público já existente pelo menos no século XIX, da Fábrica, onde, segundo pensamos se situou uma moagem no primeiro quartel do século passado, de S. Sebastião, do Espírito Santo (cujas capelas existentes deram origem aos topónimos), do Poço Mal Acabado e do Poço do Gato (14), originadas pela existência desses produtores do precioso líquido, Rua do Celeiro (da Mitra, da Comenda?) e do Forte, igualmente com travessa, topónimo muito antigo mas que da sua origem nada conhecemos.

Outro filão explorado para a toponímia de Martim Longo foi os «montes» da freguesia. Laborato e Castelhanos têm a anteceder-lhe “Portas”, desconhecendo eu a razão para tal. (15)

De origem diversa encontramos a Travessa dos Abraços, Rua da Criança, Rua e Travessa do Casal Ventoso, Largo das Casas Baixas e Largo da Igreja.

A aldeia dista 30 km da sede do concelho, 8 de Vaqueiros, 9 de Giões, e 16 de Pereiro.
A capital do Distrito fica-lhe a 70 km e Lisboa a cerca de 240.


NOTAS

(1) “Martim Longo, aldeia de gente activa tem aspirações”, in Jornal do Algarve de 17 de Novembro de 1973.

(2) Corografia do Reino do Algarve, Frei João de S. José, 1577, em Duas Descrições do Algarve no séc. XVI, Manuel Viegas Guerreiro e Joaquim Romero Magalhães, Cadernos da Revista de História Económica e Social-3- Livraria Sá da Costa, 1983, pág. 57.

(3) História do Reino do Algarve (cerca de 1600), é a outra descrição referida no nº anterior.

(4) Corografia Portuguesa e Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal, P. António Carvalho da Costa, Lisboa, 1712.

(5) Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do Reino do Algarve, João Baptista da Silva Lopes, Lisboa, 1841, Edição de Algarve em Foco, Editora (1988), pág.399.

(6) Memória Sobre o Reino do Algarve, Descrição Geográfica e Geológica com estudo introdutório de José Carlos Vilhena Mesquita, 1990, pág. 112.

(7) Portugal Antigo e Moderno – Dicionário Geográfico, Vol. 5, 1875, pág. 101.

(8) O Terramoto do 1º de Novembro de 1755 em Portugal e um estudo demográfico, Francisco Luiz Pereira de Sousa, Lisboa, 1919.

(9) À Descoberta de Portugal, Selecções do Reader`s Digest, 1982, pág. 497.

(10) Algarve – Novos Guias de Portugal, Lisboa, Edição Presença, 1985, pág. 184.

(11) Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim, de 13 de Janeiro de 1843 e realizada na aldeia de Martim Longo.

(12) Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 27 de Novembro de 1879

(13) Pensamos que outras Figuras martim-longuenses podiam ter sido lembradas.

(14) Segundo nos informaram é um poço público de construção relativamente recente e que ficou conhecido assim por lá ter sido encontrado um gato que se afogou.

(15) Conheço na realidade várias Ruas com essa terminologia mas que só acontece em povoações amuralhadas e consequentemente com Portas, o que penso nunca ter existido em Martim Longo.