sábado, 10 de janeiro de 2009

O loendro, arbusto característico do concelho de Alcoutim


Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa – Verbo, 2001, loendro é uma planta arbustiva da família das apocináceas (nerium oleander, Lin.), de flores cor-de-rosa dispostas em cacho e considerada tóxica, também conhecida por cevadilha e espirradeira. O loendro é espontâneo nas margens dos rios e dos ribeiros, no Alentejo e no Algarve.

Ao consultarmos o Dicionário da Língua Portuguesa “Editora”, 5ª Edição, 1977, encontramos outras designações, como adelfeira, adelfa, aloendro, eloendro, aloendreiro, landro e loendreiro.

Ainda que já não sejam poucas as designações para uma planta (não sei se existirá outra com tantos nomes), localizámos no dicionário Lello Universal, Porto, 1975 mais duas, rododendro e loureiro-rosa. Se não contou, conte, são doze as designações!

Este dicionário define-o como um arbusto de grandes flores cor-de-rosa ou brancas, dispostas em corimbos e considerada muito vulgar como planta ornamental, conhecendo-se três espécies da região mediterrânea e da Ásia.

Antes de chegar a Alcoutim, só conhecia o loendro como arbusto ornamental colocado nos jardins da minha terra natal. Significava para mim uma “flor”de jardim.

Quando há cerca de quarenta anos comecei a ter contacto com o concelho serrano do Caldeirão, reparei com admiração, na época própria (Junho e Julho), como numa zona tão seca, floresciam uns arbustos que vicejavam nos vales por onde correm em determinadas épocas do ano, as águas, ora de pequenas nascentes, ora do escorrer das encostas xistentas do “mar de cerros” que a serra algarvia constitui no dizer do grande geógrafo, Orlando Ribeiro.

Só então percebi que aquele arbusto era o mesmo que eu conhecia dos jardins da minha cidade, ainda que existissem algumas modificações que os homens ligados à ciência botânica e depois os jardineiros tivessem transformado com o sentido de fornecer plantas dobradas e mais chamativas.

Foi a altura de perguntar àqueles que sempre conviveram com ele “coisas” que eu desconhecia completamente.

Soube assim, aquilo que qualquer moço sabia, que nasciam por esses barrancos fora, sem ninguém os plantar, até porque não eram bem-vindos na maior parte dos casos, ou seja, disputavam as humidades e fertilizantes naturais às plantas cultiváveis ou a outras espontâneas que o homem aproveitava através da enxertia, como acontecia por exemplo com os zambujeiros transformados em oliveiras.

Ainda que a base da alimentação do alcoutenejo fosse o trigo, não podia dispensar a cebola ou o alho, os coentros, os tomates, algum pimento, as suas couves de rebolo, bem características e hoje quase desaparecidas e as batatas. Tudo isto em mini-produção que os lugares para o efeito eram reduzidos e de uma maneira geral afastados das habitações, construídas em pontos altos, onde a água não existia. Os pequenos hortejos que fabricavam junto dos barrancos onde as característica topográficas e de solo proporcionavam a acumulação de terra e a abertura de um pequeno poço que desse alguma água originando a indispensável rega. Mas alto lá, havia que combater desapiedadamente os loendros que nasciam nesses lugares propícios ao seu desenvolvimento. Eram as cavadeiras, os piques, os serrotes e o fogo os meios que o alcoutenejo utilizava para os combater. Ali não os queriam, que lhe roubavam o sustento das suas plantas, crescessem noutros lugares pois apesar de tudo, sempre necessitavam deles para algumas das suas necessidades, tudo o que nascesse espontaneamente teria de ter a sua aplicação para melhorar as condições de sobrevivência em zona de tão poucos recursos.

Ficando explicada as razões do combate ao loendreiro, iremos agora abordar as utilizações que o alcoutinense lhes dá ou deu.

A toxidade da planta não permite a sua utilização pelos animais de pastoreio e como não podia deixar de ser, pelos selvagens. O homem parece ser o seu único inimigo, isto não contando com pequenos insectos ou fungos que lhe poderão proporcionar a morte.

Os típicos caniços que constituíam quase exclusivamente os forros dos telhados, eram feitos com o precioso auxílio das varas de loendro que depois de rachadas ao meio serviam para ajustar e fixar as canas com a colaboração dos pregos.

Devido às características da sua madeira, cor, maleabilidade e resistência, era muito procurada para a confecção artesanal das típicas cadeiras, de todos os tamanhos e que faziam parte do “mobiliário”das habitações. Enquanto os pés e as costas eram quase sempre de loendro, as travessas que lhe davam equilíbrio e consistência, faziam-se de esteva ou de zambujo. Com o tampo de junça ou tabua, podia dizer-se que o material não tinha custo.

Era apanágio do homem completo, além de outras coisas, saber fazer uma cadeira, ainda que houvesse quem se dedicasse com mais assiduidade à sua confecção.

Segundo informação que retenho na memória, o loendro tinha de ser colhido em determinada época, só assim não “bichava”no futuro.

Em tempos mais recuados as mulheres queimavam-nos para aproveitar a sua cinza na barrela, ou seja na limpeza da roupa.

Nos pocilgos, os ramos eram utilizados para fazer “sombrachos” que protegiam os animais do sol. Eram igualmente utilizados com o mesmo fim para pessoas, coisas e animais.

Quando não havia outro meio, era o loendro que servia para atar uma faxina de lenha ou o enxerto de zambujeiro.

Os alcoutenejos também lhe conheciam as aplicações curativas, utilizando-o na extracção de calos e nas picadas de lacrau, segundo os meus informadores da altura e já lá vão umas décadas.

Hoje, raramente se faz um caniço, já não há cadeireiros em actividade, barrelas nem pensar nisso, porcos já não se criam, ninguém apanha uma faxina de lenha e os poucos enxertos que se fazem, são efectuados com corda, quando não com ráfia!

Não há muitos anos, praticamente ninguém se preocupava com o uso decorativo do loendreiro, ninguém perdia tempo com essas coisas. Só muito excepcionalmente isso acontecia.

Ainda que já se vejam pelo concelho alguns destes arbustos usados como ornamento de parques e jardins, penso que será possível investir mais nesta espécie tão característica.

Ao contrário do que muita gente pode pensar, a transplantação do loendro não é fácil.

A nível de literatura, encontrámos no conhecido Guia de Portugal, no Vol. II, de Raul Proença, 1927, pp 198 e 199, o seguinte texto (…) um raro e belo arbusto, a adelfeira ou loendro, enfeita os ribeiros com a sua folhagem lustrosa e as flores rosadas e brilhantes. Nos estreitos vales do Caldeirão, as linhas dos riachos e dos barrancos são verdadeiros jardinzinhos de loureiros-rosas, em Maio ou Junho todos floridos.

Muito mais recente é o que respigámos em Portugal Meridional, Gentes, tradições, fauna e flora de John e Madge Measures, 1995.

Os vales dos rios são geralmente bordejados de loendros que constituem um espectáculo inesquecível quando em plena floração, em Junho. Não deve esquecer-se também que estas plantas são muito venenosas e cada uma das folhas contém veneno suficiente para matar uma pessoa. (pág. 69)

Mais adiante, pág. 75, encontramos: Na Ribeira do Vascão cresce abundantemente o loendro, planta indígena que proporciona uma paisagem colorida em Junho e Julho, época em que as suas flores cor-de-rosa encobrem as folhas venenosas.

E por último, pág. 109 e já no concelho de Castro Marim, refere mais uma aplicação do loendreiro: Nos ribeiros perto de Azinhal, crescem loendros cuja madeira, dura mas leve, é trabalhada para fazer bilros para a renda.


Certamente que existirão mais utilizações deste arbusto venenoso característico do concelho de Alcoutim e de outros do Sul do país.