segunda-feira, 15 de junho de 2009

A morte levou a última "boleira"de Alcoutim

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 8 DE ABRIL DE 1977)



Quando organizámos em Dezembro último, o escrito “AS BOLEIRAS DE ALCOUTIM”, inserido em recente número do Jornal do Algarve, não pensávamos que quando o escrito saísse, aquela que considerávamos a última boleira de Alcoutim já não pertencesse ao número dos vivos.

Um breve apontamento sobre ela, além de simples homenagem, se tal se lhe pode chamar, a uma mulher do povo que sempre trabalhou numa actividade sui generis, completaria, ou melhor, enriqueceria o tema que abordámos.

Logo pela manhã do dia 4 de Fevereiro, a notícia correu célere na pequena vila serrana: a Ti Ana Brandoa falecera em Vila Real de Santo António, para onde a tinham levado, depois de uma queda que deu na sua casinha, na rua do Poço Novo.

Apesar da avançada idade e assim se esperar a qualquer instante o seu passamento, a notícia causou surpresa e constrangimento no pequeno meio em que todos se conhecem.

A senhora Ana Bárbara Casegas, segundo a sua versão e Ana Bárbara, segundo o assento de nascimento, nasceu em Alcoutim no dia 2 de Outubro do recuado ano de 1887. Sempre afirmou que tinha mais idade e segundo as suas afirmações, assim parecia.

Filha de um beirão que para ali fora exercer a actividade profissional, casou e criou os filhos na terra que a viu nascer.

Muito trabalhadeira, cedo se dedicou à actividade de boleira, fazendo e vendendo as especialidades pelas feiras e mercados das redondezas. Exímia fabricante de nógado, podemos dizer que o confeccionou até à hora da morte, sempre com o mesmo carinho e interesse.

Era uma figura típica da vila que dificilmente nos esquecerá. Magra, sem ser esquelética, seca de carnes, alta, espadaúda, muito direita, quase todos os dias corria a vila, batendo nos pontos habituais de cavaqueira: escadas da Misericórdia e Santo António, bancos da “capela” e largo de “praça”, ou fazendo visitas a doentes, pessoas que chegavam para férias, etc.

De quando em quando, também ia a nossa casa, solicitando por vezes a escrita de um postal ou carta. Uma vez, levou-nos uma carta originária da Dinamarca e a si endereçada. Se não nos atraiçoa a memória, era a participação de casamento de uma dinamarquesa que por ali tinha passado há anos.

De lanço na cabeça, xale pelos ombros, saia que lhe chegava aos pés e sapatos de corda e pano, era vê-la andar, desembaraçada, pelas íngremes ruelas da vila. O seu tipismo não passou despercebido ao operador da T V , quando da organização de um programa sobre a pesca local, pois na panorâmica que quis dar da vila, captou-a em pormenor, proporcionando um bom apontamento.