Já referimos nestas páginas, pelo menos por duas vezes, estes utensílios que foram extremamente importantes para a vida do alcoutenejo até cerca de meados do século passado.
Conheci-os no ocaso da sua utilização, pelos fins dos anos sessenta, quando se deu o êxodo das populações activas para a periferia industrial de Lisboa e de Setúbal e mais tarde para o litoral algarvio, primeiro para a construção civil, depois para a restauração e similares.
Os dicionários têm, como não podia deixar de ser, uma explicação semelhante para tal termo. Reproduzimos o que nos diz o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Edição Academia das Ciências de Lisboa – Verbo, 2001: - Armação, geralmente de madeira que se coloca no dorso das bestas para sustentar e equilibrar a carga, de ambos os lados.ODicionário Lello Universal, Porto, 1975, acrescenta-lhe … e de ferro.
Numa zona sem estradas, que praticamente chegaram depois do 25 de Abril, quando a população tinha decrescido e estava envelhecida, de terrenos rijos e acidentados, de xisto e grauvaque, era a raça asinina (burros, mulas e machos) a que se recorria, sendo os mais adequados às circunstâncias, no auxílio das necessidades básicas como o transporte e amanho da terra.
Como animais de sela, transportavam as pessoas onde fosse necessário, passando se fosse preciso por caminhos escabrosos. Como animais de carga, tudo se transportava, a água, a lenha, o trigo, a farinha, a azeitona e o mais que a terra produzia.
Mas para que isso acontecesse, era necessário muitas vezes um utensílio auxiliar que neste caso se chamava cangalhas, conhecendo eu três tipos como tentarei explicar. Outro dos auxílios era prestado pela gorpelha ou golpelha de que um dia falaremos.
As cangalhas mais rústicas constituíam um artesanato local. Poucas ferramentas eram necessárias para a sua confecção. Bastaria um serrote, um trado, uma faca e pouco mais. Era necessário ter olho para escolher as peças, tanto no formato como na qualidade da madeira que naturalmente tinha de ser da mais resistente, como era o caso do chaparro e do zambujo. O serrote cortava-as à medida e o trado fazia os furos que proporcionavam os encaixes ajustados.
Estas cangalhas destinavam-se principalmente ao transporte de coisas que proporcionavam grande volume como eram os molhos de trigo ou outro cereal e a lenha, principalmente a esteva. As cordas faziam o ajuste adequado.
Outro tipo de cangalhas, igualmente de madeira, também aqui está fotograficamente representado. Feitura semelhante à anteriormente descrita. Aqui já entrava o cepilho para proceder ao desbaste natural. Destinava-se a transportar os cântaros de folha quando se ia ao poço buscar água.
Estas peças respeitavam rigorosamente o veio da madeira, proporcionando-lhe assim resistência.
O terceiro tipo de cangalhas que conheço é necessariamente mais recente, pois são feitas de ferro. Conheci umas datadas de 1888, conforme inscrição nelas gravada.
Podem ser simples (duas concavidades, uma para cada lado) ou duplas, isto é, de quatro, sendo duas, para cada lado, como é evidente.
Destinavam-se ao transporte de cântaros de barro ou de folha, cuja utilização explicámos em entradas anteriores.
Os exemplares que existem estão naturalmente inactivos pois já são bem poucos os burros existentes.
As de madeira têm como destino o “fogo”.
Nos finais do século XIX havia na vila um homem muitas vezes referido nos livros municipais, incluindo em actas da Câmara, designado por Romão Cangalhas, possivelmente uma alcunha que se transformou em nome de família, como muitas vezes acontecia.
Será que existem peças destas em museus locais?