Já tenho referido em vários textos este assunto mas nunca o fiz numa análise individual.
Quando cheguei a Alcoutim e me apercebi que existiam árvores, nomeadamente oliveiras, de duas ou mais pessoas, fiquei embasbacado. Depois e perante a minha admiração foi-me dito que existiam árvores em terrenos de outras pessoas, o que reforçou a minha admiração já que não conhecia nada semelhante.
Naturalmente que isto não aparece por aparecer, tem forçosamente que ter uma explicação.
Numa explicação simples e procurando um exemplo elucidativo, admitindo que ficaram por herança duas propriedades rústicas de terreno e áreas semelhantes, dava-se a circunstância que uma delas possuía três oliveiras. Supondo dois herdeiros, aquele que ficaria com o terreno que não tinha oliveiras nem qualquer outra árvore, caber-lhe ficar com uma e o outro com duas pois era a sua terra que as alimentava e além disso ficava mais devassada.
Poder-se-á perguntar porque não haveria tornas a quem ficasse mais beneficiado? Existem, segundo o nosso ver, duas razões para o facto: 1ª - as árvores eram escassas nesta região e o seu fruto indispensável para a subsistência directa no caso da oliveira e indirecta por exemplo quando se tratava de azinheiras cujo fruto se tornava importante para a alimentação dos animais domésticos, nomeadamente do porco. A carne de porco e o azeite, a que se juntava o “pão” (trigo) eram o sustentáculo deste povo; 2ª – o papel moeda era escasso e ainda no primeiro quartel do século passado, a troca frequente, trocando-se trigo por louça de barro, ovos por sardinhas ou petróleo, por exemplo. O pouco dinheiro existente tinha destinos obrigatórios como acontecia com as décimas (contribuição predial).
Que seja do meu conhecimento, as árvores utilizadas nas situações que apresentámos, eram a oliveira, azinheira e o sobreiro. Não tenho conhecimento de mais nenhuma.
Estas situações passavam de pais para filhos, desconhecendo muitas vezes os proprietários as suas origens.
Tenho conhecimento de oliveiras pertencerem a três e mais pessoas!
Conheci um caso em que um apreciável número de azinheiras que se situavam nos arredores da Ribeira de Cadavais, para os lados da Corte Tabelião, davam origem a cinco quinhões, quase todos já divididos.
Havia um acordo entre as cinco partes iniciais, que tinha origem em tempos que ninguém conhecia e em que havia um único dia para a sua apanha, o dia de Todos-os-Santos. Cada quinhão fazia-se representar por um determinado número de pessoas e se alguém faltasse nesse dia da apanha, perdia o direito ao fruto.
Os homens velhos faziam os montões dos cinco quinhões, se todos estivessem representados e depois, cada quinhão era dividido nas partes que o constituíam, devido às heranças que o decorrer dos anos tinham originado.
Diz-nos a nossa informadora que se juntavam vinte ou trinta pessoas e que ela fez muitas vezes este trabalho. Algumas das pessoas não se conheciam como família, vindo algumas de montes relativamente distantes.
Ainda hoje a nossa informadora, já octogenária, desconhece de quem era a terra onde se encontravam as azinheiras.
Faltará dizer que, ainda que pareça impossível, estavam inscritas na matriz predial rústica algumas árvores nestas circunstâncias.