Pequena nota
Mais uma interessante "memória" que o nosso colaborador e Amigo transmite aos visitantes/leitores.Confesso que desconhecia completamente tal figura.
JV
Escreve
Gaspar Santos
[Rua do "Cemitério". Foto JV, 2009]
Em garoto ouvia falar desta mulher, em surdina, mas só em adolescente compreendi do que falavam e fiz perguntas. Não a conheci pois ela tinha falecido poucos anos antes de eu ter nascido. A tia Alexandrina não vivera sozinha. Vivera com a tia Morte que era uma mulher mais velha. Moraram naquela rua estreita, paralela ao Guadiana que leva ao cemitério de Alcoutim. O que descrevo é o que ouvi falar. Não sei de ninguém da sua família que hoje more em Alcoutim. Constava que viera de Tavira.
A tia Morte dedicava-se aos trabalhos de casa, alimentação e vestuário. A tia Alexandrina do ganha-pão, recorrendo a trabalho braçal. Era uma mulher de grande estatura, muito trabalhadora e labutando ao lado dos homens com muita energia e sem desfalecimento. Era capaz de cavar, ceifar e fazer qualquer tarefa de campo como qualquer homem. Nas descargas dos barcos não se temia a “alancar” com um saco de farinha, de trigo ou de adubo com 80 ou 100 kg. E, à noite na taberna, ombreava com eles como no trabalho, bebendo uns copos. Conversava, ouvindo e dizendo a sua anedota, por vezes picante, ou dizia o seu palavrão sem se incomodar muito. Por vezes ficava um pouco toldada, ou mesmo bêbeda.
Quando já estava meio ébria os companheiros de trabalho, algumas vezes tentaram levar a conversa para o lado da sua amizade com a Tia Morte. Em vão. Ela não prosseguia a conversa e reagia mal. Esses companheiros em alturas em que a apanhavam mais bêbeda, conluiavam-se e tentaram algumas vezes ver o que ela ocultava debaixo das saias, mas…a sua fúria, os seus punhos, dentes e unhas nunca deixaram desvendar o seu segredo.
Dizia-se que ela vivia maritalmente com aquela companheira, um escândalo para esse tempo! Porém ela era mentalmente forte, e consta que sempre resistiu às conversas e insinuações de que seria alvo. Constava ainda de que ela transportava consigo uma malformação anatómica congénita. Mas isso foram conjecturas. O caso virou lenda. Nunca ninguém o confirmou.