(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE -Magazine - de 24 DE FEVEREIRO DE 1994)
[Os Paços do Concelho num desenho de José Varzeano]
A história local faz-se de pequenos nadas que no seu conjunto e a que se pode juntar um ou outro facto de âmbito nacional, quando os há, dão a caracterização de uma terra e da zona que domina.
Se conhecer os seus monumentos, como castelos, igrejas e palácios… tem interesse, não o tem menos, por exemplo, conhecer o seu tecido habitacional, sua disposição e orientação, tipo e materiais de construção e o mais que o define.
Dentro desta perspectiva, é-nos possível hoje escrever alguma coisa sobre os Paços do Concelho.
Como é sabido, os paços de concelho são edifícios municipais para reunião da vereação e onde se encontram instalados os serviços administrativos.
São quase sempre edifícios que se destacam entre os demais por alguma imponência e volumetria, situando-se de uma maneira geral no centro das povoações e no largo ou praça principal. Na maioria das terras, principalmente nas mais pequenas, não é necessário perguntar onde é a Câmara Municipal, logo se depara na praça principal, algumas toponimicamente designadas por Largo do Município, e muitas por Largo ou Praça da República.
[A desaparecida cadeia. Foto JV.]
Supõe-se que em Alcoutim a sede do poder local tivesse funcionado onde depois foi a já desaparecida cadeia. Quando recentemente falámos dela, indicámos alguns argumentos nesse sentido.
Sabe-se que em 1823 a cheia do Guadiana que se registou principalmente entre 31 de Janeiro e 4 de Fevereiro, “… derrubou a maior parte das habitações, nelas incluindo o edifício da Câmara”. (1)
Este prédio, como é natural, igualmente se situava na praça principal, mais precisamente no local em que é hoje um parque de estacionamento automóvel e o edifício da antiga escola do ensino primário.
Segundo o que nos revela o senhor Dr. Vilhena Mesquita (2), o orçamento apresentado por dois mestres pedreiros, obrigava a Edilidade a despender as receitas do Terreiro do Trigo e ainda a pedir um reforço de verba da ordem dos 500$000 réis. As obras e segundo ainda aquele douto investigador, foram efectuadas.
[Local onde se situaram os Paços do Concelho anteriores aos actuais, desactivados]
Aí, continuaram os Paços do Concelho e em 1860 (3) o presidente da Câmara de então, Augusto Carlos Pinto, ao abrir a sessão deu conta que a estreiteza e acanhamento do espaço que ocupão os Paços do Município os tornam insuficientes para o fim a que são destinados e que a Câmara é obrigada a fornecer casa para as audiências judiciais. Casa para a Administração do Concelho, e agora também para a Repartição de Fazenda, que pelo respectivo escrivão lhe foram já requisitadas.
He de todos sabido que não há casas que possam destinar-se para tais fins e mesmo se as houvesse a Câmara teria de pagar aluguel acima de trinta mil réis anuais. Sabe a Câmara (e continua o Presidente) que a Herdade dos Coitos, propriedade do município, está rendendo anualmente 40$000 réis, quando o seu valor intrínseco ascende seguramente a 1.800$000 réis. Ora se esta propriedade fosse vendida teria a Câmara 1.000$000 réis para fazer um prédio com as acomodações necessárias par as repartições públicas no Largo da Praça Nova e lhe ficavam ainda 800$000 réis que empregados em inscrições de juro de 3% ao ano poderiam arranjar para o Município hum rendimento superior ao que actualmente recebe da dita Herdade ficando-lhe além disso a mais os actuais Paços do Concelho que poderiam alugar-se.
Posto isto, esperava o Edil que a Câmara e o Administrador se decidissem se é ou não conveniente a referida venda e em caso afirmativo devia-se solicitar logo ao “Governo de Sua Magestade” a necessária autorização.
Posta em discussão a proposta e sendo evidente a necessidade de construir um prédio suficientemente espaçoso para albergar as repartições públicas e que a Câmara tem obrigação legal de o fazer e calculando-se que o produto da venda da herdade daria para o prédio, sobrando ainda quantia bastante que, utilizada em “Inscrições de Dívida Pública” cobriria o actual rendimento proveniente da mencionada Herdade dos Coitos, a Câmara e o Administrador, por unanimidade, votaram que se pedisse autorização para a sua venda e destino indicado.
Aproveitou-se também para deliberar pedir autorização para a venda dos actuais Paços do Concelho e das “Casas da Cadeia”, se no prédio a construir ela também possa ser incluída. (4)
Sete anos depois a Câmara delibera, devido à exiguidade dos Paços, proceder ao seu acrescento até à Capela de Sto. António. (5)
A Herdade vem a ser efectivamente vendida em 1873, por dois contos e cinquenta mil réis, com os quais se compram títulos de dívida interna fundado com juro de 3%. (6) Como se vê, a verba não foi utilizada na construção de novos Paços do Concelho, como se pretendia.
Na sessão municipal extraordinária realizada em 21 de Dezembro de 1876, foi deliberado, entre outros assuntos, pedir o dinheiro existente no Cofre de Viação Municipal e o que a ele possa pertencer durante os dez anos seguintes, para a edificação dos novos Paços do Concelho, em lugar dos que caíram. Não sendo conveniente a edificação no local em que se achavam, por estarem sujeitos às cheias do rio, se peça o castelo, onde sem receio se pode construir, não só aqueles “Paços” mas também casas para a Delegação da Alfândega e outras.
A Câmara, a nível de prédios urbanos, é considerada a mais prejudicada, sendo calculados os seus prejuízos, nos Paços do Concelho, como atingindo um conto e oitocentos mil réis, pedindo-se subsídio nesse sentido.
[Lampião utilizado antes da iliminacão elétrica, mas que a mesma aproveitou e bem!]
Cinco anos depois da “Cheia Grande”, como o povo o designa, o assunto dos Paços do Concelho volta a ser badalado. A Câmara estava pagando alugueres de casas em que funcionam as repartições públicas no que despende mais de noventa mil réis anuais. No Cofre de Viação Municipal (hoje C.G.D.), tem perto de quatro contos de réis que com a devida autorização das Cortes, podiam ser empregues na reedificação ou construção de novos Paços do Concelho, com as acomodações necessárias para todas as repartições.
Pensa o Presidente da Câmara, João Xavier de Brito, de Martim Longo e um dos maiores contribuintes do concelho, ser altamente vantajoso que a Câmara apresente superiormente o assunto pedindo autorização para levantar a dita quantia para a construção dos novos Paços do Concelho. (7)
Na sessão de 31 de Março de 1883, o vereador Manuel António Torres chama a atenção da Câmara para o facto de ter sido publicado no Diário do Governo de 15 daquele mês, a Carta Régia pela qual é autorizada a Câmara a desviar do Cofre de Viação a quantia de quatro contos de réis para a construção dos Paços do Concelho. Entendia o mesmo vereador que o assunto devia de ser já accionado a fim de “dar começo à obra quanto antes”.
Na sessão seguinte (07.04.1883), o mesmo vereador apresenta uma proposta do Prior desta vila, António José Madeira de Freitas (sobrinho), em que este se dispõe a negociar as casas nobres que possui na Rua de Santo António, há poucos anos construídas, que são sólidas e que possuem o espaço suficiente para o fim em vista.
A Câmara aceitou a proposta e designou o dia 21 do mesmo mês para se ocupar desse assunto, sendo convidado o dito Prior a estar presente. (8)
Entretanto, na sessão de 14, são apresentadas mais três propostas de venda de casas para Paços do Concelho, por António José Ramos Faísca Caimoto, José de Morais e Sebastião do Rosário Vieira.
Reunida a Câmara em 19 de Maio, o Presidente informe que no dia 12 teve lugar a inspecção e exame sobre o estado de solidez e acomodação das Casas do Prior da Vila, resultando do exame a declaração dos peritos, serem as mesmas apropriadas para nelas funcionar a Câmara, Administração do Concelho, Repartição de Fazenda, tudo muita à vontade e em casas independentes umas das outras. Acrescenta ainda que o prédio foi construído há pouco, desde os alicerces, achando-se em estado de perfeita solidez. O valor foi calculado pelos técnicos em 3.750$000 réis.
Ao pronunciar-se a vereação votou por unanimidade entrar em negociações com o proprietário e não construir um novo prédio.
Chamado o Prior, foi acordado comprar as ditas casas nobres, pela quantia de três contos e seiscentos mil réis. (9)
No mês seguinte e novamente o vereador Torres (10) lembra que era conveniente pedir autorização ao Governo para serem vendidos os pardieiros dos antigos Paços do Concelho, mas tão somente para prédio e não para quintal. (11)
A título de curiosidade diremos que pelo menos em 1889 ainda os pardieiros dos antigos Paços do Concelho eram postos em praça, pela Câmara, para arrendamento por um ano, com a condição de não servirem para pocilgo ou outras coisas imundas.
O Corpo de Fiscalização externo das Alfândegas nesta vila, vai ser instalado nos baixos, na parte nascente dos novos Paços, sendo assinado o termo de arrendamento pela quantia de três mil e quinhentos réis mensais. (12)
Tudo indica que o negócio feito pelo Prior, se destinava a realizar capital para reconstruir um seu prédio que tem próximo da Igreja Matriz, visto ter pedido em 28 de Julho de 1883 licença para deitar fora, para a rua, a parede que está feita.
Conhecemos bem este prédio que já não existe e que tinha uma certa imponência a nível local. Vivemos lá cerca de dois anos. Derrubado em 1977, lamentamos hoje não possuir nenhuma fotografia, tanto exterior, como interiormente. O lajeado da cozinha e lareira, onde muitas vezes me aqueci, a pintura dos tectos, a escadaria de ladrilho e madeira, de acesso ao piso superior e o bocal da cisterna no qunitalão, se os tenho fotografado, constituíam para mim uma relíquia. Agora, não há remédio e o pior é que ninguém o teria feito!
A entrega do prédio já adaptado para Paços do Concelho é feita em 29 de Dezembro de 1883 (13), pelo que já funcionam neste local há mais de um século.
[O Presidente da Repúlica, Américo Thomaz, à varando dos Paços do concelho após apoteótica recepção, em 1965]
Naturalmente que durante este longo período de tempo tem sofrido alterações e obras de beneficiação, tendo o aspecto actual da grande transformação ocorrida em princípios dos anos sessenta.
Igual pesquisa gostaríamos de fazer sobre outros edifícios da vila, como por exemplo a arruinada “Casa dos Condes”, o quartel da extinta Guarda Fiscal e a residência indicada como tendo sido de um capitão-mor e onde se encontram instalados os serviços fiscais concelhios.
Localmente, o único departamento onde poderia encontrar alguma coisa, nada tem, tudo apodreceu!
NOTAS
(1)-“A derrocada do pelourinho e da Câmara de Alcoutim pelas cheias do Guadiana em 1824”, José Carlos Vilhena Mesquita, in Jornal do Algarve de 8 de Agosto de 1991.
(2)-Idem, ibidem.
(3)Acta da Sessão da C.M.A. de 4 de Novembro de 1860.
(4)-Idem
(5)-Acta da Sessão da C.M.A. de 7 de Fevereiro de 1887.
(6)-Acta da Sessão da C.M.A. de 15 de Novembro de 1873.
(7)-Acta da Sessão da C.M.A. de 3 de Fevereiro de 1881.
(8)-Acta da Sessão da C.M.A. de 7 de Abril de 1883.
(9)-Acta da Sessão da C.M.A. de 19 de Maio de 1883.
(10)-Manuel António Torres, figura marcante na sua época na vila de Alcoutim. Vide Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio…, 1985, pág. 321.
(11)-Acta da Sessão da C.M.A de 2 de Junho de 1883.
(12)-Acta da Sessão da C.M.A. de 30 de Junho de 1883.
(13)-Acta da Sessão da C.M.A. de 5 de Janeiro de 1884.