quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A Implantação da República

[Pela República, des. de Roque Gameiro]

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE (MAGAZINE) DE 27 DE JULHO DE 1995)


A mudança de um regime político provoca sempre choques de vária ordem e que se repetem, com o ajustamento adequado aos tempos.

Para citar só os últimos, foi assim com a implantação do Liberalismo, com a República, com o Estado Novo e com o 25 de Abril.

Na vila de Alcoutim e seu concelho, também tais mudanças se fizeram sentir, proporcionalmente à importância que representava em relação ao país.

Cabe-nos agora referir, a traços largos, o que conseguimos obter sobre a Implantação da República.

Acontecimento relativamente recente deixou alguns factos, talvez os que mais impressionaram, na memória deste povo.

Dizia-nos um alcoutenejo que sempre viveu na sua terra que tinha sido o martim-longuense, José Olino o primeiro que na praça da vila deu vivas à República.

As ideias republicanas chegaram a Alcoutim via Guadiana e a caminho da Mina de São Domingos, em plena exploração, importante centro populacional e onde naturalmente tinha grande aceitação. Foi assim que por Alcoutim teriam passado, a caminho daquela mina, alguns dos maiores paladinos republicanos, dos quais se destaca o Dr. Afonso Costa.

A mais vincada presença deste facto é a alcunha Afonso Costa que ficou de tal maneira que tantos anos passados se mantém, pensando muita gente que efectivamente se trata de um nome. Tão euforicamente, em criança, vitoriou este político que o nome lhe ficou para sempre, o que aliás, nunca o incomodou.

Vamos ter bacalhau a pataco, foi frase feita que também chegou à pequena vila raiana. Abaixo os talassas constituiu frase proferida pelos republicanos e os mais exaltados e menos conscientes espetavam facas nas portas dos mais notórios monárquicos, com relevo para a classe eclesiástica.

Depois destas referências transmitidas oralmente, iremos entrar, em factos concretos.

A primeira notícia escrita que obtivemos sobre o ideal republicano, é datada de 26 de Abril de 1881, por conseguinte cerca de trinta anos antes de 5 de Outubro de 1910.

O Administrador do Concelho, de então, fica alarmado com as notícias que lhe chegam e resume assim: constou-me que o prof. desta vila, António Simão Vieira, pronunciou ontem, no meio da feira (São Marcos do Pereiro), palavras insultuosas e ameaças a António Estevens, do Serro da Vinha, a pretexto deste pertencer ao Partido Regenerador e, dando vivas à República declarou ser chefe deste partido no concelho. (1)

O alarme do Administrador continua pelo que se dirige ao Comissário dos Estudos no Distrito de Faro informando que o dito professor abandonou a escola no dia 25 de Abril, foi à feira de São Marcos, bebericou com a população dando vivas à República, de que se diz chefe, insultando e provocando cidadãos pacatos, só pelo facto de serem afectos ao actual governo.

Em 1889 o Administrador volta a preocupar-se pois receava vários conflitos na Assembleia eleitoral de Martim Longo, pelo que pedia ao Governador Civil uma força de dez praças para ali manter a ordem já que, na eleição passada uma meia dúzia de tratantes deram ali vivas à República. (2)

A Alcoutim, apesar do seu isolamento, bastaram só quatro dias para que tomasse posse a Comissão Republicana que passou a dirigir os destinos do concelho.

Presidida por José Centeno de Passos, era constituída por Basílio José Ambrósio da Silva, vogal que se mostrou muito activo, António Luís Teixeira, Manuel Rodrigues Pereira e José da Palma Vilão. (3)

A primeira deliberação tomada foi a de transmitir a sua congratulação pela implantação da República e lamentar as vítimas heróicas da revolução, lavrando-se, perante o facto, um voto de indelével sentimento. (4)

Seguiu-se, por proposta do vogal Silva (5) a actualização toponímica da vila. Assim, a praça D. Afonso IV passou a denominar-se Praça da República o que ainda hoje se mantém, a Rua D. Luís I tomou o nome de Miguel Bombarda, a de D. Maria Pia, Marquês de Pombal e a Rua Conselheiro José de Beires, Rua Teófilo Braga.

É também Basílio Silva que propõe e é aprovado que seja posto em praça o comércio de carnes, ficando o comerciante obrigado a matar pelo menos, uma vez por semana, sendo os 50 réis cobrados por cabeça, aplicados em benefício do talho que muito carece de reparação. (6)

Na sessão de 10 de Novembro estão presentes, a convite, o médico e o farmacêutico.

Devido ao estado financeiro lastimável em que se encontra o cofre municipal, são-lhes reduzidos os vencimentos. Naturalmente que os visados não se conformam com tal deliberação e vêm a ser demitidos em 9 de Dezembro. Os lugares são postos a concurso mas não aparecem concorrentes.

Movimentam-se os lesados procurando provar a ilegalidade e em 25 de Maio de 1911, é presente um ofício que manda readmitir aqueles funcionários. Perante o facto, o Presidente da Comissão Republicana é autorizado pela mesma a constituir advogado. (7)

Em 4 de Agosto de 1912 toma posse a Comissão Municipal, presidida por Augusto Carlos Xavier Caimoto, sendo vice-presidente, António Sebastião de Freitas e vogais José Francisco Delicioso, Carlos Malaquias Vieira e Diogo Xavier Cavaco.

Verifica-se assim que da primeira Comissão Republicana, ninguém manteve o lugar.

Como acontece sempre nestas situações, é fácil verificar os muda casacas.

Na sessão de 31 de Julho de 1913, pelos lesados (médico e farmacêutico) é apresentada certidão das sentenças do auditor administrativo, exaradas no processo de reclamação perante o mesmo, interposto por aqueles, contra a deliberação da Câmara Municipal de 9 de Dezembro de 1910, que os demitia dos seus lugares e de que obtiveram provimento. Foi deliberado reintegrá-los nos seus lugares, sendo abonados desde a data da demissão que se provou ser ilegal. (8)

[Paços do Concelho de Alcoutim, Setembro de 2009]

A exoneração do encarregado do relógio público, João Baptista Canelas, em 30 de Janeiro de 1911, parece que foi um saneamento político já que por deliberação de 22 de Dezembro de 1912 é reconhecida a incompetência do actual encarregado e vem a ser novamente nomeado para o cargo.

O Presidente Centeno de Passos propôs que deveria ser escolhido pela Comissão o dia feriado para o concelho. Depois de alguma discussão, foi deliberado que o feriado municipal fosse o dia 14 de Outubro, como recordação da posse da Comissão. (9)

Não teria sido muito acertada a escolha pois em 6 de Janeiro de 1913, a Comissão de então muda-o para 8 de Dezembro que só veio a ser alterado depois do 25 de Abril de 1974.

O Presidente José Centeno de Passos informou que tendo com o vice-presidente ido a Lisboa inteirar-se junto do Ministro do Fomento para obter alguns melhoramentos de interesse geral para o concelho, obtiveram a promessa da continuação da estrada desta vila para Almodôvar, de São Brás de Alportel para Martim Longo e a construção de uma ponte sobre a ribeira do Vascão. (10)

Deixámos aqui e fundamentalmente referida a acção da Comissão Republicana que tomou os destinos do concelho e alguns choques provocados pela nova Comissão Municipal.

NOTAS

(1) Ofício nº 48 de 26 de Abril de 1881 do Administrador do Concelho ao regedor da Paróquia do Pereiro.
(2) Ofício nº 131 de 29 de Outubro de 1889 do Administrador do Concelho do Governador Civil de Faro.
(3) Livro nº 14 das Actas das Sessões da Câmara Municipal de Alcoutim, pág. 480.
(4) Idem, ibidem, pág. 49
(5) Idem, Sessão de 18 de Outubro de 1910.
(6) Idem, ibidem.
(7) Idem, Sessão de 25 de Maio de 1911.
(8) Idem, Sessão de 31 de Julho de 1917, pág. 87, verso.
(9) Idem, Sessão de 2 de Outubro de 1911, pág. 67, verso.
(10) Idem, Sessão de 13 de Março de 1911.