terça-feira, 19 de outubro de 2010

Lembrando o Dr. João Francisco Dias no 90º aniversário do seu nascimento

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 22 DE DEZEMBRO DE 1988)



Há quinze anos publicámos nas páginas deste semanário, um pequeno “escrito” sobre esta FIGURA que, como então referi, não cheguei a conhecer.

Era como que uma pequena “biografia” alicerçada em recortes de jornais e noutros dados que recolhi.

Lembrava-o na passagem do 18º aniversário do seu falecimento e o então escrito serviu-me mais tarde para o referir num trabalho publicado sobre Alcoutim e o seu concelho.

Para aqueles que nunca ouviram falar no Dr. João Francisco Dias, direi que nasceu em Corte Velha, freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim. Licenciou-se em medicina na Universidade de Coimbra, em 1927 e, depois de uma curtíssima passagem pela terra natal, fixou-se na vila de Alcoutim, que amou como poucos e onde veio a falecer com apenas 57 anos, quando muito ainda havia a esperar da sua inteligência, competência profissional, enorme capacidade de trabalho e amor ao próximo.

[Monte da Corte Velha, freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim. Foto JV, 1972]

Bom médico, excelente cirurgião, fundou o Hospital da Misericórdia, fazendo sozinho o trabalho de uma equipa médica. De tal maneira que o seu nome começou a ser conhecido nas zonas circunvizinhas mas rapidamente se alastrou a todo o Sul do país e zona confinante espanhola, aparecendo na vila, para o consultar, gente de terras bem distantes que quase sempre desenganados, encontravam aqui a sua última esperança, muitas vezes concretizada.

Alcoutim era nessa altura, uma vila hospital!

Mas não era só a competência profissional que trazia aqui os doentes. Além desse prestígio, gozava o Dr. Dias da fama de ter um bondoso coração e tanto tratava os que podiam pagar, como os que não tinham posses para isso, chegando mesmo, nos casos mais gritantes, a pagar do seu bolso os medicamentos.

Lá por não ter dinheiro não se deixa de tratar – era a frase que habitualmente pronunciava. E era assim.

“O Dr. João Francisco Dias! Um santo!

Não, um homem com as fraquezas inerentes à condição humana; mas um homem com excelsas qualidades”, foi assim que o definiu o Prof. Trindade e Lima, que bem o conheceu.

Não nos iremos alongar mais, mas era conveniente fazer este pequeno resumo para aqueles que o não conhecem.

Dois factos passados comigo, são elucidativos do nome que ganhou, ao qual o de Alcoutim andou sempre associado.

Quando em 1967 tivemos conhecimento de ter sido colocado na pequena vila raiana, a primeira informação que sobre ela tivemos, a trezentos e tal quilómetros de distância, foi-nos dada da seguinte maneira: “Olhe, teve um médico excepcional, depois do seu falecimento, aquilo morreu”.

Anos depois (1980), as andanças profissionais trouxeram-nos para uma cidade piscatória no centro do país.

Conhecemos então um velho pescador oriundo de Quarteira que para aqui veio, em novo, à procura de melhores condições de trabalho, que obteve e por cá ficou, constituindo família.

Quando lhe falámos de Alcoutim, uma vila do Algarve, disse-nos que dela só sabia ter existido um médico que “fazia milagres” e onde ia muita gente dos seus sítios. Isto aconteceu vinte e cinco anos após o falecimento do ilustre médico!

São dois pequenos episodias que testemunhámos e penso, confirmam o que atrás escrevemos.


Ainda em sua vida, o povo do concelho homenageou-o na qualidade de fundador do Hospital da Misericórdia, ficando o facto atestado por lápide colocada na fachada daquele edifício (1942).

Também o povo da freguesia de Giões lhe presta homenagem (1954), encontrando-se colocada uma lápide na antiga sede da Junta de Freguesia.

O falecimento do Dr. João Francisco Dias, ocorreu a 8 de Março de 1955. A vila de Alcoutim ficou mergulhada em constrangimento e à deriva pois tinha perdido o seu timoneiro.

Organizou-se uma comissão para erigir um busto que perpetuasse a sua memória. De princípio, a ideia circunscrevia-se apenas ao concelho, mas em virtude das ofertas que chegavam de todos os pontos do País, resolveu-se torná-la extensiva a todos os que quisessem compartilhar do reconhecimento ao “médico dos pobres”, onde quer que se encontrassem.



Em 10 de Março de 1957, com a presença de numerosas individualidades e muito povo, foi descerrado o busto à memória do grande benemérito.

Entretanto é dado o seu nome à rua em que se situa a casa onde faleceu.

É possível que além destes dois testemunhos de agradecimento e homenagem, outros tivessem aparecido mas, se existiram não são do nosso conhecimento.

Mas afinal porque me dispus a escrever estas linhas?

Como o título indica, lembrá-lo, ainda que modestamente, na passagem do seu 90º aniversário natalício que ocorreu no dia 22 do corrente e, … não só.

O nome do Dr. Dias está a empalidecer, o que é natural com o rodar dos anos – o que já não é natural é o ritmo que está a tomar.

[Rua Dr. João Dias e casa onde faleceu.Foto JV, 1970] Quando chegámos à vila pequenina, e já lá vão vinte e um anos, chamou-nos a atenção o jardinzito situado junto à parede lateral da Igreja da Misericórdia, local em que se encontrava o busto do Dr. João Dias.

Pensamos mesmo que o jardim foi feito para o receber.

Era então um pequenino jardim com três bancos de suportes de pedra e travessas de madeira. Num canteiro alongado situava-se uma pequena palmeira e alguma relva. Umas tantas roseiras que “Ti” Chico Barão enxertava, já que não era mestre de nada, mas tudo sabia fazer.

Naqueles bancos passei algumas horas cismando, queimando o tempo que me sobrava.

Era um local limpo e acolhedor.

E agora? O que se passa agora?

De jardim, nada tem, bancos partidos, madeiras podres, espaço ocupado pelos veículos ligados ao Ministério da Saúde, estando mesmo, se a memória não nos falha, transformado o jardim em parque de estacionamento privativo.

Quando foi instalado o Centro de Saúde, em propriedade da Santa Casa da Misericórdia, transformou-se a igreja em capela com destruição do altar de pintura marmórea, do tempo de D. João VI. O chão foi escavado para poder fazer uma arrecadação, mais tarde transformada em garagem.

A situação vem de 1973, se a memória não nos atraiçoa.

Na última vez que visitámos o local, era confrangedor o seu aspecto. Pensamos que terá de ser tomada uma opção. Ou jardim, ou parque de estacionamento.

“Promover” o Ilustre Médico e Benemérito a figura que mais nome deu a Alcoutim, pelo menos no último século, a “guarda do parque”, isto sem qualquer desconsideração por tal profissão, como é evidente, não nos parece justo.

Verdade seja que presentemente não é fácil encontrar local para a mudança. Alvitrámos nestas páginas, na edição de 18 de Maio de 1984 um, que nos parecia ideal, mas parece-nos que ainda não estão reunidas as condições para o efeito.

Há que dar ao monumento a dignidade que ele merece.

É preciso “mostrar” às novas gerações, quem foi o Dr. João Francisco Dias e dá-lo como exemplo, quanto mais não seja, no tocante ao amor que dedicou a esta vila e seu concelho.