Pequena nota
Mais um texto escrito pelo nosso saudoso Amigo há trinta e sete anos!
Mais uma vez a sua visão, conhecimento da região e cultura estão patentes e se olharmos para o presente vamos encontrar ainda que naturalmente em formas diversificadas os coutos cinegéticos, as pousadas ou o aproveitamento do rio.
Mais uma vez patente o que costumo afirmar:- Luís Cunha fazia a diferença em Alcoutim.
JV
(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 10 DE MARÇO DE 1973)
Escreve
Luís Cunha
“Quem quer figos, quem quer merendar?!” Este grito que outrora ecoava, repercutido, pelas estreitas vielas de Lisboa, deixou de ouvir-se nas avenidas da nova metrópole. Não sendo dali, os figos constituíam tributo da gente provinciana, a mimosear o cidadão lisboeta, adoçando-lhe a boca. Mas, ou porque parecia mal continuarem manchando a modernizada majestade, ou porque a enxurrada provinciana de onde os figos provinham, abafando, maculasse os privilégios fidalgos, o certo é que este e outros pregões, acabaram por desaparecer com escândalo e mágoa dos saudosistas, adoradores do “sol-poente”.
Modernas tendências para a diversificação e as especializações, caracterizam a juventude amante do “sol-nado”, que, à certeza do descanso que a calma noite garante, prefere a dos riscos do dia cheio de perigosa inovação.
Estes sentimentos subtraíram à capital outras honras de exclusivos, como o de o Algarve, hoje e muito justamente, embandeirar em capital turística do País.
[O Guadiana em Alcoutim. Foto JV, 2009]
Berrado do Guadiana, de Alcoutim, cá aparece, ressuscitado, o velho pregão: quem quer figos, quem quer merendar?! E que figos são esses que agora a terra montanheira se propõe ofertar à capital do turismo? O que se oferece, para adoçar a boca, que na capital e zona balnear não exista? O que é isto que nos vem dos serros, gritado da rua?
O turista – sabe-se – saturado de um ano inteiro de vida rotineira, refastela-se por uns dias ao sol ardente dos argênteos areais da praia, mas a natural monotonia desse ambiente cedo deixa de ser a novidade que procurava, o diferente, a carne em sangue para melhor dizer. A mais concludente prova disto, temo-la em que a excelência sem igual dos espaçosos areais, a amenidade da temperatura das águas e clima do Sotavento, não conseguem, por falta de complementos, deixá-lo competir com o Barlavento. E ai de nós se para subtrair o turista ao bocejo do enfado ensaiamos oferecer-lhe a estafa física da caça e dos desportos náuticos, esse complemento diferente, essa “carne fresca” que a região serrana põe, como figos maduros, como merendinha, à disposição do infatigável Nenrode, caçador de emoções.
Em cada curva perenemente verde, o rio maravilhoso parece abruptamente acabar, mas, de súbito, nova e majestosa paisagem se oferece e o peito e respiração se oprimem ante a iminência de esmagamento de encontro aos contrafortes das curvas, que logo se dilatam em inefável gozo, no desfrute da novidade.
Em sua terra, o turista – referimo-nos às massas – jamais teve oportunidade de pensar em ser um dia caçador de perdizes ou de correr a lebre a cavalo. Ora, aqui está outra “merendinha”com a qual Alcoutim pode facilmente brindá-lo. Pelas condições naturais e povoamento disperso em aglomerados distantes que hoje são quase desertos, a região presta-se às mil maravilhas à criação da perdiz, lebre, coelho e possivelmente de alguma pequena gazela, pouco maior que a lebre, que habita as montanhas do Riff, de clima sensivelmente igual ao nosso. Bastaria, constituir uma coutada municipal a isso destinada e, aqui e além, pousadas devidamente apetrechadas para o efeito.
As águas do Guadiana, segundo o abalizado parecer de ictiólogos cujo nome não nos ocorre, são as melhores para a procriação do barbo, que chega a atingir mais de 12 quilos. Em qualquer dos inúmeros barrancos e grandes ribeiras do concelho seria fácil construir pequenas represas para sua criação, de molde a proporcionar abundância de pesca desportiva.
Muitos outros motivos há, na região alcoutinense, para ofertar ao turismo de movimento, aquele que espalha dinheiro e difunde cultura, mas as condições climáticas – ar extremamente seco e salutar – bem como o calmo sossego que nas zonas menos expostas, poderia conservar-se, seriam aliciante convite a esse outro turista que procura ou necessita de repouso.
[O Guadiana à Lourinhã]
Pergunta-se, então: neste Sotavento sem outra variante para o turismo balnear, não será antiturismo o deixar apodrecer nas árvores os figos maduros, estas merendinhas a oferecer-se a quem quiser colhê-los?