terça-feira, 31 de agosto de 2010

O restauro da Capela de S. Domingos



Não podíamos deixar de aproveitar a nossa estada no concelho de Alcoutim para vermos o restauro recentemente concluído da Capela de S. Domingos na aldeia de Giões.

Este pequeno templo do século XVI foi a primeira matriz da freguesia e na primeira metade do século passado entrou em ruína pelo que o patrono foi posto a salvo, sendo levado para a actual igreja matriz.

Ainda que não tivéssemos tido acesso ao seu interior, ficámos agradados com a maneira como o restauro foi feito, o que muitas vezes assim não acontece com obliterações sem o mínimo de sentido.

A estrutura da fachada foi mantida naquilo que dela se conhecia como a cimeira trilobada e o remate argamassado da empena de bico. A porta de arco de volta inteira foi igualmente conservada e nas duas folhas foi mantida a madeira.

A cruz da empena é de ferro que se ajusta bem pois Giões foi terra de ferreiros de reconhecida valia, pelo menos a nível regional.

No telhado manteve-se a telha de canudo ou árabe pois foi sempre assim coberto.

Como já dissemos não conhecemos o seu interior que deve de ter sido restaurado nos mesmos princípios.

Fomos informados dias depois que se construiu um nicho para receber a imagem de S. Domingos que assim regressou à sua casa. Segundo a mesma fonte foi feito um forro de madeira.

O amplo adro foi provido de vários bancos em escada que pensamos servirá para os visitantes em dias de cerimónias religiosas.

Falta efectuar, como é natural, algumas obras de embelezamento do adro e que certamente se irão realizar logo que seja possível.

Falta, segundo a nossa perspectiva, uma placa epigráfica com a indicação da fundação do templo e agora do restauro para que os vindouros se apercebam do facto.

sábado, 28 de agosto de 2010

Fortim, monte que o topónimo bem justifica



A pequena povoação situa-se a Sul da aldeia de Vaqueiros, freguesia a que pertence num núcleo de povoamento constituído pela Traviscosa, Cabaços e o minúsculo Bemposta já que Pomar se encontra desabitado.

Em meados do século passado e quando a população atingiu o seu zénite, a proximidade e entreajuda praticada possibilitava a sua existência já que o isolamento a que estava votada acabava por constituir uma autodefesa, acontecendo as saídas pormotivos imperiosos e que tinha natural dificuldade em aceitar: pagamento de impostos, serviço militar e outros aspectos burocráticos que lhe consumiam o pouco que conseguia angariar para sobreviver.

Desde que tivemos conhecimento da sua existência, em 1967/68, o topónimo inspirou-nos sempre uma situação de defesa, o que a nossa visita efectuada pouco depois do 25 de Abril confirmava à primeira vista.

Tempos depois pesquisas arqueológicas nas proximidades detectavam vários núcleos de povoamento na zona e no sítio mais elevado parece ter existido um pequeno castelo ou atalaia que acaba por justificar o actual topónimo.

Muros com cerca de dois metros de espessura e uma estrutura que parece ser de planta rectangular defenderia uma povoação muçulmana. Foram encontrados bastantes fragmentos de cerâmica, boros, fundos e asas de talhas e potes para armazenamento. (1)

Relativamente perto e na freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim, existe o monte de Fortes, topónimo, como é evidente, com as mesmas características.

Fortim é constituído por três pequenos núcleos, todos situados no cerro e a curta distância. Na baixa, terreno plano e agricultado.

É a única povoação no país que encontramos com este nome e isto tendo em consideração o Dicionário Corográfico que habitualmente consultamos. (2)

Nas Memórias Paroquiais de 1758, o cura que responde ao questionário atribui-lhe 5 vizinhos, enquanto para a Traviscosa e Cabaços indica 7, Pomar tem 5 e para a Bemposta, já existente, 3.

Como noutras circunstâncias já informámos, ainda que Fortim pertencesse à freguesia de Vaqueiros fazia parte, nesta altura, do termo de Tavira.

Quando visitámos pela primeira vez o monte, fizemo-lo num veículo de todo o terreno e acompanhando então o presidente da Comissão Administrativa da Câmara, Júlio António Rosa. A maquinaria encontrava-se desbravando a serra do Caldeirão no que diz respeito à freguesia de Vaqueiros.

Hoje o Fortim tem boa estrada de acesso e em 1985 deviam de arrancar as obras de terraplenagem e respectivas obras de arte da estrada municipal nº 506, entre Casas e esta povoação. (3)

Em 19 de Dezembro de 1984 inaugurava-se com festejo o fornecimento de energia eléctrica. (4)

Há recolha de lixo e foi colocado um painel de quatro caixas para correio. As ruas estavam asfaltadas e havia distribuição de água por fontanários.

A água ao domicílio é levada em 2002 (5). Em 2004 é aberto um novo furo e construída a estação elevatória. (6)

O Censo de 1991 atribui-lhe 16 habitantes (9 homens e 7 mulheres), mas no seguinte, por serem menos de dez, o seu número é colocado nos “isolados”. Existiam nove edifícios.

Em 1881 houve aqui um incêndio que causou muitos prejuízos aos seus moradores que pretendem ser indemnizados e que atribuem a ter sido fogo posto por um seu conterrâneo que indicam. (7).

Por volta dos meados do século passado, D. Clarisse Cunha, nossa saudosa amiga trabalhou no posto escolar de Traviscosa, mais tarde transformado em escola e onde alfabetizou muitos dos seus naturais que dela se devem lembrar. Segundo nos dizia, era em casa de um lavrador local que se acolhia. Só vinha à vila nas férias grandes e os trabalhos eram muitos para fazer a viagem, como nos contava.



É tudo o que conseguimos reunir sobre esta pequena povoação.





NOTAS

(1)– “O Algarve Oriental Durante a Ocupação Islâmica – Povoamento rural e recintos fortificados” Helena Catarino, Revista do Arquivo Histórico Municipal de Loulé, nº 6, 1997/98, p. 193.
(2)- Novo Dicionário Corográfico de Portugal, A.C. Amaral Frazão, Editorial Domingos Barreira, Porto, 1981.
(3)– Jornal do Algarve de 4 de Julho de 1985.
(4)– Jornal do Algarve de 27 de Dezembro de 1984.
(5)– Alcoutim, Revista Municipal, nº 9 de Dezembro de 2002, p 7.
(6)– Alcoutim, Revista Municipal, nº 11, de Janeiro de 2005, p. 14.
(7)– Ofício nº 106 de 14 de Agosto de 1881 do Administrador do Concelho.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Vicissitudes da Vida

Como disse em “postagem” anterior iria colocar uma segunda em relação ao 4º Convívio – Festa do Monte de Tacões, freguesia do Pereiro, concelho de Alcoutim.

Tem esta a ver com o facto de uma professora do Ensino Básico ter iniciado a sua actividade profissional nesta pequena povoação em 1974/75 e que teve continuidade no ano seguinte.

Desta pequena escola saíram dois dos primeiros quatro alunos que propôs ao exame da então 4ª classe, mais concretamente a Fernanda e a Ana Maria e que ficaram aprovadas.



Desse primeiro ano de actividade foi tirada esta fotografia de que constam, de pé, da esquerda para a direita: José António, Fernanda, Prof. Isabel, Cidália e Ana Maria. No primeiro plano e pela mesma ordem: Manuela, Fátima, Cesaltina e José Vilão. Por razões que não se podem precisar, faltam alguns alunos.

No ano escolar seguinte foi possível obter a seguinte fotografia que já foi publicada na imprensa regional (Jornal do Baixo Guadiana) e no livro A Freguesia do Pereiro (do concelho de Alcoutim) «do passado ao presente», 2007.

Nesta fotografia estão todos os alunos da primeira e mais um novo que iniciou a actividade, filho da professora.

De todos os alunos que passaram por esta escola durante estes dois anos lectivos houve um que não aparece por motivos que se ignoram.



Aqui a identificação é a seguinte:- Primeiro plano, da esquerda para a direita, Manuela, Cesaltina, José Vilão e José Miguel. 2º plano, pela mesma ordem, José António, Josélia, Cidália e Fátima. No 3º e último plano e pela mesma ordem, Fernanda, Ana Maria e Ana.

Passaram-se 34, 35 anos! A vida levou muitas voltas. A professora continuou ensinando em várias escolas, entre elas no concelho do Cadaval e durante muitos anos no concelho de Peniche onde se aposentou e vive.

Se houve alterações na vida da professora, muito mais se verificaram na da formação dos alunos, com os quais perdeu o contacto, que apareceu esporadicamente em três casos.

Sem qualquer combinação para o efeito, o Convívio – Festa dos Tacões proporcionou o reencontro com seis dos seus antigos alunos e só dois, a Fernanda e o José Madeira, o tal que não aparece nas fotografias, a reconheceram por já se terem encontrado. Os restantes, só depois de lhe dizerem que tinha sido sua professora, a descobriram.

Como não podia deixar de ser, o “fotógrafo” que já tinha batido as chapas anteriores, fê-lo novamente e no mesmo local das primeiras.

Aqui vai ficar para a posteridade com a devida identificação:- Da esquerda para a direita: José António, Fátima, José Madeira, Professora Isabel, Manuela, Fernanda e Josélia com o seu novo rebento ao colo.

O semblante de todos é significativo pois irradia satisfação.

Apesar das tarefas que tinham na organização do Convívio, ainda arranjaram um bocadinho para troca de impressões, já que os seus alunos são sempre os seus meninos e quando os encontra bem na vida fica bastante satisfeita e orgulhosa por eles.



Em Peniche, onde o magistério durou mais anos, passaram pelas suas mãos várias gerações, entre os quais irmãos.

Conhece-os quase todos a quem solicitava “maternalmente”informações sobre o decorrer dos estudos, quando era o caso, nunca esquecendo de dar o seu conselho como fazia nos tempos de escola.

Apresentavam-lhe namoradas, esposas e vão-lhe mostrando os filhos. Tem sempre uma palavra de carinho e de estímulo.

Quando encontra alguma em situação mais delicada é notória a sua tristeza e ficou muito transtornada quando um praticou um crime e foi condenado à pena máxima. Nunca pensou que ele pudesse fazer tal e sentiu o facto muito pronunciadamente.

Neste reencontro com alguns dos seus primeiros alunos, onde não deixou de perguntar pelos que não estavam, acabou por encontrar neles uma colega de profissão e até de receber do José António um piropo:- a professora Isabel, quando era nova, era muito bonita! (aos seus olhos).

Pelo menos encontrou uma avó. Isto é tudo gente na casa dos 40.

Aqui fica este pequeno testemunho.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

António Valério - Um amigo que recordamos

Pequena nota
O Alcoutimlivre presta hoje a devida homenagem, por intermédio do seu colaborador, Gaspar Santos e no dia da passagem do 1º aniversário do seu falecimento a um alcoutenejo de raça que a morte evitou tivesse usufruído da tranquilidade do “monte” dos seus antepassados maternos.
JV







Escreve

Gaspar Santos







Fomos amigos desde os bancos da escola primária. Depois trabalhamos juntos em duas oportunidades. Primeiro no Grémio da Lavoura em Alcoutim para onde entrei em 1945 e onde ele já se encontrava desde 1943. Mais tarde no Hospital Júlio de Matos. Também ambos fomos correspondentes de jornais. Ele escreveu durante alguns anos no Diário de Lisboa, tarefa em que por sua indicação lhe sucedeu o Senhor Leopoldo nosso chefe no Grémio. Enquanto eu escrevia para O Século.

Estávamos em 1948 e os jovens de então com o Valério na primeira fila, metemos mãos à obra, aliás duas obras muito ambiciosas, mas que ainda hoje permanecem. Foram as primeiras Festas de Alcoutim e a fundação do Grupo Desportivo de Alcoutim. Foi obra lançar uma festa de que não havia tradição, com eventos desportivos durante toda uma semana. Ele foi eleito secretário na primeira Direcção do Grupo Desportivo de Alcoutim. E, depois, ele e eu fizemos a partir dos estatutos do Benfica uma proposta de Estatutos do G.D.A. que veio a ser aprovada.

[Prédio na Vila de Alcoutim onde nasceu António Valério. Foto JV, 2010]

O Valério pertenceu àquela geração de jovens que Alcoutim não soube aproveitar, como diz Amílcar Felício e eu subscrevo inteiramente.

Ele foi dos primeiros a sair em 1949 para frequentar o curso de enfermagem psiquiátrica, que terminou com elevadas notas e empregar-se no Hospital Júlio de Matos. Os mesmos passos que por sua influência eu também segui em 1956, e vários outros alcoutenejos seguiram mais tarde.

O amigo Valério aliciou-nos. Arrastou atrás de si muitos outros com o seu exemplo e com as descrições do trabalho que exercia. Naquele tempo e talvez ainda hoje, exercer enfermagem num manicómio assustava qualquer mortal. Não têm todas as pessoas histórias fantásticas e horrorosas da violência dos “doentes mentais”? Hoje posso afirmar com toda a convicção que o estudo da psicopatologia e a prática de avaliação dos homens em sofrimento nos deram, a ele e a nós, uma dimensão da compreensão dos outros que não estará na posse da generalidade das pessoas.

Fazia a minha tropa no Campo Grande, bem perto do Hospital Júlio de Matos, quando o visitei. Ele apresentou-me a um grande número de enfermeiros, também estudantes trabalhadores. Era o Armando Glória, o Braúlio, o Manuel Estanqueiro, o Manuel Antunes, o Picanço. O primeiro e o último também algarvios.

Estudar já era nosso propósito, mas para a criação do hábito e da disciplina de estudar ajudaram-me bastante os vários contactos que a partir daqui se estabeleceram. Os estudos para que me entusiasmaram tinham além da ambição de melhorar a nossa vida, o objectivo de aumentar a nossa cultura para a qual eles já tinham um considerável avanço.

[Casa da Família Valério no "monte" da Corte da Seda. Foto JV, 2010]

O Valério era uma pessoa sempre disponível para todos os amigos. E até mesmo para aqueles que eram apenas seus conhecidos. Talvez com umas particularidades que devo referir. Por detrás de uma pessoa sóbria, low profile, algo distante, aparentando uma certa frieza, ele era de uma solidariedade imensa e de uma profunda afectividade. Por isso todos os Alcoutenejos que o conheciam se diziam amigos do Valério. Algum desses, o Valério nem sequer os conhecia. Aparentemente, ele não parecendo estimar gerava estima.

Tinha em elevado grau uma serenidade e uma grande presença de espírito. Foi graças a essa presença de espírito que mereceu um louvor concedido a nível ministerial. A dada altura ele, jovem enfermeiro, assistia alguns doentes que como tratamento realizavam algumas tarefas manuais, aquilo que se designa como ergoterapia. Dois doentes desentenderam-se e um deles preparava-se para agredir o outro com um machado de rachar lenha. “O Enfermeiro António da Assunção Valério com risco da própria vida tirou o machado da mão do doente que ia agredir outro doente”. Assim se pode ler no louvor.

Aposentou-se como enfermeiro-chefe, o posto mais elevado da carreira, que alcançou após os necessários concursos de promoção. Mas, ainda muito jovem e sem graduação profissional, a sua voz era escutada pelos médicos, uma elite por vezes distante, e a sua competência era reconhecida.

No início dos anos sessenta a administração do Hospital Júlio de Matos mandou fazer um filme de divulgação do hospital. Para acompanhar os técnicos cinematográficos foram escolhidas duas pessoas: a Dr.ª Júlia Polónio e o nosso amigo Valério. E no final, ambos em conjunto se encarregaram de visionar o filme e criar o texto para ser lido pelos profissionais da locução.

Veio a casar com Maria Isabel Pais de Sousa Pimenta funcionária da secretaria do Hospital Júlio de Matos. Deixou duas filhas e quatro netos.

[Prédio que mandou construir no "monte" dos seus antepassados maternos, onde pretendia refugiar-se e saborear a tranquilidade que o local lhe proporcionaria. Foto JV, 2010]

Era uma pessoa com uma inteligência privilegiada. Fez em poucos anos todo o Secundário, tendo frequentado sucessivamente Medicina, talvez alheia à sua verdadeira vocação e, depois, o curso de Matemáticas, com muito boas notas, que, no entanto, não chegou a completar.

Outras necessidades materiais mais urgentes devem-no ter levado a arranjar um segundo emprego, como delegado de propaganda médica e a abandonar os estudos. Foi uma pena, pois poderia ter ido muito mais longe.

Morámos sempre próximos no Bairro de Alvalade em Lisboa e quase todos os dias nos encontrávamos na rua ou no café.

Nunca deixou de visitar Alcoutim e construiu casa em Corte da Seda onde gostava de passar largos períodos e para onde chegou a mudar o domicílio oficial depois de se aposentar.

O amigo Valério que já sofria havia alguns anos de doença irreversível deixou-nos há um ano a 26 de Agosto de 2009.

Sentimos muito a sua morte que nos foi imediatamente comunicada pela viúva e sentimos ainda mais por não o pudermos acompanhar à sua última morada, devido então à minha temporária ausência.

O Blogue alcoutimlivre, no tema Viagem sem Regresso, pela pena de José Varzeano, noticiou a sua morte, começando assim:

“Só hoje nos é possível noticiar o falecimento do alcoutenejo, António de Assunção Valério, de setenta e oito anos, ocorrido no Hospital de Santa Maria,
em Lisboa, no dia 26 de Agosto último...”

Aqui deixamos a nossa recordação e homenagem a um amigo que nos deixou há um ano.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Moinho da Casa Branca (Balurcos)



A Câmara Escura de hoje tem um significado especial visto tratar-se da primeira colaboração de uma visitante / leitora e ainda por cima vindo do estrangeiro (Europa).

A fotografia é dos anos 50 e tem a curiosidade de apresentar ainda em condições de funcionamento o moinho da Casa Branca (Balurcos), um dos últimos que por aqui deixou de funcionar.

Por outro lado podemos apreciar a indumentária de duas crianças locais, uma calçada de botas e a outra descalça como era habitual na época, tanto nos meios rurais com nas cidades.

Chamou-me a atenção o facto de ambos usarem suspensórios

Ainda que não me tivesse sido referido, parece-nos que no muro de pedra - solta e ao longe está sentada uma jovem, vestida de branco, de carrapito, que possivelmente não será da região pelo porte e vestido que apresenta.

Nos anos cinquenta não era usual tirar fotografias, a não ser as estritamente necessárias para documentação.

A colaboração é de S.M. a quem agradecemos.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

4º Convívio - Festa - 2010 - Monte dos Tacões

[Vista parcial do Monte no dia do Convívio]

Anunciámos aqui a realização do 4º CONVÍVIO – FESTA do “monte”de Tacões, freguesia do Pereiro, concelho de Alcoutim e que teve lugar no dia 21 do corrente, sábado passado.

Cumprido o programa anunciado, deslocámo-nos àquela povoação, hoje reduzidamente habitada por volta das dezassete horas no sentido de nele tomarmos parte.

Nessa altura já se dançava ao som de música gravada e após a digestão do variado almoço onde participaram dezenas de pessoas, residentes e naturais vindos de várias zonas do país onde se encontram exercendo as suas actividades.




Chegada a hora de jantar, novamente os convivas se reuniram para saborear as várias iguarias produzidas pelos tacoenses e os encontros inesperados que estas situações normalmente oferecem.

É possível aqui encontrar pessoas que há muitos anos não víamos, recordar situações de matizes diferentes e até conhecermos algumas de que tínhamos ouvido falar ou que desconhecíamos completamente, havendo contudo, algo que acabou por nos aproximar.

A nossa presença, além de corresponder a um convite que já no ano passado nos tinha sido formulado, ligava-se a outros aspectos entre os quais as origens de familiares próximos, o facto de meu filho aqui ter realizado o primeiro ano de escolaridade e de minha mulher ter iniciado há 35 anos a actividade de que se veio a aposentar.

Naturalmente e devido às situações apresentadas, havia da nossa parte alguma expectativa, mas algo que não se esperava aconteceu.

Minha mulher acabou por encontrar uma senhora com 92 anos, com grande lucidez, que apenas toma meio comprimido para a tensão arterial e que diz não ter dores nenhumas e que a amamentou durante os cinco primeiros meses de vida. Fixou este facto e o nome da “benemérita” que nunca esqueceu e que agora veio a motivar o encontro numa altura em que já não o calculava possível.


Aqui apresentamos a fotografia com a “irmã de leite” junto da senhora que se lembrava bem dessa tarefa e não se esquecendo de afirmar que dizem que o leite transmite características pessoais.



Foi, como se calcula, um reencontro muito agradável.

Pela minha parte proporcionou-nos conhecer e trocar impressões com alguns dos nossos leitores de livros e jornais e também do ALCOUTIM LIVRE que vai chegando a onde se encontra um alcoutenejo.

Notar igualmente a referência feita a colaboradores.

Entretanto começam a chegar bastantes mais visitantes de vários pontos do concelho alcançando as filas de carros muitas dezenas de veículos e até algum caos na circulação.



O baile continuou até altas horas animado por um acordeonista e uma voz feminina.
O serviço de bar funcionou como é habitual, assim como o bazar.

O encontro da professora com os seus primeiros alunos e após 35 anos de afastamento, ficará para uma próxima “postagem”.

Agradecendo as deferências recebidas, desejamos aos organizadores que mantenham a realização de tal evento.

sábado, 21 de agosto de 2010

A idade das gracinhas (Poema)






Poeta

José Temudo



Que pena tenho
de não guardar memória
ou de não ter engenho
para imaginar a história
de carinho, enternecida,
do meu primeiro ano de vida!
Como lamento
não reter no ouvido
o meu primeiro vagido,
a voz alegre da parteira,
querendo agradar, prazenteira,
-“Dona Marina, é um rapaz!”-
Que pena não poder olhar
o olhar feliz de minha Mãe,
a falsa indiferença do meu Pai
-“rapariga ou rapaz, tanto faz!”-
Que pena não poder lembrar
o primeiro leite que bebi,
o sono tranquilo, em paz,
que docemente dormi!
Que pena não poder rever
o primeiro sorriso
vendo minha Mãe sorrir!
Que pena, não me poder ouvir,
Naquela longínqua manhã,
O meu primeiro “papá” ou “mamã”!
Que pena não poder ver
o primeiro passo que avancei,
vacilante, inseguro, tremido!
Que pena não poder sentir
o primeiro beijo que dei!

Que pena tudo se ter perdido!

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Nota de Daniel Teixeira

Pequena Nota
Como é do conhecimento dos nossos leitores existe um acordo entre o JORNAL RAIZONLINE e o BLOGUE ALCOUTIM LIVRE no sentido de haver um intercâmbio, de textos publicados quando assim for julgado conveniente.

É por isso que os leitores quando procuram o RAIZONLINE encontram por vezes reproduzidos alguns dos nossos textos que por este meio chegam a locais que se assim não fosse, nunca chegariam.


É igualmente sabido que muitos dos habituais visitantes acabam por também sê-lo daquele periódico.

É neste sentido que reproduzimos a interessante nota que o Amigo Daniel Teixeira, director daquele Jornal e nosso colaborador colocou como achega ao artigo do saudoso amigo, Luís Cunha.

São estas pequenas achegas que fazem manter, primeiro na memória e depois no “papel” as tradições dos nossos avós.


JV





Nota de Daniel Teixeira:





O amigo José Varzeano tem-me desafiado para escrever as minhas memórias de infância, tendo esta sido passada periodicamente no Concelho de Alcoutim, mais propriamente em Alcaria Alta, Freguesia de Giões, Concelho de Alcoutim, todos os anos quando das férias escolares.

Eu tenho memórias - e boas - de factos passados nesses períodos, que irei escrevendo mas hoje esta história do José Varzeano e do Luís Cunha fez-me lembrar um episódio que se contava ter acontecido com o meu avô num destes casamentos e cavalgadas. Acho que se chamavam mais de «burricadas» porque sendo o burro o animal menos lesto (que os cavalos e mulas) se procurava dar uma condição de igualdade a todos os participantes.

Conta-se que numa dessas burricadas o noivo e a noiva - que não participavam da corrida mas montavam ao mesmo tempo na praça da igreja do casório - tinham começado o seu percurso a passo para acelerarem mais à frente, como era uso. A noiva, sentada na besta atrás do agora marido, «à senhora», quer dizer de lado, com ambas as pernas para o mesmo lado - nesse tempo era mesmo assim e nem podia ser de outra forma - talvez resultado da emoção terá colocado mal o braço à volta da cintura do marido e com um balanço do animal acabou por cair para trás.

Felizmente que o animal era baixo e ela instintivamente enrolou-se na queda o suficiente para não bater com a cabeça no solo. Toda a gente correu para ajudar a senhora e o meu avô, vendo que ela tinha ficado com o ventre e as ceroulas à mostra, lesto tirou o chapéu e tapou «as partes» da pobre senhora e disse para quem mais tinha vindo ajudar, mantendo a mão e o chapéu firmes na sua tarefa: «tratem vocês aí do resto que disto já eu estou tratando!».

[Vista parcial de Alcaria-Alta (Giões), monte das origens de Daniel Teixeira]

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Diogo Dias, um dos vários casos em que o antropónimo deu origem ao topónimo

Pequena nota
No nosso périplo pelo concelho, nesta rubrica muito procurada pelos visitantes/leitores, vamos abordar hoje um “monte” da freguesia de Martim Longo onde ainda devem viver mais de duas dezenas de pessoas, o que começa a ser difícil de encontrar.
JV



Esta pequena povoação alcança-se a partir da aldeia de Martim Longo, sede de freguesia a que pertence, tomando a estrada nº 124.

Poucos quilómetros andados encontramos à direita um entroncamento que seguimos e hoje já asfaltado, o que não acontecia quando passámos por aqui a primeira vez.

Estrada com algumas curvas aparece-nos do lado direito um pequeno monte que já referimos e hoje desabitado, o monte do Silgado. Continuando o nosso trajecto, pouco depois descortinamos igualmente à direita uma povoação de maior dimensão e que se alcança por um pequeno desvio, igualmente asfaltado. À beira da estrada um abrigo apropriado para esperar por transportes públicos.

Como muitas vezes acontece, a referência mais antiga que possuímos da povoação é a que nos dá as Memórias Paroquiais de 1758, pois o pároco que respondeu ao questionário a indica, ainda que não refira e como fez a todas as outras, o número de vizinhos existentes. Todos os párocos das outras freguesias do concelho o fizeram, excepto este.

O seu nome é evidentemente um antropónimo transformado em topónimo e de que existem vários exemplos no concelho.

Por volta de 1970 um natural do monte e a nossa solicitação contou-nos a seguinte estória: - Em tempos que as pessoas não sabem situar, dois irmãos, o Diogo e o Pedro, herdaram grande fortuna pela morte dos seus progenitores. Cada um fixou-se no quinhão que lhe coube dando origem aos “montes” existentes com os seus nomes.

Isto é a estória arquitectada pelo povo, desconhecendo que por essas alturas só herdava o filho primogénito.

O nosso povo tem um poder de imaginação fantástico e para coisas que acabam por ser complicadas, resolvem-nas de maneiras muito simples, apresentando a “lógica” como a verdade.

[Outro aspecto de Diogo Dias]
O que parece não oferecer dúvidas é que o topónimo está relacionado com o antropónimo Diogo Dias, admitindo-se que possa ter sido um possessor após a conquista e ocupação cristã.

Sabemos que um Diogo Dias por mercê de D. João II de 28 de Agosto de 1482 foi nomeado Escrivão das Sisas de Alcoutim. (1) Cerca de dois anos depois, um Diogo Dias, que se admite possa ser o mesmo é nomeado por mercê do mesmo rei, em 30 de Junho de 1484, escrivão da “alcaidaria das sacas” de Alcoutim. (2) Tratando-se hipoteticamente da mesma pessoa ou acumulou as funções ou as últimas seriam -lhe mais vantajosas. Por estas alturas era vulgar a acumulação de funções deste tipo.

Mostra-se também curioso que o conhecido navegador Diogo Dias, possivelmente algarvio e irmão de Bartolomeu Dias, foi incorporado na armada de Vasco da Gama que partiu de Lisboa em 8 de Julho de 1487, com destino à Índia, como escrivão da nau S. Gabriel. (3)

Quem teria sido o Diogo Dias que deu o nome à pequena povoação? Homem simples ou importante? Quem sabe a verdade?

O enigma fica para os vindouros decifrarem.

A povoação situa-se num plano como sugere o planalto do Pereirão que estamos percorrendo.

A saída de alcoutinenses para o estrangeiro e para outras zonas do País mais evoluídas proporcionaram novos conhecimentos, que na primeira oportunidade foram postos em prática.

É neste sentido que fomos encontrar vivendas que nada têm de paralelo com o tipo de construção local e a existência de uma pequena vinha, nova, aramada e tratada, o que a algumas décadas atrás era impossível imaginar.

Um pequeno largo possibilita-nos a manobra do veículo. É naturalmente o local onde tudo chega, principalmente o comércio ambulante representado entre outros pelo padeiro, peixeiro, merceeiro e quinquilheiro.

Uma pequena baixa está aproveitada agricolamente e onde os batatais eram notórios.

Ao Centro Recreativo local, que pensamos ainda existir, oferece a Câmara Municipal uma máquina de café para satisfazer a procura dos seus associados. (4)

Os arruamentos foram pavimentados em 1989 (5), tendo sofrido ajustamentos em 2001 (6) e 2004. (7).

A água ao domicílio é fornecida em 2003 (8), ainda que não possua saneamento básico.

A nível populacional o “monte” segue a regra geral do concelho. Com 77 moradores em 1911, vai subindo até 1960, começando a decair a partir daí. Em 1981 tem 55 habitantes descendo para quarenta e sete no censo de 1991.No último recenseamento (2001) tinha 35 habitantes, sendo 16 do sexo masculino e 19 do feminino. Hoje, poucos mais serão de duas dezenas.



NOTAS
(1)-PT-TT-CHR/J/1/3/560, Chanc. de D. João II, liv.3, fol. 53.
(2)–PT-TT-CHR/J/1/23/642, Chanc. de D. João II, liv.23, fol.143.
(3)–Dicionário de História de Portugal (dir. de Joel Serrão), II Vol., Livraria Figueirinhas, Porto, p 295.
(4)-Boletim Municipal nº 4 de Abril de 1989.
(5)-Boletim Municipal nº 5 de Setembro de 1989.
(6)–Alcoutim, Revista Municipal, nº 8 de Setembro de 2001, p. 12.
(7)–Alcoutim, Revista Municipal, nº 11, de Janeiro de 2005, p. 12.
(8)–Alcoutim, Revista Municipal, nº 10, de Dezembro de 2003, p. 6.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Festa de Afonso Vicente



No passado sábado, dia 14, após viagem de cerca de 400 km, ainda cheguei a tempo de assistir à última parte desta pequena festa realizada numa pequena povoação da freguesia e concelho de Alcoutim.

Não é a primeira e tem tido realização irregular pelo que de momento não sabemos o seu número.

De seu programa do qual só tivemos conhecimento quando chegámos já tinha decorrido a Missa Campal e o Almoço Convívio, este ano fornecido à base de galináceos, ora assados no espeto eléctrico ora guisados.

Segundo informação prestada oralmente pelo Presidente da Associação responsável pelo evento, a Assembleia Geral marcada para as 16 horas não podia ter lugar por falta do seu presidente e do secretário da mesma.

Teve depois lugar o jantar convívio nos mesmos termos do almoço.

Assistimos depois à actuação do Grupo Albuera com apresentação de música popular portuguesa.

Consideramos que a sua actuação constituiu um excelente concerto musical que pensávamos não ser possível em tal ambiente.

O Grupo era constituído por: Voz, Raquel Peters, Baixo, Carlos Santos, Viola, Manuel Avó, Teclas, Fernando, Acordeão, Baltazar Guerreiro e Bateria, Leo.

Raquel Peters, além de uma excelente voz, bem colocada, foi segura na interpretação e equilibrada na coreografia.

Ouvimos também com agrado a interpretação de dois números pelo acordeonista, Baltazar Guerreiro, especialmente no corridinho algarvio que mexe com as pessoas, mesmo quando não são algarvias, como é o nosso caso.

Não possuindo conhecimentos técnicos na área, só podemos dizer que além destas considerações, o conjunto musical soava-nos harmonioso, o que na maior parte das vezes não acontece com outros que temos ouvido por estas bandas.

Podemos dizer que em nossa opinião nunca nas Festas de Afonso Vicente actuou um grupo deste nível.

Seguiu-se depois a actuação do acordeonista Manuel Mendes, oriundo deste concelho e que animou o baile para alguns pares “maduros” na sua maioria de cabeças grisalhas.

A organização esteve a cargo do Centro Cultural, Social e Recreativo de Afonso Vicente.

Antes de apresentarmos a “reportagem fotográfica alusiva ao acontecimento e quando recolhíamos os elementos indispensáveis para a identificação dos artistas, fomos agradavelmente surpreendidos pelo presença do acordeonista, Baltazar Guerreiro, para nós será sempre o Guerreirinho, que conhecemos por volta dos seus cinco/seis anos, miúdo “reguila”, filho do nosso saudoso amigo, João Baltazar Guerreiro, que já recordámos nas páginas deste ALCOUTIM LIVRE e que deixámos de ver quando a família se fixou em Loulé. Dos quatro elementos, os três restantes vimos algumas vezes, mas o Guerreirino, nunca mais. Nunca deixámos de perguntar por ele à família que nos ia dando informações.

Ficámos igualmente admirados como o Guerreirinho ainda se lembrava de nós!

Ficámos imensamente satisfeitos por voltar a vê-lo ao fim de tantos anos.


[Grupo Albuera. Foto JV] [Raquel Peters, a "Diva"] [A voz colocada e segura da "Diva". Foto JV]
[Baltazar Guerreiro o alcoutenejo mágico do acordeão. Foto JV] [Esperando pelo concerto. Foto JV] [Aspecto do concerto. Foto JV]

domingo, 15 de agosto de 2010

A fisga

Já por várias vezes neste espaço tem sido referido esta arte de pesca que foi muito usada no Guadiana e recentemente utilizada por um reformado que após tal situação regressou ao monte de origem junto ao rio, onde em jovem aprendeu com familiares o seu manejo.

Em artigo que publicámos na imprensa regional em 1977 e depois na “Monografia” de Alcoutim, 1985 fizemos referência a esta arte de pescar.

Silva Lopes na sua Corografia do Algarve (1841) já a indica como utilizada no Guadiana.

A fisga apresentada na fotografia é centenária e confeccionada numa das forjas que se espalhavam por todo o concelho, possivelmente e devido à sua origem deve ter sido feita na forja do S. Martinho (Cortes Pereiras).

A rusticidade é evidente e conhecemos várias do mesmo tipo ainda que comecem a escassear.

O cabo era normalmente de cana, muito fácil de obter e que a torna mais leve na utilização ou então de madeira.

O número de dentes era variável, entre 10, que é o caso e 20. Na extremidade de cada um existe uma espécie de anzol ou arpão para evitar que o peixe se solte.

Utilizava-se na designada pesca ao candeio e era praticada por duas pessoas, um que conduz a lancha e o outro que se colocada à proa de fisga em riste e onde se encontra o candeio (começou por se utilizar um gasómetro e depois um petromax).

Enquanto uns afirmam que a luz serve para a aproximação do peixe, outros dizem que é só utilizada para o pescador os ver.

A agilidade do pescador é importante para esta pesca de ferimento praticada a partir de S. João até Outubro, de noite e destina-se ao muge.

Nas casas da especialidade temos visto algumas fisgas, de configurações diferentes e vários tamanhos, que se baseiam no mesmo princípio e se destinam aos pescadores desportivos.

TEMA
Etnografia

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

4º Convívio - Festa 2010 - Tacões - Alcoutim



É já no próximo dia 21 (sábado) que tem lugar em Tacões o 4º Convívio de naturais, residentes e forasteiros que queiram aderir. É uma povoação pertencente à freguesia do Pereiro, concelho de Alcoutim e que constituiu um dos mais populosos e importantes “montes”da freguesia, possuindo um estabelecimento comercial, posto escolar, mais tarde transformado em escola, tendo sido um dos últimos “montes” do concelho onde se praticou a tecelagem em velhos teares e de onde saíam, entre outras peças, maravilhosas colchas de carapulo (fio repuxado) de que possuo um exemplar aí confeccionado.

Não admira este tipo de confecções visto que o “monte” tinha como actividade básica a pastorícia.

A pequena Festa organizada com base nos tacoenses que se encontram fora engloba vários aspectos que vão dos religiosos aos distractivos, passando pelo ALMOÇO COMUNITÁRIO que reúne fundamentalmente os filhos da terra, familiares e amigos em clima de amizade e alegria.

Estas pequeninas Festas, se a memória não me falha, iniciaram-se no Monte de Santa Marta e têm-se espalhado por todo o concelho.

A Organização apela à presença dos tacoenses e de todos que se queiram associar.

Veremos se este ano me é possível estar presente, ainda que não seja de lá natural.

PROGRAMA

11 Horas – Procissão (com Grupo de Escuteiros e Filarmónica)

13 Horas – ALMOÇO CONVÍVIO.

16 Horas – Jogo da malha.

20 Horas – Baile.

22 Horas – Observação telescópica do céu.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Ti Marciano, uma alma generosa!

Pequena nota

Eu já sei que os nossos leitores assíduos, nomeadamente aqueles que nasceram na vila de Alcoutim, estão sempre esperando com curiosidade as Crónicas do nosso colaborador e Amigo Amílcar Felício e que sem saberem o que tratarão especificamente, têm a certeza que irão gostar de ler, recordando figuras e peripécias passadas, algumas de que já não se lembravam, mas que rapidamente recordam e se muitas coisas são conhecidas, aparece sempre um ou outro pormenor desconhecido.
Amílcar Felício não escreve nem melhor nem pior do que qualquer outro colaborador do ALCOUTIM LIVRE, todos marcam a sua diferença com peculiaridades notórias. Cada um, sem o pretender, acaba por ter o seu estilo.
Admitindo que eu me esqueceria de indicar o autor, para os leitores assíduos isso não teria qualquer importância, pois identificavam-no imediatamente.
As Memórias de Amílcar Felício, que tão humana e jocosamente transpõe para o papel, acabam por constituir delícias principalmente para quem conheceu os factos e as figuras.
Eu que não conheci mas que sempre ouvi falar no Ti Marciano, fiquei agora a conhecê-lo melhor já que me são referidos aspectos que desconhecia totalmente.

Alguém salvou a Casa dos Condes e a Capela de Sto. António não desapareceu por duas vezes, quase por milagre! Estas coisas não têm a ver com o aspecto técnico, Amigo, têm a ver com a sensibilidade, com a cultura e outras coisas.

JV





Escreve

Amilcar Felício



[O Guadiana com as suas irmãs seamesas. Foto JV, 2009]

Era pescador, natural de Castro Marim e morava nas casas que hoje constituem o Café/Restaurante “O Caçador”. Eram umas casas térreas com uma configuração diferente da actual, pois a porta da rua era em frente às antigas Escolas Primárias e com o piso da sala de entrada cerca de meio metro abaixo do nível da calçada.

Aliás, se exceptuarmos a velha fachada da Câmara Municipal, as antigas Escolas Primárias, o ex-comércio do Sr. Serafim, a casa do velho Ti Domingos Mariano bem como a casa do Sr. Brito (actual Casa dos Condes), muito pouco sobrevive da antiga traça da baixa alcouteneja dos anos quarenta/cinquenta. Para além da Casa dos Condes que seguramente constituirá um património “a salvo”, desejamos que se mantenha pelo menos a bela fachada da antiga Câmara Municipal para alimentar as nossas memórias. Não é pedir muito! (1)

O Ti Marciano teria ido para Alcoutim nos tempos da fome durante a década de trinta, quando os pescadores nos Invernos mais rigorosos “se faziam à estrada” em demanda do interior serrano algarvio, na tentativa de garantirem a sobrevivência que o mar lhes recusava.

[Manel Melão e Nãmeaces (este encostado à parede da Capela)no local da venda do peixe.]
Embora contemporâneo desse movimento, os seus primeiros contactos com Alcoutim teriam resultado da venda de peixe por conta do Ti Manel Melão, usando o Gasolina como meio de transporte. Acabou por adoptar Alcoutim como a sua terra natal até à morte. Juntamente com o meu compadre Nãmeaces e com o Ti Manel Melão (2) também eles naturais de Castro Marim, por ali foram organizando as suas vidas, constituindo uma equipa indestrutível pela vida fora. Eram uns homens trabalhadores e que tinham o respeito de todos. Homens do mar fizeram do Guadiana a sua casa e a sua fonte de sustento e das suas famílias até ao fim dos seus dias. O Ti Manel Melão morreu muito jovem ainda, pois teria pouco mais de 50 anos.

Aquele fluxo de gente que debandava nos Invernos mais rigorosos do litoral para o interior serrano – os “marujos” como lhes chamavam, eles chamavam-nos “os montanheiros” – teria assumido formas tão significativas, que os seus ecos ainda me chegaram quase duas décadas depois. Muitos deles dizia-se, vagueavam de Monte em Monte à procura de pequenos trabalhos nas casas dos Grandes Lavradores ou até pedindo esmola em último recurso. Eram tempos difíceis sem qualquer espécie de assistência social ou ajudas de qualquer tipo. Cada qual estava entregue a si próprio e à sua capacidade de sobrevivência.

Ainda me lembro de a minha mãe se “zangar” com o meu avô (“com a idade que tem e nunca mais tem juízo, a levantar-se a estas horas da madrugada para vender meia dúzia de copos de aguardente!”), que todos os dias lhes ia abrir a taberna às 5 ou 6 horas da manhã, para que eles pudessem “matar o bicho” quando chegavam da pesca. Respondia-lhe o meu avô com a consciência do Serviço Público que de certo modo acabava por desempenhar entre uns copos de aguardente “deixa lá que eles merecem este sacrifício, pois acabam de chegar da pesca e não há mais nada aberto”.

Pescavam no Guadiana, segundo o processo denominado de “pesca ao tresmalho” e julgo que alguns deles chegaram a trabalhar periodicamente ou na Mina de S. Domingos ou em trabalhos relacionados com a Mina como o Ti Nãmeaces, de acordo com algumas conversas que lhe ouvi.

[Foz da Ribeira de Cadavais. Foto JV, 2009]

Mas de quando em vez tinham uma forma de pescar – chamavam-lhe tapar a ribeira – que fazia a alegria da garotada da minha idade. Colocavam uma rede debaixo do lodo na “boca” da ribeira em toda a sua largura durante a baixa-mar e levantavam-na na preia-mar. Quando a maré baixava novamente, os peixes naturalmente ficavam encurralados e então começavam a pescar, se a memória não me atraiçoa, com umas “artes” a que chamavam de “rodisca” e “chalavar” desde as velhas passadeiras até ao rio, apanhando “mujos”, barbos se já tivessem um tamanho razoável e enguias. Atrás deles vinha a miudagem em festa que os seguia ribeira abaixo e ainda apanhavam muito peixe à mão que levavam para casa.

Recordo-me da alegria contagiante do Ti Marciano no seu relacionamento com a pequenada e do seu enorme espírito solidário. Trazia-me sempre que apanhava, pequenos “solhos” vivos como lhes chamávamos e que eu tentava a todo o custo fazer sobreviver nos poços das hortas do meu pai. Tratava-se nem mais nem menos do célebre esturjão “o tal que “dá” caviar” e que fazia parte do habitat do Guadiana naqueles tempos, imagine-se!

[Esturjão]

Mas não se pense que era uma inventona dos alcoutenejos chamar “solho” ao “esturjão”, pois o seu nome popular é efectivamente “solho ou esturjão”. Mais precisamente solho-rei. E a sua presença no Guadiana em tempos remotos deveria ter sido tão assinalável, que a sua imagem parece ter sido cunhada em moedas no século I a.C. em Mértola. Ficou famoso nos meus tempos de menino um esturjão de 75 quilos que caiu na rede de um pescador de Mértola e que arrastava a lancha como se fosse a motor! Era um peixe parecido com um tubarão, extraordinariamente belo, sem escamas, com a cabeça a terminar em bico e com a boca ventral. O Guadiana foi o seu último refúgio em Portugal tendo desaparecido seguramente há mais de 20 anos, possivelmente devido à poluição e às barragens.

O Ti Marciano foi o Grande Organizador dos Cortejos de Carnaval da minha infância em Alcoutim. Reflexos naturalmente dos Cortejos que se faziam no Algarve e que lhe eram familiares, nomeadamente o de Loulé. O vinho era a grande droga daqueles tempos, estimulado até pelo próprio regime de então que popularizava o slogan “beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses” e as classes trabalhadoras eram as suas principais vítimas. Lembro-me de um ano ele me ter mascarado de bebé num carro engendrado por ele, num desses Cortejos que organizava e de levar uma chupeta numa garrafa de vinho com um garrafão ao lado como reserva. Brincava-se com o próprio vício!

Mas a memória mais forte que conservo da sua personalidade era o seu espírito solidário. Em qualquer tipo de desgraça era sempre o primeiro a aparecer. Naqueles tempos morria muita gente por afogamento no Guadiana, de tal maneira que a garotada à distância como se fosse um jogo, na sua ingenuidade e falta de sensibilidade pela morte, punha-se a adivinhar o sexo das vítimas pois por experiência, os homens vinham de barriga para baixo e as mulheres de barriga para cima. Era difícil e penoso retirar um afogado do rio, devido ao cheiro nauseabundo que os cadáveres exalavam assim como ao peso do corpo inchado depois de alguns dias submerso.

Era uma tarefa que não tinha atribuída qualquer Responsável Público para a executar, dependendo por isso de voluntários. Mas naqueles dias em que aparecia um afogado, os homens desapareciam da Vila como que por milagre. Só o Ti Marciano estava sempre presente e nunca virava a cara a esse gesto de misericórdia. Era um homem para todo o serviço, embora vomitasse por vezes, mas a seguir “enfiava-lhe um tinto pela goela abaixo” e a má disposição passava.

Ironia do destino, alcoólatra e já numa fase degradada de saúde, caiu numa noite de desvario nos princípios da década de sessenta nas íngremes ribanceiras do Cemitério, tendo morrido afogado no “seu Guadiana” cujos cantos conhecia como as palmas das próprias mãos. Tínhamos por ele tal afeição e respeito que a rapaziada do meu tempo já com 17, 18 ou 19 anos, passou a noite inteira dentro da lancha do Manel Balbino no sítio aonde tínhamos localizado a sua queda, à espera que o corpo viesse à superfície para o apanharmos de imediato e evitar o degradante “espectáculo” de um corpo a boiar no rio.

Sem sucesso. As correntes mais profundas tinham levado o corpo, aparecendo alguns dias depois a descer o rio entre a Lourinhã e o Cais Novo. A notícia do seu aparecimento espalhou-se rapidamente pela Vila, só não chegou ao conhecimento dos “voluntários” que não apareceram. Mas chegou aos ouvidos do Zé Martinho que indignado e furibundo, tratando-se ainda por cima de alguém que toda a sua vida não regateou esforços para socorrer o próximo, meteu as “mãos à obra” retirando o corpo.

[O Guadiana visto dos Premedeiros. Foto JV, 2009]

Interiorizei desde miúdo que o Ti Marciano participou nas mesmas aventuras que o Ti Diogo, combatendo na guerra civil espanhola ao lado da República, não se deslocando por isso nem um nem outro a Sanlúcar, com receio das represálias franquistas. Contudo não posso garantir esta afirmação. Contactei diversas pessoas na casa dos setenta e oitenta anos mas ninguém me conseguiu confirmar tal facto, incluindo a Dª Jerónima esposa do Ti Manel Melão. É verdade que também não o desmentiram. No entanto, com a sua generosidade e o seu espírito solidário tudo poderia ter acontecido. Fica a dúvida...

Já agora que falei no Ti Diogo mais um pequeno apontamento. Perdão... no “Sargento” Diogo, como ele gostava que lhe chamassem quando já tinha o seu copito, patente que lhe fora atribuída pela República Espanhola durante a guerrilha. Era um homem bem-humorado e com muita piada este “Sargento” Diogo, quando já tinha um grãozito na asa: “sou um homem feliz, tenho os filhos todos criados e bem colocados na vida e tenho mais dinheiro do que terra! Basta-me ter cinco tostões na algibeira!” Já me esquecia de referir de que não tinha filhos...

Notas
(1) Considero-me um leigo em matéria de urbanismo e arquitectura, mas quem visitar Barrancos ou Mértola, ficará com a sensação de ser tão fácil conciliar o “histórico”, o “antigo” e a “modernidade”, que me faz pena ir vendo destruir Alcoutim ano após ano, com casas que não param de crescer. Sugiro que se visite Barrancos aonde apetece sempre voltar, pela harmoniosa síntese entre o “antigo” e a “modernidade”. Estão de parabéns os barranquenhos e os mertolenses que souberam preservar a sua memória e passado históricos!
(2) Agradeço à Dª Jerónima o tempo que me disponibilizou na confirmação de algumas das memórias que aqui transcrevo, acrescentando um ou outro pormenor. Isto afinal ainda não está muito mal!


quarta-feira, 11 de agosto de 2010

D. Bárbara de Lara, 2ª Condessa de Castanheira

Pequena nota
Temos vindo a publicar nesta rubrica pequenas notas biográficas sobre descendentes dos Condes de Alcoutim que vamos compilando na bibliografia disponível.
Pensamos que isto ajudará a perceber, quando se visita a vila, a existência da designada Casa dos Condes, agora tão badalada e bem, mas que quando chegámos a Alcoutim, praticamente ninguém na terra sabia da sua existência.

JV

[Convento da Castanheira]

D. Bárbara de Lara era filha de P. Pedro de Meneses, 2º Conde de Alcoutim e da Condessa D. Brites de Lara a quem foi buscar o nome de família.

Foi irmã do 3º Conde de Alcoutim, D. Miguel de Meneses e igualmente do 4º, D. Manuel de Meneses que sucedeu ao irmão visto ter morrido sem geração.

Enquanto sua irmã mais velha, D. Juliana de Lara veio a ser 1ª Duquesa de Aveiro, pois casou com o 1º Duque, D. Bárbara foi destinada a D. António de Ataíde, já viúvo e 2º Conde de Castanheira, Senhor de Povos e Cheleiros e outras possessões, Alcaide-Mor de Colares e Comendador de Longroiva, na Ordem de Cristo.

O casamento devia-se ter realizado por volta de 1555, tendo o irmão, D. Miguel de Meneses, 3º Conde de Alcoutim e 2º Marquês de Vila Real vendido a D. António certos bens para pagamento do dote que prometera.

D. António de Ataíde notabilizou-se nas letras e nas armas, como era timbre da gente da sua estirpe.

Veio a falecer em 20 de Janeiro de 1603.

Do casamento nasceram pelo menos seis filhos, três do sexo masculino e três do feminino. Estas tiveram como destino o Convento da Castanheira, de freiras franciscanas, que tinha por invocação Nª Sª da Subserra, hoje desaparecido e onde professaram.
Na igreja do Convento de Santo António dos frades capuchos, vulgo Convento de Farrobo foi sepultado o 1º Conde de Castanheira.

O primogénito, D. Manuel de Ataíde sucedeu a seu pai, sendo o 3º do título, enquanto o secundogénito, D. António de Ataíde, casando com D. Ana de Lima, veio a ser o 1º Conde de Castro Daire.

Quanto ao terceiro, D. Jorge de Ataíde, governou Ceuta em substituição de seu tio, D. Manuel de Meneses e acabou por perecer na batalha de Alcácer Quibir, em 4 de Agosto de 1578.

__________________________________

Brasões da Sala de Sintra, Anselmo Braamcamp Freire, 2ª Edição, III Vol.Coimbra, 1921.

História Genealógica da Casa Real Portuguesa, António Caetano de Sousa, Edição QuidNovi/Público – Academia Portuguesa da História,Vol.II, 2007.

Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Engorda do "sovão"



A Câmara Escura de hoje não é muito velha no tempo, terá cerca de vinte anos.
Em relação a esta foto podemos fazer várias observações, dependendo do olhar de cada um.

O cevão, localmente “sovão” parece estar pronto para o matador lhe espetar a faca e está, como é seu dever, procurando a comida.

O 2º olhar vai para o espaço onde pode andar, ainda que seja bastante amplo para o que normalmente acontece, andar por ali, mesmo para porco e com aquela gordura, não será fácil nem convidativo.

A 3ª observação vai para o aproveitamento do espaço que se tem disponível e a sua utilização é efectivamente a mais adequada e sem dispêndio de verbas avultadas, o que de contrário seria impraticável.

Podemos observar a tonalidade amarelada no cimo das paredes e que a criação dos líquenes proporcionou.

Os típicos muros de pedra, penso que de pedra solta, ainda se podiam observar, não esquecendo o branco da cal nas paredes de fachada. A telha de canudo ainda aparecia, quem sabe se alguma veio a ser vendida para as construções do litoral algarvio.

O verde da vegetação quase passa despercebido e o sinal dos nossos dias é representado pelo poste de electricidade.

Restará dizer que a foto foi tirado por nós nas Cortes Pereiras (Monte Longo) e que possivelmente já não se engordam “sovões” em tal “monte”.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Os Paços do Concelho - Os actuais funcionam há 110 anos

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE -Magazine - de 24 DE FEVEREIRO DE 1994)

[Os Paços do Concelho num desenho de José Varzeano]

A história local faz-se de pequenos nadas que no seu conjunto e a que se pode juntar um ou outro facto de âmbito nacional, quando os há, dão a caracterização de uma terra e da zona que domina.

Se conhecer os seus monumentos, como castelos, igrejas e palácios… tem interesse, não o tem menos, por exemplo, conhecer o seu tecido habitacional, sua disposição e orientação, tipo e materiais de construção e o mais que o define.

Dentro desta perspectiva, é-nos possível hoje escrever alguma coisa sobre os Paços do Concelho.

Como é sabido, os paços de concelho são edifícios municipais para reunião da vereação e onde se encontram instalados os serviços administrativos.

São quase sempre edifícios que se destacam entre os demais por alguma imponência e volumetria, situando-se de uma maneira geral no centro das povoações e no largo ou praça principal. Na maioria das terras, principalmente nas mais pequenas, não é necessário perguntar onde é a Câmara Municipal, logo se depara na praça principal, algumas toponimicamente designadas por Largo do Município, e muitas por Largo ou Praça da República.

[A desaparecida cadeia. Foto JV.]
Supõe-se que em Alcoutim a sede do poder local tivesse funcionado onde depois foi a já desaparecida cadeia. Quando recentemente falámos dela, indicámos alguns argumentos nesse sentido.

Sabe-se que em 1823 a cheia do Guadiana que se registou principalmente entre 31 de Janeiro e 4 de Fevereiro, “… derrubou a maior parte das habitações, nelas incluindo o edifício da Câmara”. (1)

Este prédio, como é natural, igualmente se situava na praça principal, mais precisamente no local em que é hoje um parque de estacionamento automóvel e o edifício da antiga escola do ensino primário.

Segundo o que nos revela o senhor Dr. Vilhena Mesquita (2), o orçamento apresentado por dois mestres pedreiros, obrigava a Edilidade a despender as receitas do Terreiro do Trigo e ainda a pedir um reforço de verba da ordem dos 500$000 réis. As obras e segundo ainda aquele douto investigador, foram efectuadas.

[Local onde se situaram os Paços do Concelho anteriores aos actuais, desactivados]

Aí, continuaram os Paços do Concelho e em 1860 (3) o presidente da Câmara de então, Augusto Carlos Pinto, ao abrir a sessão deu conta que a estreiteza e acanhamento do espaço que ocupão os Paços do Município os tornam insuficientes para o fim a que são destinados e que a Câmara é obrigada a fornecer casa para as audiências judiciais. Casa para a Administração do Concelho, e agora também para a Repartição de Fazenda, que pelo respectivo escrivão lhe foram já requisitadas.
He de todos sabido que não há casas que possam destinar-se para tais fins e mesmo se as houvesse a Câmara teria de pagar aluguel acima de trinta mil réis anuais. Sabe a Câmara (e continua o Presidente) que a Herdade dos Coitos, propriedade do município, está rendendo anualmente 40$000 réis, quando o seu valor intrínseco ascende seguramente a 1.800$000 réis. Ora se esta propriedade fosse vendida teria a Câmara 1.000$000 réis para fazer um prédio com as acomodações necessárias par as repartições públicas no Largo da Praça Nova e lhe ficavam ainda 800$000 réis que empregados em inscrições de juro de 3% ao ano poderiam arranjar para o Município hum rendimento superior ao que actualmente recebe da dita Herdade ficando-lhe além disso a mais os actuais Paços do Concelho que poderiam alugar-se.

Posto isto, esperava o Edil que a Câmara e o Administrador se decidissem se é ou não conveniente a referida venda e em caso afirmativo devia-se solicitar logo ao “Governo de Sua Magestade” a necessária autorização.

Posta em discussão a proposta e sendo evidente a necessidade de construir um prédio suficientemente espaçoso para albergar as repartições públicas e que a Câmara tem obrigação legal de o fazer e calculando-se que o produto da venda da herdade daria para o prédio, sobrando ainda quantia bastante que, utilizada em “Inscrições de Dívida Pública” cobriria o actual rendimento proveniente da mencionada Herdade dos Coitos, a Câmara e o Administrador, por unanimidade, votaram que se pedisse autorização para a sua venda e destino indicado.

Aproveitou-se também para deliberar pedir autorização para a venda dos actuais Paços do Concelho e das “Casas da Cadeia”, se no prédio a construir ela também possa ser incluída. (4)

Sete anos depois a Câmara delibera, devido à exiguidade dos Paços, proceder ao seu acrescento até à Capela de Sto. António. (5)

A Herdade vem a ser efectivamente vendida em 1873, por dois contos e cinquenta mil réis, com os quais se compram títulos de dívida interna fundado com juro de 3%. (6) Como se vê, a verba não foi utilizada na construção de novos Paços do Concelho, como se pretendia.

Na sessão municipal extraordinária realizada em 21 de Dezembro de 1876, foi deliberado, entre outros assuntos, pedir o dinheiro existente no Cofre de Viação Municipal e o que a ele possa pertencer durante os dez anos seguintes, para a edificação dos novos Paços do Concelho, em lugar dos que caíram. Não sendo conveniente a edificação no local em que se achavam, por estarem sujeitos às cheias do rio, se peça o castelo, onde sem receio se pode construir, não só aqueles “Paços” mas também casas para a Delegação da Alfândega e outras.

A Câmara, a nível de prédios urbanos, é considerada a mais prejudicada, sendo calculados os seus prejuízos, nos Paços do Concelho, como atingindo um conto e oitocentos mil réis, pedindo-se subsídio nesse sentido.

[Lampião utilizado antes da iliminacão elétrica, mas que a mesma aproveitou e bem!]
Cinco anos depois da “Cheia Grande”, como o povo o designa, o assunto dos Paços do Concelho volta a ser badalado. A Câmara estava pagando alugueres de casas em que funcionam as repartições públicas no que despende mais de noventa mil réis anuais. No Cofre de Viação Municipal (hoje C.G.D.), tem perto de quatro contos de réis que com a devida autorização das Cortes, podiam ser empregues na reedificação ou construção de novos Paços do Concelho, com as acomodações necessárias para todas as repartições.

Pensa o Presidente da Câmara, João Xavier de Brito, de Martim Longo e um dos maiores contribuintes do concelho, ser altamente vantajoso que a Câmara apresente superiormente o assunto pedindo autorização para levantar a dita quantia para a construção dos novos Paços do Concelho. (7)

Na sessão de 31 de Março de 1883, o vereador Manuel António Torres chama a atenção da Câmara para o facto de ter sido publicado no Diário do Governo de 15 daquele mês, a Carta Régia pela qual é autorizada a Câmara a desviar do Cofre de Viação a quantia de quatro contos de réis para a construção dos Paços do Concelho. Entendia o mesmo vereador que o assunto devia de ser já accionado a fim de “dar começo à obra quanto antes”.

Na sessão seguinte (07.04.1883), o mesmo vereador apresenta uma proposta do Prior desta vila, António José Madeira de Freitas (sobrinho), em que este se dispõe a negociar as casas nobres que possui na Rua de Santo António, há poucos anos construídas, que são sólidas e que possuem o espaço suficiente para o fim em vista.

A Câmara aceitou a proposta e designou o dia 21 do mesmo mês para se ocupar desse assunto, sendo convidado o dito Prior a estar presente. (8)

Entretanto, na sessão de 14, são apresentadas mais três propostas de venda de casas para Paços do Concelho, por António José Ramos Faísca Caimoto, José de Morais e Sebastião do Rosário Vieira.

Reunida a Câmara em 19 de Maio, o Presidente informe que no dia 12 teve lugar a inspecção e exame sobre o estado de solidez e acomodação das Casas do Prior da Vila, resultando do exame a declaração dos peritos, serem as mesmas apropriadas para nelas funcionar a Câmara, Administração do Concelho, Repartição de Fazenda, tudo muita à vontade e em casas independentes umas das outras. Acrescenta ainda que o prédio foi construído há pouco, desde os alicerces, achando-se em estado de perfeita solidez. O valor foi calculado pelos técnicos em 3.750$000 réis.

Ao pronunciar-se a vereação votou por unanimidade entrar em negociações com o proprietário e não construir um novo prédio.

Chamado o Prior, foi acordado comprar as ditas casas nobres, pela quantia de três contos e seiscentos mil réis. (9)

No mês seguinte e novamente o vereador Torres (10) lembra que era conveniente pedir autorização ao Governo para serem vendidos os pardieiros dos antigos Paços do Concelho, mas tão somente para prédio e não para quintal. (11)

A título de curiosidade diremos que pelo menos em 1889 ainda os pardieiros dos antigos Paços do Concelho eram postos em praça, pela Câmara, para arrendamento por um ano, com a condição de não servirem para pocilgo ou outras coisas imundas.

O Corpo de Fiscalização externo das Alfândegas nesta vila, vai ser instalado nos baixos, na parte nascente dos novos Paços, sendo assinado o termo de arrendamento pela quantia de três mil e quinhentos réis mensais. (12)

Tudo indica que o negócio feito pelo Prior, se destinava a realizar capital para reconstruir um seu prédio que tem próximo da Igreja Matriz, visto ter pedido em 28 de Julho de 1883 licença para deitar fora, para a rua, a parede que está feita.

Conhecemos bem este prédio que já não existe e que tinha uma certa imponência a nível local. Vivemos lá cerca de dois anos. Derrubado em 1977, lamentamos hoje não possuir nenhuma fotografia, tanto exterior, como interiormente. O lajeado da cozinha e lareira, onde muitas vezes me aqueci, a pintura dos tectos, a escadaria de ladrilho e madeira, de acesso ao piso superior e o bocal da cisterna no qunitalão, se os tenho fotografado, constituíam para mim uma relíquia. Agora, não há remédio e o pior é que ninguém o teria feito!

A entrega do prédio já adaptado para Paços do Concelho é feita em 29 de Dezembro de 1883 (13), pelo que já funcionam neste local há mais de um século.

[O Presidente da Repúlica, Américo Thomaz, à varando dos Paços do concelho após apoteótica recepção, em 1965]

Naturalmente que durante este longo período de tempo tem sofrido alterações e obras de beneficiação, tendo o aspecto actual da grande transformação ocorrida em princípios dos anos sessenta.

Igual pesquisa gostaríamos de fazer sobre outros edifícios da vila, como por exemplo a arruinada “Casa dos Condes”, o quartel da extinta Guarda Fiscal e a residência indicada como tendo sido de um capitão-mor e onde se encontram instalados os serviços fiscais concelhios.

Localmente, o único departamento onde poderia encontrar alguma coisa, nada tem, tudo apodreceu!

NOTAS

(1)-“A derrocada do pelourinho e da Câmara de Alcoutim pelas cheias do Guadiana em 1824”, José Carlos Vilhena Mesquita, in Jornal do Algarve de 8 de Agosto de 1991.
(2)-Idem, ibidem.
(3)Acta da Sessão da C.M.A. de 4 de Novembro de 1860.
(4)-Idem
(5)-Acta da Sessão da C.M.A. de 7 de Fevereiro de 1887.
(6)-Acta da Sessão da C.M.A. de 15 de Novembro de 1873.
(7)-Acta da Sessão da C.M.A. de 3 de Fevereiro de 1881.
(8)-Acta da Sessão da C.M.A. de 7 de Abril de 1883.
(9)-Acta da Sessão da C.M.A. de 19 de Maio de 1883.
(10)-Manuel António Torres, figura marcante na sua época na vila de Alcoutim. Vide Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio…, 1985, pág. 321.
(11)-Acta da Sessão da C.M.A de 2 de Junho de 1883.
(12)-Acta da Sessão da C.M.A. de 30 de Junho de 1883.
(13)-Acta da Sessão da C.M.A. de 5 de Janeiro de 1884.